Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
822/18.6T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RUI MOURA
Descritores: ACTIVIDADE PERIGOSA
PROVA DE PERÍCIA AUTOMÓVEL TODO-O-TERRENO
ACTIVIDADE COM MÁQUINA RETROESCAVADORA
Data do Acordão: 12/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 493.º, N.º 2, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Uma prova de perícia automóvel todo-o-terreno para vencimento de obstáculos é uma actividade perigosa, atentos os meios mecânicos e motorizados empregues, o seu peso, a dificuldade das manobras, envolvendo a possibilidade de embates, capotamentos, quer com os intervenientes quer com o público assistente

II - A actividade de uma máquina retroescavadora quando em serviço, consistente em socorrer uma viatura automóvel em encalhada num declive de terreno, tem igualmente a natureza de actividade perigosa por envolver mecanismos de amarração, tracção, transporte.

III - Para afastarem a presunção de culpa, não basta aos promotores do evento provarem da culpa do lesado – um espectador que invadiu a zona de prova e foi apanhado nas duas pernas pelo cabo do reboque quando uma retroescavadora ajudava na remoção de um veículo TT imobilizado num obstáculo; é necessária a demonstração de que aqueles preveniram a entrada do lesado na pista, empregando os meios para que ele aí não tivesse acesso.

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes na 2ª Secção Judicial do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

AA, solteiro, maior, residente na Rua ..., ..., com o benefício do apoio judiciário, intentou em 7 de Maio de 2018 acção declarativa de condenação, para efectivação de responsabilidade civil emergente de sinistro em prova desportiva, com processo comum contra:
1. BB, divorciado, residente na Rua ..., ...; e
2. L..., S.A., com sede na Av. ..., ....
Demanda o Réu pelo facto de este só ter transferido a sua responsabilidade civil emergente de danos de natureza pessoal, e, ou, patrimonial emergentes da referida prova, em parte, para a Ré Seguradora. 
Pede que os Réus sejam condenados:
- A pagar ao Autor, a título de indemnização, a quantia líquida de 412.662,79€, por todos os danos sofridos em resultado do acidente descrito, tudo acrescido de actualização, e dos juros legais vencidos e vincendos até integral pagamento;
- A ministrar directamente, no futuro, todo o tipo de tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso, suportando ainda os custos e encargos com as intervenções cirúrgicas, internamentos, fisioterapia e psiquiatria, ou,
- A suportar aqueles custos e encargos com todo o tipo de tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso, suportando ainda os custos e encargos com as intervenções cirúrgicas, internamentos, tratamentos, fisioterapia e psiquiatria; ou,
Em alternativa, e por estes danos não poderem ser determinados ou quantificados nesta data, requer seja a sua liquidação remetida para execução de sentença;
- Sem prejuízo do valor da perda de retribuição que o Autor irá sofrer, quer no período de clausura hospitalar, quer no período de recuperação;
- Sendo que, por estes danos não poderem ser determinados ou quantificados nesta data, requer seja a sua liquidação remetida para execução de sentença.

Para tanto, em síntese e com relevo, - socorrendo-nos com o devido respeito, do bem conseguido relatório da sentença recorrida - o Autor alega que, no dia 16.05.2015, o primeiro Réu promoveu e levou a efeito uma prova desportiva de veículos todo o terreno que denominou de "Circuito Time Trial", tendo-se o Autor inscrito como participante, e foi admitido a intervir, na referida prova desportiva, como co-piloto e, no decorrer da prova, o veículo em que seguia, encalhou num obstáculo, que era uma barreira íngreme, e onde para ajudar os pilotos a vencer, pelos seus próprios meios, este obstáculo, o organizador da prova, o referido Réu, mandou colocar à frente do obstáculo uma máquina pesada, retro-escavadora a servir de ponto imóvel, fixo, no qual os co-pilotos, em caso de necessidade, pudessem engrenar ou fixar o gancho do cabo do guincho com que os veículos se encontravam equipados, para que, o piloto, accionando o motor do guincho do veículo, conseguisse fazer o veículo vencer o obstáculo, e prosseguir a prova, que era cronometrada.
Para ajudar o piloto a vencer esse obstáculo e continuar a prova, cabia ao Autor, enquanto co-piloto, soltar o cabo do guincho do veículo e prender o respectivo gancho no balde da máquina, obrigação que cumpriu, na convicção para si certa e segura de que a máquina ali colocada pelo mencionado Réu se encontrava de facto fixa e imobilizada como rocha e, imediatamente após o Autor ter enganchado o cabo no balde da retro-escavadora, quando regressava ao interior do veículo, a máquina retro-escavadora oscilou, e descaiu da posição de auto-nivelamento hidráulico em que se encontrava, e como causa directa desse movimento inesperado da máquina, o cabo de aço esticou subitamente e, ao esticar, vibrou uma pancada violenta em ambas as pernas do Autor, tendo-o projectado sobre o solo a uma distância de cerca de 4/5 metros, tendo sido assistido no local e transportado para o Serviço de Urgências da Unidade Local de Saúde da ..., e lhe foi diagnosticado luxação postero-extena do joelho direito, fractura do prato da tíbia esquerda com desvio minar e entorse grave do joelho esquerdo e foi submetido a cirurgia para redução da luxação, sob anestesia geral e engessados os dois membros inferiores e internado no Serviço de Ortopedia, onde permaneceu durante 8 dias e teve alta com imobilização de ambos os joelhos, com ortótese, acabando por voltar a ser internado em 7 de Julho e submetido a programa intensivo de reabilitação, com recurso a tratamento de fisioterapia até ao dia 16 de Julho, em que teve alta hospitalar e permaneceu internado com repouso no leito até ao dia 22.05.2017. Período durante o qual continuou a frequentar consultas de reabilitação e nunca mais foi a pessoa que era antes do acidente, inicialmente ficou totalmente imobilizado, dependente de cadeira de rodas, e ficou dependente de terceira pessoa, durante sete semanas e, ainda hoje, mantém dificuldade em andar, não consegue correr, deixou de praticar desporto, de fazer caminhadas e de jogar futebol e deixou de poder conduzir, e de exercer a actividade comercial que exercia no negócio de família, tem muita dificuldade em subir e descer escadas, só o fazendo uma a uma, e só o faz com o apoio de um corrimão ou de terceira pessoa.
Invoca danos patrimoniais e não patrimoniais.

Junta documentos, incluindo um “relatório de avaliação de incapacidades”, e procuração.

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A Ré seguradora, citada, veio contestar.
Diz não ter o 1º Réu celebrado com a Ré qualquer contrato de seguro de responsabilidade civil através do qual tivesse transferido a responsabilidade resultante do acidente dos autos para a contestante.
Diz não ter encontrado qualquer contrato de seguro que cobrisse a responsabilidade civil pelo acidente dos autos.
Diz existir apenas um contrato de seguro do ramo acidentes pessoais, titulado pela apólice nº ...40 em que é tomador “T... Unipessoal Lda.” que vigorava no dia do acidente, e que abrangia as seguintes coberturas: morte ou invalidez permanente – capital de € 5.000,00; despesas de tratamento – capital de € 500,00.
Conclui pela improcedência.
Junta procuração e um documento.

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O Réu pessoa singular, BB, citado, contestou. Defende-se por excepção.
A propósito alega que a prova desportiva de veículos todo-o-terreno destinada a ultrapassar obstáculos, em questão, designada por “Prova de Obstáculos em Trial” foi promovida e realizada não pelo Réu, e sim pela “T... Unipessoal Lda.”, pessoa colectiva com sede na Rua ..., ..., ..., sendo por isso o ora contestante parte ilegítima quer substantiva quer adjectivamente.

Impugna os factos alegados pelo Autor, nomeadamente por serem ardilosa e rotundamente falsos ou por desconhecer parte deles, porque não se tratam de factos pessoais ou dos quais devesse ter conhecimento.
Alega que os veículos retratados nos documentos nºs ... e ... juntos com a petição inicial não eram tripulados pelo Autor e que o acidente que terá vitimado o Autor no dia 16.05.2015 não ocorreu quando o mesmo se encontrava em prova no veículo que tripulava como co-piloto, que era o veículo ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-KF, que tinha como piloto CC, tendo a prova do Autor terminado cerca de 1 hora / 1,5 horas antes da ocorrência do acidente em causa, já estando fora da execução da prova e fora do veículo que tinha tripulado no decurso da mesma enquanto co-piloto.
No momento em que terá ocorrido o acidente, o veículo que estava no local a ser rebocado era o veículo ..., também da marca ..., modelo ..., mas tripulado pelo DD, como piloto, e por EE, como co-piloto, veículo que, nos momentos que antecederam o alegado acidente, estava a ser rebocado a partir da pista onde decorria a prova, por uma máquina retro-escavadora que tinha sido entretanto levada para o local, a qual, movimentando-se no mesmo sentido em que o veículo anteriormente seguia, e com a intervenção activa de um maquinista, mas num plano mais elevado, rebocava o sobredito ..-..-GQ para o retirar do local pois impedia a circulação por aquele troço de prova - veículo que, pelo facto de ter danificado o respectivo eixo do rodado traseiro, não podia deslocar-se pelos próprios meios, nem fazer uso do respectivo guincho, pois tinha-se avariado, não se encontrando por isso em funcionamento e foi o Autor que, de forma inopinada, imprudente, e ao arrepio das instruções que constavam do regulamento da prova, que ele Autor bem conhecia, e, também contrariamente aos avisos constantemente proferidos pelos altifalantes que se encontravam distribuídos pelo local da prova, no sentido de ninguém ultrapassar as fitas delimitadoras do troço onde decorria a prova, ultrapassou as referidas fitas delimitadoras do local por onde se descrevia o percurso e invadiu o respectivo curso, precisamente no momento em que o operador da máquina retro-escavadora a movimentava no mesmo sentido do ..-..-GQ, rebocando-o, tendo o Autor sido colhido no local onde se evidenciava o referido percurso, ou seja, dentro do espaço de circulação delimitado pelas fitas delimitadoras do mesmo, espaço no qual, reitera-se, era absolutamente interdita a entrada e permanência de quaisquer espectadores, assistentes, ou outras pessoas que não fossem os próprios piloto e co-piloto do veículo imobilizado que se encontrasse em prova, que não era o caso do Autor que sabia que era perigosa e potenciadora de eventuais danos a sua presença no local onde se fazia a tracção com o cabo de aço para reboque do veículo ali imobilizado.

Alega que as lesões que o Autor diz ter sofrido resultaram exclusivamente da sua conduta temerária e fortemente negligente, já que inobservadora de todas as indicações que lhe tinham sido anteriormente dadas, e continuavam a ser publicitadas de viva voz aos altifalantes, pois se não tivesse ultrapassado as fitas delimitadoras e invadido o espaço do percurso onde decorria a prova, não teria sofrido qualquer acidente, nem em consequência lhe adviriam quaisquer lesões.
Alega ainda que a pessoa colectiva T... Unipessoal Lda., realizadora do evento, tinha transferido para a aqui segunda Ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice ...40, a responsabilidade civil emergente de danos de natureza pessoal, e, ou, patrimonial emergentes da referida prova, embora mantivesse no local da prova e zona do público todos os requisitos de segurança adequados a provas deste género, nomeadamente, encontrando-se todo o percurso por onde circulariam os veículos em prova integralmente delimitado por fitas plásticas de cores garridas, estando devidamente definidas no local as zonas destinadas ao público, existindo sinalética gráfica e sonora a advertir o público das condutas preventivas e cuidados que deviam adoptar aquando do decurso da prova.

