Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4294/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
DENÚNCIA DE CONTRATO
ARRENDAMENTO RURAL
DATA DO SEU EFEITO
Data do Acordão: 03/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 660º, Nº 2, E 668º, Nº 1, ALS. C) E D), DO CPC ; 18º, Nº 1, AL. B), DO D.L. Nº 385/88, DE 25/10 .
Sumário: I – A nulidade prevista na al. d), do nº 1, do artº 668º do CPC, verifica-se quando se detecta na sentença que o juiz não se pronunciou sobre questão de que deveria pronunciar-se ou quando se pronunciou sobre questão de que se deveria ter abstido de conhecer, dado o disposto no artº 660º, nº 2, do CPC .
II – Constitui hoje entendimento pacífico na jurisprudência, que as “questões” referidas nos artºs 660º, nº 2, e 668º, nº 1, al. d), ambos do CPC, são as respeitantes ao pedido ou à causa de pedir, não abrangendo tal vocábulo os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir .

III – A nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artº 668ºdo CPC, verifica-se quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto ou, dito de outro modo, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma conclusão oposta àquela que logicamente deveria ter extraído .

IV – O que efectivamente constitui elemento desencadeador da extinção do contrato de arrendamento rural é a sua denúncia tempestiva, por parte do senhorio, isto é, com observância do prazo não inferior ao legalmente previsto para tal, sendo que a indicação da data concreta em que opera o despejo constitui apenas um efeito necessário dessa denúncia . Nas acções de despejo, a questão da data em que há-de situar-se o termo do respectivo contrato nada tem a ver com a essência do pedido; por isso, no caso do senhorio pretender fazer cessar o arrendamento em certa data e se verificar que só poderá ser obtido para um momento ulterior, deverá o tribunal julgar em conformidade .

