Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1675/06.2TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: MEIOS DE PROVA
PROIBIÇÃO DE PROVA
NULIDADE
LEGALIDADE
Data do Acordão: 09/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – 1ºJ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3.º N.º4 E 5.º, N.º2, AMBOS DA LEI N.º 207/2005, DE 29.11, E 126.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: A prova obtida através de aparelho de radar ainda não notificado à Comissão Nacional de Protecção de Dados à data da prática da contra-ordenação em discussão nos presentes autos é válida uma vez que o método de prova utilizado não é um método proibido de prova, nos termos previstos no art.º 126.º do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral: ACORDAM, EM AUDIÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

I.
Depois de ter procedido ao pagamento voluntário da respectiva coima, pelo mínimo, o arguido A... , identificado nos autos, foi condenado, por decisão da Delegação Distrital de Viação de Castelo Branco, por violação do disposto no artigo 27.º, n.º1 do C. da Estrada, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias.
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Inconformado, o arguido interpôs recurso de impugnação judicial para o Tribunal de Comarca, no qual sustentou, em síntese:
- a nulidade da decisão administrativa com o fundamento de que não descrevia a conduta imputada ao recorrente;
- não resulta dos autos que o radar utilizado para verificar a velocidade a que seguia o recorrente (Provida TAI A-37000, aprovado pela DGV em 18.03.2005), tenha sido objecto de adequada e oportuna notificação à Comissão Nacional de Protecção de Dados, verificando-se a ilegalidade daquele sistema de vigilância electrónica e, em consequência, não sendo legal a prova fornecida pelo mesmo, não existe prova de que este haja cometido a infracção que lhe é imputada.
Liminarmente admitido o recurso, foram notificados o recorrente e o Ministério Público para, querendo, se oporem a que se decidisse por despacho, nos termos do artigo 64.º, n.º2 do DL n.º 433/82, de 27.10.
Não tendo havido oposição foi o recurso decidido por simples despacho, que julgou improcedente o recurso.
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Recorre agora o arguido para este Tribunal da Relação.
Formula as seguintes CONCLUSÕES:
Da sentença revidenda não consta a enumeração de quaisquer factos, considerados como provados ou não provados;
Por isso que salvo o devido respeito e melhor opinião, a sentença em apreço está ferida de nulidade, o que se alega para todos os devidos e legais efeitos;
È princípio basilar de direito processual penal, subsidiariamente aplicável, que nenhuma prova pode ser aceite e valorada, sem que previamente tenha sido dada a conhecer ao sujeito processual afectado pela mesma para que a possa discutir, contestar, valorar – art 327º, n.º2 do C. de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 41.º, n.º1 do Regime Geral das Contra Ordenações e ainda ao art. 32º, n.º5 da CRP.
No caso dos autos resulta da decisão revidenda que para a prolação da mesma foram decisivos meios de prova não dados a conhecer ao recorrente (vd. fls. 43,46 e 52 dos autos)
Do que resulta, acredita-se, que ao não serem dados a conhecer ao aqui recorrente tais meios de prova (que contendem com os seus mais elementares direitos de defesa) cometeu-se nulidade (quando não inconstitucionalidade) que importa conhecer e declarara – o que se alega para todos os devidos efeitos;
Não resulta dos autos que, à data dos factos imputados ao recorrente o radar utilizado para verificar a velocidade a que seguia o impugnante (radar Provida TAI A-37000, aprovado pela DGV em 18.03.2005, tenha sido objecto de adequada e oportuna notificação á Comissão Nacional de Protecção de Dados – bem pelo contrário;
Por isso que, salvo o devido respeito e melhor opinião, verifica-se a ilegalidade daquele sistema de vigilância electrónica e, em consequência, não sendo legal a prova fornecida pelo mesmo, não existe prova de que este haja cometido a infracção que lhe é imputada – o que se anota.
