Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
378/07.5TBLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ALMEIDA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
VEÍCULO
SALVADOS
Data do Acordão: 12/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART.S 566º E Nº 1, DO ARTº. 570º, DO CC; ARTº. 439, § 2º, DO CÓDIGO COMERCIAL
Sumário: 1. A privação do uso de uma coisa, como seja um automóvel, é, em princípio, susceptível de constituir um ilícito e de se consubstanciar num dano indemnizável desde que sejam alegados e provados factos evidenciadores de um dano específico, tornando-se necessário para tanto -mas também suficiente-, que a realidade processual mostre que o lesado usaria o automóvel normalmente, fruindo das suas intrínsecas vantagens.

2. No caso de dano indemnizável relativo a privação de uso de veículo dado por irrecuperável, a privação mantém-se até ao momento em que ao lesado seja satisfeita a indemnização concernente, isto é, o valor pecuniário do veículo perdido.

3. Para determinar o quantitativo diário do dano relativo à privação de uso de veículo deve, em ordem a evitar cair-se no arbítrio, considerar-se como elemento indicativo, referencial, desse almejado valor, o custo do aluguer de um veículo similar, pese embora tal preço comercial não possa ser adoptado de forma rigorosamente equivalente.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I – RELATÓRIO
1. A.... intentou, no Tribunal Judicial da Comarca da Lousã, a presente acção declarativa de condenação, com a forma de processo ordinário, contra “Companhia de Seguros B...”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais e morais por ele sofridos, as seguintes quantias:

                a) – 16.988,00 euros, correspondente ao valor do veículo automóvel de matrícula “00-00-ZC” e que teve perda total;

b) – 5.000,00 euros por danos não patrimoniais;

                c) – 41.610,90 euros pela paralisação daquele veículo acidentado;

                d) – 153,67 euros pelas despesas que o A. teve de suportar;

                e) – a que se apurar em liquidação de sentença relativa aos dias de paralisação da viatura desde a data de entrada desta acção até efectivo pagamento; bem como

                f) – os juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

                Para tanto ‑ e em síntese‑ alega o A. a existência de um acidente de viação, ocorrido no dia 15.08.2006, na E.N. nº 17), junto à localidade de Segade, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula “00-00-ZC”, pertença do A. e por este conduzido, e o veículo ligeiro de matrícula “00-BC-00”, seguro na R. e conduzido então por C..., que, de forma inopinada, e perfilando-se assim como exclusivo responsável do evento, saindo da sua mão de trânsito foi embater frontalmente naquele “ZC”, que circulava em sentido contrário, pela respectiva metade direita da via, nada tendo o A. podido fazer para evitar o sinistro, do qual lhe resultaram esses reclamados danos.

                   A Ré apresentou contestação, impugnando diversa factualidade afirmada na p. i., mormente atinente aos invocados danos, reconhecendo embora a obrigação de indemnizar o A. em consequência do sinistro.

                Mais invocando direito de regresso sobre o condutor do veículo sinistrante, o aludido, C... ‑fundado em este conduzir sob a influência de álcool ‑, terminou a requerer o chamamento para intervenção acessória provocada do mesmo.

                Admitido o incidente, veio o Chamado, por seu turno, deduzir contestação, alegando, ter adormecido momentaneamente ao volante do veículo que conduzia, o que se deveu ao estado de cansaço e fadiga em que se encontrava, nada tendo contribuído para o acidente a taxa de alcoolemia de que era portador.

Prosseguindo a acção os seus ulteriores e normais termos, foi por fim proferida douta sentença, rematada com o dispositivo que segue:
‑ “Por todo o exposto, e decidindo, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por só parcialmente provada, termos em que vai a R., “Companhia de Seguros B...”, condenada a pagar ao A., A..., a título de indemnização por danos patrimoniais e morais decorrentes do acidente de viação dos autos:
- a quantia global de 19.441,67 euros (dezanove mil, quatrocentos e quarenta e um euros e sessenta e sete cêntimos);

                - bem como respectivos juros de mora, contados desde a citação e até integral pagamento, à taxa legal de 4% ao ano (cfr. art.º 805.º, n.º 3, segunda parte, do CCiv., e bem assim Portaria n.º 291/03, de 08-04), ou outra taxa que no futuro legalmente vier a vigorar em sua substituição, no que concerne ao montante indemnizatório parcelar fixado por danos patrimoniais (de 18.641,67 euros);

                E contados, à mesma taxa supletiva legal anual, desde a data da sentença e até integral pagamento quanto ao montante indemnizatório restante, de 800,00 euros, referente a danos morais, por já devidamente actualizado.

                Ficando a caber à R. os “salvados” do aludido veículo acidentado “ZC”.

                No mais, na improcedência, por não provada, da acção, vai a R. absolvida do contra si peticionado.

2. Irresignado com o assim decidido, o A. interpôs o vertente recurso de apelação, cujas alegações encerra com as seguintes conclusões:

A) A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, considerou, e bem, como provado que valor do veículo do Apelante era à data do sinistro de €16.988,00,

B) Bem como, que a viatura acidentada era a única viatura do Apelante e que este a usava diariamente nas suas deslocações e nas deslocações dos seus pais, sendo que desde a data do acidente em 15/08/2006 o Apelante se viu obrigado a utilizar os transportes públicos e "boleias" de amigos e conhecidos para se poder deslocar, nomeadamente, para o seu posto de trabalho.

C) Sendo que desde a data do acidente que o Apelante se encontra privado de usar o seu veículo, na medida em que lhe foi impossível substituí-lo por outro por o valor atribuído pela Apelada se revelar insuficiente para reparar ou adquirir, um outro veículo de idênticas características,

D) Mais logrou o Apelante provar que o valor do aluguer de um veículo de idênticas características custa diariamente € 244,77, sendo que a Apelada não colocou à disposição do Apelante qualquer montante indemnizatório relativo à privação de uso do seu veículo, nem sequer até à data em que comunicou qual o valor que atribuía pela perda total do mesmo.

E) O Apelante ficou impedido de o utilizar desde a data do sinistro, porquanto, ficou o mesmo inutilizado face à conduta do condutor do veículo segurado na Apelada, existindo, por isso, efectiva privação de uso, sendo este um dano ressarcível.

F) Mesmo que exista perda total do veículo o direito de indemnização mantém-se, devendo a Apelada indemnizar o Apelante pela paralisação de privação do uso do seu veículo, porquanto, a falta de reparação ou quando esta não seja viável pela sua grande onerosidade, não retiram ao lesado o prejuízo que sofreu pela privação do veículo, pelo menos até à data em que receba da seguradora a indemnização correspondente, o que veio a acontecer em 15/12/2008, após ter sido proferida sentença nos presentes autos.

