Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2050/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. INÁCIO MONTEIRO
Descritores: INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Data do Acordão: 11/12/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OLEIROS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ART. 410.º, N.º 2, AL. A) E C), DO CPP; ART. 30.º, N.º 1 E 2, DO CP; 55.º, N.º 2; 58.º, N.º 2; 59.º, N.º 1; 128.º, N.º 1; 129.º, N.º 1; 249.º, N.º 1 E 2, AL. B) E 356.º, N.º 7DO CPP.
Sumário:

I – A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, deve resultar dos factos dados como assentes, isto é do texto do acórdão.
II – O recorrente quando questiona, não o texto do acórdão, mas o modo como o tribunal colectivo procedeu à apreciação da prova, ataca a decisão com base na violação do princípio da livre apreciação da prova e não no vício de erro notório na apreciação da prova.
III – Aos órgãos de polícia criminal compete, ainda que não haja arguido constituído, após terem conhecimento de um facto como crime, proceder a diligências urgentes de modo a salvaguardar os meios de prova.
Os depoimentos dos agentes de autoridade, cujo conhecimento dos factos receberam por assistirem à reconstituição dos crimes de incêndio pelo arguido e presenciaram este a admiti-los, não são depoimentos indirectos podem e devem ser valorados, por não estarmos perante prova proibida por lei, pois não se trata de declarações, cuja leitura seja proibida, pelo art. 356.º, n.º 7, do C. P. P.
Decisão Texto Integral:
Recurso n.º 2050/03-4
Processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 88/00.4GAOLR, do Tribunal Judicial da Comarca de Oleiros
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Acordam, em audiência, os juizes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

No processo supra identificado, foi o arguido, BB julgado pela prática de quatro crimes de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 272.º, nº. 1, al. a), do Cód. Penal, tendo sido condenado, pelo acórdão de fls. 548 a 563, por três crimes dessa natureza, nas penas parcelares de prisão: de 3 anos e 4 meses; 3 anos e 2 meses e 3 anos e 6 meses.
Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 5 anos de prisão.

Do acórdão interpôs recurso o arguido, circunscrito à nulidade da valoração da prova, que assentou em declarações do arguido que em audiência se remeteu ao silêncio, pugnando assim pela sua absolvição e subsidiariamente, quando assim se não entender, ao reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal ou em último caso de condenação deverá haver subsunção dos factos à prática de um crime na forma continuada.