A conduta presumivelmente censurável imputada ao impugnante encontra-se descrita de forma conclusiva, o que, salvo o devido respeito e melhor opinião, determina a nulidade da decisão administrativa em apreço (cf. artigo 58.º, n.º1 do Regime Geral das Contra-ordenações e artigos 374.º, n.º2 e 379.º, n.º1, al. a) do Cód. De Processo Penal, aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º1 do Regime Geral das Contra Ordenações;
A decisão recorrida viola, entre outras, as normas dos artigos 41º e 58.º, n.º1 do Regime Geral das Contra-ordenações; arts. 327º, 374.º, n.º2 e 379.º, n.º1, al. a) do Cód. De Processo Penal aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º1 do Regime Geral das Contra Ordenações; art. 6º e 13 da Lei 1/2005 de 10.01; e art. 5º do DL 207/2005 de 29.11; e 32º, n.º5 da CRP.
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Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do Tribunal recorrido, sustentando a improcedência do recurso.
No mesmo sentido se pronuncia o douto parecer.
Corridos os vistos, tendo-se procedido a julgamento na observância do formalismo legal, cumpre decidir.
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II.
1. Sintetizando as conclusões são as seguintes as questões suscitadas:
- nulidade da “sentença” por falta de indicação dos factos provados e não provados e por não indicar os meios de prova em que assenta;
- ilegalidade do meio de prova (que antes disse não ter sido identificado) e – consequente nulidade da prova – em por a utilização de radar não ter sido comunicada previamente à C.N.P.D.
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2. Da nulidade da “sentença”.
Alega o recorrente que da sentença recorrida “não consta a enumeração de quaisquer factos, considerados como provados ou não provados”.
Ora a decisão recorrida não constitui uma “sentença”, não tendo havido, designadamente, audiência discussão e julgamento com produção de prova, porque o recurso em apreciação tal não exigia.
Com efeito o recurso de impugnação foi decidido por simples despacho, depois de cumpridas, para o efeito, as formalidades legais pertinentes, nos termos previstos no artigo 64.º, n.º2 do DL n.º 433/82, de 27.10.
Por outro lado, tendo o recorrente procedido ao pagamento voluntário da coima, pelo mínimo legal, o processo prossegue – apenas - para a apreciação da “gravidade da infracção” e aplicação da sanção acessória - artigos 172.º, n.º5 e 175.º, n.º 4, ambos do C. da Estrada, na redacção do DL n.º 44/2005, de 23.02). Não podendo assim o recorrente, para determinado efeito (pagamento da coima pelo mínimo) reconhecer a prática da infracção e impugnar essa mesma prática para outro efeito.
De qualquer forma quanto à imputada falta de indicação dos factos, refere o despacho recorrido (transcreve-se):
Como é sabido, um facto define-se pelas respostas dadas às perguntas: onde? quando? como? No caso concreto da imputação da prática de contra-ordenações a um qualquer cidadão, as respostas às ditas questões hão-de ser suficientemente precisas para lhe permitir a sua defesa, em termos de lhe permitir, em última análise, impugnar a comissão do referido facto. No caso dos autos, a decisão recorrida imputa ao arguido a pratica da infracção da seguinte forma: “ No dia 2006-02.09, pelas 15:10 no local de A23 Km 104 N/S, conduzindo o veículo Automóvel Ligeiro de Mercadorias, com a matrícula 41-33-PL, praticou a seguinte infracção: circulava a velocidade de 163.º Km/hora correspondente à velocidade de 172 Km/hora deduzido o valor do erro máximo admissível, sendo a velocidade máxima permitida no local de 110Km/hora. A velocidade foi verificada através do Provida TAI – 2000 aprovado pela DGV em 18.03.1999, através de despacho n.º 001DGVICNERAD/99”.
Perante esta descrição, atenta a sua clareza, o arguido fica a saber claramente aquilo que lhe é imputado (a condução de determinado veículo, devidamente identificado, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, à velocidade descrita) é manifesta a falta de fundamento da invocada falta de descrição da matéria provada.
Por outro lado a decisão é ainda clara quanto à indicação do meio de prova utilizado e a respectiva aprovação – radar “Provida TAI – 2000 aprovado pela DGV em 18.03.1999, através de despacho n.º 001DGVICNERAD/9” (..) os aparelhos utilizados na fiscalização da velocidade estão sujeitos à aprovação da Direcção Geral de Viação (artigo 5.º, n.º 5 do C.E., na redacção do DL n.º 44/2005, de 23.02), aprovação essa que tem necessariamente que ser precedida de controlo metrológico a cargo do Instituto Português da Qualidade para a verificação da qualidade metrológica dos mesmos”.