Por outro lado, alega que o Autor tem sido visto na via pública a conduzir veículos ligeiros e pesados, anda normalmente, sobe e desce escadas normalmente e continua a fazer o mesmo tipo de vida que fazia anteriormente.
Segundo ainda o ora contestante, o Autor bem sabe que não tripulava, como co-piloto, o veículo ... que estava a ser rebocado no momento em que sofreu o acidente que refere e bem que já se não encontrava em prova nesse preciso momento e que, no momento do acidente, não se propunha regressar àquele veículo que diz que tripulava quando foi colhido pelo cabo de aço, bem sabendo também que a máquina retro-escavadora não oscilou nem descaiu por acção de tracção do guincho, antes tendo sido o Autor que, no momento da tracção inerente ao reboque, se atravessou no local onde estava o cabo de aço, pelo que deduz pretensão que sabe carecida de fundamento, alterando a verdade de uns factos e omitindo outros, apenas com o propósito de conseguir locupletar-se à custa de um alegado direito de indemnização que bem sabe não lhe assistir, pelo que deverá ser declarado corno litigante de má fé e, por isso condenado em multa a fixar pelo prudente arbítrio do Tribunal e indemnização a favor do Réu de valor não inferior a 2.500,00 euros.
Junta documentos, procuração e comprovativo da concessão de protecção jurídica.
Entre estes documentos está o parecer favorável à realização da prova, com condicionantes, emitido pelo Comando Distrital ... da cidade ... – ao abrigo do artigo nº 3 do Decreto Regulamentar nº 2-A/2005 de 24 de Março (provas desportivas de automóveis).
Entre estes documentos está lista de pessoas singulares seguras no âmbito do contrato de seguro do ramo acidentes pessoais, titulado pela apólice nº ...40 em que é tomador “T... Unipessoal Lda.”, dela constando o nome do ora Autor – fls. 56.

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A Ré L..., S.A., a fls. 63 e seguintes, pronunciou-se em relação à contestação do Réu.
Alga que, por o sinistro dos autos ter decorrido já depois de finalizada a prova desportiva para a qual havia sido celebrado o seguro titulado pela apólice emitida pela demandada, o sinistro dos autos não está coberto pela apólice, que apenas dava cobertura a sinistros ocorridos durante a realização da prova automobilística.

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Pronuncia-se o Autor sobre os documentos juntos pelos Réus, impugnando-os. Cfr. fls. 66 verso.

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O Autor, a fls. 82, pronunciou-se relativamente à excepção de ilegitimidade e requereu a intervenção provocada da sociedade "T... Unipessoal Lda.", que foi admitida por se entender se verificarem os pressupostos legais.

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Citada, a C..., Unipessoal, Lda." contestou a fls. 91 e seguintes.
Impugna os factos alegados pelo Autor, em termos similares à contestação apresentada pelo Réu, e pede, igualmente, que o Autor seja condenado como litigante de má-fé em multa a fixar pelo prudente arbítrio do Tribunal e indemnização a favor da interveniente de valor não inferior a 2.500,00 euros.

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Na audiência prévia, a fls. 114 e seguintes, o Autor defendeu que os pedidos de condenação como litigante de má-fé devem improceder.
A fls. 133 e seguintes, requereu o chamamento da sociedade "M... S.A.".
Incidente de intervenção principal, decidido por despacho de fls. 182 e seguintes, tendo sido admitida a intervenção provocada daquela sociedade.

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A interveniente principal "M... S.A.", contestou a fls. 188 e seguintes.
Defende-se por excepção - prescrição do direito do Autor - e ilegitimidade substantiva para ser demandada por não ser proprietária nem possuidora da máquina retro-escavadora referida na petição inicial e que não tinha designado qualquer colaborador ou trabalhador seu para com ela operar, não podendo a alegada comissão por acção danosa ser-lhe imputada.
Impugnou os factos alegados pelo Autor, em termos similares à contestação apresentada pelo primeiro Réu, e pede, igualmente, que o Autor seja condenado como litigante de má-fé em multa a fixar pelo prudente arbítrio do Tribunal e indemnização a favor da interveniente de valor não inferior a 2.500,00 euros.

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O Autor pronunciou-se a fls. 197/198, relativamente às excepções de prescrição e de ilegitimidade invocadas pela Interveniente principal "M... S.A.".

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Realizou-se audiência prévia, a fls. 205 e seguintes, tendo sido proferido despacho saneador, julgadas improcedentes as excepções suscitadas e fixados o valor da causa, o objecto do litígio e os temas da prova e determinada perícia médico-legal ao autor a realizar pelo IML, cujo relatório foi junto a fls. 261 e seguintes.

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Teve lugar audiência final, com gravação dos trabalhos.
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Deram-se motivadamente como provados os seguintes factos:

