Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3717/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. BELMIRO ANDRADE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PENA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 01/07/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ART.º 69.º E 71.º DO CP
Sumário:

I - A medida da pena acessória de inibição de conduzir determina-se de acordo com os critérios do art. 71º do C. P., tendo porém em conta as suas finalidades específicas.
II - No actual regime do art. 69º do C. P. a pena acessória de inibição de conduzir não deve ser suspensa na sua execução.

Decisão Texto Integral:

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1. Em processo sumário, no Tribunal Judicial da Comarca de A foi o arguido, B, melhor id. nos autos, condenado:
- como autor de um crime de condução de veículo motorizado em estado de embriaguês p e p pelo art. 292º, n.º1 do C. Penal, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 5,00, num total de € 400,00 (quatrocentos euros), bem como na sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 8 (oito) meses.

2. Inconformado, recorreu daquela decisão o arguido, extraindo da motivação apresentada, a final, as seguintes CONCLUSÕES:
- O arguido confessou espontaneamente os factos pelos quais vem acusado;
- Com a sua actuação não colidiu nem causou danos a terceiros;
- Com 48 anos de idade e 30 de condução não tem quaisquer antecedentes criminais designadamente no âmbito da condução automóvel, concretamente sob influência do álcool.
- A medida de inibição causa-lhe grande transtorno e enorme prejuízo à actividade do arguido.
- A sentença recorrida violou o disposto nos art.s 40º, 69º, n.º1, 71, n.º 2 do C. Penal.
- Deve a sentença ser revogada na parte referente à medida de inibição de conduzir veículos com motor substituindo-se por outro que reduza essa medida para 3 (três) meses, sendo suspensa na sua execução pelo período de 2 anos mediante prestação de caução de montante a fixar pelo tribunal.

3. Respondeu o MºPº sustentando a manutenção da sanção acessória fixada, que é adequada ao grau de alcoolémia revelado e perigosidade da conduta do arguido, bem como às exigências de prevenção geral atento o elevado nível de sinistralidade decorrente da condução sob efeito do álcool.

5. Neste Tribunal o Ex.mo Procurador- Geral Adjunto emitiu parecer concordante com a resposta, acrescentando que constitui entendimento jurisprudencial pacífico que a pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados prevista no art. 69º do C. Penal não pode ser suspensa na sua execução.

6. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP não houve resposta.
Corridos os vistos legais, não se verificando nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito, cumpre conhecer e decidir.



7. OS FACTOS PROVADOS
No dia 29.07.2003, pelas 10 horas, na E.M. 231, área da comarca de A, quando conduzia o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula KK, o arguido foi interceptado pela GNR de A.
Submetido ao teste de alcoolémia no aparelho Drager, modelo ALCOTEST 7110MKIII, o arguido acusou uma Taxa de 2,99 gramas de álcool por litro de sangue.
Agiu voluntária livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente.
O arguido não tem antecedentes criminais
É sócio gerente de uma empresa de panificação, auferindo mensalmente a quantia de € 500,00.
É casado e a mulher é sócia do arguido na empresa referida.
Tem dois filhos maiores, já casados


8. Está em causa no recurso apenas a determinação da medida da sanção acessória de inibição de conduzir veículos automóveis e a sua suspensão com prestação de caução de boa conduta.