Deixando claro, ainda, que dentro da margem de erro admissível o recorrente foi agraciado com o desconto da margem de erro máxima admissível. Bem como o critério em que assenta a falada “margem de erro admissível”, em função do controlo metrológico dos referidos radares:
(...) os aparelhos utilizados na fiscalização da velocidade estão sujeitos à aprovação da Direcção Geral de Viação (artigo 5.º, n.º 5 do C.E., na redacção do DL n.º 44/2005, de 23.02), aprovação essa que tem necessariamente que ser precedida de controlo metrológico a cargo do Instituto Português da Qualidade para a verificação da qualidade metrológica dos mesmos admitem a possibilidade de erro, estando os limites máximos desse erro, para mais ou para menos do valor efectivamente registado, estabelecidos nas Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal (…) assim, tendo em conta o erro máximo admissível para aquele tipo de equipamento de fiscalização, a velocidade real do veículo fiscalizado pode situar-se num intervalo, para mais ou para menos, em relação á velocidade registada, o que significa que, através dos aparelhos de controlo de velocidade aprovados nos termos legais e regulamentares, só é possível, com rigor, apurar que o veículo circulava a uma velocidade compreendida entre “x” e “y”, sendo “x” o valor registado menos a margem máxima de erro e “y” a velocidade registada mais a margem máxima de erro admissível. Uma vez que a referida falta de exactidão apenas pode funcionar em benefício dos infractores, a D.G.V., no uso das suas competências legais definidas na supra citada norma do Cód. da Estrada, e mediante as indicações que lhe são transmitidas pelo I.P.Q., vem dando instruções às forças policiais encarregues da fiscalização do trânsito (G.N.R. – BT e PSP) no sentido de só serem levantados autos de contra-ordenação por excesso de velocidade quando a velocidade registada, deduzida a margem máxima de erro, for superior á velocidade máxima permitida (…) Essa margem de erro está definida como sendo de 5Km/hora até á velocidade de 100 Km ( inclusivé) e de 5% acima de 100 Km/hora, e o valor encontrado, quando não for um número inteiro, deve ser arredondado para a unidade imediatamente superior. Diga-se, por fim que, estas mesmas informações são prestadas, quer pela autoridade policial quer pela própria D.G.V. a qualquer cidadão que, com o verdadeiro intuito de se inteirar dos dizeres do auto, de forma diligente, se dignar perguntar.
No caso vertente, o arguido ora recorrente, de certo por concordar com o teor da autuação (esta é a presunção do legislador), optou por proceder ao pagamento da multa em lugar de apresentar a sua defesa pondo em causa as circunstancias processuais agora visadas, só agora, em face da notificação da inibição de conduzir aplicada, resolveu pôr em causa o que previamente admitira como bom.
Seja como for, e com o respeito sempre devido por posição contrária, consideramos que não lhe assiste qualquer razão nesta parte do seu recurso e, por este fundamento, deve improceder”.
Ante a exuberância de tal motivação é também aqui patente a falta de fundamento do recurso
Aliás o recorrente não põe em causa o expendido na decisão recorrida, ignorando a referida motivação, continuando a “impugnar a decisão administrativa” (cfr. claramente a conclusão n.º8) como se mesma não tivesse sido objecto da reapreciação judicial através do despacho ora recorrido. Sendo certo que o recurso tem por finalidade a reapreciação dos fundamentos de determinada decisão, que não a prolação de uma nova decisão.
Pelo que a insistência em que a decisão não indica os factos imputados e os meios de prova correspondentes só pode ser entendida como meramente dilatória e como tal será sancionada em regra de custas.
Improcede assim a invocada nulidade.
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3. Questiona depois o recorrente a prova da infracção com base na falta da comunicação do radar à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD).
Como refere mais uma vez a decisão recorrida - exaustivamente fundamentada também quanto a este ponto, sem que o recorrente rebata de forma minimamente consistente a respectiva argumentação - o aparelho de radar (Provida TAI 2000 em questão, aprovado pela DGV em 18.03.1999, através de despacho n.º 001DGVICNERAD/99) foi notificado à CNPD, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 3.º, n.º4 e 5.º, n.º2, ambos da Lei n.º 207/2005, de 29.11, em 05.05.2006.