Conclusões da motivação do recorrente:
1.ª - O tribunal "a quo" assentou a decisão condenatória, como se refere expressamente na respectiva motivação do douto acórdão ora em recurso, na credibilidade que deu á versão das autoridades, ou seja, baseou a sua convicção unicamente nos depoimentos da testemunha Farinha, capitão da GNR, que, em conversa informal com o arguido, disse que este lhe confessou a autoria dos quatro incêndios, bem como o local e o modo como ateou os mesmos, tendo as testemunhas CC, soldados da GNR, referido que o DD lhes disse nessa altura que o arguido confessara a autoria dos mesmos.
2.ª - Face a tal confissão informal, ou seja, fora de auto, o DD e as testemunhas CC, foram aos locais dos incêndios, tendo o arguido explicado a forma como fizera para atear os incêndios, referindo onde deixou o veiculo estacionado, até onde entrou na mata a pé e que acendia os incêndios com uma caixa de fósforos que trazia no bolso.
3.ª - Entende o recorrente que o tribunal" a quo" não podia valorar o depoimento das referidas testemunhas, Farinha, capitão da GNR e CC, soldados da GNR, pois, relativamente á testemunha Farinha, capitão da GNR, temos que as declarações informais prestadas pelo arguido a tal testemunha, agente da autoridade o foram antes da sua constituição como arguido, pois, como resulta dos autos, só posteriormente a tais declarações e, inclusive, só posteriormente à ida aos locais dos incêndios e posteriormente a serem tiradas as fotografias de tis. 11 a 21 dos autos, o arguido foi constituído como tal. -Cfr., nomeadamente, fls. 3 e 9 dos autos.
4.ª - De acordo com o preceituado no art. 59.°, n° 1 do CPP, se, durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que procede ao acto, suspende-o imediatamente e procede à comunicação e à indicação referidas no n.° 2 do art. 58.° do CPP, ou seja, procede-se à comunicação de que o inquirido passa a ser arguido.
5.ª - Não tendo sido observado o n.° 1 do art. 59.° do CPP, então, as declarações do arguido prestadas antes de ser constituído como tal não podem ser usadas como prova contra si, por força do n.° 3, do art.59.°, que remete para o n.° 4 do art. 58.°, todos do CPP, quer se trate de declarações em auto, quer se trate, como foi o caso, em declarações informais, ou seja, fora de auto.
6.ª - Acresce que, neste caso em concreto, antes de se deslocarem ao local onde ocorreram os incêndios com um fotógrafo e porque o então suspeito já se encontrava detido, igualmente sempre seria obrigatória, desde logo, a sua constituição como arguido, nos termos do disposto na alínea c) do n.° 1 do art. 58.° do CPP, razão pela qual as declarações aí prestadas pelo então suspeito e detido, nomeadamente, indicando os, locais onde ocorreram os incêndios e o modo como actuara, também não poderão ser usadas como prova contra si.
7.ª - Pelas mesmas ordens de razões, relativamente às testemunhas CC. Soldados da GNR, igualmente as declarações por estes prestadas não poderão ser valoradas no sentido de se obter umas sentença condenatória, até porque, conforme resulta da respectiva motivação, estas testemunhas só referem que o DD lhes disse, na altura, que o arguido confessara a autoria de quatro incêndios, pois tais depoimentos sempre serão depoimentos indirectos e, portanto, não podem servir como meio de prova.
8.ª - Sem prescindir do acima exposto, mesmo que assim não seja considerado, o certo é que nenhuma outra prova se fez de que o arguido tenha sido o autor dos incêndios, pois de acordo com a respectiva motivação e como inclusive, aí é referido" o tribunal deu credibilidade á versão das autoridades ".
9.ª Entende o arguido e ora recorrente, que nunca os depoimentos das testemunhas, elementos da GNR, poderão ser valorados, no sentido de se obter, como se obteve, uma sentença condenatória, pois de acordo com o disposto nos art. 356.°, n.° 7 e 357.° n.° 2, ambos do CPP, os órgãos de policia criminal que tenham recebido declarações cuja leitura não for permitida, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas. Tal proibição estende-se, igualmente, aos órgãos de policia criminal que tenham participado na sua recolha.
10.ª - As testemunhas referidas, elementos da GNR, só têm conhecimento dos factos resultantes das declarações que receberam ou em que participaram na sua recolha, o DD por "em conversa" com o arguido este lhe ter confessado a autoria dos quatro incêndios e as testemunhas CC, por o DD lhes ter dito que o arguido confessara a autoria dos quatro incêndios.
11.ª - É certo que estas normas se referem a declarações que tenham sido reduzidas a escrito, mas a razão de ser da proibição é a mesma para as declarações que foram feitas constar de auto e para as que não foram, pois a circunstância de a lei não falar em declarações não reduzidas a auto só significa que tudo se passa como se elas não existissem.
12.ª - Aliás, as declarações que o arguido tenha feito aos elementos da GNR, se tivessem sido feitas constar de auto como impunha o art. 275°, n° 1, do CPP visto respeitarem aos factos em investigação, não podiam ser lidas, por não se verificar qualquer das situações a que alude o n.° 1 do art. 357.° do CPP.
13.ª - As declarações não reduzidas a auto não podem ser valoradas, sejam quais forem as formas que assumam desde que não tenham assumido os procedimentos de recolha admitidos por lei e por ela sancionados. Haveria fraude à lei se se permitisse a valoração de conversas informais entre o arguido e os elementos da GNR, não documentadas e fora de qualquer controle.
14.ª - De qualquer forma, estaríamos sempre perante depoimentos indirectos, pois de acordo com o disposto no art. 128 do CPP a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constitua objecto de prova, razão pela qual igualmente não poderiam servir, como serviram, como meio de prova.
15.ª - O mesmo se diga do depoimento da testemunha Lurdes, mulher do arguido que na parte em que foi considerado, se baseou em conversas que teve com o seu marido, ora arguido pois sempre tal seria igualmente um depoimento indirecto, não podendo, nessa parte servir como meio de prova. Alias, não se compreende como se pode considerar o depoimento desta testemunha numa parte e não se considerar noutra.
16.ª - Assim, pelas razões expostas, o depoimento de tais testemunhas não podem ser valorados ou tidos em conta, ou seja, não podia o douto tribunal" a quo" basear a sua convicção nos depoimentos de tais testemunhas, como foi o caso, ao dizer que deu credibilidade á versão das autoridades assentando a condenação do arguido somente no depoimento de tais testemunhas.
17.ª - Pela mesma ordem de razões, a ida dos elementos da GNR, com o arguido aos locais dos incêndios, tendo aí o mesmo explicado a forma como fizera para atear os incêndios, referindo onde deixou o veiculo estacionado, até onde entrou na mata a pé e que acendia os incêndios com uma caixa de fósforos que trazia no bolso, e porque tal diligência de indicação dos locais e da forma como o fizera, se baseia, evidentemente nas declarações do arguido, sendo uma prova que assenta num complemento das suas declarações, ou seja que assenta na sua confissão, entendemos que, pelas mesmas razões, igualmente não poderá ser atendida ou valorada.