G) Pelo que, ao contrário do que foi decidido pelo tribunal a quo, tem o Apelante, pela razões já largamente expostas, direito a ser ressarcido para efeitos de indemnização pela privação de uso todo o tempo decorrido desde a data do acidente em 15/08/2006 até à data do pagamento do montante que a Apelada foi condenada por sentença e que ocorreu em 15/12/2008, ou seja, num total de 852 dias, que deverá ser contabilizado a razão diária de € 244,77, valor locativo de um veículo de idênticas características ou no valor diário que se entenda como equitativamente justo atendendo aos factos provados quanto aos danos sofridos pelo Apelante em consequência da privação de uso do seu veículo, nomeadamente, o fim para que era utilizado.

H) Mesmo que assim não se entenda, o que apenas se concede por mero dever de patrocínio, pelo período de 650 dias a razão diária de €244,77, pelas razões acima expostas, ao invés dos 45 dias fixados pelo tribunal a quo, ao qual deverá ser descontado o montante de €1.500,00 fixado em sentença e já liquidado pela Apelada.

I) Isto porque resultou provado que o Apelante em nada contribuiu para o agravamento dos prejuízos relativos à paralisação do seu veículo na medida em que a indemnização disponibilizada pela Apelada em 28/08/2006 pela perda total do seu veículo não o habilitava a adquirir um veículo idêntico ao que ficou danificado, o que só veio a suceder com o pagamento do montante em que a Apelada foi condenada pelo tribunal a quo.

J) Os "salvados" do veículo acidentado do Apelante deverão manter-se na sua posse, sendo descontado o seu valor à data em que foi proferida sentença pelo tribunal a quo no montante de €500,00, ao valor fixado, e bem, pela perda total do veículo no montante €16.988,00.

K) Pelo que, deverá o presente recurso ter provimento e a decisão parcialmente alterada nos seus precisos termos uma vez que a douta sentença violou o disposto nos art. 483°, nº1, 562°, 564°, nº1, 566°, nº2 e 1305° todos do Código Civil, Acórdão da Relação do Porto (Ac. de 05.02.2004, CJ, I. p. 179) e art. 668°, nº 1 alínea c) do Código Processo Civil.

                3. Inconformada também com a mesma decisão, a Ré interpôs igual recurso de apelação, findando a respectiva alegação com as seguintes conclusões:

1.º - Pelas razões largamente expostas, o veículo acidentado deverá manter-se na posse e propriedade do A., descontando-se o respectivo valor dos salvados à data do acidente, o que somente se conseguirá em sede de liquidação em execução de sentença.

2.º - Deverá ainda ser revogada a parte decisória da sentença no atinente à atribuição da indemnização de 1.500 euros em virtude dos alegados prejuízos sofridos com a paralisação do veículo do A. cuja perda total foi declarada em 28/08/2006, não tendo o A. logrado provar qualquer prejuízo efectivo com a alegada imobilização do veículo a partir dessa data.

3.º - Face ao exposto, deverá ser julgado procedente o presente recurso, uma vez que a douta sentença violou os artigos 473 e seguintes do Código Civil e artigos 566º, n° 3 e 494º do Código Civil e ainda do Ac. do STJ de 29/11/2005 in Col. Jur. - Acs. do STJ, T. III- 2005, págs. 151 e segs. e da alínea c) do n° 1 do artigo 668º do Código de Processo . Civil.

4. Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações e, uma vez que nada a tal obsta, cumpre decidir.

II ‑ FACTOS

                A matéria fáctica relevante foi na douta sentença vertida na forma seguinte:

Perante o que consta do elenco dos factos assentes, das respostas aos quesitos da base instrutória e, bem assim, da factualidade admitida por acordo em sede de articulados, encontram-se provados os seguintes factos:

Dos Factos Assentes

A) – O A. é dono e legítimo proprietário do veiculo de marca “Mercedes – Benz”, “classe E diesel”, modelo “Elegance 220D”, com matrícula “00-00-ZC”.

B) – No dia 15 de Agosto de 2006, cerca das 18h10, o A. circulava na Estrada Nacional 17, sentido Coimbra / Lousã.

C) – No sentido oposto, ou seja, Lousã / Coimbra, circulava o veículo de marca “Peugeot”, modelo “Partner”, com matrícula “00-BC-00”, conduzido por C....

D) – O condutor do veículo BC, ao chegar à localidade de Segade e ao desfazer a curva aí existente, inopinadamente e sem qualquer razão aparente, saiu da hemi-faixa de rodagem onde circulava e entrou na hemi-faixa de rodagem onde circulava o veículo ZC.

E) – Indo embater frontalmente com este último.

F) – O veículo ZC, por sua vez, depara-se, repentinamente, com o veículo BC, em contra-mão, ocupando a totalidade da sua hemi-faixa, nada conseguindo fazer para evitar o embate.

G) – Dos danos sofridos pelo veículo ZC resultou a sua perda total.

H) – O local do acidente caracteriza-se por uma curva em via de sentido bidireccional.

I) – Na data do sinistro estava bom tempo.

J) – O proprietário da viatura BC transferiu contratualmente a sua responsabilidade civil sobre a mesma para a “Companhia de Seguros B...”, ora R., com o n.° de apólice ....

K) – Foi solicitada pelo A. a intervenção das autoridades competentes que elaboraram a respectiva Participação de Acidente de Viação.

L) – O acidente foi participado às respectivas seguradoras.

                                            *   

Das Respostas aos Quesitos da Base Instrutória

– O valor da viatura ZC, à data do sinistro, é de € 16.988,00 (dezasseis mil oitocentos e oitenta e oito euros), valor VENDA – resposta ao quesito 1.º.

– E € 14.205,00 (catorze mil duzentos e cinco euros) valor COMPRA – resposta ao quesito 2.º.

– A viatura ZC era a única viatura do A. – resposta ao quesito 3.º.

– Viatura que usava diariamente para todas as suas deslocações – resposta ao quesito 4.º.

– O A. vive com os seus pais, sendo o responsável pela deslocação destes, sempre que necessária – resposta ao quesito 5.º.

– Sendo que a sua mãe é uma pessoa doente, em constantes tratamentos, designadamente a hipercolesteromia e a problema mamário não neoplástico, seguido regularmente por médico, efectuando por isso deslocações constantes – resposta ao quesito 6.º.