Ou seja, a notificação ocorreu efectivamente em data (05.05) posterior à data da prática da contra-ordenação em discussão nos presentes autos (09.02).
Importa assim definir o efeito da falta dessa falta de comunicação, à data da prática dos factos, quanto à validade da prova obtida através do mencionado radar.

A Comissão Nacional de Protecção de Dados é uma entidade administrativa independente, que tem como atribuição controlar e fiscalizar o cumprimento das disposições legais e regulamentares em matéria de protecção e dados pessoais e cujas competências, sempre relacionadas com o tratamento e a protecção de dados pessoais, se encontram elencadas no artigo 23º da Lei 67/98 de 26 de Outubro.
Cumprindo-lhe assim, em qualquer circunstância, a vigilância e protecção, exclusivamente, da utilização de “dados pessoais”.
Definindo o artigo 3º, al. a) do mesmo diploma os dados pessoais como “qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a pessoa singular identificada ou identificável titular de dados que possa ser identificada, directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social”.
As entidades responsáveis pelo tratamento de dados pessoais têm que notificar a referida Comissão antes da realização de qualquer tratamento, de acordo com o disposto no artigo 27º n.º1 daquela Lei. Sob pena de incorrerem na prática da contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 37º da mesma Lei.
Está assim em causa o tratamento de dados pessoais e não – por consequência - dados relativos à condução automóvel na via pública.
Sendo a consequência estabelecida para o não cumprimento da notificação uma sanção de natureza administrativa, que não a invalidade ou a nulidade da utilização, sem mais.

A utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum foi regulada pela Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro, que foi objecto de alterações pontuais pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho.
Alterações essas que mereceram o consenso alargado em sede parlamentar.
O Decreto-Lei n.º 207/2005 de 29.11 “visa regular o regime especial autorizado pelo artigo 13º da Lei n.º 1/2005, de 10 de Janeiro, na redacção decorrente da Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho” – cfr. art. 1º.
Sendo certo que, no processo de aprovação do mencionado DL 207/2005 foi ouvida previamente a Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Definindo, além do mais (art. 1º): a) Os procedimentos a adoptar na instalação, pelas forças de segurança, de sistemas de vigilância electrónica rodoviária; b) As formas e condições de utilização pelas forças de segurança (…); c) Os procedimentos a adoptar para o tratamento da informação recolhida e o eficaz registo de acidentes, infracções ou quaisquer ilícitos; d) As formas através das quais as forças de segurança se coordenam para a eficaz interacção com as empresas, cujos equipamentos estão legalmente autorizadas a utilizar.
Por seu turno, o art. 2.º postula:
1 - Com vista à salvaguarda da segurança das pessoas e bens na circulação rodoviária e à melhoria das condições de prevenção e repressão das infracções estradais, as forças de segurança podem recorrer:
a) A meios de vigilância electrónica próprios;
b) A sistemas de vigilância rodoviária e de localização instalados ou a instalar pela entidade competente para a gestão das estradas nacionais e pelas concessionárias rodoviárias nas respectivas vias concessionadas.
2 – (…)
Estabelecendo o artigo 3º que: a instalação dos meios de vigilância electrónica bem como a captação de imagens devem ser direccionadas, tanto quanto tecnicamente possível, para os veículos que sejam objecto da acção de prevenção ou de fiscalização; os meios de vigilância, designadamente câmaras digitais, de vídeo ou fotográficas, e sistemas de localização adquiridos pelas forças de segurança para os efeitos previstos no presente decreto-lei constam de inventário próprio e são notificados à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD)
E o art. 5º:
1 - As forças de segurança responsáveis pelo tratamento de dados e pela utilização dos meios de vigilância electrónica notificam a CNPD das câmaras fixas instaladas, com identificação do respectivo modelo, características técnicas e número de série e dos locais públicos que estas permitem observar, bem como do nome da entidade responsável pelo equipamento e pelos tratamentos de dados.
2 - São igualmente notificados os meios portáteis disponíveis, com identificação do respectivo modelo, características técnicas e número de série.