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra,

I – RELATÓRIO

A... e esposa, B... instauraram acção declarativa, com processo sumário, contra C..., pedindo:
Se declare que a denúncia do contrato de arrendamento, celebrado em 1 de Outubro de 1975 entre Francisco Ferreira e o autor, tendo por objecto metade de uma terra de semeadura com oliveiras, vinha e outras árvores e um poço, no sítio do Vale do Pereiro, freguesia de S. João Baptista, concelho de Tomar e com o artigo matricial rústico 161-½ não é válida dado que o próximo prazo de renovação do mesmo só terminará em 30 de Setembro de 2005;
Subsidiariamente, se assim não for entendido, que se reconheça que o despejo põe em risco a subsistência económica dos autores e do seu agregado familiar, sendo válida a sua oposição à denúncia;
Caso ambos estes pedidos improcedam, se reconheça do direito dos autores ao reembolso das benfeitorias por eles realizadas no prédio, no montante de esc. 2.500.000$00, condenando-se no seu pagamento, as heranças de Francisco Ferreira e mulher.
Para o efeito, alegaram, em síntese, o seguinte:
O referido contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de um ano, prorrogável por sucessivos e iguais períodos, mediante a renda anual de esc. 3.000$00;
Desde então, os autores têm cultivado o prédio que, actualmente, tem o artigo matricial 92, Secção C da freguesia de S. João Baptista;
Porém, a ré, invocando a sua qualidade de cabeça de casal nas heranças de seus pais, comunicou aos autores, através de notificação judicial avulsa, efectuada em 13 de Julho de 2000, que denunciava o referido contrato a partir de 1 de Outubro de 2001, data em que os autores deveriam restituir o imóvel arrendado;
Os autores são reformados, tendo como únicos rendimentos as suas pensões de reforma de esc. 31.840$00 e de esc. 38.050$00;
Vivem numa casa de habitação em prédio contíguo ao arrendado, pela qual pagavam de renda esc. 1.104$00 que, a partir de Janeiro de 1993, passaram a depositar, na Caixa Geral de Depósitos;
Por isso, complementam tais rendimentos com os produtos que cultivam no prédio arrendado e com os animais domésticos que ali criam, designadamente, ovelhas, coelhos, patos, galinhas, alimentando-se dos produtos que obtêm da exploração agrícola do locado, sem que os seus rendimentos lhes permita adquirir tais produtos no mercado;
Para além disso, têm realizado, neste prédio, vários trabalhos de limpeza e de revolvimento do solo para aumentar a sua fertilidade, com custos que hoje correspondem a um montante não inferior a esc. 2.500.000$00.
Na contestação, a ré alegou, em síntese, que não corresponde à realidade que a cessação do contrato de arrendamento dos autos coloque em risco a subsistência dos autores, uma vez que o autor marido, além da sua pensão de reforma, aufere rendimentos provenientes de trabalhos agrícolas que efectua por conta de terceiras pessoas e a autora mulher exerce uma outra actividade comercial de venda de frutas e hortícolas, no mercado municipal de Tomar;
Além disso, nunca ali criaram qualquer espécie que fosse de animais e a vinha encontra-se desprezada;
O prazo de cinco anos de renovação previsto no art. 2º do D.L. 524/99 de 10.12., não tem aqui aplicação.
Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, com organização da matéria assente e da base instrutória, que não foram objecto de reclamações.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.
Foi proferida sentença, com a seguinte decisão:
Termos em que julgo a presente acção provada e procedente e, em consequência, julgo válido e eficazmente denunciado o contrato de arrendamento rural celebrado em 1 de Outubro de 1975, entre o autor A... e Francisco Ferreira, tendo por objecto metade de uma terra de semeadura com oliveiras, vinha e outras árvores e um poço, no sítio de Vale Pereiro, freguesia de S. João Baptista, concelho de Tomar, inscrito na matriz, sob o art. 161 - ½, mas apenas para o próximo dia 30 de Setembro de 2005;
Em consequência, declaro cessados os efeitos do mesmo contrato e a extinção do mesmo, a partir de 1 de Outubro de 2005.
Inconformados com tal decisão vieram os RR interpor o competente recurso de apelação, tendo desde logo em tal requerimento de interposição referido que aí iriam arguir nulidades da sentença.
Apresentaram as respectivas alegações, nas quais exibiram as seguintes conclusões:
Nesta acção os AA. formularam, em síntese, os seguintes pedidos:
• Declarar-se que a denúncia do contrato de arrendamento não é válida;
• Na hipótese de ser válida a denúncia que seja também julgada procedente a oposição à denúncia;
• No caso de ser julgada válida a denúncia e improcedente a oposição, serem as RR. condenadas no pagamento aos AA. do valor das benfeitorias.
A douta sentença apreciou apenas o primeiro dos pedidos e concluiu que a denúncia do contrato de arrendamento é válida e eficaz, assim o declarando, apesar de ninguém ter formulado tal pedido de declaração de validade.
Só que, em vez de julgar improcedente o pedido dos AA. e de passar à apreciação do 2° pedido declarou, pelo contrário, que procedia o primeiro pedido formulado pelos AA. e que, assim, ficava prejudicada a apreciação do 2° pedido; Isto é, declarou procedente o pedido (que era a declaração de invalidade da denúncia), não obstante ter fundamentado e decidido no sentido da sua validade.