18.ª - Em face do exposto, não podiam os factos constantes dos pontos 2.1.1., 2.1.3., 2.1.5., 2.1.6., 2.1.10. 2.1.11., 2.1.12., 2.1.14., 2.1.15. dos Factos Provados terem sido, como foram, dado como provados, uma vez que o arguido em audiência de julgamento usou do direito legitimo de não falar, e o douto Tribunal a quo assentou a sua convicção para dar tais factos como provados, unicamente no depoimento dos elementos da GNR, como refere na respectiva motivação.
19.ª - Assim sendo, como se expôs, resulta do próprio texto do douto acórdão ora recorrido que a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão condenatória, violando-se, assim, o disposto no artigo 410.º, n° 2, al. a), do C.P.P.
20.ª - Mesmo que assim se não considere, por mera cautela e sem prescindir, diremos que vinha o arguido acusado pela prática de quatro crimes de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 272.º, n.° 1, al. a) do CP, sendo que, no douto acórdão ora recorrido foi o arguido condenado pela prática de três crimes de incêndio e não quatro, uma vez que" se considerou que relativamente aos incêndios dos dias 25 de Fevereiro, 16 de Julho e 19 e 20 de Julho de 2000 houve diversa resolução criminosa. Porém, os dois focos dos dias 19 e 20 de Julho e atendendo á proximidade de cada um deles e á forma como foram ateados, afigura-se-nos que terá o arguido tido uma única resolução criminosa, por essa razão, pensamos que o arguido terá praticado três crimes de incêndio e não quatro."
21.ª - Ora, sendo verdade que as diversas acções do arguido são susceptíveis de se reconduzirem ao mesmo tipo legal de crime e uma vez que os bens jurídicos ofendidos não são eminentemente pessoais, temos que neste caso sempre se verificaria uma unidade criminosa, quanto muito, relativamente aos incêndios dos dias 16, 19 e 20 de Julho de 2000.
22.ª - As decisões ou resoluções criminosas são algo do foro interno das pessoas, pelo que devem ser aferidas através de sinais externos, onde se destaca o interlúdio temporal entre as diversas acções típicas, segundo o qual será tanto mais provável a pluralidade de resoluções criminosas diversas quanto maior for o tempo que medeia entre cada uma.
23.ª - Neste caso concreto, a acção do arguido integra o mesmo tipo legal de crime que protege bens não eminentemente pessoais e integra-se no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a sua culpa, razão pela qual, entendemos que a resolução criminosa é una e isto apesar de as acções terem ocorrido nos dias 25 de Fevereiro e 16,19 e 20 de Julho de 2000, pois cremos que se verificaria uma persistência da resolução inicial em vez de novas determinações criminosas, dado até o facto do lapso de tempo que medeia entre cada uma ter sido pequeno.
24.ª - Em face do exposto, a manter-se a condenação do arguido, tal condenação teria que ser por um único crime de incêndio, condenando-o pelo mínimo legal aplicável ao caso concreto, dado que a resolução criminosa é una até pelo facto das acções terem ocorrido em dias tão próximos do que se infere que o quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente diferentes se verifica, razão pela qual o douto acórdão ora recorrido violou o disposto no art. 30.º, n.º 1 e 2 do C. Penal.
25.ª - O acórdão ora recorrido violou o disposto nos citados artigos 59.° n.° 1 e n.° 3 e 58.° n.° 4, todos do C. P. P. – que interpretou no sentido de que podem ser valoradas as declarações do arguido prestadas antes de ser constituído como tal e podem ser usadas como prova contra si, quando, no entendimento do recorrente o sentido em que tal norma devia ter sido interpretada é que, mesmo que alguém seja ouvido fora de auto, ou seja, informalmente, houver fundada suspeita de crime por ele cometido, como foi o caso nos presentes autos, deve suspender-se imediatamente tal audição e deve imediatamente ser constituído como arguido, sob pena de assim se assim não for, se permitir a audição informal, violando-se o espirito da lei, sob pena de nulidade da utilização da prova resultante de tais declarações e da impossibilidade de tal prova ser utilizada contra ela, por força do n.° 3 do art. 59.° que remete para o n.° 4 do art. 58.° do CPP .
26.ª - O douto Acórdão ora recorrido violou igualmente o disposto no art. 356.º, n.° 7 e 357.° n.º 2, ambos do C.P.P. - que interpretou no sentido de que, remetendo-se o arguido ao silêncio em audiência de julgamento como foi o caso, podem ser valorados os depoimentos dos elementos da GNR quando versem sobre relato de conversas extra processuais ou conversas informais havidas com o arguido, quando no entendimento do recorrente o sentido em que tal norma devia ter sido interpretada é que, quando o arguido, em audiência de julgamento, se remete ao silêncio, as declarações extra processuais ou conversas informais, ou seja, não reduzidas a auto, não podem ser valoradas, ou seja, não podem servir como meio de prova pois não estão fora da previsão do n.° 7 do art. 357.° do C.P.P., uma vez que a razão de ser da proibição relativamente às declarações reduzidas a auto é a mesma e tais testemunhas só sabem aquilo que o arguido lhes disse ou dele ouviram, porque dos mesmos factos se tratam.
27.ª - O douto Acórdão ora recorrido violou também o disposto nos artigos 128.°, n.° 1 e 129.° ambos do CPP, que interpretou no sentido de que considerou que os depoimentos dos elementos da GNR em relação ao conteúdo do que ouviram dizer ( uma vez que a fundamentação da prova relativa á autoria dos incêndios assenta unicamente em depoimentos indirectos dos elementos da GNR, não constando qualquer referência relativa á confirmação e veracidade do mesmo, face ao depoimento das testemunhas visadas) não eram depoimentos indirectos, quando, no entendimento do recorrente o sentido em que tal norma devia ter sido interpretada é que, os depoimentos dos elementos da GNR, em relação ao conteúdo do que ouviram dizer a outra pessoa são depoimentos indirectos e, portanto, não podem servir como meio de prova.
28.ª - E a matéria de facto provada, visto isso, é insuficiente para a decisão, o que resulta do próprio texto do douto Acórdão ora recorrido, violando-se assim e também, o art. 410.º n.° 2 do CPP.
29.ª - Por mera cautela e sem prescindir do acima exposto, se assim se não entender, o douto Acórdão ora recorrido violou o disposto no art. 30.º, n.° 1 e 2 do C. Penal, que interpretou no sentido de que considerou que relativamente aos incêndios dos dias 25 de Fevereiro de 2000, 16 de Julho do mesmo ano e 19 e 20 de Julho de 2000 houve diversa resolução criminosa, embora considerando que os incêndios do dia 19 e do dia 20 de Julho o arguido terá tido uma única resolução criminosa, quando, no entendimento do recorrente o sentido em que tal norma devia ter sido interpretada é que se verificaria uma persistência da resolução inicial em vez de novas determinações criminosas, dado até o facto do lapso de tempo que medeia entre cada uma ter sido pequeno, pelo que a manter-se a condenação do arguido, tal condenação teria que ser por um único crime de incêndio, condenando-o pelo mínimo legal aplicável ao caso concreto, dado que a resolução criminosa é una apesar das acções terem ocorrido em dias diferentes.
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Notificado o Ministério Público na primeira instância da interposição do recurso, para os efeitos do art. 413.º, do Cód. Proc. Penal, apresentou resposta, pronunciando-se no sentido da improcedência e pela manutenção do acórdão recorrido.