8.1. No que toca à medida da sanção, a moldura abstracta varia entre o limite mínimo de 3 meses e o limite máximo de 3 anos.
A pena acessória de inibição de conduzir foi introduzida no C. Penal pela Revisão operada pelo DL 48/95 de 15 de Março, tratando-se, até então, de matéria privativa do C. da Estrada e leis extravagantes.
Pôs-se assim termo à situação “caótica” então existente no direito português, de acordo com a necessidade sentida “de reforma total ... que deve conduzir a que se inscrevam no C. Penal, como medidas de segurança de carácter geral as medidas de segurança de cassação da licença de condução de veículo motorizado e de interdição de concessão da licença” – cfr. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Aequitas/Editorial Notícias, §§ 793 e 794.
Com efeito a inibição de conduzir surgia antes no C. E., nuns casos como pena acessória, e noutros casos como medida de segurança, uma vezes criminal, outras vezes administrativa. De onde surgiram dúvidas que levaram à necessidade de resolução através do Assento do STJ de 29.04.1992, in BMJ 416º, p. 119, que a qualificou como medida de segurança.
Da reforma operada pelo DL 48/95 de 15.03 e posteriormente pela Lei 77/2001 de 13.07, resulta claro que se trata de uma “verdadeira pena acessória”, tal como propunha, de lege ferenda, Figueiredo Dias, in Consequências Jurídicas do Crime, cit., §§ 205 e 793.
Pressupõe sempre a aplicação de uma pena principal, sendo a determinação da respectiva medida concreta de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação daquela, de acordo com os princípios do art. 71º do C. Penal – cfr. Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Universidade Católica, p. 28 e Maia Gonçalves, C. Penal Anotado, 15ª ed., p. 237.
Perspectiva essa que pela identidade de critérios na respectiva definição leva a uma certa proporcionalidade entre a pena e a sanção acessória.
No entanto, como decidiu o Ac. T. Constitucional n.º 667/94 de 14.12, BMJ 446º - suplemento, p. 102, “a ampla margem de discricionalidade facultada ao juiz na graduação da sanção de inibição de conduzir, permite-lhe perfeitamente fixá-la, em concreto, segundo as circunstâncias do caso, desde logo as conexionadas com o grau de culpa do agente, nada na Lei Fundamental exigindo que as penas acessórias tenham que ter, no que respeita à sua duração, correspondência com as penas principais”.
Não estabelecendo a lei regimes distintos para a respectiva quantificação, há porém que indagar a finalidade específica da pena acessória.
A determinação da medida da pena acessória deve opera-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71º do CP, com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral – cfr. entre outros Ac. RC de 07.11.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 47; Ac. RC de 18.12.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 62; e Ac. RC de 17.01.2001, CJ/2001, t. 1, p. 51.
As necessidades de prevenção são no caso do álcool na condução rodoviária, acentuadas - Ac. Rel. Coimbra de 15.11.2000, in CJ, tomo 5/2000, pag.49.
E, como é por demais sabido, o legislador vem manifestando as suas preocupações com o aumento da sinistralidade rodoviária com papel relevante do álcool, encontrando-se mais uma vez em preparação nova alteração da lei neste âmbito.
Aliás, para uma TAS de 1,63 g/l , numa altura em que o mínimo era de 2 meses e não de 3, como agora, no Ac. da Relação de Coimbra de 17.05.1996 (proc. N.º 296/96) foi aplicada a inibição de conduzir por cinco meses.
Dentro do entendimento a que se fez referência, que na definição do “quantum” concreto deve ser atribuído o lugar de primazia à prevenção especial de socialização do arguido e segurança. Ainda que a inibição deva também assegurar o efeito de prevenção geral de intimidação, funcionará porém num patamar inferior como limite mínimo suficiente para alcançar tal finalidade e servir de emenda cívica ao arguido.
Fazendo a aproximação deste entendimento ao caso concreto, verifica-se no caso que o grau da taxa de álcool no sangue revelado (2,99gramas), faltando apenas uma centésima para as 3 gramas, equivalente a mais do dobro do valor já sancionado como crime, o que revela alto grau de insensibilidade do arguido aos valores tutelados pela norma.
Nas doutas alegações de recurso atribui-se particular relevo à falta de antecedentes e ausência de perigo concreto.
Mas resulta dos autos (fls. 3, terceiro “item” relativo a “factos verificados”) que o arguido foi submetido ao teste de detecção do álcool precisamente porque interveio em acidente de viação, ainda que do mesmo apenas tenham resultado danos materiais. Pelo que pôs efectivamente em perigo não só a sua segurança como a dos demais utentes da via pública.
A seu favor tem assim o arguido apenas circunstância de ser primário, facto que permite esperar que sanção terá o efeito de choque, por constituir o primeiro confronto com os órgãos repressivos, evitando a prática de novas condutas semelhantes.
Já a confissão, dada a natureza técnica da prova da infracção, é pouco relevante para a descoberta da verdade.
Assim a medida decretada – bastante abaixo do meio do âmbito de variação consentido ao tribunal – encontra-se fixada de acordo com os padrões enunciados, sendo certo que também o factor de intimidação/prevenção geral ficará acautelado com a inibição decretada, dado o significado social de 8 meses sem poder conduzir. Ao contrário do mínimo pretendido que não apresenta justificação razoável.
Em conclusão, dentro da hierarquização das finalidades da sanção acessória supra referida, afigura-se que a medida da inibição estipulada na sentença recorrida se encontra criteriosamente definida, ao contrário da pretendida pelo arguido que não alcança justificação dentro daquele quadro.
Pelo que a sentença não merece reparo.


8.2. No que toca à suspensão requerida, no domínio da aplicação do art. 69º do C. Penal tem-se entendido que “sendo uma pena acessória a proibição de conduzir veículos motorizados tem o seu destino, só decretada a suspensão da execução da pena principal o será também, por arrastamento, a da pena acessória” – cfr., entre outros Ac. RC de 27.11.1996, sumariado no BMJ 461º, 538; Ac. RC de 29.11.2000, na CJ/2000, t. 5, p. 49, bem como a jurisprudência do STJ ali citada; Ac. RC de 23.05.2001 e Ac. RP de 22.05.2002 sumariados na Internet em www.dgsi.pt..
Citando Germano Marques da Silva, in Crimes Rodoviários, p. 28, “verificados os seus pressupostos e aplicada a pena acessória, esta tem que ser executada. Assim, ainda que a pena principal seja substituída ou suspensa na sua execução, o mesmo não pode suceder relativamente à pena acessória de proibição de conduzir”.
Assim, dentro deste entendimento, que se sufraga, também nesta vertente a decisão recorrida não merece censura.


9. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos decide-se julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente. Taxa de justiça: 5 UC.