Como refere o Decreto-Lei n.º 207/2005 de 29.11 no respectivo preâmbulo, a utilização dos radares constitui um importante instrumento no quadro das políticas de prevenção e de segurança rodoviárias, bem como na detecção de infracções estradais, no sentido de inverter as estatísticas relativas ao número de acidentes nas estradas portuguesas, com índices dos mais elevados a nível europeu, ainda que com alguma tendência decrescente. Com efeito tais meios constituem um instrumento de dissuasão de comportamentos de risco, bem como de melhoramento (e de controlo) da acção das forças de segurança que têm por missão salvaguardar a segurança de pessoas e bens.
Daí a validade constitucional do seu uso depois de ponderado o potencial lesivo dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos que a sua utilização pode representar - artigo 18.º da C.R.P..

Por outro lado os registos, a gravação e o tratamento de dados pessoais têm lugar, apenas, para as finalidades, específicas determinadas na lei (cfr. art. 10º): - Detecção de infracções rodoviárias e aplicação das correspondentes normas estradais; - Controlo de tráfego, prevenção e socorro em caso de acidente; - Localização de viaturas furtadas ou procuradas pelas autoridades judiciais ou policiais para efeitos de cumprimento de normas legais, designadamente de carácter penal, bem como a detecção de matrículas falsas em circulação; -Prova em processo penal ou contra-ordenacional nas diferentes fases processuais.
Estabelecendo ainda limites à captação, gravação e tratamento (cfr. art.12º) -devem corresponder estritamente ao tipo de acção desenvolvida e à finalidade a que se destina, devendo as forças de segurança adoptar as providências necessárias à eliminação dos registos ou os dados pessoais destes constantes que se revelem excessivos ou desnecessários para a prossecução dos procedimentos penais ou contra-ordenacionais.

Dos preceitos legais reproduzidos resulta que a lei exige o inventário e notificação dos equipamentos à CNPD.
Não se encontrando qualquer previsão legal, quer nesta sede, quer no diploma que criou e regulamenta a actividade de CNPD, que fixe a consequência da ausência desta notificação como implicando a ilegalidade ou impossibilidade de “utilização” dos mesmos para efeito do controlo da velocidade dos veículos automóveis na via pública. Muito menos que comine a nulidade da prova por falta da referida notificação.
Aliás a CNPD não detém competência exclusiva da fiscalização da violação dos mencionados direitos, liberdades e garantias, essa função também cumpre, por expressa determinação legal e por maioria de razão, aos tribunais a quem compete, em última instância, fiscalizar as decisões da própria C.N.P.D. Como entidade administrativa independente que funciona junto da Assembleia da República, tem como atribuição genérica controlar e fiscalizar o processamento de dados pessoais, em rigoroso respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades e garantias consagradas na Constituição e na lei.
Acresce que o acto omitido (notificação) se esgota na simples comunicação, não exigindo “aprovação”, “homologação” ou “autorização” por parte da CNPD.
Não resultando da ausência dessa notificação, só por si, que tenha sido violada qualquer disposição imperativa de natureza material ou substantiva quer sobre a avaliação técnica e certificação do equipamento quer relativa à sua aprovação pelas entidades competentes, após certificação do IPQ.

Por outro lado, também não houve qualquer intromissão no âmbito da intimidade ou da vida privada que a proibição de prova visa garantir.
Pois, a imagem recolhida foi dirigida ao veículo, mais detalhadamente à sua matrícula. Não se identificando sequer, minimamente, a pessoa do condutor - cfr. fotografia tirada pelo radar junta a fls. 4.
O único dado obtido foi a identificação do veículo e a sua velocidade. A identificação do titular do direito de propriedade e do condutor apenas foi obtida, a posteriori, a partir do registo correspondente à matrícula da viatura e notificação do titular do registo do direito de propriedade.
O mesmo é dizer, a imagem obtida pelo radar foi utilizada dentro do estritamente necessário para a finalidade pretendida e legalmente admitida: fiscalização da circulação rodoviária para detecção, no caso, da velocidade do veículo, em espaço público, com a finalidade de acautelar o superior interesse público (também do recorrente) na segurança da circulação rodoviária.