Conclusões da motivação do Ministério Público na primeira instância:
1 - A convicção do tribunal recorrido assentou no conjunto da prova produzida, traduzida no depoimento das várias testemunhas ouvidas - elementos da GNR, DD, CC e ainda de Nelson Neves, José António Barata, Abílio Delgado e do irmão deste Degoberto, entre outros, para além da prova documental.
2 - Do texto do douto acórdão não resulta por si só ou conjugado com as regras da experiência comum a existência de qualquer dos vícios previstos no n.° 2 do art. 410.° do CPP, designadamente os das al. a) e c).
3 - Não se verificando qualquer dos vícios apontados pelo recorrente, não caberá no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça, pronunciar-se sobre a matéria de facto já fixada, nos termos do art. 434.° do CPP.
4 - Os depoimentos dos elementos da GNR foram valorados nos termos do art. 356.°, n.º 7 do CPP, conjugado com os art. 55.°, 249.°, n.o 1 e 2 al. b) e 250.° todos do mesmo diploma legal.
5 - Não se mostram violados na sua aplicação os arts. 58.° e 59.° do CPP, dado que a actividade investigatória levada acabo pela GNR foi-o no âmbito das suas legais competências, após o que de imediato apresentou o arguido à autoridade judiciária competente.
6 - O Tribunal pode valorar livremente os depoimentos de testemunhas que relatem conversas tidas com o arguido, quando este, estando presente, se recusa a tomar posição sobre as mesmas, no uso do seu direito ao silêncio, não violando dessa forma o disposto nos artigos 128.° e 129.° do CPP.
7 - Por fim, não resultam da matéria provada factos que possam levar a concluir pela verificação dos requisitos legais da figura do crime continuado em relação a todos os crimes de incêndio, pelo não se mostra violado o disposto no art. 30.°, n.º 1 e 2 do CP.
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Nesta Relação o Ex.mo Procurador Geral Adjunto, no seu douto parecer, aderindo inteiramente aos fundamentos da resposta à motivação do recurso apresentada pelo Ex.mo Procurador da República junto do tribunal recorrido, pronuncia-se no sentido de que o douto acórdão impugnado não merece reparos, devendo manter-se o decidido e negado provimento ao recurso.
No que concerne à questão da legitimidade e validade da utilização dos depoimentos dos agentes da GNR, subscreve os argumentos expressos no douto acórdão desta Relação proferido no presente processo em 15-5-2002 (fls. 423 a 436), argumentos esses que traduzem a adesão ao entendimento sobre a utilização daqueles depoimentos como meio de prova válida e atendível ( tanto mais que no caso em análise tais declarações foram valoradas no conspecto geral da prova produzida em audiência de julgamento, como se infere da fundamentação de facto da douta decisão recorrida).

Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre-nos decidir.

Vejamos pois a factualidade dos autos.

Factos provados (mantemos a mesma numeração devido às diversas remissões que são feitas no acórdão para os pontos numerados da matéria de facto e anotando que do ponto “2.1.6” se passa para o ponto “2.1.10” e existem dois pontos “2.1.17”):
2.1.1 - No dia 25 de Fevereiro de 2000, pelas 00.30 horas, no lugar de Barroco da Ponte, freguesia do Mosteiro, concelho de Oleiros e área desta comarca, o arguido provocou um incêndio florestal, que consumiu uma área de cerca de 0,08 hectares de mato e pinhal, cujo valor dos prejuízos importa em cerca de 200.000$00, não coberto por qualquer seguro, percorrendo da sua residência ao local onde ateou o incêndio cerca de 270 passos.
2.12 - A área ardida é propriedade do lesado José Lopes Martins.
2.1.3 - No dia 16 de Julho de 2000, por cerca das 23.30 horas, no sitio denominado Corga D’Água Fria, próximo da localidade de Mosteiro, e freguesia de Mosteiro, concelho e comarca de Oleiros, e quando regressava da festa popular de Vale do Souto no seu veículo automóvel, de marca Opel Kadett, matrícula JC-02-85, estacionou o mesmo junto à estrada Nacional n.º 238 e, deslocando-se a pé, cerca de 202 passos, dirigiu-se para o interior da mata onde ateou o fogo no lugar supra referido, tendo ardido uma área de cerca de 0.005 hectares de mato e pinheiros, não cobertos por qualquer seguro.
2.1.4 - A área ardida é propriedade de Maria do Céu, embora a mesma não tenha quantificado qualquer prejuízo sofrido é de salientar que a área envolvente ao incêndio possui um povoamento bastante denso e extenso com continuidade vertical e horizontal de pinheiros, castanheiros e mato.
2.1.5 - Que no dia 19 de Julho de 2000, por volta das 22.30/23 horas, quando se deslocava da população de Castanheira da Ermida para Oleiros no automóvel identificado em 2.1.3., a cerca de um Km da aldeia da Folga, freguesia de Oleiros, mesmo concelho e área desta comarca, o arguido estacionou o veículo na estrada Nacional, deslocou-se a pé ao interior da mata e ateou o fogo, tendo ardido uma área de cerca de 5 hectares de terreno composto de mato, pastagem e pinheiro bravo no valor não determinado mas superior 800.000$00, não coberto pelo seguro – propriedades de Adelaide Mateus, José Afonso, José Nunes Mateus, João Simão, Silvino Dias Mateus, José de Jesus Freire e Casimiro Dias Simão.
2.1.6 - No dia seguinte 20 de Julho de 2000, e após o referido em 2.1.5. o arguido dirigiu-se, por cerca da 1.50 horas, ao lugar de Vale de Cerejeira, área desta comarca, onde estacionou o veículo na estrada Nacional, deslocou-se a pé, tendo andado 94 passos, ao interior da mata e ateou fogo, tendo ardido uma área de cerca de 0,4 hectares, composta de mato, pastagem e pinheiro bravo no valor não apurado, propriedade de Francisco Luís Lopes.
2.1.10 - Na execução dos planos previamente por ele traçados, o arguido utilizava, como método de ignição, fósforos de uma caixa pequena que trazia consigo no bolso das calças.
2.1.11 - Ao lançar fogo às matas e pinhais descritos os incêndios 2.1.1., 2.1.3., 2.1.5. e 2.1.6., intentou o arguido, com tais condutas, e em cada uma delas, criar perigo para as pessoas e bens patrimoniais alheiros de valor superior a 800.000$00.
2.1.12 - O arguido agiu com o propósito de causar danos sobre os bens juridicamente tutelados.
2.1.13 - O tempo era de estio, quente e seco e porque soprava algum vento, era previsível que o fogo se ateasse nas áreas adjacentes.
2.1.14 - O arguido agiu, livre voluntária e conscientemente sabendo que a sua conduta era proibida e punida lei.
2.1.15 - O arguido fez o descrito seguindo planos por si delineados em momento prévio.
2.1.16 - Os incêndios referidos em 2.1.5. e 2.1.6. foram combatidos por bombeiros e populares.
2.1.17 - Os incêndios referidos em 2.1.1. e 2.1.3. foram combatidos por populares.
2.1.17 - Do certificado de registo criminal do arguido de fls. 282 nada consta.
2.1.18 - O arguido tem dois filhos com idades de 8 e 10 anos que andam na escola.
2.1.19 - O arguido trabalha na Suíça onde aufere 3.200 Francos Suíços, ou seja 4.766,00€ =(1,48 € x 3.200). E tem a 4ª. Classe.
2.1.20 - O arguido é considerado pelas testemunhas João Martins, João Costa, Degoberto por boa pessoa e pessoa trabalhadora.
2.1.21 - O arguido não quis falar sobre os factos que lhe eram imputados.