– Desde da data do acidente que o A. recorre a transportes públicos sempre que precisa de se deslocar, nomeadamente, para o seu local de trabalho – resposta ao quesito 7.º.

– Por outro lado, desde da data do acidente, até à data de entrada desta acção, que o A. se encontra privado de usar o seu veiculo – resposta ao quesito 8.º.

– O aluguer de um veículo de características idênticas ao seu custa em média, € 244,77 (duzentos e quarenta e quatro euros e setenta e sete cêntimos), diários – resposta ao quesito 10.º.

– O A., a fim de se certificar que o valor atribuído pela R. à sua viatura seria justo, recorreu a uma firma credenciada na gestão e averiguação de sinistros, tendo despendido o valor de € 153,67 (cento e cinquenta e três euros e sessenta e sete cêntimos) – resposta ao quesito 11.º.

– O veículo ZC foi transportado no dia 15 de Agosto de 2006, pelo reboque do serviço de Assistência em viagem para a D...., Concessionário e Oficina Autorizada da marca Mercedes-Benz, sita na ... – resposta ao quesito 12.º.

– Por não ter condições económicas para proceder à reparação do veículo, nem isso ser tecnicamente aconselhável por questões de segurança, o veiculo ainda se encontra(va), à data de interposição da presente acção, na D... – resposta ao quesito 13.º.

– Que, já informou que o valor de parqueamento do veiculo nas suas instalações será cobrado a partir de 27 de Abril de 2007, caso a viatura não seja levantada até esta data – resposta ao quesito 14.º.

– Sendo o valor do parqueamento diário de € 10,00 (dez euros) – resposta ao quesito 15.º.

– Uma vez que, o A. não tem meios económicos para suportar tal custo, vê-se forçado a retirar a sua viatura do local onde o mesmo se encontra – resposta ao quesito 16.º.

– O condutor do veículo 00-BC-00 apresentava uma taxa de álcool no sangue de 0,77 g/l. – resposta ao quesito 19.º.

– O A. há vários dias que dormia e descansava apenas três horas por noite – resposta ao quesito 21.º.

– Tendo adormecido por cansaço e fadiga – resposta ao quesito 22.º.

                                                                                    *

Da factualidade admitida por acordo em sede de articulados

– A R., por carta datada de 28/08/2006, deu a conhecer ao A. que considerava tratar-se de perda total, disponibilizando ao A. o montante indemnizatório total de 8.800,00 euros, correspondentes ao valor venal do veículo deduzido do valor do respectivo salvado – (cfr. documento junto pelo A. a fls. 12, bem como art.ºs 13.º e 14.º da petição inicial, 9.º da contestação da R. seguradora e 19.º da contestação do chamado).

                                                                                                    *

                A esta factualidade importa aditar ainda a supervenientemente ocorrida em relação à sentença ora em análise, consubstanciada no pagamento voluntário efectuado pela Ré ‑em 15.12.2008, no âmbito da Execução Comum a estes autos apensa, entretanto instaurada contra ela pelo A.‑ da quantia indemnizatória fixada em tal sentença e juros computados ‑ tudo no valor de € 20.654,13‑, pagamento esse visando a cessação do prosseguimento de tal execução, desencadeada mercê do efeito meramente devolutivo com que foi admitido o recurso atravessado pela dita Ré em relação a tal sentença; recurso que, como já se vê, constitui um dos que ora se nos acham sujeitos.

IIII – DIREITO

1. Como é sabido, e flui do disposto nos arts. 684º, nº3 e 690º, nº 1, do CPC, o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões das alegações dos Recorrentes, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas.
Assim, e atentando nas sintéticas proposições finais com que a A e R. findam as suas doutas alegações, constatamos que são coincidentes as questões suscitadas nas mesmas ‑a saber, indemnização do dano da privação do uso do veículo do A. e destino e valor dos salvados desse mesmo veículo‑, assim se justificando que, até por comodidade, simplicidade e coerência de exposição, seja efectuada em conjunto a apreciação de ambos os recursos.
De tal sorte, cuidemos dessa primeira equacionada questão

A - Indmnização do Dano da Privação do Uso

A este título o A. deduziu o atinente pedido, considerando o período de paralisação do seu veículo sinistrado ‑matrícula 00-00-ZC‑, desde a data do acidente e até à propositura da acção, no montante de 41,610,99 euros, tendo por referência um período de 170 dias e um custo de aluguer diário de veículo de características semelhantes ao seu, de 244,77 euros. Complementarmente, mais deduziu pedido, a liquidar em execução de sentença, visando o subsequente período desde a data de tal propositura e até efectivo e integral pagamento indemnizatório.

Na sua sentença, o Mmº. Juiz, atendo-se à factualidade provada, considerou que embora o caso seja de perda total do veículo, há lugar a indemnização por paralisação/privação do uso do mesmo, pois não vindo o A. a utilizá-lo mais, ficou privado do seu uso, por facto ilícito de outrem ‑o Segurado da Ré‑, sofrendo assim um dano efectivo, traduzido no ver-se ele obrigado ‑ entre outros transtornos e incómodos‑, a utilizar transportes públicos nas suas deslocações, em substituição da viatura sinistrada, tendo como onerosa contrapartida de suportar os custos dessas viagens, o que, a inexistir o acidente, de todo não sucederia.
Procedendo à quantificação monetária desse prejuízo, por seu turno, o Exmº Magistrado ponderou que embora se tenha provado que o aluguer diário de uma viatura idêntica à do A. se cifraria naquela verba de 244,77 euros, certo é que o A. não recorreu a tal aluguer, pelo que a indemnização nunca se poderia medir por esse valor locativo, mas sim pelas quantias despendidas nesses transportes públicos, quantias que no entanto não foram alegadas nem por isso apuradas. Por outro lado ‑mais ponderou‑, tendo a acidente ocorrido em 15.08.2006, a Ré, em 28.08.2006, logo informou o A. que considerava o caso de perda total, colocando à disposição do mesmo determinado montante indemnizatório. Não aceitando ele esse proposto montante, logo também ficou a saber que só lhe restava a via judicial, o que todavia só veio a efectivar em 19.04.2007, sete meses, portanto, depois daquela comunicação da Ré.
Ora, impondo-se ao A. ‑ainda segundo o Exmº Magistrado‑, que de forma diligente instaurasse essa acção, a fim de não contribuir para o agravamento dos danos resultantes da paralisação, seria razoável que o tivesse feito em 30 dias a contar de tal comunicação, ou seja, até ao dia 1.10.2006. Como assim, surge como adequado considerar, para efeitos indemnizatórios, um período de privação do ZC de 45 dias, pelo que, se considerado aquele valor diário de aluguer, se obteria a importância total de 11.014,65 euros. Porém, e como o A. não recorreu a esse mercado de aluguer, mas aos transportes públicos, com dispêndios que se ignoram, fazendo apelo a critérios de equidade o Mmº. Juiz findou a graduar a indemnização a atribuir em 1.500 euros, julgando improcedente essoutro pedido de indemnizatório a liquidar, reportado ao período a partir da data do ingresso da acção em juízo e a cabal satisfação da indemnização.