1. No dia 16.05.2015, foi realizada uma prova desportiva de veículos todo-o-terreno que se denominou de "... ", num terreno sito no Parque Industrial da cidade ... (artigo 1° da petição inicial).
2. O A. inscreveu-se como participante, e foi admitido a intervir, na referida prova desportiva, como co-piloto. (artigo 2° da petição inicial)
3. Por volta das 19h00, o autor foi colhido por um cabo de aço em ambas as pernas, tendo-o projectado sobre o solo a uma distância de cerca de 4/5 metros. (artigos 3° a 15° da petição inicial)
4. Onde ficou prostrado a gritar, com dores, por ajuda. (artigo 16º da petição inicial)
5. Tendo, logo, sido assistido no local por um enfermeiro que ali se encontrava, e pelo INEM que o assistiu no local do acidente, e o transportou para o Serviço de Urgências da Unidade Local de Saúde da .... (artigos 17° e 18° da petição inicial)
6. No referido serviço de urgência, depois de ter sido submetido a exames radiográficos, foi-lhe diagnosticada " ... luxação postero-extena do joelho direito, fractura do prato da tíbia esquerda com desvio minor e entorse grave do joelho esquerdo. ", tendo sido submetido a cirurgia para redução da luxação, sob anestesia geral e engessados os dois membros inferiores. (artigos 19° e 20° da petição inicial)
7. Foi internado no Serviço de Ortopedia, onde permaneceu durante 8 dias. (artigo 21°da petição inicial)
8. Teve alta com imobilização de ambos os joelhos, com ortótese. (artigo 22° da petição inicial)
9. Voltou a ser internado no dia 7 de Julho, imediatamente a seguir, (artigo 23° da petição inicial)
10. E foi submetido a programa intensivo de reabilitação, com recurso a tratamento de fisioterapia até ao dia 16 de Julho, em que teve alta hospitalar. (artigo 24' da petição inicial)
11. Permaneceu internado com repouso no leito até ao dia 22.05.2017. (artigo 25° da petição inicial)
12. Período durante o qual continuou a frequentar consultas de reabilitação, das quais teve alta em 10.12.2016. (artigo 26° da petição inicial)
13. À data do acidente o autor tinha 26 anos. (artigo 27° da petição inicial)
14. O autor era um rapaz alegre, activo e bem-disposto, quer no seio familiar quer com os amigos, (artigo 28° da petição inicial)
15. Prestava a sua força de trabalho no negócio de família que é prosseguido pelos pais, no âmbito do qual, conduzia os veículos comerciais, comprava, transportava e vendia produtos agrícolas como batatas, cebolas, castanha e, também, lenha própria para ser consumida em lareiras (artigos 29° a 32° da petição inicial)
16. Era saudável, e não tomava medicamentos. (artigo 33" da petição inicial)
17. Gostava de sair com os amigos e, de ir para a praia e para o rio, de conduzir veículos automóveis, e praticava desporto, nomeadamente fazia caminhadas, e jogava futebol. (artigos 34° a 39°, da petição inicial)
18. Como consequência directa e necessária do acidente, o autor nunca mais voltou a ser o mesmo. (artigo 40° da petição inicial)
19. Inicialmente ficou totalmente imobilizado, dependente de cadeira de rodas, e ficou dependente de terceira pessoa, durante sete semanas, que o levava à rua para as deslocações que necessitava de fazer e, nomeadamente o levava e acompanhava aos tratamentos de fisioterapia, e o ajudava a deitar e a levantar da cama, a vestir e a calçar, a tomar banho, e a tratar da vida diária. (artigos 41 ° a 48° da petição inicial)
20. Ainda hoje, não consegue correr. (artigos 49° e 500 da petição inicial)
21. Deixou de praticar desporto, de fazer caminhadas e de jogar futebol. (artigos 51° a 53° da petição inicial)
22. Tem muita dificuldade em subir e descer escadas, só o fazendo uma a uma. (artigo 57° da petição inicial)
23. Tem complexos em usar calções no Verão, e em ir para a praia e para o rio. (artigos 63° e 64° da petição inicial)
24. Tem sempre presente a imagem do acidente, o que lhe causa profunda tristeza, angústia e revolta. (artigo 65° da petição inicial)
25. Sente-se diminuído nas suas capacidades físicas e motoras, e sabe que, para o resto da vida terá que viver com as marcas das cicatrizes que tem em ambos os membros inferiores. (artigos 66° e 67° da petição inicial)
26. O autor apresenta as seguintes lesões e/ou sequelas: a) joelho esquerdo com instabilidade rotatória em valgo e antero-posterior; b) edema residual da perna esquerda; c) joelho direito com síndrome femuro patelar instabilidade residual antero-posterior; d) na face anterior da perna esquerda, complexo cicatricial medindo cerca de 4/4 cm; e) na face interna da perna direita, cicatriz com vestígios de pontos, medindo cerca de 7 cm. (artigo 68° da petição inicial)
27. Em consequência do acidente o período de défice funcional temporário total é fixável num período de 31 dias; o período de défice funcional temporário parcial é fixável num período de 178 dias; o período de repercussão temporária na actividade profissional total é fixável num período de 209 dias; o quantum doloris é fixável em 4/7; o défice funcional permanente da integração físico-psíquica fixável em 25,20 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro; as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares; o dano estético permanente fixável no grau 3/7 e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 4/7. (Relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito civil realizado)
28. Em virtude do acidente, o autor teve que despender a quantia de 945,57 euros em medicamentos, consultas, transporte em ambulâncias e, ainda, fisioterapia. (artigo 70º da petição inicial e requerimento de fls. 222 e seguintes)
29. A retro-escavadora é da marca ..., de cor amarela e preta. (artigos 7º e 8°, do requerimento do autor de fls. 133/134).
30. O réu não celebrou com a ré qualquer contrato de seguro de responsabilidade civil pelo qual tivesse transferido a responsabilidade do acidente. (artigo 3° da contestação da ré)
31. Foi celebrado um contrato de seguro do ramo "acidentes pessoais", titulado pela apólice nº ...40 de que é tomador "T..., Unipessoal, Ida" que vigorava no dia do acidente e que abrangia as seguintes coberturas: morte ou invalidez permanente - capital de 5.000,00 euros e despesas de tratamento - capital de 500,00 euros. (artigo 6° e 7° da contestação da ré)
32. A prova desportiva de veículos todo-o-terreno destinada a ultrapassar obstáculos, vulgo "Prova de obstáculos em Trial", foi promovida e realizada pela pessoa colectiva T... Unipessoal Lda., sociedade comercial por quotas com o NIPC ... e sede social na Rua ..., ..., ..., no limite da freguesia ..., do município ..., da qual é legal representante FF, solteira, maior, NIF ..., residente na Rua ... ... ... (...) (artigos l° da contestação do réu e 1º da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda.)
33. E não pelo réu. (artigos 2° da contestação do réu e 1 ° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda.)
34. Tendo sido aquela pessoa colectiva que solicitou à edilidade, bem como às autoridades policiais, as competentes autorizações e licenciamentos para a realização do evento, os quais efectivamente lhe foram concedidos por se afigurarem reunidos os respectivos requisitos de segurança. (artigos 3° da contestação do réu e 1º da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda.)
35. Os veículos retratados nos documentos juntos a fls. 11 e 12 não eram tripulados pelo autor. (artigos 8° da contestação do réu, 9° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 10° da contestação da interveniente M... S.A.)
36. Desde logo, o acidente que vitimou o autor no dia 16.05.2015 não ocorreu quando o mesmo se encontrava em prova no veículo que tripulava como co-piloto. (artigos 11° da contestação do réu, 12° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 13° da contestação da interveniente M... S.A.)
37. Que era o veículo ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-KF, que tinha como piloto CC. (artigos 12° da contestação do réu, 13º da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 14° da contestação da interveniente M... S.A.)
38. Tendo a prova do autor terminado cerca de 1 hora / 1,5 horas antes da ocorrência do acidente em causa. (artigo 13° da contestação do réu, 14° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 15° da contestação da interveniente M... S.A.)
39. Já estando o autor fora da execução da prova e fora do veículo que tinha tripulado no decurso da mesma enquanto co-piloto. (artigos 14° da contestação do réu, 15° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 16° da contestação da interveniente M... S.A.)
40. De forma diversa, no momento em ocorreu o acidente, o veículo que estava no local a ser rebocado era o veículo ..., também da marca ..., modelo .... (artigos 15° da contestação do réu, 16° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 17° da contestação da interveniente M... S.A.)
41. Mas tripulado pelo Sr. DD, como piloto, e por EE (Tó-Zé) motorista da pessoa colectiva J... Lda com sede ao parque industrial da ..., como co-piloto. (artigos 16° da contestação do réu, 17° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 18° da contestação da interveniente M... S.A.)
42. Veículo este que, nos momentos que antecederam o acidente, estava a ser rebocado a partir da pista onde decorria a prova, por uma máquina retro-escavadora que tinha sido, entretanto, levada para o local. (artigos 17° da contestação do réu, 18° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 19° da contestação da interveniente M... S.A.)
43. A qual, movimentando-se no mesmo sentido em que o veículo anteriormente seguia, e com a intervenção activa de um maquinista, mas num plano mais elevado, rebocava o ..-..-GQ para o retirar do local pois impedia a circulação por aquele troço de prova. (artigos 18° da contestação do réu. 19° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 21 ° da contestação da interveniente M... S.A.)
44. Veículo que, pelo facto de ter danificado o respectivo eixo do rodado traseiro, não podia deslocar-se pelos próprios meio, nem fazer uso do respectivo guincho. (artigos 19°, 20º e 21 ° da contestação do réu. 20°, 21º e 22° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 22°, 24° e 25° da contestação da interveniente M... S.A.)
45. O guincho tinha-se avariado, não se encontrando por isso em funcionamento. (artigos 22° da contestação do réu, 23° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 26° da contestação da interveniente M... S.A.)
46. Foi o autor que, de forma inopinada, imprudente, e ao arrepio das instruções que constavam do regulamento da prova, que ele autor bem conhecia, e, também contrariamente aos avisos constantemente proferidos pelos altifalantes que se encontravam distribuídos pelo local da prova, no sentido de ninguém ultrapassar as fitas delimitadoras do troço onde decorria a prova, ultrapassou as referidas fitas delimitadoras do local por onde se descrevia o percurso. (artigos 23° a 25° da contestação do réu, 24° a 26° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 27° a 29° da contestação da interveniente M... S.A.)