Factos não provados:
2.2.1. Que os incêndios referidos em 2.1.1. e 2.1.3. fossem combatidos por bombeiros.
2.2.2. que o incêndio referido em 2.1.6. tenha causado um prejuízo de 30.000$00.

Fundamentação da matéria de facto:
A convicção do tribunal assentou na intiligibilidade da prova produzida no seu conjunto tendo em conta o referido pelas testemunhas e pelos documentos juntos. Sendo que no tocante à situação económica no referido pelo arguido, já que, quanto aos factos de que vem acusado nada disse.
Na verdade a testemunha Farinha, capitão da G.N.R., referiu que após ter ouvido as testemunhas Nelson e Barata, que lhe referiram a primeira ter visto o arguido no dia do incêndio em Folga no café de Castanheira de Ermida, ao anoitecer, e a segunda lhe ter referido que cerca das 23/24 horas viu o arguido no entroncamento de Vale de Mós, com o carro estacionado, referindo-lhe estar mal disposto, o que as respectivas testemunhas confirmaram, falou com o arguido.
Que nessa conversa o arguido confessou a autoria dos quatro incêndios, bem como o local e o modo como ateou os mesmos, tendo as testemunhas CC, soldados da G.N.R., referido que o DD lhes disse nessa altura que o arguido confessara a autoria dos quatro incêndios.
Face a tal confissão o arguido, o DD e as testemunhas CC, na companhia de um fotografo foram aos locais dos incêndios ocorridos, nos dias 25 de Fevereiro de 2000, 16 e 20 de Julho do mesmo ano, tendo o arguido explicado a forma como fizera para atear os incêndios, referindo «onde deixou o veículo estacionado, até onde entrou na mata a pé e que acendia os incêndios com uma caixa de fósforos que trazia no bolso». Tendo sido tiradas fotografias ao arguido mostrando como fazia, fotografias juntas a fls. 11 a 21. O DD após o arguido referir como ateara os fogos e o sitio onde os ateava fez medições a passo. As mesmas pessoas, com excepção da testemunha Proença, fizeram a mesma operação quanto ao incêndio de Folga.
A confissão dos quatro incêndios ao DD é corroborado pela testemunha Lurdes, mulher do arguido, ao afirmar que o seu marido lhe dissera ter confessado os mesmos. Porém, o mesmo disse-lhe «que o fez por o DD lhe ter dito que se o fizesse o processo era arquivado». Diz ainda que o seu marido confessou a autoria dos incêndios à Juiza que o ouviu no Tribunal Judicial de Oleiros, por estar convencido de que dessa forma o processo era arquivado.
O tribunal não deu credibilidade ao depoimento da testemunha Lurdes, nesta matéria, desde logo, por segundo as regras de experiência comum, não se poder acreditar que alguém confesse a prática de crimes de incêndio, tendo até em conta o lugar onde o mesmo foi ateado, pinhal e mato, sabendo-se a repulsa que estas gentes têm aos autores de tais crimes.
Por outro lado como se não pode dar credibilidade a tal confissão perante o agente de autoridade o DD, se o arguido explicou como fizera e os locais exactos onde ateou os fogos, por essa razão o tribunal tem de acreditar que a confissão do arguido corresponde à verdade. Aliás, se fosse o DD a dizer ao arguido confesse a autoria de tais crimes, o arguido podia, até porque o DD não estava no gabinete quando o arguido foi ouvido, ter dito à Juiza que não foi ele o autor de tais crimes, mas não, antes o voltou a confessar, como disse a testemunha Lurdes, mulher do arguido.
È certo que a testemunha Lurdes, mulher do arguido referiu que o seu marido não podia ter sido o autor dos incêndios ocorridos nos dias 25 de Fevereiro, no lugar de Barroco da Ponte, nem o do dia 16 de Julho, do ano de 2000, ocorrido no lugar de Corga D`Água Fria, por no primeiro ter chegado a casa do trabalho e se ter deitado e no segundo não ter andado com o veículo. Porém, o arguido confessou ao agente de autoridade, que ateou os dois incêndios e que o do dia 16 o fez quando regressava da festa.
Quanto ao incêndio do dia 16 as testemunhas Abílio Delgado e Degoberto referiram, a primeira que o seu irmão Degoberto, a aqui segunda testemunha, cerca das 23/23.30 vinha da festa e viu lume, que face à extensão teria sido ateado à cerca de 10/15 minutos. Por essa razão pediu-lhe para falar com Lurdes para telefonar aos bombeiros, o que fez, tendo a Lurdes referido que ia procurar a chave da casa da sua mãe, sendo que não telefonou. Dizem ambas as testemunhas que o arguido estava presente e não ajudou a apagar o lume. Sendo que o lume, andava a cerca de 50 metros da casa do arguido.
É certo que a testemunha Lurdes, ainda referiu, como se explica que tenha sido o arguido, seu marido a atear o fogo, se o mesmo estava perto da sua casa e ardiam as suas coisas?
Porém, não é menos certo, e menos explicável, se o arguido tivesse esse tal medo tinha ajudado a combater o incêndio, aliás, o que é feito sempre e é o que as regras da experiência nos dizem, então o porquê do arguido não o ter feito?
Ora, isso só vai dar consistência à sua confissão, não o fez porque ele próprio não se preocupou com o que ardesse ou não.
Também é verdade que a testemunha Lurdes referiu, que a Isabel lhe referiu «que o seu marido, o arguido, esteve a falar com cerca de uma hora, entre as 21/22 horas coisa mais coisa menos, e que nessa altura passou alguém a dizer que havia lume na Folga».
Face a tal o Tribunal nos termos do art. 340, do C.P.P. notificou a Isabel para testemunhar, tendo a mesma corroborado o dito pela Lurdes.
Porém as testemunhas Nelson e Barata referiram a primeira que viu o arguido no café de Castanheira da Ermida, ao anoitecer, 21/21.30horas, e o Barata referido que encontrou o arguido no entroncamento de Vale de Mós, cerca das 23/24 horas e que não viu lume.
Face a estes depoimentos a credibilidade do referido pela testemunha Isabel ficou abalado, desde logo, como se pode explicar que o arguido tenha estado a falar com ela entre as 21/22 horas, se o mesmo foi visto no café da Castanheira de Ermida ao anoitecer, 21/21.30 horas. Por outro lado a ser verdade que o arguido esteve a falar com a Isabel entre as 21/22 horas e que nessa altura já havia lume, como o mesmo não foi visto pela Barata, sendo que era noite e como se sabe o lume de noite é visto a grandes distâncias.
Para além, disso, e como já dissemos atrás, não se aceita que o arguido tenha confessado a autoria de tais crimes e o local onde ateou os mesmos senão tivesse sido ele o autor.
Assim, e tendo em conta ao tudo e às regras da experiência comum, como alude o art. 127 do C.P.P. o tribunal deu credibilidade à versão das autoridades e isto muito embora a testemunha João Martins tenha referido que o arguido é uma pessoa muito influenciável, o certo é que não é credível, que tivesse sido o DD a dizer ao arguido “não foi aqui que ateaste o incêndio, para o influenciar”, tanto mais que havia outros agentes e até um fotografo, assim, não vimos que o arguido tenha confessado a autoria dos incêndios por qualquer influência. Tanto mais que os confessou quando ouvido no tribunal e certamente aí não foi influenciado por ninguém.
Quanto às áreas ardidas e valores a convicção do tribunal assentou no referido pelas testemunhas Farinha ao referir que a área ardida em Folga terá sido cerca de 4/5 hectares, a testemunha Ferreira 3,5/4 hectares o de Folga e o de Vale Cerejeira, cerca de 20/300 m2, que os prejuízos do incêndio de Folga foram superiores a 800 contos. Por sua vez a testemunha Rolim referiu que os incêndios de 25 de Fevereiro e 16 de Julho terão consumido áreas na ordem dos 100 m2, o do dia 19 área na ordem dos 4 hectares e o do dia 20 cerca de 0,5 hectares, por sua vez a testemunha Proença refere que as áreas ardidas os do dia 25 de Fevereiro e 16 de Julho na ordem dos 0,5 hectares e os do dia 20 na ordem dos 5 hectares.
Por sua vez a testemunha José Martins, proprietário de terra no local do Barroco, referiu terem ardido cerca de 700/800 m2, de pinhal, eucalipto e mato, o que lhe causou um prejuízo de cerca de 200.000$00/250.000$00.
A testemunha Adelaide, ardeu-lhe propriedade em Folga, com pinheiros e mato, não sabendo o prejuízo.
O José Afonso arder propriedade em Folga com pinheiros grandes e pequenos, cada pinheiro na ordem dos 2.500$00 terão ardidos 100 a 150 pinheiros e uma área de 200 m2. O João Simão refere ter ardido pinhal pequeno de cerca de 30.000$00, o Silvino referiu que em Folga lhe ardeu 1,0026 ha, ardeu pinhal e mato, o José Freire ardeu pinhal e mato, o Casimiro ardeu-lhe em Folga 25,980 m2, de pinhal.
Todas as testemunhas referem que se os incêndios não fossem extintos se propagavam, tendo as testemunhas CC que com essa propagação o prejuízo causado seria muito superior a 800.000$00. Referem também que os incêndios de Folga e Cerejeira foram combatidos por populares e bombeiros, bem como nos relatórios de fls. 36, 45, 120 e 150.
As testemunhas João Martins, João Costa e Degoberto têm o arguido como boa pessoa e trabalhadora.
Importante foram também os documentos de fls. 36 e 45 auto da policia florestal, fls., 120 e 150 relatório da ocorrência dos bombeiros voluntários de Oleiros, referentes aos incêndios dos dias 19 e 20 de Julho de 2000, bem como o certificado de registo criminal do arguido de fls. 282.