Os AA. não pediram nem demonstraram aceitar que considerariam válida a denúncia se esta fosse reportada a 30-09- -2005, apenas tendo afirmado entenderem que a denúncia erradamente reportada pelas RR. a 1.10.2001 a tornaria “ipso facto” inválida e que, assim, ficaria prejudicada a necessidade de conhecer da validade da oposição.
Porém a sentença declarou válida a denúncia, contrariamente ao que os AA. tinham pedido, reportando-a a 30-09- -2005.
Ora, a ser assim, havia que conhecer do segundo pedido formulado (validade da oposição) e, eventualmente, do terceiro — aliás de acordo com a sequência lógica já antecipada no artigo 27° da p.i. e acolhida no relatório da sentença.
A decisão, por outro lado, vai ao arrepio do anterior desenvolvimento processual, pois se a apreciação da validade da denúncia era mera questão de direito, não se teria justificado a elaboração de questionário relativo à matéria da oposição à denúncia e às benfeitorias.
A douta sentença ao declarar procedente o 1° pedido formulado pelos AA. não obstante decidir ao contrário do que era pedido, cometeu a nulidade prevista no artigo 668° n° 1 al. c) do CPC;
E por consequência omitiu a apreciação dos outros pedidos, que deveria apreciar, cometendo assim a nulidade prevista na alínea d); e ao julgar válida e eficazmente denunciado o contrato e cessados os seus efeitos a partir de 1 de Outubro de 2005 pronunciou-se sobre questão de que não podia tomar conhecimento, cometendo excesso de pronúncia (aI. d)) que igualmente a inquina de nulidade.
10ª Declarando a sentença válida e eficazmente denunciado o contrato de arrendamento rural em questão, é óbvio que improcede o primeiro pedido dos AA., que reclamavam a declaração de invalidade da denúncia!
11ª Decidindo dessa forma a sentença violou manifestamente o princípio da necessidade do pedido ínsito no artigo 3° n° 1 do CPC, dispondo sobre questão diversa daquela que fora submetida à sua decisão, e excedendo os limites impostos pelo artigo 661° n° 1 do CPC.
12ª Do mesmo passo considerou erradamente prejudicada a apreciação dos outros pedidos formulados pelos AA., sob a errada invocação de que teria sido julgado procedente o seu primeiro pedido (declaração de invalidade da denúncia).
13ª A sentença comete ainda outro erro de análise ao declarar que este contrato, iniciado em 1 de Outubro de 1975, teria de cessar forçosamente em 30 de Setembro de 2005 pelo facto de se completar o prazo de 30 anos “de duração máxima que a lei permite” face ao disposto no artigo 1025° do Código Civil.
14ª Além disso, a decisão contida na sentença violaria o disposto no artigo 19° nº 2 da Lei do Arrendamento Rural, segundo o qual o despejo do prédio arrendado não pode ter lugar antes do termo do ano agrícola posterior à sentença.
15ª A não se considerar a denúncia como prematura, atenta a sua exagerada antecedência, terão pelo menos que ser fortemente valorizados os dados que indicam que aquela põe em risco sério a subsistência económica do arrendatário e do seu agregado familiar, até pela previsibilidade de que tais riscos tenderão a agravar-se.
16ª E daí que a prova recolhida no processo em tal matéria deva considerar-se suficiente para demonstrar que o pretendido despejo implicaria para os AA. esse tal risco sério, designadamente o fraquíssimo nível de rendimentos dos AA.; o facto de serem reformados; o facto de cultivarem o prédio arrendado e dele extraírem todas as referidas hortaliças, frutos e animais que destinam ao consumo próprio e do seu agregado familiar, não tendo por outro lado alternativas de arrendamento.
17ª Pelo que tais fundamentos são suficientes para ser declarada procedente a oposição à denúncia, no caso de se confirmar a validade desta.
18ª E se por mera hipótese a denúncia fosse válida e a oposição à denúncia improcedente, então haveria que decidir quanto ao pedido de pagamento de indemnização por benfeitorias aos AA. [Amplamente autorizadas e protegidas à data da sua execução pelo art. 100 do DL 201/75 de 15 de Abril.], julgando-se procedente tal pedido.
19ª Restando ainda apreciar uma outra questão, de conhecimento oficioso, que é a de saber se a cabeça de casal tinha legitimidade para denunciar o contrato celebrado pelo “de cujus”, questão essa que deverá ser decidida em sentido negativo.
20ª Por todo o exposto deverá a sentença recorrida ser revogada e, de acordo com as precedentes conclusões ser julgada inválida a denúncia ou, em caso negativo, ser julgada procedente a oposição à denúncia; e ainda, na hipótese de improcedência deste último pedido, serem as rés condenadas a pagarem aos AA. o valor das benfeitorias por eles realizadas no prédio.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO;
QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as várias questões colocadas pelos recorrentes, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660.º, n.º 2, 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (CPC).
Vejamos então quais as questões a conhecer:

a) Nulidades da sentença enquadráveis nas alíneas c) e d), do n.º 1 do art.º 668.º do Código de Processo Civil
b) Ilegitimidade da Ré/apelada para a denúncia do contrato de arrendamento.


III - FUNDAMENTOS

1. De facto

São os seguintes os factos que foram dados como provados na sentença:
a) No dia 1 de Outubro de 1975, Francisco Ferreira e A... celebraram um acordo, nos termos do qual, este último passaria a ocupar, para aí exercer actividade agrícola, metade de uma terra de semeadura com oliveiras, vinha e outras árvores e um poço, no sítio de Vale Pereiro, freguesia de S. João Baptista, concelho de Tomar, inscrito na matriz, sob o art. 161 - 1/2, com início em 1 de Outubro de 1975, pelo período de um ano, prorrogável por iguais e sucessivos períodos, em contrapartida do que entregaria ao primeiro, a título de remuneração, a importância de esc. 3.000$00, por ano, em dinheiro ou em géneros da sua produção, na residência do referido Francisco Ferreira, até ao final de cada ano agrícola - 30 de Setembro ( alínea A) da matéria assente );
b) Mais, ficou acordado entre ambos que A... daria água do poço, para consumo doméstico, aos inquilinos das casas existentes no prédio, bem como acessos a essas casas e ao poço ( alínea B) da matéria assente );
c) No dia 18 de Março de 1996, na Secretaria Notarial de Lisboa, C... declarou ser cabeça de casal da herança deixada por óbito de Maria Pereira Ferreira, falecida em 1 de Março de 1996, no estado de viúva, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo deixado a suceder-lhe seus filhos, C..., José Pereira Ferreira, Isabel Conceição Ferreira Neto e Angelina Pereira Ferreira ( alínea C) da matéria assente );
c) No dia 26 de Maio de 2000, na Secretaria Notarial de Tomar, C... declarou ser cabeça de casal da herança deixada por óbito de Francisco Ferreira, falecido em 8 de Junho de 1983, no estado de casado com Maria Pereira Ferreira, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo deixado a suceder-lhe seus filhos, C..., José Pereira Ferreira, Isabel Conceição Ferreira Neto e Angelina Pereira Ferreira ( alínea D) da matéria assente );
c) No dia 29 de Junho de 2000, C..., invocando a qualidade de cabeça de casal das heranças deixadas por morte de Maria Pereira Ferreira e Francisco Ferreira requereu ao Tribunal a notificação dos autores A... e Purificação Pouseiro de que o acordo referido em A) e B) chegava ao seu fim, a partir de 1 de Outubro de 2001 ( alínea E) da matéria assente );
d) Tal notificação foi feita aos autores em 13.07.2000 ( alínea F) da matéria assente );
e) Os autores são reformados (resposta ao nº 1 da base instrutória);
f) Recebendo, por mês, esc. 31.840$00 e esc. 38.050$00, respectivamente ( resposta ao nº 2 da base instrutória );
g) Vivem numa casa situada em prédio contíguo ao descrito em A) ( resposta ao nº 4 da base instrutória );
h) E cultivam hortaliças e frutas, no prédio descrito em A) (resposta ao nº 6 da base instrutória );
i) E colhem uvas, figos, peras ameixas e hortaliças ( resposta ao nº 7 da base instrutória );
j) Com parte dos produtos hortícolas e frutos mencionados nas respostas aos nºs 6 e 7 fazem parte da sua alimentação e de outros elementos do seu agregado familiar ( resposta ao nº 8 da base instrutória ),
k) Até há cerca de três meses, criavam ovelhas, no prédio descrito em A) ( resposta ao nº 9 da base instrutória );
l) Até há cerca de três meses, criavam borregos, no prédio descrito em A) ( resposta ao nº 11 da base instrutória );
m) Os autores destinavam os borregos ao seu consumo e de seus familiares ( resposta nº 12 da base instrutória );
n) E sem que existam, nas proximidades, outros prédios com a mesma área do referido em A) ( resposta ao nº 15 da base instrutória );
o) E que proporcionem aos autores as mesmas colheitas (resposta ao nº 16 da base instrutória);
p) Além dos autores, também os seus filha, genro e netos fazem e faziam parte da sua alimentação com os frutos referidos em 7 e com os borregos mencionados em 11( resposta ao nº 17 da base instrutória );
q) Pelo menos em parte do prédio descrito em A), existiam canas, silvas e ervas daninhas, em 1975 ( resposta ao nº 18 da base instrutória );
r) Tendo os autores levado a cabo trabalhos de limpeza dos terrenos e de revolvimento do solo ( resposta ao nº 19 da base instrutória );
s) Os trabalhos mencionados em 19 importaram custo de montante não concretamente apurado ( resposta ao nº 20 da base instrutória ).

2. De direito

a) Nulidades da sentença enquadráveis nas alíneas
c) e d), do n.º 1 do art.º 668.º do Código de Processo Civil