47. E invadiu o respectivo curso, precisamente no momento em que o operador da máquina retro-escavadora a movimentava no mesmo sentido do ..-..-GQ, rebocando-o. (artigos 26° e 27° da contestação do réu, 27° e 28° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 30° e 31 ° da contestação da interveniente M... S.A.)
48. Tendo o autor sido colhido no local onde se evidenciava o referido percurso, ou seja, dentro do espaço de circulação delimitado pelas fitas delimitadoras do mesmo. (artigos 28º da contestação do réu, 29° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 32° da contestação da interveniente M... S.A.)
49. Espaço no qual era absolutamente interdita a entrada e permanência de quaisquer espectadores, assistentes, ou outras pessoas que não fossem os próprios piloto e co-piloto do veículo imobilizado que se encontrasse em prova. (artigos 29° da contestação do réu, 30º da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 33º da contestação da interveniente M... S.A.)
50. O que não era o caso do autor (artigos 30° da contestação do réu, 31º da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 34° da contestação da interveniente M... S.A.)
51. Bem sabendo ainda o autor que era perigosa e potenciadora de eventuais danos a sua presença no local onde se fazia a tracção com o cabo de aço para reboque do veículo ali imobilizado. (artigos 31 ° da contestação do réu, 32º da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 35º da contestação da interveniente M... S.A.)
52. Assim, as lesões que o autor sofreu resultaram exclusivamente da sua conduta
temerária e fortemente negligente, já que inobservadora de todas as indicações que lhe tinham sido anteriormente dadas, e continuavam a ser publicitadas de viva voz aos altifalantes. (artigos 32° da contestação do réu, 33° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 36° da contestação da interveniente M... S.A.)
53. Se não tivesse ultrapassado as fitas delimitadoras e invadido o espaço do percurso onde decorria a prova, não teria sofrido qualquer acidente, nem em consequência lhe adviriam quaisquer lesões. (artigos 33° da contestação do réu, 34° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 37° da contestação da interveniente M... S.A.)
54. A pessoa colectiva T... Unipessoal Lda., realizadora do evento, tinha transferido para a segunda ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice ...40, a responsabilidade civil emergente de danos de natureza pessoal, e, ou, patrimonial emergentes da referida prova. (artigos 35" da contestação do réu, 35° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 10° da contestação da interveniente M... S.A.)
55. Embora mantivesse no local da prova e zona do público todos os requisitos de segurança adequados a provas deste género, nomeadamente, encontrando-se todo o percurso por onde circulariam os veículos em prova integralmente delimitado por fitas plásticas de cores garridas. (artigos 36° e 37° da contestação do réu, 2° e 3° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 39° e 40° da contestação da interveniente M... S.A.)
56. Estando devidamente definidas no local as zonas destinadas ao público. (artigo 38° da contestação do réu, 4° da contestação da interveniente e 41 ° da contestação da interveniente M... S.A.)
57. Existindo sinalética gráfica e sonora a advertir o público das condutas preventivas e cuidados que deviam adoptar aquando do decurso da prova. (artigos 39° da contestação do réu, 5° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 42° da contestação da interveniente M... S.A.)
58. O autor bem sabe que não tripulava, como co-piloto, o veículo ... que estava a ser rebocado no momento em que sofreu o acidente. (artigos 48º da contestação do réu, 45º da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 51º da contestação da interveniente M... S.A.)
59. E bem sabe que já se não encontrava em prova nesse preciso momento. (artigos 49º da contestação do réu, 46º da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 52º da contestação da interveniente M... S.A.)
60. E que, no momento do acidente, não se propunha regressar àquele veículo que diz que tripulava quando foi colhido pelo cabo de aço. (artigos 50º da contestação do réu, 47º da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 53° da contestação da interveniente M... S.A.)
61. Bem sabendo também que a máquina retro-escavadora não oscilou nem descaiu por acção de tracção do guincho. (artigos 51º da contestação do réu, 48º da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 54° da contestação da interveniente M... S.A.)
62. Antes tendo sido o autor que, no momento da tracção inerente ao reboque, se atravessou no local onde estava o cabo de aço. (artigos 52° da contestação do réu, 49° da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 55° da contestação da interveniente M... S.A.)
63. A chamada não era proprietária nem possuidora da máquina retro-escavadora (artigo 5º da contestação da interveniente M... S.A.).
64. Como não tinha designado qualquer colaborador ou trabalhador seu para com ela operar (artigo 6° da contestação da interveniente M... S.A.).

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Os factos não provados foram estes:

- Foi o primeiro réu que promoveu e levou a efeito a prova desportiva de veículos todo-o-terreno em causa nos autos (artigo 1° da petição inicial).
- No decorrer da prova (artigo 3º da petição inicial)
- O veículo em que seguia, encalhou num obstáculo, que era uma barreira íngreme, (artigo 4º da petição inicial)
- Para ajudar os pilotos a vencer, pelos seus próprios meios, este obstáculo, o organizador da prova, aqui primeiro réu, mandou colocar à frente do obstáculo uma máquina pesada, retro-escavadora a servir de ponto imóvel, fixo, (artigo 5º da petição inicial)
- No qual os co-pilotos, em caso de necessidade, pudessem engrenar ou fixar o gancho do cabo do guincho com que os veículos se encontravam equipados, para que, o piloto, accionando o motor do guincho do veículo, conseguisse fazer o veículo vencer o obstáculo, e prosseguir a prova, que era cronometrada (artigos 6º e 7º da petição inicial)
- Para ajudar o piloto a vencer esse obstáculo e continuar a prova, cabia ao autor, enquanto co-piloto, soltar o cabo do guincho do veículo e prender o respectivo gancho no balde da máquina (artigo 7º da petição inicial).
- Obrigação que o autor cumpriu, na convicção para si certa e segura de que a máquina ali colocada pelo primeiro réu se encontrava de facto fixa e imobilizada como rocha. (artigo 9º da petição inicial)
- Imediatamente após o autor ter enganchado o cabo no balde da retro -escavadora, (artigo 10º da petição inicial)
- Quando regressava ao interior do veículo, (artigo 11º da petição inicial)
- A máquina retro-escavadora oscilou, e descaiu da posição de auto-nivelamento hidráulico em que se encontrava, e (artigo 12º da petição inicial)
- Como causa directa desse movimento inesperado da máquina, o cabo de aço esticou subitamente e, (artigo 13º da petição inicial)
- Ao esticar, vibrou uma pancada violenta em ambas as pernas do autor, (artigo 14º da petição inicial)
- Com muito regularidade, (artigo 37º da petição inicial)
- Mantém dificuldade em andar, e (artigo 49º da petição inicial)
- Passou a ter uma vida sedentária, (artigo 54º da petição inicial)
- E engordou cerca de 10 kg. (artigo 55º da petição inicial)
- Deixou de poder conduzir, e de exercer a actividade comercial que exercia no negócio de família, (artigo 56º da petição inicial)
- Só o faz com o apoio de um corrimão ou de terceira pessoa. (artigo 58º da petição inicial)
- Tem muitas dores em ambas as pernas, (artigo 59º da petição inicial)
- Usa permanentemente joelheira elástica porque a perna direita continua muito inchada. (artigo 60º da petição inicial)
- Não sabia o que era um comprimido e passou a ter que tomar calmantes para dormir, e (artigo 61º da petição inicial) comprimidos para as dores. (artigo 62º da petição inicial)
- O autor está sem trabalhar e, com isso, sem receber o salário correspondente ao exercício da sua actividade profissional de transporte, compra e venda de lenhas e outros produtos agrícolas, desde a data do acidente até hoje, no valor de 525,00€, correspondente ao salário mínimo nacional, relativo a quarenta e dois meses. (artigo 83º da petição inicial)
- O autor continua impedido de exercer a atrás referida actividade, pela dificuldade de uso das pernas. (artigo 84º da petição inicial)
- A incapacidade permanente do autor poderá ser de 100% para a sua profissão habitual, (artigos 85º a 87º da petição inicial)
- O autor está sempre em posição de inferioridade face a um concorrente, a um pretendente ao mesmo posto de trabalho, ao mesmo emprego, com o que será sempre preterido. (artigo 97º da petição inicial)
- O autor irá necessitar, até final da sua vida, de assistência médica e medicamentosa, tratamentos fisiátricos, consultas de osteopatia, ortopedia e de acompanhamento psiquiátrico. (artigo 102º da petição inicial)
- E de novas intervenções cirúrgicas, porquanto, trata-se de lesões articulares dos dois joelhos, em que não se mostra restabelecida a estabilidade ligamentos, e por isso com futuras alterações degenerativas. (artigo 103º da petição inicial)
- Com a realização da nova intervenção cirúrgica, o autor irá ter que deixar de trabalhar, quer no tempo de clausura hospitalar, quer ainda no período de recuperação, (artigo 108º da petição inicial)
- O primeiro réu transferiu para a segunda ré parte da responsabilidade emergente dos acidentes que ocorressem no decurso da prova. (artigo 114º da petição inicial);
- O acidente foi provocado por um cabo de aço que, ligado a uma retro-escavadora, que tinha sido levada para o local, a qual, por falta de perícia, desleixo ou falta de cuidado do maquinista, esticou demasiado o cabo, tendo-o feito brandir uma violenta pancada no autor (artigos 2º a 4º, do requerimento do autor de fls. 133/134);
- A retro-escavadora foi levada para o local pela proprietária, a chamada M... S.A. (artigos 7º e 8º, do requerimento do autor de fls. 133/134).
- “grupo”. (artigo 6º e 7º da contestação da ré)
- O autor tem sido visto na via pública a conduzir veículos ligeiros e pesados. (artigo 41º da contestação do réu, 38º da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 44º da contestação da interveniente M... S.A.)
- Anda normalmente. (artigo 42º da contestação do réu, 39º da contestação da interveniente e 45º da contestação da interveniente M... S.A.)
- Sobe e desce escadas normalmente. (artigo 43º da contestação do réu, 40º da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 46º da contestação da interveniente M... S.A.)
- Continua a fazer o mesmo tipo de vida que fazia anteriormente. (artigo 44º da contestação do réu, 41º da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 47º da contestação da interveniente M... S.A.)
- Tendo-se inclusivamente casado no dia 16.06.2018 em cerimónia pública onde se evidenciava a normalidade da sua postura e normal robustez física. (artigo 45º da contestação do réu, 42º da contestação da interveniente T... Unipessoal Lda. e 48º da contestação da interveniente M... S.A.)