Quanto aos não provados na falta de prova sobre os mesmos. A convicção do tribunal assentou na intiligibilidade da prova produzida no seu conjunto tendo em conta o referido pelas testemunhas e pelos documentos juntos. Sendo que no tocante à situação económica no referido pelo arguido, já que, quanto aos factos de que vem acusado nada disse.
Na verdade a testemunha Farinha, capitão da G.N.R., referiu que após ter ouvido as testemunhas Nelson e Barata, que lhe referiram a primeira ter visto o arguido no dia do incêndio em Folga no café de Castanheira de Ermida, ao anoitecer, e a segunda lhe ter referido que cerca das 23/24 horas viu o arguido no entroncamento de Vale de Mós, com o carro estacionado, referindo-lhe estar mal disposto, o que as respectivas testemunhas confirmaram, falou com o arguido.
Que nessa conversa o arguido confessou a autoria dos quatro incêndios, bem como o local e o modo como ateou os mesmos, tendo as testemunhas CC, soldados da G.N.R., referido que o DD lhes disse nessa altura que o arguido confessara a autoria dos quatro incêndios.
Face a tal confissão o arguido, o DD e as testemunhas CC, na companhia de um fotografo foram aos locais dos incêndios ocorridos, nos dias 25 de Fevereiro de 2000, 16 e 20 de Julho do mesmo ano, tendo o arguido explicado a forma como fizera para atear os incêndios, referindo «onde deixou o veículo estacionado, até onde entrou na mata a pé e que acendia os incêndios com uma caixa de fósforos que trazia no bolso». Tendo sido tiradas fotografias ao arguido mostrando como fazia, fotografias juntas a fls. 11 a 21. O DD após o arguido referir como ateara os fogos e o sitio onde os ateava fez medições a passo. As mesmas pessoas, com excepção da testemunha Proença, fizeram a mesma operação quanto ao incêndio de Folga.
A confissão dos quatro incêndios ao DD é corroborado pela testemunha Lurdes, mulher do arguido, ao afirmar que o seu marido lhe dissera ter confessado os mesmos. Porém, o mesmo disse-lhe «que o fez por o DD lhe ter dito que se o fizesse o processo era arquivado». Diz ainda que o seu marido confessou a autoria dos incêndios à Juiza que o ouviu no Tribunal Judicial de Oleiros, por estar convencido de que dessa forma o processo era arquivado.
O tribunal não deu credibilidade ao depoimento da testemunha Lurdes, nesta matéria, desde logo, por segundo as regras de experiência comum, não se poder acreditar que alguém confesse a prática de crimes de incêndio, tendo até em conta o lugar onde o mesmo foi ateado, pinhal e mato, sabendo-se a repulsa que estas gentes têm aos autores de tais crimes.
Por outro lado como se não pode dar credibilidade a tal confissão perante o agente de autoridade o DD, se o arguido explicou como fizera e os locais exactos onde ateou os fogos, por essa razão o tribunal tem de acreditar que a confissão do arguido corresponde à verdade. Aliás, se fosse o DD a dizer ao arguido confesse a autoria de tais crimes, o arguido podia, até porque o DD não estava no gabinete quando o arguido foi ouvido, ter dito à Juiza que não foi ele o autor de tais crimes, mas não, antes o voltou a confessar, como disse a testemunha Lurdes, mulher do arguido.
È certo que a testemunha Lurdes, mulher do arguido referiu que o seu marido não podia ter sido o autor dos incêndios ocorridos nos dias 25 de Fevereiro, no lugar de Barroco da Ponte, nem o do dia 16 de Julho, do ano de 2000, ocorrido no lugar de Corga D`Água Fria, por no primeiro ter chegado a casa do trabalho e se ter deitado e no segundo não ter andado com o veículo. Porém, o arguido confessou ao agente de autoridade, que ateou os dois incêndios e que o do dia 16 o fez quando regressava da festa.
Quanto ao incêndio do dia 16 as testemunhas Abílio Delgado e Degoberto referiram, a primeira que o seu irmão Degoberto, a aqui segunda testemunha, cerca das 23/23.30 vinha da festa e viu lume, que face à extensão teria sido ateado à cerca de 10/15 minutos. Por essa razão pediu-lhe para falar com Lurdes para telefonar aos bombeiros, o que fez, tendo a Lurdes referido que ia procurar a chave da casa da sua mãe, sendo que não telefonou. Dizem ambas as testemunhas que o arguido estava presente e não ajudou a apagar o lume. Sendo que o lume, andava a cerca de 50 metros da casa do arguido.
É certo que a testemunha Lurdes, ainda referiu, como se explica que tenha sido o arguido, seu marido a atear o fogo, se o mesmo estava perto da sua casa e ardiam as suas coisas?
Porém, não é menos certo, e menos explicável, se o arguido tivesse esse tal medo tinha ajudado a combater o incêndio, aliás, o que é feito sempre e é o que as regras da experiência nos dizem, então o porquê do arguido não o ter feito?
Ora, isso só vai dar consistência à sua confissão, não o fez porque ele próprio não se preocupou com o que ardesse ou não.
Também é verdade que a testemunha Lurdes referiu, que a Isabel lhe referiu «que o seu marido, o arguido, esteve a falar com cerca de uma hora, entre as 21/22 horas coisa mais coisa menos, e que nessa altura passou alguém a dizer que havia lume na Folga».
Face a tal o Tribunal nos termos do art. 340, do C.P.P. notificou a Isabel para testemunhar, tendo a mesma corroborado o dito pela Lurdes.
Porém as testemunhas Nelson e Barata referiram a primeira que viu o arguido no café de Castanheira da Ermida, ao anoitecer, 21/21.30horas, e o Barata referido que encontrou o arguido no entroncamento de Vale de Mós, cerca das 23/24 horas e que não viu lume.
Face a estes depoimentos a credibilidade do referido pela testemunha Isabel ficou abalado, desde logo, como se pode explicar que o arguido tenha estado a falar com ela entre as 21/22 horas, se o mesmo foi visto no café da Castanheira de Ermida ao anoitecer, 21/21.30 horas. Por outro lado a ser verdade que o arguido esteve a falar com a Isabel entre as 21/22 horas e que nessa altura já havia lume, como o mesmo não foi visto pela Barata, sendo que era noite e como se sabe o lume de noite é visto a grandes distâncias.
Para além, disso, e como já dissemos atrás, não se aceita que o arguido tenha confessado a autoria de tais crimes e o local onde ateou os mesmos senão tivesse sido ele o autor.
Assim, e tendo em conta ao tudo e às regras da experiência comum, como alude o art. 127 do C.P.P. o tribunal deu credibilidade à versão das autoridades e isto muito embora a testemunha João Martins tenha referido que o arguido é uma pessoa muito influenciável, o certo é que não é credível, que tivesse sido o DD a dizer ao arguido “não foi aqui que ateaste o incêndio, para o influenciar”, tanto mais que havia outros agentes e até um fotografo, assim, não vimos que o arguido tenha confessado a autoria dos incêndios por qualquer influência. Tanto mais que os confessou quando ouvido no tribunal e certamente aí não foi influenciado por ninguém.
Quanto às áreas ardidas e valores a convicção do tribunal assentou no referido pelas testemunhas Farinha ao referir que a área ardida em Folga terá sido cerca de 4/5 hectares, a testemunha Ferreira 3,5/4 hectares o de Folga e o de Vale Cerejeira, cerca de 20/300 m2, que os prejuízos do incêndio de Folga foram superiores a 800 contos. Por sua vez a testemunha Rolim referiu que os incêndios de 25 de Fevereiro e 16 de Julho terão consumido áreas na ordem dos 100 m2, o do dia 19 área na ordem dos 4 hectares e o do dia 20 cerca de 0,5 hectares, por sua vez a testemunha Proença refere que as áreas ardidas os do dia 25 de Fevereiro e 16 de Julho na ordem dos 0,5 hectares e os do dia 20 na ordem dos 5 hectares.
Por sua vez a testemunha José Martins, proprietário de terra no local do Barroco, referiu terem ardido cerca de 700/800 m2, de pinhal, eucalipto e mato, o que lhe causou um prejuízo de cerca de 200.000$00/250.000$00.
A testemunha Adelaide, ardeu-lhe propriedade em Folga, com pinheiros e mato, não sabendo o prejuízo.
O José Afonso arder propriedade em Folga com pinheiros grandes e pequenos, cada pinheiro na ordem dos 2.500$00 terão ardidos 100 a 150 pinheiros e uma área de 200 m2. O João Simão refere ter ardido pinhal pequeno de cerca de 30.000$00, o Silvino referiu que em Folga lhe ardeu 1,0026 ha, ardeu pinhal e mato, o José Freire ardeu pinhal e mato, o Casimiro ardeu-lhe em Folga 25,980 m2, de pinhal.
Todas as testemunhas referem que se os incêndios não fossem extintos se propagavam, tendo as testemunhas CC que com essa propagação o prejuízo causado seria muito superior a 800.000$00. Referem também que os incêndios de Folga e Cerejeira foram combatidos por populares e bombeiros, bem como nos relatórios de fls. 36, 45, 120 e 150.
As testemunhas João Martins, João Costa e Degoberto têm o arguido como boa pessoa e trabalhadora.
Importante foram também os documentos de fls. 36 e 45 auto da policia florestal, fls., 120 e 150 relatório da ocorrência dos bombeiros voluntários de Oleiros, referentes aos incêndios dos dias 19 e 20 de Julho de 2000, bem como o certificado de registo criminal do arguido de fls. 282.
Quanto aos não provados na falta de prova sobre os mesmos.