O A./Recorrente discorda desse valor equitativamente fixado, aduzindo que o ZC era a sua única viatura e por si usada diariamente nas suas deslocações e nas deslocações dos seus pais, sendo que desde a data do acidente, em 15.082006, que se encontra privado de tal uso, vendo-se obrigado a recorrer a transportes públicos e “boleias” de amigos.
Tendo o valor atribuído pela Ré se revelado insuficiente para reparar ou adquirir outro similar, nem havendo aquela colocado à sua disposição qualquer montante indemnizatório relativo à privação do uso do ZC, ao contrário do decidido, tem ele, A., antes de mais, direito a ser ressarcido por todo o tempo decorrido desde a data do acidente até à data do pagamento do montante que aquela foi condenada na sentença, e que ocorreu, em sede executiva, a 15.12.2008, ou seja, num total de 852 dias.
Por outro lado ‑mais diz ‑, tendo-se provado que o valor do aluguer de um veículo similar ao ZC monta, diariamente, a 244,77 euros, é a esta cifra que se terá de computar todo esse decorrido tempo, ou, quando menos, no valor diário que se entenda como equitativamente justo atendendo, entre o mais, aos danos por si sofridos em consequência da privação do veículo, nomeadamente ao fim para que era utilizado.
E mesmo que assim se não entenda ‑prossegue o A./Recorrente‑, e se considere que o lapso de tempo decorrido entre a data em que o Tribunal “a quo” reputou como razoável para a instauração da acção ‑1.10.2006‑, e a data dessa instauração ‑19.04.2007‑, não poderá ser imputado à Ré, verdade é que ele, A., não pode ser responsabilizado em seu prejuízo pela morosidade na resolução judicial do litígio, pelo que sempre haverá que considerar como período da privação ‑não esse de 45 dias, fixado pelo Mmº. Juiz‑, mas o de 650 dias, incluindo pois também o lapso de tempo decorrido desde a data da entrada da acção até aquela em que foi proferida a sentença.

A Ré/Recorrente, por sua vez, insurge-se “in totum” contra a enfocada decisão, sustentando ser a indemnização arbitrada manifestamente ilegal, por isso que, tendo a perda total do veículo sido declarada em 28.08.2006, o A. não alegou nem provou qualquer prejuízo efectivo com a pretensa imobilização do veículo a partir dessa data, ou seja, montantes eventualmente despendidos na utilização de transportes públicos, sendo certo que também não procedeu ao aluguer de outra viatura.

Expostas as posições em confronto, que dizer acerca destes desconvizinhos entendimentos?
Vejamos.

Como deflui da exposição vertida na douta sentença, a questão da indemnização pela privação do uso vem dividindo a doutrina e a jurisprudência, evidenciando-se a controvérsia com especial entono no âmbito ‑como é o caso em atinência‑ dos acidentes de viação, mercê da  fulcral importância que os veículos rodoviários têm na via moderna.
Assim, enquanto uns defendem que a indemnização pela privação do uso de certo bem ‑logo os ditos automómóveis‑ depende da prova do dano concreto, que o mesmo é dizer, da prova da existência de prejuízos directamente resultantes da não utilização do bem, outros, por sua vez, sustentam que a mera privação do uso, já em si, constitui um dano indemnizável, independentemente por isso da utilização que se faça de tal bem durante o período da privação.
Ora ‑e tal como se considera no Ac. do STJ de 9.12.2008[1] ‑ parece não haver dúvidas que a privação do uso de uma coisa é, em princípio, susceptível de constituir um ilícito e de se consubstanciar num dano indemnizável, uma vez que, por via de regra, impede o respectivo titular de retirar do mesmo as correspondentes vantagens ‑patrimoniais e não patrimoniais‑, de dispor e fruir das utilidades próprias da sua natureza, numa palavra, do exercício dos direitos inerentes a tal titularidade.
Porém ‑e na linha outrossim do sustentado nesse douto aresto, que de perto ora seguimos‑, não basta, para tal indemnizabilidade, a simples privação em si mesma[2], antes se mostrando essencial a alegação e prova da frustração de um propósito real e concreto de proceder à utilização do bem em causa, frustração essa radicada no facto ilícito e impeditivo ocorrido, da autoria de terceiro, o lesante.
Quer dizer, quanto a nós ‑e secundando esse Acórdão superior‑, não se faz mister a prova de todos os danos concretos emergentes da privação da coisa, não é de exigir do lesado a comprovação de que, v. g., dada a indisponibilidade do seu carro, teve de utilizar uma ou várias vezes certo meio de transporte público e as importâncias assim despedidas, que deixou de efectuar uma viagem de negócios, de lazer, etc.. Bastará que demonstre que, se tivesse disponível o veículo, o usaria normalmente, que dele retiraria as utilidades propiciáveis pelo mesmo a um utilizador normal.
Nestes termos, e em suma, no quadro da responsabilidade civil, a simples privação do uso de um bem, como seja um automóvel, desacompanhada da demonstração de factos evidenciadores de uma dano específico, é insusceptível de fundar uma obrigação de indemnização, tornando-se necessário para tanto ‑mas também suficiente‑, que a realidade processual mostre que o lesado o usaria normalmente, fruindo das suas intrínsecas vantagens.

De posse destas considerações, é tempo de baixar ao caso dos autos e, decorrentemente, aferir dos factos provados e que mais directamente se prendem com o teor das mesmas.
Assim, constata-se que

– O A. é dono e legítimo proprietário do veiculo de marca “Mercedes – Benz”, “classe E diesel”, modelo “Elegance 220D”, com matrícula “00-00-ZC”.

– No dia 15 de Agosto de 2006, cerca das 18h10, o A. circulava na Estrada Nacional 17, sentido Coimbra / Lousã, e foi embatido, frontalmente, pelo veículo BC seguro na Ré;

– Dos danos sofridos pelo veículo ZC resultou a sua perda total.