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Em matéria de factos não provados emitiu-se também a seguinte declaração:
O demais alegado pelas partes nos articulados que não constam dos factos provados ou não provados, contêm factos irrelevantes ou repetidos, matéria conclusiva ou meramente de direito.

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Aplicado o Direito ao conjunto de factos provados, considerada a causa de pedir e os pedidos, decidiu-se:
- Julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo-se os Réus BB e L..., S.A., e as Intervenientes P... UNIPESSOAL Lda. e M... S.A. dos pedidos formulados pelo Autor.
- Condenar o Autor - AA como litigante de má-fé na multa que se fixou em 15 UC’s;
- Condenar o Autor - AA – a pagar, a título de indemnização como litigante de má-fé € 1.000,00 (mil euros) ao Réu BB, € 1.000,00 (mil euros) à Interveniente Principal T... Unipessoal Lda. e € 1.000,00 (mil euros) à  Interveniente Principal M... S.A..
As custas ficaram pelo Autor.

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Inconformado veio o Autor interpor recurso – admitido como de apelação a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. 

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O Apelante conclui a minuta do recurso dizendo: 

I- Calcorreando os autos constata-se que o Tribunal fez errada aplicação do Direito. De facto, deu provado no ponto 1 da matéria de facto que “no dia 16.05.2015, foi realizada uma prova desportiva de veículos todo o terreno.” Ora, a prova desportiva em causa nos autos é uma actividade perigosa, relativamente à qual tem aplicação o art.º 493.º n.º 2 do C.C., que estabelece uma presunção de culpa da entidade organizadora da mesma, in casu, a sociedade T... Unipessoal Lda. (ponto 32 da matéria de facto), na verificação do acidente que vitimou o A..
II. O Tribunal deu como provados os factos vertidos nos pontos 46 a 53 de onde resulta que o acidente que vitimou o A. se deveu a culpa exclusiva do mesmo, que desrespeitou as instruções e prescrições de segurança da prova, o que, in casu, afastaria a referida presunção legal de culpa da interveniente principal. Sucede que, o Tribunal fez errada interpretação, apreciação e valoração da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal e por depoimentos e declarações de parte, porquanto, o acidente em causa nos autos não se deveu a culpa do A. mas sim à falta de cumprimento dos deveres de diligência adequados à organização do evento desportivo em causa nos autos, a cargo da interveniente principal T... Unipessoal Lda.. Assim, e desde logo,
III. o pedido de autorização para a realização da prova desportiva, junto a fls. 69 a 74, apresentado pela interveniente T... Unipessoal Lda. na Câmara Municipal ... não se mostra instruído com o regulamento da prova, nos termos do art.º 3.º do Dec. Reg. n.º 2-A/2005 de 24.03.
De facto, nem os RR. nem as intervenientes principais lograram provar: a) a existência do regulamento da prova, onde constassem as regras e prescrições de segurança da prova, o plano que identificasse as zonas de particular perigo, as zonas adequadas para a assistência dos espectadores e as medidas adequadas para controlar os riscos em todas as zonas do percurso para quem se encontrasse no recinto da prova; b) que o teor do alegado regulamento foi veiculado aos participantes e espectadores da prova e de que forma; c) que os participantes e espectadores tomaram conhecimento seu conteúdo. Pelo que, o Tribunal não podia ter dado como provado no ponto 46 da matéria de facto “ao arrepio das instruções que constavam do regulamento da prova, que ele autor bem conhecia.”
IV. Nem os RR. nem as intervenientes principais lograram provar nem demonstrar nos autos, o cumprimento dos requisitos e prescrições de segurança adequados à realização da prova, constantes do parecer emitido pela P.S.P. junto a fls. 53 dos autos, mormente qual a concreta sinalética gráfica existente no local, qual o concreto local da respectiva fixação, por forma aferir se era visível do público e dos participantes. Pelo que, o Tribunal o não podia ter dado como provado no Ponto 56 da matéria de facto que “estando devidamente definidas no local as zonas destinadas ao público” e no Ponto 57 da matéria de facto que “existindo sinalética gráfica (…) a advertir o advertir o público das condutas preventivas e cuidados que deviam adoptar aquando do decurso da prova.”.
V. O Tribunal não podia dar como provada a factualidade vertida nos pontos 49, 53, 55, 56 e 57, quando refere que as fitas plásticas existentes no local da prova, eram de cores garridas e que a sua função era de delimitar e interditar/proibir a entrada e permanência de pessoas dentro do local vedado, destinado à circulação dos jipes. De facto,
VI. dos depoimentos das testemunhas, não resulta que as fitas plásticas tivessem cores garridas, resultando apenas das declarações de FF, ao minuto 00:13:56 que “o percurso estava delimitado com fitas preta e azuis”. Sendo certo que, tal afirmação resulta infirmada pelo teor das fotografias juntas aos autos, mormente fls. 11 verso e 12, que mostram que as fitas eram de cor branca. Pelo que, o Tribunal não podia ter dado como provado no ponto 55 da matéria de facto que “encontrando-se todo o percurso por onde circulavam os veículos em prova integralmente delimitado por fitas plásticas de cores garridas.” Acresce que,
VII. as fitas cuja função é a marcação e delimitação de áreas de perigo e imposição da proibição e/ou interdição de passagem e permanência de pessoas em determinado local e, consequentemente, o afastamento ou distanciamento em relação às zonas de perigo, são de cor garrida, geralmente listadas de cor branca e vermelha ou de cor preta e amarela ou de uma só cor forte, vermelha ou amarela, mas não de cor branca. De facto,
VIII. a função das fitas existentes no local da prova, de cor branca, era delimitar o percurso a ser efectuado pelos pilotos dos jipes, para saberem qual o traçado a seguir e não interditar e/ou proibir a entrada e permanência de pessoas dentro do local por elas delimitado. Isso mesmo resulta do ponto 46 da matéria de facto (“as fitas delimitadoras do troço onde decorria a prova (…) fitas delimitadoras do local por onde se descrevia o percurso.” do ponto 48 da matéria de facto (“espaço de circulação delimitado pelas fitas delimitadoras do mesmo.”), do ponto 53 da matéria de facto (“as fitas delimitadoras (…) do percurso onde decorria a prova.”) e do depoimento das testemunhas GG, HH, II e JJ transcritos supra nos arts.º 60.º a 63.º cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
IX. Se as fitas fossem, efectivamente, de alerta de perigo e/ou de proibição/interdição de acesso e permanência deveriam ser fitas em material de alta resistência (e não plásticas) e estar devidamente afixadas, para não caírem, mas, in casu, não estavam correctamente colocadas já que era necessário estar sempre a compô-las, tal como refere a testemunha II aos minutos 00:04:46 e 00:05:08: “andávamos sempre a compor as fitas. (…) A gente estava em vários pontos, ajudá-los a compor”, “Ia sempre compondo as fitas. Assim,
X. não existia qualquer sinalização gráfica que sinalizasse o espaço destinado ao público, nem identificasse os locais de perigo e não existiam fitas delimitadoras de zonas de perigo que impusessem a proibição/interdição de acesso e permanência de pessoas em determinado espaço, e como tal não existia qualquer ordem ou imposição dirigida quer aos espectadores quer aos participantes da prova de proibição de passagem e/ou afastamento de qualquer zona de perigo. Daí que, a organização da prova tivesse que, constantemente, alertar as pessoas que se encontravam no recinto para o perigo de transporem as fitas sinalizadoras do percurso dos veículos todo o terreno e de que não podiam transpô-las, o que resultou das declarações de parte do R. BB, do depoimento das testemunhas JJ, GG, II e das declarações da legal representante da interveniente T... Unipessoal Lda., KK transcritos supra nos arts.º 71.º a 75.º cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. Mais,
XI. o Tribunal não podia ter dado como provada a matéria vertida nos pontos 46 e 57 quanto à existência da alegada sinalização sonora, pois que não se provou existência dos alegados “altifalantes que se encontravam distribuídos pelo local da prova”, nem os alegados sítios em concreto onde estariam, já que os depoimentos das testemunhas GG, JJ e II e o depoimento do R. BB transcritos supra nos arts.º 84.º a 87.º cujo teor aqui se dá por reproduzido foram contraditórios entre si, e atentas as regras da lógica e da experiência comum, tratando-se de evento desportivo de veículos todo o terreno, com a afluência de muita gente, onde “estavam mais de mil ou duas mil pessoas a ver”, tal como referido pelo R. BB, ao minuto 00:16:44 do seu depoimento, a utilização de sinais e avisos sonoros não se mostra adequada nem suficiente para a segurança da prova, atento o ruído provocado pelas viaturas em circulação e o barulho provocado pelas pessoas.
XII. A interveniente principal T... Unipessoal Lda. não providenciou pela assistência médica ou veículos de prevenção no local, já que o A. foi socorrido por um enfermeiro que se encontrava a assistir à prova, tal como o Tribunal deu como provado no ponto 5 da matéria de facto: tendo, logo, sido assistido no local por em enfermeiro que ali se encontrava (…).”
XIII. De tudo quanto vem de se dizer, resulta que a interveniente principal, T... Unipessoal Lda. não tomou as medidas de segurança suficientes e adequadas para a protecção de participantes e espectadores da prova desportiva em causa nos autos, ou seja, de todas quantos se encontravam no recinto da prova, pelo que, não logrou afastar a presunção de culpa que sobre si recaía e recai. Pelo que, deve a mesma ser condenada nos termos peticionados pelo A..
XIV. O Tribunal não podia dar como provado nos pontos 39 e 59 da matéria de facto que o A. era um mero espectador da prova desportiva em causa nos autos, porquanto: a) resulta dos pontos 1 e 3 da matéria de facto que o A. se inscreveu a participou na prova; b) a prova era de “circuito time trial”, ou seja, prova contrarrelógio, na qual cada participante corre sozinho e o vencedor da prova é determinado por aquele que percorrer o percurso definido no menor tempo, pelo que só terminaria quando todos os participantes tivessem efectuado o percurso, por forma a aferir quem o efectuou no menor tempo e quem ganhou a prova e depois de entregues os “prémios para os três mais rápidos”; c) pelo que, enquanto a prova estivesse a decorrer, naturalmente que o A., que nela estava inscrito, era seu participante. Acresce que, atenta a existência do seguro de acidentes pessoais dado como no ponto 31 da matéria de facto, que cobria os eventuais danos que viesse a ocorrer nos participantes, deve a Ré L..., S.A. ser condenada a indemnizar o A., pelos danos sofridos. Sendo certo que,
XV. e ainda que por mera hipótese académica o A. fosse – que não era, como se deixou demonstrado – um mero espectador da prova desportiva em causa nos autos, tal como refere o Tribunal, o certo é que, em virtude da matéria de facto dada como provada nos pontos 1, 3 e 4, o mesmo foi vítima de um acidente no decorrer da prova desportiva na qual se presume a culpa da T... Unipessoal Lda., que esta não a logrou afastar, pelo que, sempre teria que ressarcir o A. pelos danos sofridos. E, uma vez que esta não celebrou o contrato de seguro obrigatório de prova desportiva a que se refere o art.º 6.º, n.º 5 do D.L. 291/2007 de 21/08, tem a que ser considerada e declarada civilmente responsável pela reparação dos danos sofridos pelo A..
XVI. O Tribunal não podia ter dado como provada a matéria vertida no ponto 62 e mais tinha que ter dado como provado que: “- Imediatamente após o autor ter enganchado o cabo no balde da retro-escavadora”, “-A máquina retroescavadora oscilou, e descaiu da posição de auto-nivelamento hidráulico em que se encontrava, e (artigo 12º da petição inicial)”; “- Como causa directa desse movimento inesperado da máquina, o cabo de aço esticou subitamente e, (artigo 13º da petição inicial)”; - Ao esticar, vibrou uma pancada violenta em ambas as pernas do autor, (artigo 14º da petição inicial).” pois que, atenta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, resultou provado que foi o A. quem engatou o cabo do guincho ao balde da máquina retro-escavadora e que foi colhido por um movimento brusco da máquina, o que resultou nomeadamente do depoimento de parte do A., do depoimento das testemunhas CC, LL e MM transcritos supra nos arts.º 121.º a 123.º cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
XVII. Acresce que, à excepção do depoimento de parte do R. BB onde refere, aos minutos 00:10:12 a 00:10:20 que foi o co-piloto, senhor NN, quem prendeu o guincho à retro-escavadora, das declarações de parte de legal representante de interveniente T... Unipessoal Lda. e das testemunhas arroladas pelos RR. e pelas intervenientes, resulta que ninguém viu quem foi a pessoa que engatou o guincho ao balde da máquina. Sendo certo que, o depoimento de parte do R. não pode ser positivamente valorado já que mentiu ao Tribunal, quando:
a) refere que no momento que antecedeu o acidente todo o staff veio ajudar ao jipe em dificuldades, mas as testemunhas II, GG, JJ e OO contrariamente, referiram que, no momento do acidente, se encontravam noutro ponto da prova, que não o local onde o mesmo se deu, pelo que, não viram nem quem engatou o cabo à máquina, nem o acidente, conforme depoimentos transcritos supra nos arts.º 124.º a 127.º cujo teor aqui se dá por reproduzido;
b) refere ao minuto 00:16:06 “tínhamos lá ambulância”, mas o Tribunal deu como provado no ponto 5 e que o A. foi “assistido no local por um enfermeiro que ali se encontrava, e pelo INEM” que veio entretanto;
c) quando, e tal como se pode ler na douta sentença recorrida “confirmou a realização da prova de Trial e ter sido quem a organizou, mas por ser funcionário da interveniente T... Unipessoal Lda., tendo feito tudo em nome desta – ora, à data, não obstante afirmar que era funcionário, era também o gerente da empresa, conforme resulta da certidão permanente analisada”, facto este que escondeu no decorrer do seu depoimento.
XVIII. O Tribunal não podia ter dado como provada a matéria de facto constantes dos pontos 42, 43, 47 e 58 e mais tinha que ter dado como provado que: “- No decorrer da prova, o veículo de matrícula ..-..-KF encalhou num obstáculo, que era uma barreira íngreme,”; “- Para ajudar os pilotos a vencer, pelos seus próprios meios, este obstáculo, o organizador da prova, aqui primeiro réu, mandou colocar à frente do obstáculo uma máquina pesada, retro-escavadora a servir de ponto imóvel, fixo, (artigo 5º da petição inicial).”; “- No qual os co-pilotos, em caso de necessidade, pudessem engrenar ou fixar o gancho do cabo do guincho com que os veículos se encontravam equipados, para que, o piloto, accionando o motor do guincho do veículo, conseguisse fazer o veículo vencer o obstáculo, e prosseguir a prova, que era cronometrada (artigos 6º e 7º da petição inicial),” Porquanto, a máquina retroescavadora, dada como provada no ponto 29. da matéria de facto, “da marca ..., de cor amarela e preta”, era um ponto fixo da prova tais como outros, para ajudar os participantes a superar determinados obstáculos da prova, não tendo sido levada para o local da prova com vista a rebocar aquele veículo em concreto, de matrícula ..-..-KF, ou qualquer outro, o que resultou das declarações de parte da legal representante da interveniente T... Unipessoal Lda., FF, do depoimento das testemunhas CC, GG, HH, MM, transcritos supra no art.º 138.º a 142.º cujo teor aqui se dá por reproduzido, que confirmaram a versão do A. vertida supra no arts.º 143.º cujo teor também aqui se dá por reproduzido. Sendo certo que, o próprio R. BB lá foi dizendo para o que, de facto, servia a máquina retroescavadora no local da prova, apesar de ainda ter dito ao Tribunal que estava lá para rebocar o veículo ..., conforme transcrição vertida no art.º 144.º cujo teor aqui se dá por reproduzido.
XIX. O Tribunal não podia ter dado como provada a factualidade vertida nos pontos 44 e 45 da matéria de facto pois que, do depoimento de todas as testemunhas que depuseram sobre essa questão, não resulta que o guincho estivesse avariado. Aliás, pelo contrário, do depoimento de parte do A., do depoimento de parte do R. BB, das declarações de parte da legal representante da interveniente FF e dos depoimentos das testemunhas CC e HH, transcritos supra nos arts.º 146.º a 150.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido, resulta que o guincho estava a funcionar.
XX. O Tribunal não podia ter condenado o A. como litigante de má-fé. pois que, conforme se deixou sobejamente demonstrado, e para o que aqui nos interessa, o que é certo e seguro é que o A. inscreveu-se e participou numa prova desportiva de veículos todo o terreno, promovida e organizada pela interveniente principal T... Unipessoal Lda.; no decorrer da qual sofreu um acidente, tendo sido colhido por uma máquina retro-escavadora que ali se encontrava para ajudar os participantes a superar um obstáculo. Pelo que, tem o A. direito a ser ressarcido pelos danos que sofreu em virtude do aludido acidente. Daí que, tenha intentado no Tribunal a acção que deu origem aos presentes autos, exercendo apenas um Direito que a lei lhe confere. Pelo que, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o pedido de condenação do A. como litigante de má-fé.
XXI. Em suma: do aquisitivo processual resulta provado:
- Que a R. T... Unipessoal Lda. organizou e levou a efeito uma prova desportiva de veículos todo o terreno – Circuito Time Trial;
- O A. inscreveu-se como participante e foi admitido a intervir na prova;
- No decurso da prova (cerca das 19h00) no local onde esta decorria foi vítima de uma grave acidente, por ter sido colhido violentamente por um cabo de aço que atrelava um Jeep da prova a uma retro-escavadora, em ambas as pernas dentro do recinto onde a prova era levada a efeito, o que lhe provocou os danos dados como provados nos pontos 4. a 28. da matéria de facto dada como provada.
- No local da prova não se encontrava qualquer sinal de perigo, a não ser fitas plásticas flexíveis a delimitar o sítio por onde deviam passar os veículos;
- A prova em causa consubstancia uma actividade perigosa. A autorização para a sua realização não se mostra instruída com os documentos legalmente exigíveis nos termos do art.º 3.º do Dec. Regulamentar n.º 2-A/2005 de 24.03, nem seguro de responsabilidade civil, e as fitas que usou para delimitar o circuito ou traçado por onde os veículos deviam passar não é meio apto a prevenir acidentes no recinto.
- a chamada T... Unipessoal Lda., tinha transferido a responsabilidade por acidentes pessoais para a 2.ª R. L..., S.A.. Pelo que,
- devem a chamada T... Unipessoal Lda. e a seguradora L..., S.A., ser condenadas a reparar os danos emergentes do acidente cfr. art.º 493.º n.º 2 do CC.

Pugna: deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene os RR., nos termos peticionados.

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Responde a Ré seguradora, defendendo o acerto do julgado.
Igualmente a Interveniente T... Unipessoal Lda..

*
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo. Questões não são os argumentos nem as motivações; são as concretas controvérsias centrais a dirimir.

III - OBJECTO DO RECURSO


Como vimos, o Autor trouxe ao Tribunal a seguinte versão do sinistro de que foi vítima:
No dia 16.05.2015, o primeiro Réu promoveu e levou a efeito uma prova desportiva de veículos todo o terreno que denominou de "Circuito Time Trial", tendo-se o Autor inscrito como participante, e foi admitido a intervir, na referida prova desportiva, como co-piloto e, no decorrer da prova, o veículo em que seguia, encalhou num obstáculo, que era uma barreira íngreme, e onde para ajudar os pilotos a vencer, pelos seus próprios meios, este obstáculo, o organizador da prova, o referido Réu, mandou colocar à frente do obstáculo uma máquina pesada, retro-escavadora a servir de ponto imóvel, fixo, no qual os co-pilotos, em caso de necessidade, pudessem engrenar ou fixar o gancho do cabo do guincho com que os veículos se encontravam equipados, para que, o piloto, accionando o motor do guincho do veículo, conseguisse fazer o veículo vencer o obstáculo, e prosseguir a prova, que era cronometrada.
Para ajudar o piloto a vencer esse obstáculo e continuar a prova, cabia ao Autor, enquanto co-piloto, soltar o cabo do guincho do veículo e prender o respectivo gancho no balde da máquina, obrigação que cumpriu, na convicção para si certa e segura de que a máquina ali colocada pelo mencionado Réu se encontrava de facto fixa e imobilizada como rocha e, imediatamente após o Autor ter enganchado o cabo no balde da retro-escavadora, quando regressava ao interior do veículo, a máquina retro-escavadora oscilou, e descaiu da posição de auto-nivelamento hidráulico em que se encontrava, e como causa directa desse movimento inesperado da máquina, o cabo de aço esticou subitamente e, ao esticar, vibrou uma pancada violenta em ambas as pernas do Autor.

