Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
69/11.2TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
INADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 10/26/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TEP COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEIÇÃO DO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 12º Nº 5 A), 34º, 35º CPP).
Sumário: 1.- Proferidos quer pelo tribunal de execução de penas quer pelo tribunal da condenação, despachos em que ambos declinam a sua competência para proferir a decisão de extinção de pena de prisão subsidiária da pena de multa inicialmente aplicada ao condenado e para emitir os consequentes mandados de libertação, atribuindo-a reciprocamente, é manifesto existir um conflito negativo de competência.
2.- Daí que o meio processual próprio de que se deva lançar mão seja o instituto do conflito e não o recurso da decisão proferida por um dos tribunais.
Decisão Texto Integral: Por despacho de 1 de Fevereiro de 2011, proferido no presente processo supletivo (Lei 115/2009) em que é arguido/condenado A..., Tribunal de Execução de Penas de Coimbra declarou-se incompetente para proferir a decisão de extinção de pena de prisão subsidiária da pena de multa inicialmente aplicada ao condenado na sentença proferida no Tribunal de Arganil, e bem assim para emitir os consequentes mandados de libertação, quer seja por vir a ser paga a multa em falta, total ou parcialmente, quer por se mostrarem cumpridos os 46 dias de prisão subsidiária aplicada, dada considerar que a competência cabe para tal ao Tribunal Judicial de Arganil como tribunal da condenação, e ordenou que se comunicasse o decidido, com cópia do despacho e nota de muito urgente, ao processo de condenação, atenta a data prevista para o fim do cumprimento da pena.

No dia 2 de Fevereiro de 2011, o Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, proferiu novo despacho com o seguinte teor:
« Pese embora a nossa posição já expressa no despacho proferido em 1.02.2011, onde nos declaramos incompetentes para proferir a decisão de extinção da pena aplicada ao condenado e para emitir mandado de libertação, o certo é que o Tribunal da condenação igualmente se declarou incompetente para a emissão dos respectivos mandados de libertação, conforme cópia da decisão ali proferida e junta afls.32.
Todavia, sem prejuízo da nossa anterior decisão, que reiteramos, atento o conflito negativo de competência e porque o recluso não pode ser prejudicado nos seus direitos fundamentais, impõe-se emitir o competente mandado para o dia de amanhã, data em que o condenado termina a pena de prisão subsidiaria da pena de multa que lhe foi aplicada na sentença cuja certidão se mostra junta a fls. 14 e seguintes.
Assim, e não havendo outras penas a cumprir sucessivamente, porque o termo da pena ocorre no dia de amanhã, emita e entregue mandados de libertação para 03 de Fevereiro de 2011.
Notifique e comunique ao Tribunal da condenação.
Atentas as decisões proferidas por este TEP a fls.24 e pelo Tribunal da condenação a fls.32, abra vista ao Ministério Público para os fins tidos por convenientes.».

Inconformado com os dois despachos deles interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1- A pena de prisão subsidiária é, enquanto em execução e, nos termos alegados na motivação, uma pena privativa de liberdade: é uma pena de prisão efectiva.
2- Como tal, constitui competência material do Tribunal de Execução de Penas:
- proceder ao acompanhamento e à fiscalização da sua execução (de tal modo que, tratando-se de pena superior a 180 dias, haverá lugar a apreciação, para efeitos de concessão ou não da liberdade condicional);
- ordenar a libertação do condenado, emitindo e remetendo, ao Estabelecimento Prisional, os competentes mandados;
- no termo dessa execução, declarar a extinção da pena, por cumprimento, comunicando esta decisão ao Registo Criminal.
3- Havendo declarado e persistido na declaração de incompetência material do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, os despachos recorridos violaram o disposto nos artigos 91.º, n.º1 e n.º 3, alíneas r) e s), da Lei n.º 3/99, no artigo 124.º, n.º 1 e n.º 3, alíneas r) e s), da Lei n.º 52/2008, e nos artigos 23.º, n.º 1, 137.º, n.º 1, e 138.º, n.º 2 e n.º 4, alíneas r) e s), do CEPMPL.
Nestes termos e pelo mais que Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, concedendo-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogando-se os despachos recorridos, a substituir por um outro que, reconhecendo a competência material do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, declare a extinção da pena, por cumprimento, e ordene a respectiva comunicação aos Serviços do Registo Criminal, far-se-á Justiça.

O recurso foi admitido por despacho de 13 de Julho de 2011.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

O arguido/condenado A... respondeu ao parecer do Ministério Público sustentando que, sem prejuízo de se dever ter suscitado a resolução do conflito de competência, o recurso merece provimento.