                – A viatura ZC era a única viatura do A.;

– Viatura que usava diariamente para todas as suas deslocações;

– O A. vive com os seus pais, sendo o responsável pela deslocação destes, sempre que necessária;

– Sendo que a sua mãe é uma pessoa doente, em constantes tratamentos, designadamente a hipercolesteromia e a problema mamário não neoplástico, seguido regularmente por médico, efectuando por isso deslocações constantes – resposta ao quesito 6.º.

– Desde da data do acidente que o A. recorre a transportes públicos sempre que precisa de se deslocar, nomeadamente, para o seu local de trabalho;

– Por outro lado, desde da data do acidente, até à data de entrada desta acção, que o A. se encontra privado de usar o seu veiculo.

Frente a esta factualidade, vemos, pois, que o A., tendo como única viatura no seu património o ZC, era com ele que fazia as suas necessárias deslocações, designadamente para o trabalho, e com os respectivos progenitores, em especial a mãe pessoa doente. Tendo ficado impossibilitado de fazer uso do veículo em virtude da sua completa danificação, impossibilidade que à data da entrada desta acção ainda se verificava, o A. passou a ter de recorrer a transportes públicos para se deslocar, mormente para o seu local de trabalho.
Ora assim sendo, como é, não restam dúvidas que o A./Recorrrente, fazendo um uso normal do ZC até ao embate, retirando dele as utilidades próprias da sua condição de meio de transporte, com tal evento e inerente impossibilidade de prosseguir nessa utilização sofreu um dano, um prejuízo, o qual não se circunscreveu apenas à mera privação da possibilidade de utilizar o veículo, à virtualidade dessa possibilidade. Não. Ficando o veículo inutilizado, o A. deixou de poder fazer nele as múltiplas deslocações que habitualmente fazia e que para o efeito dele em exclusivo dependia, sendo que só por virtude dessa inutilização e consequente imprestabilidade é que o mesmo se remeteu a esse omissivo comportamento. Não fora o acidente, causado unicamente pelo Segurado da Ré, e o A. continuaria a fazer do ZC o meio de transporte para si e para os seus, desiderato que apenas tal evento e suas nefastas consequências inviabilizou.
Destarte, e tendo em mente as apontadas considerações, força é considerar ter a privação do uso do veículo determinado ao A. uma inequívoca repercussão económica negativa na sua esfera patrimonial, um desfalque, para colmatação do qual se impunha e impõe a prestação de competente montante indemnizatório.
Nestes termos, a douta sentença, ao nortear-se por tal entendimento ‑e abstraindo por agora do quantitativo a tal título concretamente arbitrado‑, houve-se com acerto, o que, sem mais, implica a improcedência da douta objecção recursória da Ré, visando o mérito da questão em apreço.

Importa, porém, como logo se alcança, prosseguir na apreciação dessa mesma questão, agora tendo especificamente em atenção o recurso do A. que, consoante vimos, se insurge, justamente, contra esse fixado quantitativo indemnizatório.

Como dissemos, para a fixação de tal quantitativo o Mmº. Juiz considerou, antes de mais, que tendo o acidente se verificado a 15.08.2006, a Ré logo em 28.08.2006 deu conta ao A. que considerava o veículo ZC como insusceptível de recuperação, colocando à disposição do mesmo certo montante indemnizatório. Não aceitando ele esse proposto montante, e sabendo assim que só lhe restava a via forense para se ressarcir, todavia só veio a propor a acção a 19.04.2007, sete meses transcorridos sobre aquela comunicação da Ré.
Ora, impondo-se ao A. que de forma diligente, pressurosa, instaurasse essa acção, a fim de não contribuir para o agravamento dos danos resultantes da paralisação, impunha a razoabilidade que o tivesse feito em 30 dias a contar dessa mesma comunicação, ou seja, até ao dia 1.10.2006.
E assim fundado, teve o Exmº Julgador por adequado considerar, para os pertinentes efeitos indemnizatórios, um período de privação do ZC de apenas 45 dias.

O A./Recorrente adversa este entendimento, contrapondo que tendo o valor atribuído pela Ré se revelado insuficiente para reparar ou adquirir outro veículo similar ao ZC, assiste-lhe o direito a ser ressarcido por todo o tempo decorrido desde a data do acidente até à data do pagamento do montante que aquela, em execução da sentença, lhe fez em 15.12.2008, ou seja, num total de 852 dias. Mas ainda que assim se não entenda ‑diz‑, mas antes e diferentemente, que o lapso de tempo decorrido entre a data que o Tribunal “a quo” reputou como razoável para a instauração da acção ‑1.10.2006‑, e a data dessa instauração ‑19.04.2007‑, não poderá ser imputado à Ré, o certo é que ele, A., não pode sofrer em seu prejuízo as delongas da resolução judicial do litígio.
Assim, conclui, sempre haverá que se considerar como período da privação o de 650 dias, e nunca esse de 45 dias pressuposto pelo Mmº. Juiz para a fixação de tal quantitativo indemnizatório ora em crise.

Que dizer agora? Vejamos de novo.

Como se sabe, e dimana nitidamente das disposições conjugadas dos arts. 483º, 562º e 563º, todos do CC, é ao lesante ‑ou, no caso de transferência da responsabilidade, à respectiva entidade seguradora‑, que incumbe a reposição do lesado na situação anterior ao evento, o acidente. Para tanto, e não sendo viável a reconstituição natural, terá de operar-se, de conformidade com o artº. 566º, do CC, uma indemnização ou restituição por equivalente, seja, a entrega de um montante pecuniário correspondente ao valor dos danos.
No caso de dano indemnizável relativo a privação de uso de veículo dado por irrecuperável, em que apenas essa restituição por equivalente é obviamente possível, não pode deixar de se entender ‑na esteira do Ac. da R. P de 5.02.2004[3]‑ que tal privação se mantém ‑a falta da atinente reposição persiste‑, até ao momento em que ao lesado seja satisfeita a indemnização concernente, o valor pecuniário do veículo perdido. Na verdade, e como bem se salienta no douto aresto a que nos atemos, só no momento dessa satisfação é que o lesado ficará habilitado a adquirir um outro que substitua esse irremediavelmente danificado
Deste modo, e revertendo ao caso “sub judice”, sabendo nós que o sinistro ocorreu em 15.08.2006, e que a Ré apenas em 15.12.2008, no âmbito da execução da sentença ora em crise, efectuou o pagamento ao A. do valor atribuído ao ZC, temos que nunca o período de privação do veículo se poderia restringir a esse ‑45 dias‑ estipulado pelo Mmº. Juiz. Sem embargo, é certo que poucos dias após o acidente, mais precisamente e 28.08.2006, a Ré comunicou ao A. que considerava o veículo ZC como insusceptível de recuperação ‑“perda total”, expressou‑, colocando à disposição do mesmo a quantia que considerava correspondente ao prejuízo por ele sofrido. Só que esta quantia, como a tramitação dos autos veio a patentear, apresentava-se insuficiente para assegurar a cobertura de prejuízo, pelo que o A. recusou ‑e bem, como se considera na douta sentença, e resulta ainda do disposto no artº. 763º, nº 1, do CC [4]‑, tal proposta, decidindo-se pela demanda judicial da Ré.