Os apelantes, entendem nas suas alegações de recurso que a sentença recorrida será nula, quer por os seus fundamentos se encontrarem em oposição com a decisão (al. c) do n.º 1 do art.º 668.º do Código de Processo Civil [Diploma a que nos referiremos de ora em diante, sempre que expressamente não indicarmos outro.]), quer por o juiz ter deixado de se pronunciar sobre questões de que deveria pronunciar-se e ter conhecido de questões de que não poderia tomar conhecimento (al. d) do mesmo preceito legal).
Esta última nulidade verifica-se, quando se detecta na sentença que o Juiz não se pronunciou sobre questão de que deveria pronunciar-se ou quando se pronunciou sobre questão de que se deveria ter abstido de conhecer.
Com efeito, o art.º 660.º, n.º 2, impõe que o juiz resolva “todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes…”.
Desde logo, tenha-se presente o que é referido no Acórdão do STJ, de 11/01/2000, Revista n.º 1062/99 – 6.ª Secção (in www.cidadevirtual.pt/stj/secciv.html): “Só ocorre nulidade do acórdão nos termos do art.º 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, se o tribunal deixar de pronunciar-se ou se se pronunciar indevidamente sobre questões [Sublinhado nosso] suscitadas e não os simples argumentos e opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes”.
Constituiu hoje entendimento pacífico que as “questões” referidas no normativo acima citado são as respeitantes ao pedido ou à causa do pedido. Na verdade, vem sendo dominantemente entendido, que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir [Vd. entre outros os Acds. do STJ de: 11/01/2000, Revista n.º 1062/99 – 6.ª Secção in www.cidadevirtual.pt/stj/secciv.html; 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”.].
Ora, atentos tais pressupostos teremos de concluir que o Senhor Juiz do Tribunal a quo conheceu para além do que lhe era pedido.
Com efeito, há que ter presente que nos encontramos face a uma acção em que foram formulados um pedido principal e dois subsidiários, sendo que o principal constituirá suporte duma acção de simples apreciação negativa (art.º 4.º, n.º 2, al. a)) [Contrariamente ao que os próprios AA. referem na parte interlocutória da sua petição inicial em que classificam a acção de condenação.], pois que os AA., através dele pretendiam tão só que fosse declarada a invalidade da denúncia do contrato que lhes foi apresentada pela R.
Na realidade, a acção em causa surge na sequência da notificação judicial avulsa que foi efectuada aos ora recorrentes denunciando o contrato de arrendamento rural, pretendendo eles que através deste processo se julgasse inválida a denúncia para o prazo estipulado ou então que se considerasse existirem razões de oposição bastantes para inviabilizarem essa denúncia, nos termos do art.º 19.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 385/88 de 25/10, ou ainda, finalmente, caso nenhum dos anteriores pedidos vingasse, que se condenasse a R a pagar-lhes determinado quantitativo monetário, pelas benfeitorias por eles realizadas no arrendado.
Nos termos do disposto no art.º 469.º, n.º 1, 2.ª parte … Diz- -se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.
Quer isto significar que só é apreciado o pedido subsidiário no caso do principal não proceder.
Ora, no caso em apreço, atentemos na forma como foi formulado o pedido principal, recorrendo para tal ao que expressamente consta do final da petição inicial:
Termos em que … a presente acção deverá ser julgada procedente, declarando-se que a denúncia do contrato não é válida para 1.10.2001 dado que o próximo prazo de renovação do mesmo só terminará em 30.09.2005.”
Na sua apreciação de tal pedido o Senhor Juiz acabou decidindo da seguinte forma:
“Termos em que julgo a presente acção provada e procedente e, em consequência, julgo válido e eficazmente denunciado o contrato de arrendamento rural … mas apenas para o próximo dia 30.10.2005.
Em consequência declaro cessados os efeitos do mesmo contrato e a extinção do mesmo, a partir de 1 de Outubro de 2005.”
Ora, é para nós evidente que o Senhor Juiz julgou para além do que lhe foi pedido, na medida em que os AA. apenas tinham pedido que se considerasse inválida a denúncia para a data de 1/10/2001, tendo inclusive alegado como fundamento dessa sua pretensão de declaração de invalidade que o próximo prazo de renovação do mesmo só terminará em 30.09.2005, sendo certo porém que não pediam em lado algum que o tribunal declarasse essa data como válida e eficaz.
Não tendo sido formulado pelos AA pedido neste último sentido, nem pedido reconvencional por banda da R, nesse mesmo sentido, não poderia decidir-se como se decidiu, pois que tal está para além da declaração de invalidade pretendida por aqueles.
Regista-se assim a nulidade da sentença invocada pelos apelantes e prevista na al. d) do n.º 1, do art.º 668.º.

Paralelamente, e por via do que se deixa exposto, há igualmente que registar a existência da outra nulidade alegada pelos recorrentes.
Esta nulidade – oposição entre os fundamentos e a decisão (al. c) do indicado preceito legal) - só se verifica quando (nas doutas palavras do Prof. Alberto dos Reis) [in “Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 141] «…os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto”.
Dito de outra maneira, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta àquela que logicamente deveria ter extraído [Vd., entre outros, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.”] .
Tal nulidade refere-se, pois, a um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso daquele que seguiu.
Não se pode confundir a motivação da decisão (art.º 659.º) com a fundamentação a que se reporta o art.º 653.º, n.º 2.
Aquela – que ora interessa – desdobra-se em fundamentação de facto e fundamentação de direito, consubstanciada esta na interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes aos factos dados como assentes.
Assim, tal nulidade não abrange o erro de julgamento, seja de facto, seja de direito, e designadamente a não conformidade da decisão com o direito substantivo [Vd., Ac. do STJ de 21/5/98, in “CJ, Acs do STJ, Ano VI, T2 – 95”].
No caso em apreço, verifica-se que o Senhor Juiz do tribunal a quo na apreciação que fez da denúncia do arrendamento chegou à conclusão que a mesma não seria válida para a data referida na notificação judicial avulsa (1/10/2001) mas que o seria para a data de 1/10/2005. Face a tal conclusão, entendeu então que o pedido principal seria de proceder, embora com a nuance de que a denúncia seria válida e eficaz apenas para o próximo dia 30.10.2005.
Ora o raciocínio da 1.ª instância mostra-se, a nosso ver, contraditório, pois que ou se tinha julgado esse pedido principal improcedente - por se ter entendido que era válida a denúncia, embora ineficaz para a data invocada pelo senhorio mas eficaz para uma outra mais distante no tempo, porém contrário à pretensão dos AA. de verem declarada inválida a denúncia – e então teriam de ser apreciados sucessivamente os pedidos subsidiários; ou então teria de julgar esse pedido principal procedente e, nessa conformidade julgaria a acção procedente sem mais, referindo não ser eficaz a denúncia para a data indicada na notificação judicial avulsa.
O que não poderia ser feito era considerar a acção procedente e, simultaneamente, determinar a cessação dos efeitos do contrato e a extinção do mesmo, pois que tal redunda no inverso da pretensão pedida pelos AA, ora apelantes.
Há pois que concluir que também por esta via a sentença é nula, por se verificar uma oposição entre os seus fundamentos e a decisão (art.º 668.º, n.º 1, al. c)).