*
Cumpre decidir.

Antes de conhecer o objecto do recurso suscita-se uma questão prévia, pois o recurso é interposto de dois despachos proferidos pelo TEP de Coimbra, em que este se declarou incompetente para proferir a decisão de extinção de pena de prisão subsidiária da pena de multa inicialmente aplicada ao condenado na sentença proferida no Tribunal de Arganil, e para emitir os consequentes mandados de libertação, atribuindo a competência para a matéria ao Tribunal Judicial de Arganil, como tribunal da condenação.
Declarada a incompetência do tribunal, o processo é remetido para o tribunal competente ( art.33.º, n.º1 do C.P.P.).
Duas situações podem então acontecer: ou o tribunal para que o processo é remetido, aceita a competência ou não a aceita.
Se a não aceita, designadamente por entender que a competência é do Tribunal se declarou incompetente, declara também a sua incompetência para conhecer da matéria.
Nesta situação fica aberto um conflito negativo de competência, que tem lugar, nos termos do art.34.º, n.º1, do C.P.P., quando, em qualquer estado do processo, dois ou mais tribunais, de diferente ou da mesma espécie, se considerarem incompetentes para conhecer do mesmo crime, imputado ao mesmo arguido.
O conflito cessa logo que um dos tribunais se declara, mesmo oficiosamente, incompetente ou competente, segundo o caso ( art.34.º, n.º2, do C.P.P.), ou seja, logo que um dos tribunais reveja a sua anterior posição.
De acordo com o art.140.º da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, que aprovou o CEPMPL,
«À definição, denúncia e resolução do conflito de competência aplicam-se, com as necessárias adaptações, as normas correspondentes do Código de Processo Penal.».
No presente caso, os despachos recorridos encontram-se inseridos num conflito de competência negativo de competência, pois como resulta da motivação do recurso e do despacho de 1 de Fevereiro de 2011, a folhas 32, o Tribunal Judicial de Arganil declarou-se igualmente incompetente para conhecer da matéria em causa, atribuindo a competência ao TEP de Coimbra.
Perante o conflito negativo impõe-se que o tribunal, oficiosamente, suscite o mesmo, podendo também o Ministério Público e o arguido suscitar o conflito mediante requerimento dirigido ao órgão competente para a resolução do conflito ( art.35.º, n.º1 e 2 do Código de Processo Penal).
O conflito será então decidido pelo órgão aludido no art.12.º, n.º5, al. a), do Código de Processo Penal.
Pese embora a regra seja a admissibilidade de recurso das decisões judiciais, designadamente as proferidas no processo supletivo ( art.s 399.º do C.P.P. e art.235.º, n.ºs 1 e 2, al. c) do CEPMPL), existindo um meio processual próprio para decidir o conflito negativo de competência, suscitado oficiosamente pelos tribunais, não pode o mesmo ser resolvido através da interposição de recurso relativamente às decisões proferidas apenas por um dos tribunais, ou seja, destas duas decisões integradas num conflito negativo não pode o Ministério Público interpor recurso.
O recurso poderia, aliás, não ter qualquer efeito útil: bastava para o efeito que o mesmo fosse julgado improcedente, pois manter-se-ia o despacho recorrido a declarar a sua incompetência para a matéria e a atribuir a competência ao tribunal da condenação, bem como o despacho proferido pelo tribunal da condenação a declarar também a sua incompetência e a atribui-la ao TEP de Coimbra.
Neste sentido se parece pronunciar também o Prof. Germano Marques da Silva quando escreve : “ se, porém, o tribunal se declara incompetente, remetendo o processo para outro tribunal, o meio processual a utilizar é primeiro o instituto do conflito e não o recurso.” “Curso de Processo Penal”, Vol. I, 4.ª edição, pág. 211.
Estamos perante um caso de inadmissibilidade legal de recurso ( art.400.º, n.º 1, al. g), do C.P.P.).
O recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do art.414.º do C.P.P. ( art.420.º, n.º 1, al. b) do C.P.P.).
O art.414.º, n.º2 do Código de Processo Penal estatui, designadamente, que o recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível.
A decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior ( art.414.º, n.º 3 do Código de Processo Penal ).

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos decide-se rejeitar o recurso interposto pelo Ministério Público, por as decisões serem irrecorríveis, atento o disposto nos artigos 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal.
Sem custas.

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Orlando Gonçalves (Relator)
Alice Santos