Assim sendo, até à efectivação daquele pagamento em via executiva, a privação do A., por razões exclusivamente assacáveis à Ré, manteve-se persistente, pois, como deflui do antes exposto, só o embolso por aquele pagamento concretizado, habilitando o A. com o numerário suficiente para a aquisição de um veículo do mesmo tipo do ZC, se pode ter como gerador do fim de tal privação.
Significa esta asserção que é, pois, todo esse período decorrido entre o acidente e a data da efectivação de tal coercitivo pagamento ‑ou seja, 852 dias‑ que se tem de considerar, conforme o primacialmente pretendido pelo A./Recorrente, para efeitos do seu efectivo ressarcimento pela privação do uso do ZC?
Salvo o muito respeito, pensamos que não.

                Com efeito, e na linha do expendido pelo Mmº. Juiz, entendemos que a instauração da presente acção devia ter ocorrido em momento anterior àquele em que se verificou, o que a ter acontecido teria implicado, naturalmente, um menor período de privação do uso a computar.
                Entendeu o Exmº Magistrado que essa instauração deveria ter sido efectivada um mês após a comunicação da Ré ao A., datada de 28.08.2006, a partir da qual o mesmo ‑discordante com o sentido e alcance de tal comunicação‑, ficou ciente da imprescindível necessidade de recorrer a juízo para defender, a contento, os seus direitos. Ressalvando sempre o muito respeito, conquanto sufragando o entendimento do Mmº. Juiz de que ao A. se impunha usar da devida diligência em vista a que a propositura da acção se verificasse sem desnecessárias delongas, e que a mesma não se perspectiva(va) de realização complexa, certo é que esse estimado mês se nos afigura de latitude escassa. Com efeito, além da tomada de resolução no sentido de tal propositura, da referenciação e contratação de Causídico para esse fim, importa ainda entrar em linha de conta, entre diversos outros factores de retardamento, com as disponibilidades desse mesmo Causídico, eventuais diligências exteriores de preparação da acção ‑“in casu” estamos na presença de um acidente estradal em que o estudo atento do local poderá se poderá ter revelado exigência incontornável‑, obtenção de elementos de prova, designadamente de índole documental, etc.
                Destarte, tudo ponderado, entendemos que a propositura da presente acção ‑a despeito da premência que lhe era inerente‑ se deveria ter verificado cerca de dois meses após a sobredita enjeitada comunicação da Ré, que o mesmo é dizer, o ingresso da respectiva petição em juízo impunha-se que houvesse ocorrido até 1.11.2006.
                Todavia, e ao invés do Mmº. Juiz, com assim entendermos não significa que, na mesma linha de pensamento do Exmº Magistrado, pensemos que com tal propositura da acção, o período de privação do uso do ZC por parte do A. tocou o seu termo, havendo pois, e para os concernentes efeitos indemnizatórios, apenas que contabilizar o lapso de tempo decorrido entre a data do acidente e esse preconizado momento de propositura da demanda. Não. Como antes se expendeu, em nosso modesto ver, só com o recebimento da importância fixada nesta sentença, operado na acção executiva, é que o A. ficou ressarcido da perda do ZC e, portanto, a privação do respectivo uso deixou de se verificar.
                Como assim, o período de tempo intercedente entre o momento em que a propositura da acção deveria ter ocorrido, a saber 1.11.2006, e esse do recebimento executivo, 15.12.2008, tem necessariamente de ser tomado em conta na determinação da amplitude de duração da privação do veículo. Na verdade, e consoante o A./Recorrente certeiramente observa, qualquer que fosse a data de tal propositura, a pendência da acção não deixaria de se verificar e, com ela, o prosseguimento da situação de indisponibilidade do veículo por parte do lesado, o dito A..
E havendo assim que contabilizar tal período compreendido entre esses dois momentos, o mesmo se impõe também fazer, para os efeitos em presença, considerando o lapso situado entre a data do acidente e essa reiteradamente aludida comunicação da Ré. A deduzir ao tempo de privação a computar, só haverá pois que tomar em conta o “interregno” entre 1.11.2006 ‑momento considerado como termo “ad quem” apropriado para a instauração da acção‑ e 19.04.2007, data em que tal instauração teve efectivamente lugar. Com efeito, e pelo que antes se deixou dito, só esse segmento temporal se poderá considerar como não imputável à omissiva actuação da Ré ‑antes à do A.‑ e, portanto, como período de privação do uso a excluir ‑presente o disposto no nº 1, do artº. 570º, do CPC‑, do atinente cômputo indemnizatório. Ora, efectuados os competentes cálculos, temos que número de dias de privação a considerar se cifra, pois, no total de (78+256+350) 684 dias.

Para findar o processo de avaliação pecuniária do dano em apreço, importa agora determinar qual o quantitativo a que cada um desses dias de privação do uso do ZC deve ser computado.

Neste conspecto, como referimos, o Mmº. Juiz, considerando que a despeito de se haver comprovado que o custo do aluguer de um veículo equivalente ao do A. ascenderia, diariamente, a 244,77 euros, certo é, no entanto, que o A. não recorreu a tal aluguer, mas a alternativos transportes públicos. E assim ‑mais considerou o Exmº Magistrado‑, o “quantum indemnizatur” do dano em apreço, jamais se poderá aferir por tal verba locativa, mas sim pelas quantias despendidas nesses transportes públicos, quantias que, porém, não foram alegadas nem provadas. Nesta decorrência, dando como justificado o recurso a critérios de equidade, na concretização dos mesmos, o dito Magistrado estabeleceu a indemnização a satisfazer ao A., pressupondo um período de 45 dias de privação, em 1.500,00 euros, à razão diária, conseguintemente, de 33,33 euros.