O Direito:
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso, nos termos do art. 409.º, do Cód. Proc. Penal que impõe o princípio da proibição de reformacio in pejus.
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme escreve O Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Questões a apreciar:
a) Decidir se os factos dados como provados, são suficientes para se proferir uma sentença de condenação.
b) Decidir se as declarações dos agentes de autoridade como testemunhas que presenciaram o arguido a admitir a prática dos incêndios que lhe são imputados e a respectiva reconstituição dos mesmos, antes do ter sido constituído como arguido, são ou não meios de prova proibidos por lei.
c) Decidir se, no caso de haver responsabilidade criminal do arguido, estamos perante uma pluralidade de crimes de incêndio ou um único crime na forma continuada.

Apreciemos pois as questões suscitadas no âmbito do recurso.
A) Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova:
Refere-se na motivação do recorrente que há razões para absolvição, uma vez que não existem quaisquer vestígios recolhidos e respeitantes ao arguido.
O recorrente impugna o acórdão recorrido sustentando não haver matéria de facto provada para a condenação, bem como põe em causa a forma e os meios pelos quais o tribunal a quo formou a sua convicção.
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art. 410.º, n.º2, al. a), do CPP, é a insuficiência da matéria de facto para aquela decisão de direito, que não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida.
Sendo o Tribunal Colectivo soberano na apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, 2, do CPP, os vícios ali referidos, só podem servir de fundamento à motivação do recurso, desde que resultem do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.
Não se tendo procedido à documentação da prova produzida oralmente em audiência, não pode este tribunal de recurso modificar a decisão da primeira instância quanto á matéria de facto, conforme se extrai do art. 431.º, do CPP, só podendo intervir nos termos consignados do art. 410.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
No caso dos autos é manifesto que do texto consta como provado ser o arguido o autor material dos incêndios que lhe são imputados e descritos na acusação.
A matéria de facto dada como assente, no acórdão recorrido, não enfermando este de outros vícios ou nulidades, é suficiente e adequada para conduzir necessariamente à condenação do arguido.
É o que decorre dos factos provados no texto do acórdão de 2.1.1 a 2.1.15.
Ressalta da matéria fáctica ali referida que o arguido preencheu com a sua conduta todos os elementos típicos do crime de incêndio, p. e p. pelo art. 272.º, n.º 1, al. a), do CP.
Não há pois violação do art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.
*
O vício do erro notório na apreciação da prova e referido no n.º, al. c), do mesmo artigo, traduz-se na crítica dos factos provados e não na apreciação dos factos provados, tendo em vista a aplicação do direito.
A apreciação da prova pelo julgador, como atrás já referimos é livre, embora a discricionariedade na apreciação da prova tenha o limite das regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e de controlo, nos termos do art. 127.° do CPP.
Neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional em Acórdão de 19-11-96, in BMJ, 461, 93.
O recorrente questiona não o texto do acórdão recorrido, mas sim o modo como o tribunal procedeu à apreciação da prova que foi produzida.
Diremos que há erro notório na apreciação da prova quando pela sua evidência não passa despercebido à normal observação das pessoas, verificando-se quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum.
Se é posta em causa a decisão recorrida, alegando os vícios a que se refere o n.° 2 do art. 410.° do CPP, mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inseria no art. 127° do CPP.
O vício , previsto na alínea c) do n.o 2 do art. 410.°, existe quando, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta evidente, por não passar despercebido ao comum dos observadores, uma conclusão sobre o significado da prova, contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito dos factos relevantes para a decisão de direito. Neste sentido Acórdãos do STJ de 11-10-95, in BMJ, n.º 450, pág.110; de 17-12-97, in BMJ n.º 472, pág.407; de 5-2-98, in CJ, STJ, Ano VI, tomo I, pág. 195 e de 22/10/99 in BMJ n.º 490, pág. 200.
Não vem alegado concretamente qualquer erro notório que conste da decisão recorrida, nem nos parece ele existir, pelo que não se mostra violada a norma do art. 410°, n.o 2 al. c) do CPP.
Diremos que há erro notório na apreciação da prova quando pela sua evidência não passa despercebido à normal observação das pessoas, verificando-se quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum.
Ora, o acórdão proferido não enferma de erros notórios na apreciação da prova, pois os factos dados como provados e não provados são claros, precisos e encontram-se em consonância com a pormenorizada e lógica motivação, não se podendo retirar do texto daquele conclusão contrária à exposta pelo tribunal a quo.
Não há pois violação do art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

B) Valoração do depoimento das testemunhas da GNR:
Alega ainda o recorrente que os depoimentos das testemunhas Manuel Farinha, capitão da GNR, Álvaro Ferreira, Rolim António e Virgílio Proença, estes soldados da GNR, não são legalmente permitidos, por reproduzirem declarações do arguido, cuja leitura não é permitida.
Lembremos o que dispõe o art. 356.º, n.º 7, do CPP:
“Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas”.
Com tal nulidade não se pretende apreciar o depoimento das testemunhas, isto é, se o seu depoimento foi neste ou naquele sentido.
Pretende-se sim por em causa a validade processual de tais declarações, por não obedecerem aos requisitos legais, quanto à forma como foram produzidas.
Resulta dos autos que o arguido confessou os factos na fase de inquérito, remetendo-se depois em audiência de julgamento ao silêncio.
Esta é a realidade com que o julgador tem de fazer justiça em fase de julgamento, com juízos de certeza e não com meras probabilidades.
Assim, encontrando-se o tribunal impedido de fazer uso das declarações de autoridades policiais, nos termos do art. 356.º, n.º 7, do CPP, como prova susceptível de ser valorada em audiência de julgamento, com base nas mesmas não podemos concluir que o arguido foi o autor dos incêndios, por não poderem ser utilizadas contra ele.
Aplicando o princípio “in dubio pro reo”, o arguido terá de ser absolvido e sê-lo-à sempre que uma acusação ou despacho de pronuncia se baseie quanto à autoria do crime em mera confissão em fase de inquérito ou em sede de instrução e que depois em audiência o mesmo arguido, opte pelo silêncio, se de outra forma não for possível atribuir a conduta causal do incêndio ao arguido.
A justiça formal deve aproximar-se mais da justiça material.
Por isso, questiona-se a alteração dos art. 356.º e 357.º, do CPP, já que não há razão para não ler as declarações produzidas em fase de inquérito, uma vez que os arguidos são assistidos por advogado, contrariamente ao que sucedia no âmbito do Código de Processo Penal de 1929 e como tal tais declarações podiam e deviam ser utilizadas, de modo que o julgador pudesse averiguar as razões de terem sido produzidas neste ou naquele sentido, sempre com o sentido de que qualquer prova carreada para os autos é discutível até ao encerramento da audiência.
Sustenta assim o recorrente que não podem ser valorados os depoimentos das testemunhas em causa, na parte em que se baseiam em declarações prestadas pelo arguido na fase de inquérito.
Ora, no seu entender, não podendo ser utilizadas as declarações dos órgãos de polícia criminal, não pode o tribunal concluir atribuindo ao arguido a autoria dos crimes que lhe foram imputados.
Vejamos em que circunstâncias ocorreu a investigação levada a cabo pelos elementos da GNR, para daí podermos concluir se o tribunal colectivo tem prova válida para a decisão condenatória proferida ou se o arguido tem de ser absolvido, tendo em conta a limitações imperativas dos art. 356.º, n.º 7 e 357.º, n.º 1, al. b) e n.º, do CPP.
Ora, nos termos do art. 55.º, n.º 2, do CPP, “compete em especial aos órgãos de polícia criminal, mesmo por iniciativa própria, colher notícias do crime e impedir quanto possível as suas consequências, descobrir os seus agentes e levar a cabo os actos necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova”.
Se durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que procede ao acto suspende-o imediatamente e procede à comunicação de que passa a assumir a qualidade de arguido e à indicação dos seus deveres e direitos que lhe assistem, conforme dispõem os art. 59.º, n.º 1 e 58.º, n.º 2, ambos do CPP.
A preterição de tal formalidade implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova contra ela.
Neste sentido o Ac. do STJ de 11/10/1995, in BMJ n.º 450, pág. 110 e Ac. da Rel. Coimbra de 11/5/1994, in CJ, Ano XIX, Tomo III, pág. 48.
O arguido assumiu logo a autoria dos incêndios, no primeiro contacto, antes de constituído como arguido, mesmo antes de instaurado inquérito contra ele e até antes de se encontrar detido.
Assim, as declarações presenciadas por órgão de polícia criminal, não estão limitadas pelos artigos acima mencionados.
Tal limitação e proibição de serem utilizadas também não estão abrangidas pelos art. 128.º e 129.º, do CPP, já que não se trata de um depoimento indirecto, mas sim de um depoimento de testemunhas que constataram o arguido a assumir a autoria dos incêndios e a reconstituição dos mesmos, o que foi feito por sua indicação de forma espontânea e sem qualquer coacção, estando presente como se refere na fundamentação para além dos agentes de autoridade, ainda o fotógrafo autor das fotografias de fls. 11 a 21.
Ainda quanto aos depoimentos dos elementos da GNR, que o recorrente alega tratar-se de depoimentos indirectos e que foram admitidos em violação do disposto nos art. 128.°, n.º 1 e 129.° do CPP, foram prestados em audiência à qual assistiu o arguido, podendo este sempre tomar posição, opondo-lhes a sua versão e colocando-os em crise.
Ao valorar tais depoimentos o tribunal não violou as apontadas normas legais.
O Tribunal Constitucional por Acórdão de 8-7-99, in BMJ n.º 489.º, pág. 5, a propósito da valoração dada a depoimentos de testemunhas que relataram conversas informais que tiveram com um co-arguido que, chamado a depor em audiência se remeteu ao silêncio, no uso de legal direito, deliberou:
"Há, assim, que concluir que o art. 129.°, n.º 1 (conjugado com o art. 128.°, n.º 1), do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no uso do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido.
Não o atinge, ao menos na dimensão em que essa norma foi aplicada ao caso.
Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal não é inconstitucional."
Neste sentido se pronunciou também o Ac. do STJ, de 30-9-98, in BMJ n.º 479, pág. 414.
Conforme dispõe o art. 249.º, n.º 1 e 2, al. b), do CPP, cabe ainda aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição.
Assim, o comandante da GNR, na sequência das suspeitas levantadas sobre o arguido contactou-o e como não é legalmente proibido tal contacto, nada obstará que possa ser valorado o conteúdo do mesmo, sendo certo que nesse primeiro contacto o arguido admitiu logo ser o autor dos incêndios que lhe eram imputados.
O art. 356.º, n.º 7, do CPP proíbe sim a inquirição como testemunha e consequentemente a inutilidade do depoimento, dos órgãos de polícia criminal que recebam declarações, cuja leitura seja proibida, não estando deste modo vedado o seu depoimento fora desse âmbito – Maia Gonçalves, in Código Processo Penal Anotado, 10.ª Ed., pág. 187.
Assim, não está vedado ao tribunal valorar a conversa que a testemunha Manuel Henriques Farinha teve com o arguido antes de haver por parte daquele a imposição legal de o constituir como arguido.
Estamos pois perante uma constatação directa de um facto e não de reprodução do conteúdo de declarações prestadas nos autos pelo arguido.
Podemos assim concluir que só não é permitida a inquirição e consequente valoração de depoimentos prestados por agentes de autoridade quando aqueles recaem sobre declarações prestadas pelo suspeito ou arguido em auto, por lhe assistir a faculdade de não prestar declarações na audiência de julgamento – Ac. do STJ de 24/2/1993, in CJ (STJ), Ano 93, T. 1, pág. 202 e de 5/2/1998, in CJ (STJ), Ano 98, T.1, pág. 192.
Ainda segundo o Ac. do STJ de 11/12/1996, in BMJ n.º 462, pág. 299:
“Os agentes da Polícia Judiciária não ficam impedidos depor sobre factos de que tiveram conhecimento directo por meios diferentes das declarações do arguido no decurso do processo.
Ao agentes da Polícia Judiciária que procederam à reconstituição do crime podem depor como testemunhas sobre o que se terá passado nessa reconstituição, por esta situação não estar abrangida pelo n.º 7, do art. 356.º, do Cód. Proc. Penal”.
Aliás, na esteira deste entendimento, se pronunciou o douto acórdão de 15/05/2002, Recurso n.º 207/02.5, já proferido nestes autos, de fls. 423 a 436, do qual é relator o Ex.mo Senhor Desembargador Ribeiro Martins, votado por unanimidade.
Concluímos assim, que o depoimentos das testemunhas atrás referidas, enquanto órgãos de polícia criminal, postos em causa pelo arguido, devem e podem ser valorados nos termos expostos, pois não se enquadram legalmente proibidos pelos art. 58.º, n.º 4; 59.º, n.º 1 e 3; 356.º, n.º 7 e 357.º, n.º 2, 128, n.º 1 e 129.º, todos do CPP.