Já os Demandados trouxeram ao processo a versão do acidente que resultou provada na 1ª instância, após julgamento. Em síntese:

O acidente que vitimou o autor no dia 16.05.2015 não ocorreu quando o mesmo se encontrava em prova no veículo que tripulava como co-piloto, que era o veículo ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-KF, e que tinha como piloto CC.
A prova do autor havia terminado cerca de 1 hora / 1,5 horas antes da ocorrência do acidente em causa.
Já estava o autor fora da execução da prova e fora do veículo que tinha tripulado no decurso da mesma enquanto co-piloto
No momento em ocorreu o acidente, o veículo que estava no local a ser rebocado era o veículo ..., também da marca ..., modelo ..., mas tripulado pelo Sr. DD, como piloto, e por EE (Tó-Zé) motorista da pessoa colectiva J... Lda com sede ao parque industrial da ..., como co-piloto. Veículo este que, nos momentos que antecederam o acidente, estava a ser rebocado a partir da pista onde decorria a prova, por uma máquina retro-escavadora que tinha sido, entretanto, levada para o local. A qual, movimentando-se no mesmo sentido em que o veículo anteriormente seguia, e com a intervenção activa de um maquinista, mas num plano mais elevado, rebocava o ..-..-GQ para o retirar do local pois impedia a circulação por aquele troço de prova. Veículo que, pelo facto de ter danificado o respectivo eixo do rodado traseiro, não podia deslocar-se pelos próprios meio, nem fazer uso do respectivo guincho. O guincho tinha-se avariado, não se encontrando por isso em funcionamento.
Foi o autor que, de forma inopinada, imprudente, e ao arrepio das instruções que constavam do regulamento da prova, que ele autor bem conhecia, e, também contrariamente aos avisos constantemente proferidos pelos altifalantes que se encontravam distribuídos pelo local da prova, no sentido de ninguém ultrapassar as fitas delimitadoras do troço onde decorria a prova, ultrapassou as referidas fitas delimitadoras do local por onde se descrevia o percurso E invadiu o respectivo curso, precisamente no momento em que o operador da máquina retro-escavadora a movimentava no mesmo sentido do ..-..-GQ, rebocando-o. Tendo o autor sido colhido no local onde se evidenciava o referido percurso, ou seja, dentro do espaço de circulação delimitado pelas fitas delimitadoras do mesmo.

Nas alegações do recurso vem o Autor sustentar ter ficado provada uma versão diferente, qual seja:

- Que a R. T... Unipessoal Lda. organizou e levou a efeito uma prova desportiva de veículos todo o terreno – Circuito Time Trial;
- O A. inscreveu-se como participante e foi admitido a intervir na prova;
- No decurso da prova (cerca das 19h00) no local onde esta decorria foi vítima de uma grave acidente, por ter sido colhido violentamente por um cabo de aço que atrelava um Jeep da prova a uma retro-escavadora, em ambas as pernas dentro do recinto onde a prova era levada a efeito, o que lhe provocou os danos provados nos pontos 4. a 28. da matéria de facto;
- No local da prova não se encontrava qualquer sinal de perigo, a não ser fitas plásticas flexíveis a delimitar o sítio por onde deviam passar os veículos.

*
Atento o modo como o Apelante alega, as questões que se colocam ao julgador através da apelação são as seguintes:
- saber que factos considerar;
- decidir do mérito da causa (apenas no tocante aos pontos em que a acção procedeu).

IV- mérito do recurso

1ª questão

O Apelante impugna a decisão da matéria de facto.
Cumpre os ónus do artigo 640º do CPC.

*

As pessoas ouvidas em audiência final elencam-se da seguinte forma:

Foi ouvido em depoimento de parte o Autor, AA.

A prova decorreu em 16 de Maio de 2015. O acidente ocorreu nesse dia.
Diz que o depoente participou na prova como co-piloto do veículo ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-KF, e que tinha como piloto CC.
Diz que a prova tinha várias passagens, voltas.
A certa altura o veículo igualmente ... mas matrícula ..-..-GQ não passou um obstáculo. Com autorização dos comissários da prova – Sr. BB -, houve troca de piloto e de co-piloto deste veículo porque não conseguiu superar o obstáculo.
Entrou de novo no circuito como co-piloto, agora do ..-..-GQ. Naquele local só podiam circular pilotos e co-pilotos.
O depoente engatou o cabo do guincho do ..-..-GQ à máquina retro-escavadora.
O ..-..-GQ ainda não estava a ser rebocado. O guincho do jipe é que tem de puxar, não a retro-escavadora.
O ..-..-GQ não tinha o eixo danificado. O guincho do mesmo sempre funcionou e estava a funcionar.
Sabia que não podia ultrapassar a zona delimitada pelas fitas de sinalização das pistas de circulação dos veículos. Mas como houve autorização para troca do piloto e do co-piloto do GQ, então tinha que ultrapassar os obstáculos e entrar na área do circuito. Estava autorizado a estar no local.
Sabia que era perigoso estar naquele local onde o depoente estava a colocar o guincho do jipe na pá ou no balde da retro-escavadora.
Confessa que depois do acidente tem conduzido veículos em pequenas distâncias.
Não faz o mesmo que fazia anteriormente. Tem que manter os pés no mesmo plano. Não pode andar em zonas inclinadas (agricultura). 

Foi ouvido em declarações de parte o Réu BB.

A prova foi organizada pela T... Unipessoal Lda. O legal representante desta empresa é a FF. O depoente trabalha para esta empresa.
No momento do acidente o Autor estava a ver a prova. Integrava o público que assistia.
O Autor tinha corrido antes (1 hora /1,5 hora), como co-piloto do KF, um jipe de cor preta e cinza.
O acidente ocorreu quando o ..-..-GQ (um ... todo cinza) não conseguiu avançar. Danificou o eixo traseiro. O piloto era o DD (...) e co-piloto o Sr. NN. O guincho não tinha força. Não conseguiam tirar o jipe. Parou a prova. ... o jipe com o guincho para fora da pista. (Na prova há um ... pai (DD) e um CC filho).
Não sabe o que é que o Autor estava a fazer no lugar. O depoente, comissário no local, não deu autorização para o autor entrar. Havia mais dois comissários da prova no local –a ... e o GG
Estavam sempre a dizer ao micro para não entrarem na pista.
O Autor sabe como funcionam estas provas porque já organizou uma ou duas provas de perícia.
Só deram pela presença do Autor no local quando a máquina esticou o cabo e este bateu no Autor. Não se apercebeu que o Autor estava no local. O Autor teve de saltar a vedação para estar ali.
Não foi o Autor quem estava a colocar o guincho do GQ no ponto de ancoração da retro-escavadora. Quem estava a fazer esta operação era o co-piloto Sr. NN.
Havia mais de mil pessoas a ver.


Foi ouvida em declarações de parte FF, legal representante da T... Unipessoal Lda.

Estava a trabalhar na prova. Era responsável (comissária) do ponto onde ocorreu o acidente.
Na altura a depoente não era nada à T... Unipessoal Lda.. Na altura a depoente trabalhava para a “M... S.A.”.

O Autor já havia participado na prova cerca de uma hora ou uma hora e meia antes do sinistro dos autos, como co-piloto a bordo de um jipe ..., o KF. O piloto era o CC.
O Autor já tinha utilizado o guincho aquando da sua participação.

Não conhecia o autor. Só o conheceu no dia da prova.
 
Relativamente ao acidente.
O Autor já não estava a participar.
O jipe ..-..-GQ estava a ser conduzido por DD (...) e o co-piloto era o PP. O jipe não conseguiu ultrapassar um obstáculo. Estava-se a tentar retirar o jipe. Não conseguia sair pelos próprios meios.
O Autor estava junto ao ..-..-GQ. A depoente abordou o autor e disse-lhe para se retirar. Mas o autor disse que era família, que já tinha sido ajudado e que estava ali a ajudar. Disse que fazia parte da prova.
O circuito estava delimitado com fitas brancas e azuis.
Puseram o cabo. O guincho funcionava. Mas o jipe são saía porque tinha alguma coisa partida. Esticaram o cabo. Houve um barulho. O autor foi apanhado. Estavam lá mais duas pessoas, qualquer das três podia ser apanhada.


Foi ouvido como testemunha QQ.

É irmão do Autor.
Não estava no local do sinistro.

- Depoimento irrelevante.

Foi ouvido como testemunha CC.

Participou na prova com o veículo de matrícula ..-..-KF. O co-piloto da testemunha era o Autor.

Havia outro CC na prova, um primo da testemunha, de nome DD, participando com o jipe ..-..-GQ. O co-piloto deste veículo não era o ora Autor.

Foi autorizada a entrada da testemunha e do ora Autor para ajudar a engatar o cabo do GQ à retro-escavadora. A autorização veio de comissário da prova, mas não sabe o nome. Podia ter sido a testemunha a vítima.

A prova é em circuito fechado. Há fitas a delimitar o circuito. Há máquinas em vários pontos para ajudar os veículos.
No caso era preciso retirar o jipe GQ. Ligaram o guincho à retro-escavadora. O cabo esticou e apanhou o Autor.

Foi ouvido na qualidade de testemunha HH.

Estava no local. Estava ao comando da retro-escavadora encarregada de retirar o GQ do circuito. Era o manobrador da retro-escavadora.

Estavam centenas de espectadores. Um jipe não conseguiu ultrapassar uma rampa. Andava para trás e para a frente. Rebentou qualquer coisa no jipe.
Saltaram várias pessoas da zona destinada ao público para ajudar a ligar o guincho do jipe à retro-escavadora. A testemunha puxou com a retro-escavdora. Actuaram ao mesmo tempo a força do jipe e a força da máquina. O jipe continuava a fazer força. O cabo esticou e foi bater no Autor.

O senhor que estava ao comando do jipe GQ é que mandou a testemunha avançar com a retro-escavadora.

A testemunha trabalhou na prova sem remuneração. Não sabe quem era o dono da máquina. A máquina estava lá.

Foi ouvido na qualidade de testemunha LL.

Assistiu ao acidente.
Assistiu à prova. Esteve a ver.
Estiveram a esticar o cabo para retirar o jipe. Mas não consegue identificar o jipe.
O Autor foi colocar o cabo na retro-escavadora. A máquina cedeu. O cabo esticou e bateu no ora Autor. Diz que o Autor era co-piloto desse jipe na altura.

- Depoimento contraditório, muito inseguro. Foi advertido pelo Senhor Juiz para responder com verdade às perguntas que lhe iam ser feitas e estavam a ser feitas. 
Depoimento de somenos relevância.

Foram ouvidas como testemunhas RR, SS, II, GG, JJ e OO que não presenciaram o acidente.
Depoimentos sem relevância para os pontos sob apreciação.

*

Apreciando.

O Autor foi ouvido em depoimento de parte, o que é permitido sobre factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento, nos termos do artigo 454º do CPC.
Trata-se de um meio de prova que incide sobre factos desfavoráveis ao depoente, pois se dirige à obtenção da confissão deste.

Ora o Autor mantém no seu depoimento em julgamento que ele e o piloto do ... da matrícula ..-..-KF, CC já haviam participado na prova desportiva.
Mais tarde decorria já a participação de outro ... mas de matrícula ..-..-GQ. Aconteceu que este veículo não conseguiu vencer por si uma barreira. Teve necessidade de ser ajudado com o auxílio de uma retro-escavadora. O acidente ocorreu quando este último veículo estava em prova.
Sustenta que a organização da prova autorizou que o piloto e o co-piloto do KF se substituisse à equipa do GQ, na operação de retirada deste veículo da pista. A organização autorizou que o Autor e o seu piloto entrassem em pista para o que o Autor galgou as fitas que delimitavam as zonas da prova interditas ao público, e apenas autorizadas para as equipas em prova e comissariado.
O Autor reconhece que conhecia bem as regras da prova, as interdições de acesso, e o perigo a que se expunha.
O Autor mantém que como co-piloto agora do ..-..-GQ foi, na pista do circuito, fixar o gancho do cabo do reboque do GQ ao balde da retro-escavadora, e que esta cedeu, puxando o cabo de aço, que, esticou e lhe veio bater nas pernas, derrubando-o.