A verificação da nulidade da sentença implica a revogação da mesma.
Não tendo o Senhor Juiz suprido tais nulidades (art.º 668.º, n.º 4), cumpre a este Tribunal de recurso apreciar do objecto da apelação, em obediência ao disposto no art.º 715.º, n.º 1 (regra da substituição ao tribunal recorrido).

Antes de o fazermos, importará no entanto abordar a outra questão suscitada pelos recorrentes no âmbito do presente recurso.

b)Ilegitimidade da Ré/apelada para a denúncia do contrato de arrendamento

A presente questão da legitimidade suscitada pelos apelantes, não se prende ou confunde com a legitimidade processual a que se referem designadamente os artgs. 26.º e seguintes, antes se reporta à legitimidade substantiva para a denúncia. Isto é, questiona-se se a aqui apelada (Ré) poderia ou não denunciar o contrato de arrendamento rural em que foram outorgantes Francisco Ferreira e os AA.
Encontramo-nos aí no plano substantivo do exercício dum direito e não no plano adjectivo da verificação do interesse directo em contradizer a acção que é intentada.
Ora, sendo assim, não estaremos face à excepção dilatória legitimidade, a qual é de conhecimento oficioso e que, a verificar-se, levaria à absolvição da R da instância (artgs. 288.º, 493.º, n.ºs 1 e 2, 494.º, al. e) e 495.º), mas sim no seio da apreciação substantiva da denúncia que envolve o conhecimento de mérito da acção.
Sendo assim, a questão suscitada pelos apelantes, não sendo de conhecimento oficioso, não pode aqui e agora ser apreciada, na medida em que não foi suscitada na 1.ª instância, tratando-se de questão nova.
Como refere Amâncio Ferreira [Manual dos Recursos em Processo Civil, 4.ª Ed., pág. 138.] “Os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas a apreciação dos tribunais inferiores e não para criar decisões sobre nova matéria, alegada na petição recursal.” [No mesmo sentido, Ac. Relação de Coimbra de 26/10/2000, em que foi relator, o Senhor Desembargador, Fernandes da Silva, in www.dgsi.pt]
Improcede assim esta questão.