Aliás nem o recorrente refere que tenha havido, por qualquer forma, intromissão na sua vida privada ou dos seus dados pessoais – e está em causa, apenas o modo de utilização de um equipamento de radar, em local público, o que obriga todos aqueles que utilizam esse espaço público a assumir o risco inerentes ao “convívio” os demais que tenham necessidade ou queiram utilizar a mesma estrada. Estando assim o espaço de liberdade de cada um reduzido pela “comunhão” forçada na utilização do espaço aberto ao universo de todos os cidadãos.
Sendo certo que em matéria de provas – como em todo o ordenamento jurídico em geral – vigora o princípio da ponderação dos interesses conflituantes, dando prevalência àquele que em concreto surge como preponderante, no caso, em espaço público, o interesse público na segurança da circulação rodoviária.

Não pode assim concluir-se, salvo melhor opinião, que, pela falta de comunicação (e a lei não estabelece prazo peremptório para o efeito) que, tendo o radar em causa sido homologado e aprovado após certificação pelo IPQ, foi utilizado um método proibido de prova, nos termos previstos no art.º 126.º do Código de Processo Penal. Quer por não cominada a proibição. Quer porque os interesses materialmente pressupostos pela proibição dos meios de prova (protecção da intimidade/reserva dos dados pessoais) não se inscreverem no âmbito da protecção da norma violada (mero inventário/notificação).
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4. Recorrendo á teoria das nulidades dos actos (não prejudicada pelas normas relativas às proibições d prova – art. 118º, n.º3 do CPP) também a referida omissão se não enquadra em qualquer das nulidades expressa e taxativamente previstas quer nos artigos 118.º e ss. do Código de Processo Penal quer em disposição especial extravagante disposição que comine a nulidade.
Pelo que a falta da notificação sempre cairia no âmbito das meras irregularidades - cfr. art. 118º , n.º2 do CPP.
Como tal sujeita ao regime previsto no art. 123.º do Código de Processo Penal.
Ora como refere Cavaleiro Ferreira (Lições de Processo Penal, Vol. I, p. 269) “… a apreciação do processo, em razão do seu fim, desdenha do que para esse fim foi acidental ou desnecessário, embora em si mesmo ilegal.”
A imperfeição do acto processual, por via da não observância da norma ou normas que regulam o seu processamento, pode assumir formas diversas consoante a gravidade do vício que lhe subjaz, desde a mera irregularidade até à inexistência. Encontrando-se entre estes extremos os vícios que dão lugar à nulidade, a qual, por sua vez, pode ser absoluta ou insanável ou nulidade relativa, dependente de arguição.
A exacta correspondência do acto processual aos parâmetros normativos que a lei estabelece para a sua perfeição permite a produção dos efeitos que lhe são próprios, mas a falta ou insuficiência dos requisitos, tornando o acto imperfeito, é susceptível de consequências jurídicas diversas em razão da gravidade do vício – cfr. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, 1994, III, 55).
Só a nulidade absoluta é insusceptível de sanação considerando-se sanadas as nulidades relativas quando não arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos momentos processuais expressamente previstos na lei – artigos 120º, n.º3, 121º, n.º1 e 105º, n.º1 do CPP.
Enquanto a mera irregularidade apenas determinada invalidade do acto quando for causalmente adequada a afectá-lo. O mesmo é dizer quando comprometa, materialmente, a sua subsistência.
Com efeito postula o art. 123º, n.º1 do CPP que “qualquer irregularidade só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar (…)”.
O mesmo sucedendo em processo civil – art. 201º, n.º1 do CPC: “(...) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Só determinam a nulidade daquilo que puderem afectar, materialmente, dentro de uma fundamentação que leve a concluir pela sua relevância, em concreto, dentro do objecto do processo e da finalidade que o acto preterido visa alcançar.
O que não sucede, no caso, uma vez que apenas foi preterida a mera comunicação a uma entidade administrativa e não qualquer formalidade que a afecte os requisitos de aprovação/homologação do instrumento em causa.
Sendo certo que a omissão da notificação em causa, como mera irregularidade, ficou sanada, muito antes do julgamento, com a efectivação dessa mesma notificação realizada em 05.05.2006, como acima se fez referência.

Impondo-se assim, também nesta perspectiva, a improcedência do recurso.

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Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça, nos termos dos artigos 513º, n.º1 do CPP e 82º, n.º1 e 87º, n.º1, al. b) do CCJ, em 9 (nove) UC.