A versão do circunstancialismo em que ocorreu o acidente não é confirmada pelas declarações de parte do Réu, que, comissário da prova, assistiu ao acidente e num depoimento pormenorizado esclareceu que o KF já tinha feito a sua prestação na prova cerca de uma hora ou uma hora e meia antes; que se tratava agora da prova do GQ, com uma equipa própria. A equipa original do GQ é que estava ao comando do veículo, e designadamente a operar a ligação do cabo do reboque à retro-escavadora.
O Autor, vindo do público, apareceu no local, no momento em que o cabo de aço do reboque esticou, e foi apanhado por ele.
Refere não ter dado autorização para o Autor estar ali.
Referiu que o Autor já organizou provas semelhantes a esta.

A versão do Autor não é também confirmada pelas declarações de parte de FF, legal representante da T... Unipessoal Lda., que foi quem organizou a prova.
A Depoente refere que o Autor, ao ser invectivado pela Depoente pouco antes do acidente, lhe disse que estava ali para ajudar a equipa do GQ, pois já havia sido também ajudado por ela, equipa. Na altura recusou-se a abandonar o local, onde lhe era interdito permanecer.

A versão do Autor só em parte é confirmada pelo depoimento de CC, com quem fazia equipa relativamente ao ... ..-..-KR.
No seu depoimento disse: a prova deste veículo e desta equipa já havia terminado.
Referiu ter sido autorizada a entrada da testemunha e do ora Autor para ajudar a engatar o cabo do GQ à retro-escavadora. A autorização veio de comissário da prova, mas não soube dizer o nome deste. Porém a testemunha não refere que na altura estava ao comando do GQ.

A versão do Autor também só numa pequena parte é confirmada pelo depoimento da testemunha LL, que, segundo disse, assistia à prova.
Disse ser o ora Autor o co-piloto do jipe sinistrado e que foi o Autor quem foi colocar o cabo do reboque do GQ na retro-escavadora.
O depoimento desta testemunha revela-se no entanto muito inseguro.

A versão do Autor é assim pouco consistente, não conseguindo obter a consistência necessária que a prova exige.

A versão do circunstancialismo do acidente trazida pelos contestantes é mais robusta de prova.
Assenta nas declarações de parte do Réu e de FF. Assenta no depoimento do manobrador da retro-escavadora que disse terem saltado várias pessoas da zona destinada ao público para ajudar a ligar o guincho do jipe GQ à retro-escavadora.

A versão trazida pelo Apelante ao recurso só teria lugar no caso de ausência de prova dos circunstancialismos que envolveram o sinistro, o que se não verifica.

Não há a mínima prova de que o sinistro se tenha ficado a dever a falhas de organização, a deficiência de delimitação de zonas de prova interditas ao público e zonas destinadas a este, de falta de meios de socorro a vítimas, de falta ou deficiência de instalação sonora no recinto da prova, de deficiências de cobertura dos trabalhos por parte da organização.
O sinistro não se ficou a dever à alegada fragilidade das fitas plásticas de delimitação de áreas.
Deu-se como provado serem estas fitas de corres garridas, sendo certo que a elas se referiram as testemunhas como de negras e azuis.
Porém respeitou-se a alegação onde o facto foi beber – no caso a contestação do Réu.
Tratava-se de uma prova de perícia na condução e no vencimento de obstáculos, não de velocidade, a efectuar numa área adaptada de improviso para o evento. Não se vê necessidade de, ao tempo, e face ao evento trágico dos autos, pugnar pela sua substituição por gradeamentos metálicos, de madeira, fardos de palha ou sacos e areia. O público, quando indisciplinado, ultrapassa igualmente estes obstáculos.
Ademais o Autor conhecia as regras, o regulamento da prova, o desenho e organização do evento, pois nele participara como competidor e já organizada um ou dois espectáculos semelhantes.
Não foi por falta de alerta via sonora ou na demarcação das áreas para o público e interditas a este, que o acidente se deu. O próprio Autor manifestou-se em julgamento consciente do risco que significava a sua presença no local onde se socorria o veículo encalhado no obstáculo.

Logo após ter sido colhido pelo cabo, o Autor foi assistido por um profissional de saúde que se encontrava no local. Outros meios de socorro estavam presentes e chegaram prontamente, passados poucos minutos. Não houve no julgamento a mínima referência a uma eventual demora na assistência médica. 
 
Por outro lado, o Senhor Juiz que presidiu aos trabalhos do julgamento mostrou-se sempre muito atento a cada palavra que as testemunhas ou as partes proferiam, a cada emoção que manifestavam, aqui e ali, o que se constata ao ouvir a prova uma vez que o Senhor Juiz verbaliza o que observa e vai sentindo. É o privilégio da imediação e oralidade na recolha da prova.

Por isso, se julga improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto e se mantém o conjunto de factos dados como provados.

2ª questão

Mérito da causa  

Na sentença recorrida enquadrou-se a factualidade provada em sede de responsabilidade civil extracontratual – cfr. artigo 483º do CC.

O sinistro do autos materializou-se numa colhida do Autor, que o atingiu em ambas as pernas, no dia 16.05.2015, quando se realizava uma prova desportiva de veículos todo-o-terreno que se denominou de "... ", num terreno sito no Parque Industrial da cidade ....
O sinistro ocorreu dentro do percurso delimitado para a prova, designadamente com fitas plásticas.
O Autor já havia efectuado há cerca de uma hora, uma hora e meia antes a sua prestação como concorrente inscrito.
A certa altura, decorria a prova do veículo ..-..-GQ. Este encalhou num obstáculo, não podendo dali sair pelos próprios meios devido a avaria mecânica. Foi necessário retirá-lo com a ajuda de uma retro-escavadora que assim o rebocava do local do obstáculo, seguindo veículo e máquina no mesmo sentido de marcha.
Foi o Autor que, de forma inopinada, imprudente, e ao arrepio das instruções que constavam do regulamento da prova, que ele Autor bem conhecia, e, também contrariamente aos avisos constantemente proferidos pelos altifalantes que se encontravam distribuídos pelo local da prova, no sentido de ninguém ultrapassar as fitas delimitadoras do troço onde decorria a prova, ultrapassou as referidas fitas delimitadoras do local por onde se descrevia o percurso. e invadiu o respectivo curso, precisamente no momento em que o operador da máquina retro-escavadora a movimentava no mesmo sentido do ..-..-GQ, rebocando-o.
Pontos 1, 2, 3, 44 a 47 da matéria provada.

Face a esta factualidade entendeu-se que o sinistro se ficou a dever inteiramente à actuação negligente do Autor, não vindo a ser imputado, quer por acção quer por omissão, aos demandados e aos Intervenientes.
Relativamente à actuação do Réu BB, concluiu-se que agiu sempre em nome da Interveniente T... Unipessoal Lda. e que foi esta sociedade que celebrou com a Ré L..., S.A. um contrato de seguro do ramo acidentes pessoais, que vigorava no do acidente e que apenas dava cobertura a sinistros ocorridos durante a realização da prova automobilística – ora, o Autor, por ter agido como julgado provado e não estando a realizar a prova, afasta a possibilidade de ver o sinistro abrangido pelas coberturas da apólice.
Relativamente à Interveniente “T... Unipessoal Lda.”, considerou-se ter sido esta que implementara e assegurava as medidas de protecção e segurança necessárias, delimitando e sinalizando o percurso onde se realizava a prova e avisando o público das medidas preventivas e cuidados a adoptar, não lhe foi assacada qualquer responsabilidade na produção do sinistro, que ocorreu apenas por culpa do Autor.
Quanto à Interveniente “M... S.A.”, entendeu-se que: não obstante ser uma das patrocinadoras do evento, entre outros patrocinadores, tal facto por si é inócuo. Não pode ser responsabilizada pela ocorrência do sinistro, quer porque aconteceu por culpa exclusiva do autor, quer porque não se provou que a máquina era de sua propriedade e sequer que o maquinista fosse funcionário da chamada e agisse por ordem e em nome da mesma.

Em resumo: a acção foi julgada improcedente por se não verificarem os pressupostos da fonte de obrigações em apreço relativamente ao Réu e Intervenientes, e por não se considerar o sinistro abrangido pela cobertura da apólice subscrita junto da Ré seguradora.

*
 
Porém em sede de recurso o Apelante pretende uma abordagem agora ao abrigo do disposto no artigo 493º do CC, disposição esta que se enquadra no regime da responsabilidade civil extracontratual, subjectiva, fora da responsabilidade objectiva ou pelo risco.

Vendo.

O artigo 493º, n.º 2 do CC estabelece:
“Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.

Judica o STJ no Ac. de 18-9-2012 proferido no p. nº 498/08.9TBSTS.P1.S, acessível no site da dgsi.net: A lei não define o que deva entender-se por actividade perigosa, limitando-se a fornecer ao intérprete uma directiva genérica para sua identificação, apenas admitindo que ela possa derivar da própria natureza da actividade ou da natureza dos meios empregues, nem sendo viável um conceito que abarque todos os casos.
Vaz Serra, apoiado pela doutrina italiana que cita, define como actividades perigosas as “que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades” cfr. BMJ, n.º 85, pág. 378, em nota.
Segundo Almeida Costa, deve tratar-se de actividade que, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, “tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral” – cfr. Direito das Obrigações, 10ª edição, pág. 587/588. O que qualifica uma actividade como perigosa será a sua especial aptidão para produzir danos, aptidão que tanto pode radicar na sua própria natureza como na natureza dos meios utilizados.
Por sua vez, Antunes Varela sublinha a ideia de que “o carácter perigoso da actividade (causadora dos danos) pode resultar, como no texto legal (art. 504º, 2), se explicita, ou da própria natureza da actividade (fabrico de explosivos, confecção de peças pirotécnicas, navegação aérea, etc.) ou da natureza dos meios utilizados (tratamento médico com ondas curtas ou com raios X, corte de papel com guilhotina mecânica, tratamento dentário com broca, transporte de combustíveis, etc.) – cfr. Direito das Obrigações, 10ª edição, pág. 616/617.
Também, como se considerou no Acórdão deste Supremo de 29/04/08, no Proc. nº 08A867, disponível no ITIJ, “A perigosidade a que alude o art. 493º, nº2, do Código Civil é uma perigosidade intrínseca da actividade exercida, quer pela sua natureza, quer pelos meios utilizados, perigosidade que deve ser aferida a priori e não em função dos resultados danosos, em caso de acidente, muito embora a magnitude destes possa evidenciar o grau de perigosidade da actividade ou risco dessa actividade”.
Parece, pois, poder inferir-se que há-de ser perante cada caso concreto, ponderando todas as circunstâncias e variáveis, que a actividade perigosa se definirá.

Uma prova de perícia automóvel todo-o-terreno para vencimento de obstáculos é uma actividade perigosa, atentos os meios mecânicos e motorizados empregues, o seu peso, a dificuldade das manobras, envolvendo a possibilidade de embates, capotamentos, quer com os intervenientes quer com o público assistente.
A actividade de uma máquina retro-escavadora quando em serviço consistente em socorrer uma viatura automóvel em encalhada num declive de terreno, tem igualmente a natureza de actividade perigosa por envolver mecanismos de amarração, tracção, transporte, etc..