O A./Recorrente, divergindo, defende, por seu turno, que sendo esse de 244,77 euros o custo do aluguer de um veículo similar ao ZC, é em função dele que se teria e terá de computar o valor diário do seu prejuízo, ou, quando menos, em valor equitativamente adequado, considerando, sobremaneira, a finalidade por si deferida ao veículo.

Desde já de diga que estamos com o Mmº. Juiz quando defende que não tendo o A. feito recurso ao mercado de “rent-a-car” para a obtenção de um veículo de substituição, a indemnização pela indisponibilidade do ZC nunca se poderá pautar, exactamente ‑nem mais, nem menos‑, que pelo preço ali praticado para o aluguer de um automóvel da mesma classe desse acidentado, seja 244,77 euros/dia.
Como avisadamente se pondera no Ac. do STJ de 5.03.2002[5]“basta pensar que neste custo [de aluguer] entram as mais diversas componentes, incluindo as despesas de exploração da empresa de aluguer e o seu lucro que a partir do momento em que o autor de facto não procedeu ao aluguer não têm de ser suportadas pela ré, cuja responsabilidade vai apenas até onde for o dano provocado;“ (sublinhado do texto).
Mas se esse vigorante preço comercial não pode ser tomado rigorosamente, rigidamente, para determinação do valor diário do prejuízo, haverá no entanto, em ordem a evitar cair-se no arbítrio, de o ser como elemento indicativo, referencial, desse almejado valor. Neste sentido se pronuncia, a título meramente exemplificativo, António S. Abrantes Geraldes[6] e decidiram os já mencionados Acórdãos do STJ de 5.03.2002 e da R. P. de 5.02.2004. Em tal conformidade, e atentando nas relevantes finalidades que o A. conferia ao ZC, surge-nos como equilibrado fixar o quantitativo diário ora em demanda em 80,00 euros, o qual, na nossa óptica, é o que um juízo verdadeiramente equitativo justifica e impõe.

Destarte, em derradeiras contas, a quantia indemnizatória a arbitrar ao A./Recorrente pela privação do uso do seu veículo ZC, ao longo dos antes computados 684 dias, perfaz a soma de € 54.720,00. A esta cifra acrescerão os correspondentes juros de mora, à taxa legal, a contar da citação da Ré, e sobre a importância de (247 X 80,00) 19.760 euros, até 15.12.2008, total a que haverá que deduzir a importância de 1.500,00 euros e correspectivos juros pagos pela Ré nessa referenciada data.

Aqui chegados, cuidemos da outra questão

B ‑ Destino e Valor dos Salvados

Na douta sentença recorrida, conforme o antes vertido, o Mmº. Juiz, julgando procedente o pedido formulado pelo A. no sentido de lhe ser pago, em consequência da respectiva perda total, o valor por este atribuído ao ZC ‑16.988,00 euros‑, do mesmo passo que irrogou à Ré a obrigação desse pagamento, atribuiu a esta última os salvados de tal veículo.

O A. ataca agora tal veredicto, dizendo que não se conforma com essa determinação de os salvados ficarem a pertencer à Ré, por isso que, enquanto proprietário, não tem interesse em transferir a tocante propriedade para aquela. A permanência dos salvados em caso de perda total ‑mais aduz‑, constitui um modo de pagamento parcial da indemnização relativa ao veículo acidentado, pelo que ao valor fixado, e bem, pelo Tribunal “a quo”, no montante de 16.988,00 euros, relativamente à perda total do ZC, deverá ser descontado o valor dos respectivos salvados à data da sentença, e não à data da comunicação da Ré de 28.08.2006, porquanto não poderá ser imputado ao A. o lapso de tempo decorrido entre a data do acidente e a data em que foi proferida a sentença.

A Ré, por sua vez, impugna também esse mesmo veredicto, alegando que desconhece onde se encontram os salvados e qual o estado real dos mesmos, pois que continuam a permanecer na posse e na esfera patrimonial do A., o qual os não entregou à Ré, desconhecendo esta se aquele já os chegou a comercializar ou se algum dia lhos entregará, sendo certo ‑ acrescenta‑ que o A. tinha já conhecimento da sua (da Ré) posição nessa data de 28.08.2006, e só intentou a acção judicial a 19.04.2007, pelo que a entrega dos salvados desvalorizados com o decurso do tempo apenas a facto do mesmo é imputável, por demorar essa acção tendo conhecimento da perda total do veículo e, demais, não aceitar a proposta dela, Ré. E assim, conclui propugnando que os salvados deverão manter-se na posse e propriedade do A., descontando-se, na indemnização da perda, o valor daqueles à data do acidente, objectivo a alcançar em sede de liquidação em execução de sentença.

Que dizer agora sobre esta controvérsia? Vejamos uma vez mais.