C) Do crime continuado
O arguido na sua motivação de recurso, alega, em jeito de subsidiariedade, para o caso de se manter a condenação, que há violação da norma do art. 30.°, n.º 1 e 2 do CP, pois que apesar do lapso temporal existente entre os incêndios existiria uma única resolução criminosa em relação a todos os factos.
Não nos parece nada coerente com a defesa do arguido, para agora vir sustentar, ainda que por mera cautela o crime continuado.
Ora, tal implicaria necessariamente a alteração da matéria de facto dada como provada, do que estamos impedidos, como já referimos.
Assim, temos de considerar se da matéria de facto dada como assente podemos partir para a subsunção dos factos a um único crime de incêndio na forma continuada.
Quanto aos crimes de incêndio dos dias 19 e 20 de Julho de 2000, um ocorrido pelas 22.30/23 horas e outro cerca 1.50 horas respectivamente, isto é separada temporalmente a sua ocorrência apenas por cerca de 3 horas, bem andou o tribunal recorrido ao considerar a existência de um só crime.
Em relação aos incêndios ateados nos dias 25 de Fevereiro, 16 de Julho e incêndio do dia 19 e 20 de Julho, todos do ano de 2000-2-2000, nada nos permite concluir e tal não foi concretizado pelo recorrente, estarmos perante um crime continuado.
Aliás, para tal não basta uma única resolução criminosa para fundamentar a prática de um crime na forma continuada.
Nos termos do art. 30.º, n.º 2, do CP, “constituiu um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo legal de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
Vejamos a matéria de facto dada como provada:
Os incêndios ocorreram, principalmente os dois primeiros num espaço temporal muito grande, isto é cerca de 5 meses.
Ocorreram todos em locais diferentes e o modo de execução não foi sempre o mesmo.
Para além de não existir uma conexão temporal entre os factos, por falta de proximidade, não resultam da matéria provada elementos que permitam ao julgador concluir que o arguido agiu no quadro de uma solicitação de uma mesma situação exterior que lhe diminua consideravelmente a culpa.
Não nos parece merecer censura o douto acórdão recorrido, nesta parte, por não ter sido violado na sua aplicação o disposto no art. 30.°, n.o 1 e 2 do CP.
Para que exista uma infracção, não é bastante a antiguidade, ou seja, a realização de tipo legal de crime; é necessário que a conduta seja reprovável, isto é, culposa. E assim, poderíamos dizer que há tantas infracções, na realização do mesmo tipo legal, quantas vezes a conduta se torna reprovável. A pluralidade de infracções resultaria, para o mesmo tipo legal, da pluralidade de juízos de censura ou reprovação.
Haverá unidade de resolução quando se puder concluir que os vários actos o resultado são o resultado de um só processo de deliberação, sem serem determinados por nova motivação. Vide Prof. Eduardo Correia, in Unidade e Pluralidade de Infracções, pág. 114/128, e Ac. do S.T.J., de 30/1/86, in B.M.J. n.º 353, pág. 240; de 25/6/86, in B.M.J. n.º 358, pág. 267; de 16/1/90, in B.M.J. n.º 393, pág. 230 e de 15/5/91, in B.M.J. n.º 407, pág. 60 e Ac. da Rel. do Porto, de 5/2/92, in B.M.J. n.º 414, pág. 629 – a propósito da emissão de uma série de cheques.
E como se escreve no Ac. de 26/6/1986, in B.M.J. n.º 358, pág. 267 a realização plúrima do mesmo tipo legal de crime pode constituir:
a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial;
b) um só crime na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para reiteração da conduta;
c) um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores.
Da factualidade descrita não podemos tirar outra ilação que não seja concluir, como bem o fez o acórdão recorrido, pela concurso de infracções.
Pelo exposto, conclui-se que não há qualquer reparo a fazer ao acórdão do tribunal colectivo, improcedendo assim todas as conclusões do recorrente, por não terem sido violadas as normas por si invocadas dos artigos 59.º, n.º 1 e 3 e 58, n.º 4; 128.º, n.º 1 e 129.º e 410.º, n.º 2, al. a) e c), todos do Cód. Proc. Penal e art. 30.º, n.º 1 e 2, do Cód. Penal.

Decisão:
Nestes termos, decidem os juizes da Secção Criminal, desta Relação, julgar improcedente o recurso e confirmar integralmente o acórdão recorrido, na parte em que foi impugnado.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 UCs.

Coimbra,