A lei estabelece neste caso uma inversão do ónus da prova, a presunção de culpa por parte de quem exerce uma actividade perigosa. É este que tem de provar, para se eximir à responsabilidade, que não teve culpa na produção do facto danoso.

Esta presunção de culpa assenta sobre a ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano, daí que, quanto aos danos causados no exercício de actividades perigosas, o lesante só poderá exonerar-se da responsabilidade provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar, exigindo-se para tal a diligência do bom pai de família.

Em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 487.º do CC, em matéria de responsabilidade civil extracontratual é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, excepto se houver presunção legal de culpa. No n.º 2 daquele art. 493.º estabelece-se a presunção de culpa por parte de quem exerce uma actividade perigosa. É este que tem de provar, para se eximir à responsabilidade, que não teve culpa na produção do facto danoso.
O art. 493.º, n.º 2, ao impor ao que exerce uma actividade perigosa o dever de empregar todas as diligências exigidas pelas circunstâncias para prevenir os danos, reclama a diligência de um bom pai de família adaptada ao caso da actividade perigosa, ou seja, sendo perigosa essa actividade, um bom pai de família deve adoptar medidas ou providências especialmente adequadas a prevenir danos.

Relativamente à Interveniente T... Unipessoal Lda., em nome de quem o Réu BB agiu, ficou provado - cfr. ponto 34 dos factos – ter sido quem solicitou à edilidade, bem como às autoridades policiais, as competentes autorizações e licenciamentos para a realização do evento, os quais efectivamente lhe foram concedidos por se afigurarem reunidos os respectivos requisitos de segurança.

Não interessa saber se os regulamentos são insuficientes e omissos, nem interessa saber se não foram cumpridos na íntegra pela Interveniente.
O eventual incumprimento destes apenas se reflecte na eventual aplicação de coimas e outras sanções de que não cabe ora tratar.

Não interessa analisar estes regulamentos e as medidas necessárias tomar, num exercício mais ou menos abstracto.
O eventual incumprimento dos regulamentos e exigências a que a prova estava submetida só relevam quando impregnam a factualidade a ter em conta com vista à verificação sobre se se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar à luz das normas da responsabilidade civil extracontratual, principalmente quanto à verificação do nexo de imputação dos factos ao agente.

Foi a T... Unipessoal Lda. quem realizou o evento desportivo. Cfr. facto 54.

Provou-se que se mantiveram no local da prova e zona do público todos os requisitos de segurança adequados a provas deste género, nomeadamente, encontrando-se todo o percurso por onde circulariam os veículos em prova integralmente delimitado por fitas plásticas de cores garridas. Cfr. facto 55.

Estando devidamente definidas no local as zonas destinadas ao público.
Existindo sinalética gráfica e sonora a advertir o público das condutas preventivas e cuidados que deviam adoptar aquando do decurso da prova. Factos 56 e 57. 

Provou-se que o acidente se ficou a dever à conduta do Autor que, de forma inopinada, imprudente, e ao arrepio das instruções que constavam do regulamento da prova, que ele autor bem conhecia, e, também contrariamente aos avisos constantemente proferidos pelos altifalantes que se encontravam distribuídos pelo local da prova, no sentido de ninguém ultrapassar as fitas delimitadoras do troço onde decorria a prova, ultrapassou as referidas fitas delimitadoras do local por onde se descrevia o percurso. Facto 46.

E por isso foi colhido pelo cabo de aço do reboque que na altura a máquina retro-escavadora fazia ao veículo de matrícula ..-..-GQ.

Não exige a lei requisitos específicos para as instalações onde decorram eventos de desporto automóvel motorizado, na modalidade de provas de perícia e obstáculos 4x4 rodas motrizes, ao ar livre, abertos ao público. A delimitação de zonas destinadas ao público e aos percursos dos concorrentes, a instalação de um sistema comunicações sonoro com altifalantes; a delimitação das áreas com fitas de plástico de cores visíveis, os avisos constantes ao público para não invadir as pistas de competição, parecem ser, no contexto, atitudes suficientes e próprias de um bom pai de família, que a Interveniente T... Unipessoal Lda., e seus colaboradores, levaram a cabo, não lhes sendo exigível, face às circunstâncias, outras, ou diversas. Estas medidas de segurança e protecção mostram-se igualmente suficientes de modo a permitir que a retro-escavadora em presença na prova desempenhasse a sua função, designadamente de rebocar as viaturas concorrentes imobilizadas, por avaria, em pista.

Assim, também considerando estarmos face a actividades perigosas – do evento e do reboque de uma viatura imobilizada em prova e na pista do circuito – a  Interveniente T... Unipessoal Lda., demonstra que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar o sinistro dos autos.

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O Autor vem condenado como litigante de má fé no pagamento de multa e indemnização ao 1º Réu e Intervenientes.
Discorda o Autor, sustentando que apenas actuou dentro dos limites permitidos pelo direito de acção e de aceso aos tribunais, limitando-se a tentar provar os factos que alegou, não tendo contudo logrado fazer.

*

É preciso percorrer as linhas gerais do instituto em causa.

O instituto da litigância de má fé regulado nos arts. 542º e ss do CPC actual, correspondentes aos artigos 456º e segs. do CPC revogado, constitui uma sanção civil especial para o inadimplemento gravemente culposo ou doloso dos deveres de cooperação e de boa fé (ou probidade) processual (arts. 7º e 8º do C.P.C.).
A reforma processual operada pelos DL 329-A/95, de 12/12 e DL 180/96, de 25/09 instituiu uma acrescida e substancial responsabilização das partes pelo cumprimento dos deveres de probidade e de cooperação, alargando o âmbito da litigância de má fé às condutas da parte que, com negligência grave, tenha deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tenha alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, tenha praticado omissão grave do dever de cooperação e/ou tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A condenação de uma parte como litigante de má fé consubstancia um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual, face ao uso que possa ter feito dos mecanismos legais postos ao seu dispor, com o marcado intuito de moralizar a actividade judiciária.
A litigância de má fé tanto pode ser substancial (dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ser ignorada, alteração da verdade dos factos e/ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa) como instrumental (seja porque se pratica grave omissão do dever de cooperação, seja porque se faz do processo ou dos meios processuais uso manifestamente reprovável).
Em ambas as modalidades está sempre em causa ‘um uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais’ com uma das finalidades apontadas no nº 2 do art. 456º ( actual artigo 542º ) do C.P.C., circunscrevendo-se o âmbito de aplicação do instituto “às situações configuradoras de meras violações de deveres e ou obrigações processuais’. Tal conclusão resulta do preâmbulo do DL 29-A/95, de 12/12, ao justificar e fundar no princípio da cooperação e no dever de boa fé processual a alteração então operada por forma a incluir no instituto também os comportamentos gravemente negligentes, fazendo assentar a proibição da litigância de má fé ‘num princípio de natureza puramente processual: o princípio da cooperação que viria a ficar consignado no artigo 266º e seguintes do Código de Processo Civil ( actual artigo 7º )”, não estando em causa violações de posições de direito substantivo, mas sim e apenas ofensa a posições ou deveres processuais. (Ac. do TRP de 20-10-2009 proferido no processo com o nº convencional 43073 e consultável no website da dgsi.net)

Estamos no plano do ilícito meramente processual.
A qualificação de litigante de má fé é feita individualmente.

Vejamos.

Na sentença recorrida, a propósito escreveu-se:

Ora, sustentam os requerentes que o autor bem sabe que não tripulava, como co-piloto, o veículo ..-..-GQ que estava a ser rebocado no momento em que sofreu o acidente que refere e bem que já se não encontrava em prova nesse preciso momento e que, no momento do acidente, não se propunha regressar aquele veículo que diz que tripulava quando foi colhido pelo cabo de aço, bem sabendo também que a máquina retro-escavadora não oscilou nem descaiu por acção de tracção do guincho, antes tendo sido o autor que, no momento da tracção inerente ao reboque, se atravessou no local onde estava o cabo de aço.
E concluem que o autor deduz pretensão que sabe carecida de fundamento, alterando a verdade de uns factos e omitindo outros, apenas com o propósito de conseguir locupletar-se à custa de um alegado direito de indemnização que bem sabe não lhe assistir.
Provou-se, além dos factos já analisados relativamente ao modo como ocorreu o acidente, que:
- O autor bem sabe que não tripulava, como co-piloto, o veículo ..-..-GQ que estava a ser rebocado no momento em que sofreu o acidente.
- E bem sabe que já se não encontrava em prova nesse preciso momento.
- E que, no momento do acidente, não se propunha regressar aquele veículo que diz que tripulava quando foi colhido pelo cabo de aço.
- Bem sabendo também que a máquina retro-escavadora não oscilou nem descaiu por acção de tracção do guincho.
- Antes tendo sido o autor que, no momento da tracção inerente ao reboque, se atravessou no local onde estava o cabo de aço.
Lograram assim provar os requerentes factos que permitem concluir que o autor, dolosamente, fez uso reprovável do processo, alterando a verdade dos factos e omitindo factos relevantes para a decisão da causa.
Existe motivo para a sua condenação como litigante de má-fé, tendo o autor agido do modo descrito apenas com o propósito de conseguir locupletar-se à custa de um alegado direito de indemnização que bem sabe não lhe assistir.
Será, assim, condenado como litigante de má-fé.
De acordo com o n.º 1 do artigo 542º, do Código de Processo Civil, “Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.”.
Relativamente à multa, dispõe o artigo 27º, n. º 3, do Regulamento das Custas
Processuais, que “Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC.”.
A conduta do autor é dolosa, tendo alterando a verdade dos factos e omitindo factos relevantes para a decisão da causa apenas com o propósito de conseguir locupletar-se à custa de um alegado direito de indemnização que bem sabe não lhe assistir – de facto, se escrevesse na petição os factos tal como ocorreram, sem dúvida, a acção seria improcedente ab initio.
Não pode a multa a fixar ser irrisória, mas antes proporcional à conduta do autor, que é gravíssima.
Assim, fixa-se a multa em 15 (quinze) unidades de conta.
Relativamente à indemnização, entende-se ser adequado fixar na quantia de 1.000,00 euros a cada um dos requerentes.

Que dizer?

O Autor não se limitou a alegar consoante a fenomenologia fáctica que na vida real aconteceu de que resultou o sinistro de que foi vítima.
Ajeitou o contexto da factualidade e a lesão e suas consequências, compondo uma versão que inexistiu mas que trouxe a tribunal com o fito de obter uma indemnização que sabia, caso não fosse, o artifício, nunca conseguiria pois a ela não teria direito.
Não é portanto apenas uma questão de alegação e prova dos factos alegações, que se logrou.
O que foi alegado e se apurou em julgamento, e se reflecte na sentença recorrida, é a actuação dolosa, do Autor que, no seu propósito de conseguir uma indemnização dos demandados, alterou a seu bel-prazer a verdade dos factos e omitiu outros que sabia serem relevantes. Cfr. artigo 542º, 2, b) do CPC.

Não se trata de lide negligente ou temerária.

Os termos da condenação do Requerente como litigante de má fé mostram-se equilibrados e sensatos, no que corroboramos.

*

Improcede a apelação.

V-DECISÃO:

Pelo que fica exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante, ora Autor.
Valor da causa: € 412.662,79.

Coimbra, 13 de Dezembro de 2022.

(Rui António Correia Moura)                                

(João Moreira do Carmo)

(Fonte Ramos)