Posta esta questão, passemos então a apreciar os pedidos formulados pelos AA., tendo presente a matéria que foi dada por provada na 1.ª instância.
O pedido principal, como já tivemos oportunidade de referir, traduz-se na pretensão veiculada pelos AA de que seja declarada inválida a denúncia do arrendamento rural efectuada pela R para o prazo por ela indicado – 1.10.2001.
Não nos alongaremos na discussão da sucessão das leis no tempo que levaram a que o prazo de renovação do presente contrato de arrendamento rural passasse de um para cinco anos, matéria que foi adequada e profusamente tratada na sentença recorrida (a qual nesta matéria é de elogiar, pese embora tenha sido revogada).
Com efeito, alterando o estipulado no Dec.-Lei n.º 385/88 de 25/10 (que no seu art.º 5.º, n.º 3 previa ser de um ano a renovação dos contratos a agricultor autónomo) veio o Dec.-Lei 524/99 de 10/12 consagrar o princípio de que a renovação de tais contratos ocorreria de cinco em cinco anos (vd. art.º 1.º desse diploma), prevendo ainda uma norma transitória (art.º 2.º) onde se pode ler: “A alteração introduzida no n.º 3 do art.º 5.º do Dec.-Lei n.º 385/88 de 25/10, aplica-se aos contratos em vigor à data do início da vigência do presente diploma, não se aplicando, porém, aos períodos de renovação em curso.” [Aproveita-se aqui o ensejo para referir que contrariamente ao defendido pela R., o art.º 2 deste Dec.-Lei n.º 524/99 de 10/12, não é quanto a nós inconstitucional, pois que como muito bem foi defendido na sentença recorrida: «o princípio da irretroactividade das leis só tem verdadeira consagração constitucional expressa, no que se refere à leis penais ( arts.29º nºs 1 a 4; fiscais ( arts. 106º nº 3 ) e, em termos mais gerais àquelas que introduzam restrições nos de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos ( art. 18º nº 3 ).
Por conseguinte, nem sequer pode dizer-se que a proibição da retroactividade da lei seja um princípio constitucional, já que, mesmo em relação às leis penais, essa regra sofre excepção, se, em concreto, a Lei Nova for mais favorável ao arguido.
Como se refere no mencionado Ac. do Tribunal Constitucional nº 156/95, « (...) não é, desde logo, defensável uma óptica segundo a qual as normas relativas ao conflito de leis no tempo se postem como verdadeiro direito material constitucional. Aliás, tem sido comummente entendido que aquelas regras constituem, ao fim e ao resto, injunções dirigidas ao aplicador ou operador da lei e não ao legislador, actuando, por isso, como normas de interpretação.»
Orientação contrária, significaria impedir o poder legislativo de exercer o fim para que existe, retirando-lhe a liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade do legislador, características que são típicas, ainda que limitadas, desse poder, para mais, tendo em atenção as tarefas fundamentais do Estado previstas no art. 9º da Constituição que, sem o exercício da actividade legislativa orientada por concepções ideológicas e de política social variáveis, consoante as épocas históricas, jamais poderiam ser concretizadas.
Por conseguinte, a aplicação da Lei Nova a situações jurídicas ainda vigentes à data da sua entrada em vigor, mas constituídas ao abrigo da Lei Velha só se tornará inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito Democrática, se e quando, essa aplicação imediata implicar uma lesão ou diminuição em direitos, liberdade e garantias dos cidadãos, quando se possa concluir que, da aplicação da Lei Nova, as expectativas dos interessados que sejam materialmente fundadas, resultem de tal modo enfraquecidas, que a sua cedência, quanto a outros valores, signifique sacrifício incomportável.
« Haverá, assim, que proceder a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a licitude (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam “tocadas” relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte.» (Ac do Tribunal Constitucional nº 156/95, publicado no DR. Nº 141, Série II de 21.6.95. No mesmo sentido, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa, p. 309 e Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, págs. 259 e seguintes ).
A propósito desta necessidade de conjugar a proibição da retroactividade de normas jurídicas, com a necessidade de permitir às instâncias legiferantes que realizem novas exigências de justiça e concretizem as ideias de ordenação social materializadas nos próprios preceitos contidos na Constituição, relembra-se o objectivo prosseguido pelo legislador do Dec. Lei 524/99 de 10.12., com a alteração ao nº 3 do art. 5º do D.L. 385/88 de 25.10.
« Uma das condições impostas aos agricultores para a obtenção de ajudas comparticipadas pela União Europeia é o compromisso de assegurarem o exercício da actividade agrícola na exploração durante, pelo menos, cinco anos.
«Constata-se, pois, que os períodos de renovação dos contratos de arrendamento (três anos ou um) são inferiores ao período, de cinco anos, que os agricultores têm de garantir para obterem as ajudas.
« Consequentemente, a renovação de um contrato, nos termos da legislação vigente, não faculta ao agricultor a possibilidade de garantir mais cinco anos de exploração, excluindo-o liminarmente do regime das ajudas comparticipadas.» ( Preâmbulo do D.L. 524/99 de 10.12 ).
Trata-se, pois de uma alteração legislativa claramente orientada para favorecer os interesses dos arrendatários rurais, aliás, de harmonia com os objectivos de promoção da melhoria da situação económica e social dos arrendatários rurais ou a estabilidade e os legítimos interesses do cultivador, preconizados nas normas contidas nos arts. 96º nº 1 al. b) e 99º da Constituição.]
Ora, à data da entrada em vigor do Dec.-Lei n.º 524/99, de 10/12 (que ocorreu em 16/12/1999) estava em curso o período de renovação de um ano do contrato de arrendamento dos autos (desde 1 de Outubro de 1999), razão pela qual o referido diploma só começou a ter aplicação quanto a este contrato relativamente ao período de renovação que teve início em 1 de Outubro de 2000 (pois que a denúncia do arrendamento através da notificação judicial avulsa foi efectuada em 13 de Julho de 2000).
Por seu turno o art.º 18.º, n.º 1, al. b) do Dec.-Lei n.º 383/88, refere que a denúncia do contrato a agricultor autónomo deveria ser feita, mediante comunicação escrita, com a antecedência mínima de um ano, relativamente ao termo do prazo ou da sua renovação.
Tendo presente que esse prazo mínimo para a comunicação foi respeitado e conjugando todos os preceitos legais supra citados, temos que a denúncia efectuada pela R, ao tempo em que foi concretizada, apenas seria eficaz para o termo da renovação do contrato que entretanto passara a ser de cinco anos, o que implica que apenas importaria a saída dos AA do locado em 1/10/2005.
Mas, sendo assim, poderemos considerar válida a denúncia que foi efectuada pela R para a data de 1/10/2000?
Entendemos que sim.
Tal como também foi defendido na sentença recorrida, consideramos ser de seguir a jurisprudência do STJ que, entre outros [Acds. do STJ de 3/11/1993, in CJ, ASTJ, Tomo III, pág. 88 e de 03/704/1998, BMJ n.º 336, pág. 420], refere no seu acórdão de 23/04/2002 [Em que foi relator, o Senhor Conselheiro Ferreira Ramos, in www.dgsi.pt] "o que, efectivamente, constitui elemento desencadeador da extinção do contrato de arrendamento é a denúncia tempestiva, por parte do senhorio, isto é, com observância do prazo não inferior ao legalmente previsto para tal, sendo que a indicação da data concreta em que opera o despejo constitui apenas um efeito necessário dessa denúncia.
Nas acções de despejo, a questão da data em que há-de situar-se o termo do respectivo contrato nada tem a ver com a essência do pedido; por isso, no caso do senhorio pretender fazer cessar o arrendamento em certa data e se verificar que só poderá ser obtido para um momento ulterior, deverá o tribunal julgar em conformidade. Assim, no caso de, por parte do senhorio, se verificar a incorrecção da data por este indicada, quanto à extinção do contrato, por se tratar de matéria de direito e que, por isso, reveste alguma delicadeza, não pode exigir-se daquele (senhorio) que tenha de ‘acertar’ quanto ao momento, precisa e efectivamente, extintivo do contrato".
Entendemos pois que a denúncia em causa foi e é válida, sendo certo porém que apenas produziria efeitos na data supra assinalada 1/10/2005.
Daqui se terá de concluir que contrariamente à pretensão dos AA o seu pedido principal terá de improceder, na medida em que não se logrou provar que a declaração de denúncia contratual em causa era inválida e ineficaz.