Consoante se referiu, o A. deduziu o seu pedido, no que tange aos danos sofridos pelo seu veículo, considerados como determinantes da respectiva perda total, reclamando a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 16.988,00 euros, no seu entender correspondente ao valor comercial do ZC à data do acidente.
Como logo se alcança, este pedido tinha necessariamente como implícito o abdicar do A. em relação à propriedade dos salvados e inerente transferência da mesma, em contrapolo do pleno embolso do valor venal do veículo, para a Ré.
Á partida, note-se, tal pretensão ‑transferência dos salvados para a Ré‑ evidenciava-se perfeitamente legitima, pois ‑como expende José Vasques[7] ‑, “embora a empresa de seguros tenha o direito de deduzir o valor dos objectos salvos do sinistro (artº. 439, § 2º, do Código Comercial[8]), na prática é frequente serem as seguradoras a ficar proprietárias dos salvados, não sendo portanto o seu valor incluído no valor indemnizatório.” De resto, e indo mais longe, no Ac. da R. E. de 12.02.1998[9], decidiu-se que “não havendo reconstituição natural, não há que deduzir o valor dos salvados no valor da indemnização nem que transferir para o lesado o risco da respectiva venda, tudo se passando como se o responsável pela indemnização adquirisse o veículo ou o que dele restasse, ao lesado, pelo valor do mesmo antes do acidente, tendo, por isso, direito à entrega do mesmo.”
Citada a Ré, e apresentando-se ela a contestar, especificamente em relação a essa pretensão indutora da transmissão dos salvados para a sua esfera, a mesma não manifestou qualquer oposição.
Assim, e no seguimento de positiva prova sobre esse valor do veículo, alegado pelo A., foi a pretensão deste, conforme o referido, julgada procedente, com a condenação da Ré a pagar-lhe esse valor, e consequente reversão dos salvados para esta última.
E aproveitando-se da possibilidade propiciada pelo efeito ‑meramente devolutivo‑ conferido ao recurso dessa decisão, o A. veio promover a execução da mesma, logrando a feitura do pagamento, entre o mais, da importância representativa desse mesmo valor do ZC.
Assim sendo, como é, e sempre ressalvando melhor opinativo, não pode o A., desde logo, arrogar-se em discordante de tal decisão na parte em que determinou a transferência dos salvados para a titularidade da Ré, pretendendo-os “pagamento parcial” (?) da indemnização relativa ao veículo acidentado
Com efeito, além de essa decisão, como vimos, traduzir, pura e simplesmente, o cabal acatamento da sua deduzida pretensão, o A., dando execução à mesma, compeliu a Ré ao pagamento nela determinado, com a consequente, inelutável ‑considerando a sua (do A.) posição no processo‑, transmissão da propriedade dos salvados para aquela, consoante o nesse aresto também decretado. De tal sorte, não só não ficou vencido em tal decisão, como ‑ainda que assim não fora‑, sempre a veio a aceitar e assumir, de patente forma tácita, ao instaurar a apontada execução, acto absolutamente incompaginável com qualquer eventual discordância e vontade de a fazer valer mediante competente via impugnatória.
Nestes termos, pois, o seu recurso em presença é, tanto em face do disposto no nº 1, do artº. 680º, como dos nºs 2 e 3, do artº. 681º, ambos do CPC, inadmissível, sendo certo que, mesmo a assim se não entender ‑o que apenas a benefício meramente argumentativo ora se equaciona‑, sempre a sua interposição ‑ “rectius” o respectivo conteúdo alegatório e atinente pretensão‑, se configuraria como dedução de questão nova“ius novorum”‑, consabidamente incompatível com a disciplina que, entre nós, rege o processamento desse meio de impugnação[10].
Com efeito, segundo a referenciada disciplina ‑consagradora do modelo de revisão ou reponderação, e não de reexame‑, ao tribunal superior não lhe pode ser demandado pronunciamento sobre matéria que antes não foi submetida a apreciação, ou seja, matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou pedidos que nela não foram deduzidos. Ora, isso justamente se verifica, como é bom de ver, com a enfocada pretensão do A., reclamando agora, nesta sede recursiva, a permanência dos salvados na sua titularidade, ao invés do abinício pedido, sempre mantido, e afinal sancionado pelo Tribunal “a quo”.
Deste modo, e em suma, a sua douta objecção ora em exame queda-se insubsistente.

E o mesmo haverá que dizer ‑antecipe-se desde já, e com o devido respeito‑, dessa outra objecção recursória doutamente deduzida pela Ré.
Na verdade, e como se referiu, a mesma, ante a pretensão da Contraparte no sentido de haver dela o pagamento integral do valor comercial do ZC ‑implicando portanto a passagem da titularidade dos salvados para si‑, a tal respeito, especificamente, não manifestou qualquer oposição.
Proferida a sentença, além do mais a acolher tal demandada pretensão, a sua alegação ora em exame, no sentido de desconhecer do estado e situação dos salvados, se os mesmos se mantêm ou não na titularidade do A., se este efectivamente lhos virá a entregar ‑factos negativos estes, portanto, a determinarem, segundo ela, que os ditos salvados se devam manter na posse e propriedade do A., com a inerente dedução do respectivo valor ‑a aferir com referência à data do acidente e em liquidação ulterior de sentença‑, ao montante indemnizatório correspondente, essa sua alegação ‑dizíamos‑, traduz-se também ela no levantamento de uma questão nova, não ventilada nem decidida na 1ª Instância.
Destarte, e pelas razões antes expendidas, inviável se torna aqui e agora conhecer, outrossim, de tal questão, que desse modo também claudica.

No tocante a ambos os segmentos recursórios ora apreciados, a douta sentença manter-se-á, pois, intocada.


IV – DECISÃO
Por tudo o exposto, decide-se.
1 ‑ Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré;
2 ‑ Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo A. e, em consequência, revogando nessa medida a douta sentença recorrida, condenar a Ré a pagar ao A., a título de indemnização pelo dano da privação do uso do seu veículo ZC, a quantia de € 54.720,00, à qual acrescerão os correspondentes juros de mora, à taxa legal, a contar da citação da Ré, sobre a importância de 19.760 euros, e até 15.12.2008, total a que, por sua vez, serão deduzidos a importância de 1.500,00 euros e correspectivos juros moratórios pagos pela Ré nessa referenciada data.
3 ‑ No mais, confirmar a referida sentença.
Custas da apelação da Ré a cargo desta; custas da apelação do A. a cargo desta e da Ré, na proporção de ¼ para aquela e ¾ para a última; custas da 1ª Instância, igualmente a cargo de ambas, na proporção do vencido.


[1] Proferido no Proc. nº 08A3401, in dgsi.pt.
[2] Assim se divergindo, pois, e salvo sempre o muito respeito, tanto do Mmº. Juiz como do A./Recorrente.
[3] In Col., Tomo I, pág. 178.
[4] Cfr. neste sentido, citado Ac. R. P. de 5.02.2004.
[5] Proferido no Proc. nº 3968/01, e transcrito in Temas da Responsabilidade Civil, I Vol.: Indemnização do Dano da Privação do Uso, de António S. Abrantes Geraldes, 2 ª ed., Almedina, pp. 119 e ss..
[6] Cfr. ob. cit., pp. 56, 68 e 71.
[7] Cfr. Contrato de Seguro, C. Editora, pág. 310.
[8] Ao caso ainda aplicável, por não publicado o D.L. nº 72/2008, de 16 de Abril, instituidor do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, com entrada em vigor a 1 de Janeiro de 2009.
[9] In Col.; Tomo I, pág. 270.
[10] A este propósito, cfr., entre outros, Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre O Processo Civil, Lex, pp. 395 e ss., e José Lebre de Freitas e Outro, in Cód. Proc. Civil - Anotado, Vol. III, C. Editora, pp. 5 e ss.; na jurisprudência, Acs. do STJ de 6.01.1988, in Bol. 373º-462, 18.01.1994, in Bol. 431º-588, 20.05.1997, in Col./STJ, II, pág. 85 e, ainda, 24.02.2000, 7ª sec., in Sumários, 38º-46.