A ser assim, imperioso se torna apreciar o segundo dos pedidos formulados subsidiariamente.

Radica-se ele na oposição à denúncia, com fundamento no facto do despejo pôr em risco sério a subsistência dos AA/arrendatários e do seu agregado familiar (art.º 19.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 385/88 de 25/10.
Como se tem entendido jurisprudencialmente, o risco sério de que fala a lei, mas não define, para relevar como causa obstaculizante à denúncia, tem que ser grave e importante, não bastando para a procedência da oposição, o desconforto, o mero incómodo ou até mesmo a eventual diminuição dos proventos do arrendatário por efeito da necessidade de mudança da terra agricultada ou de actividade. [Ac. Relação de Coimbra de 3/04/2001, em que foi relator o Senhor Desembargador Serra Baptista, in, www.dgsi.pt]
No caso em apreço, a matéria dada por provada aponta no sentido de se estar face a uma efectiva situação de risco sério de subsistência dos arrendatários e seus familiares, como se vê das alíneas e) a p) da matéria dada por provada.
Com efeito, dois reformados, com reformas no valor de 31.840$00 e 38.050$00, que cultivavam hortaliças e frutas e criavam alguns animais para o seu sustento e do seu agregado familiar e que nas proximidades do locado não têm possibilidade de encontrar outros prédios com tais características, reúnem quanto a nós os requisitos necessários e suficientes para poderem ser classificados como pessoas que se encontram em situação de risco sério de subsistência.
Na realidade, tais valores de reforma constituíam à data, quantitativo situado em cerca de metade do ordenado mínimo nacional para a agricultura, pois que este para o ano de 2000 era de esc. 63.800$00 e para o de 2001 era de esc. 67.000$00 [Vd. respectivamente os Decs.-Lei n.ºs 573/99 de 30/12 e 313/2000 de 2/12.]. Trata-se pois de reformas francamente reduzidas que objectivamente podem considerar-se insuficientes a, só por si, possibilitarem uma qualquer pessoa subsistir com um mínimo de qualidade.
Assim, encontramo-nos efectivamente face a uma situação em que a oposição à denúncia do arrendamento rural releva, mostrando-se demonstrado que, a existir o despejo, os arrendatários e seu agregado familiar ficariam colocados em risco sério de subsistência.
Por esta via, será de julgar procedente este pedido subsidiário, o de oposição à denúncia, e concomitantemente, considerar ineficaz a denúncia efectuada pela R/apelada aos AA/apelantes.
Face a tal decisão fica prejudicada a apreciação do terceiro dos pedidos formulados pelos AA.

IV – DECISÃO

Desta forma, por todo o exposto, acorda-se em dar provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e, dando cumprimento ao disposto no art.º 715.º, n.º 1, julga-se válida a oposição à denúncia do arrendamento rural em causa, deduzida pelos AA/apelantes e, nessa conformidade, ineficaz a denúncia efectuada pela R/apelada.

Custas pela apelada.

Coimbra,