Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | SERRA LEITÃO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO ACIDENTE IN ITINERE PRÉDIO | ||
Data do Acordão: | 07/05/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 2º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 6º, NºS 1 E 2, AL. A), DA LAT E 6º, Nº 2, AL. A), DO DL Nº 143/99, DE 30/04 | ||
Sumário: | I – O artº 6º, nº 1, da LAT define “acidente de trabalho” como aquele que se verifique no local e tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. II – No nº 2, al. a), desse preceito, estende-se este conceito aos casos em que o acidente ocorra no trajecto de ida e regresso para e do local de trabalho, tendo o legislador remetido para ulterior regulamentação os termos em que tais acidentes seriam considerados como de trabalho – artº 6º, nº 2, do D.L. nº 143/99, de 30/04. III – Por força deste normativo considera-se percurso para o local de trabalho, no caso de condomínio ou de arrendamento em prédios múltiplos, desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública até às instalações que constituem o seu local de trabalho – al. a) do dito nº 2. IV – Ocorrendo um desequilíbrio e queda do trabalhador, de que resultaram danos pessoais no mesmo, quando se dirigia para o local de trabalho, no patamar de acesso a um prédio de condomínio ou de arrendamento em prédio múltiplo, o que constitui propriedade privada, não pode tal queda integrar o conceito de acidente de trabalho. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Social do T. Relação de Coimbra A... , depois de decorrida a fase conciliatória, veio instaurar acção especial e, demandando a Companhia de Seguros B... , pediu a condenação desta na reparação do acidente de trabalho que diz ter sofrido, concretamente com o pagamento de transportes, indemnizações por incapacidade temporária, despesas e capital de remição. A autora, fundamentando as suas pretensões, alegou uma relação laboral subordinada, a existência de seguro, transferindo a responsabilidade infortunística. Referiu que, quando se dirigia ao local de trabalho, sofreu um queda que lhe causou lesões e careceu de tratamento. Esteve de baixa médica e foi-lhe atribuída uma incapacidade permanente, tendo-se visto obrigada a fazer despesas de transporte e de tratamentos que igualmente pretende ressarcidas. A ré seguradora conforme fls. 131 e segs. dos autos, contestou. Excepcionou a caducidade do direito da autora e, em sede de impugnação, considerou que o sucedido á autora não pode qualificar-se como acidente de trabalho, porquanto a queda ocorreu nas escadas da sua residência e não na via pública. O Instituto de Segurança Social veio peticionar o pagamento do montante pago à autora a título de subsídio de doença (1.063,33€), atenta a causa do pagamento ser caracterizável como acidente de trabalho e em razão da transferência de responsabilidade operada pela entidade patronal. Respondendo, a seguradora remeteu para a defesa apresentada na contestação: falta de caracterização do invocado acidente como acidente de trabalho. O processo foi saneado, logo aí se decidindo pela improcedência da excepção da caducidade. Prosseguindo os autos seus termos veio a final a ser proferida decisão, que julgando a acção improcedente, absolveu a Ré do pedido Inconformada apelou a A, alegando e concluindo: 1-Atentos os factos e circunstâncias do acidente está demonstrado ter o mesmo ocorrido na via pública. Com efeito, 2- O acidente é consequência do desequilíbrio da A, quando descia o patamar para a Rua do Zambujeiro 3- O limite material da propriedade da A +e justamente o patamar e imediatamente a seguir, é a via pública 4- Não há, nem foram alegados pela Ré, ou provados factos da existência de riscos acrescidos na residência da A 5- O desequilíbrio da A, não adveio do risco da propriedade ou residência da mesma; mas sim da sua mobilidade no trajecto da sua residência para o local de trabalho 6- O mesmo foi imprevisto, involuntário, teve consequências no corpo e na saúde da A e redução na sua capacidade de trabalho 7- O acidente dos autos caracteriza-se como acidente de trabalho 8). Por erro de interpretação e /ou aplicação, não se mostram observados os princípios gerais atinentes e por isso foi violado o disposto nos artºs 6º nº 2 da L. 100/97 de 13/9; 6º nº 2 a) do D.L. 143/99 de 30/9 e artº 1º do Cap. I c) da Apólice Uniforme do Seg. de Acidentes de Trabalho. Contra alegou a recorrida, defendendo a justeza da sentença em crise. Por seu turno o Instituto de Segurança Social I.P. veio, conforme fls. 276, aderir à impugnação interposta pela A. Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir Dos Factos Foi a seguinte a factualidade dada como assente na 1ª instância 1 – A autora, nascida em 9.01.1976, era trabalhadora subordinada da sociedade C... , em 20 de Junho de 2002. 2 – Onde foi admitida em 15.05.2000, passando a prestar a sua actividade sob a orientação e fiscalização daquela e auferindo a retribuição anual de 6.861,98€. 3 – A entidade patronal tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para a seguradora ré, por contrato titulado pela apólice n.º 2180949, abrangendo a totalidade da retribuição anual. 4 – Na fase conciliatória do processo foi atribuída à autora a IPP de 3% (0.03), quando submetida a exame médico. 5 – A autora aceitou o resultado do exame médico. A seguradora, embora contestando a acção, não requereu a realização de Junta Médica. 6 – No mesmo exame considerou-se a autora portadora de ITA desde a data do acidente até à da alta, dada pela médica de família (13.10.2002). 7 – A seguradora, na tentativa de conciliação realizada na fase inicial do processo, invocou a prescrição e caducidade e declarou que o local onde o sinistro ocorreu não se enquadra nas garantias da apólice, declinando, por isso, a sua responsabilidade. 8 – A autora não recebeu qualquer quantia, além do mais, a título de indemnização pelas incapacidades temporárias sofridas. 9 – A autora está inscrita na segurança Social com o n.º 111 136 381 82. 10 - requereu ao I. Segurança Social – aqui reclamante – o subsídio de doença, tendo-lhe sido paga a quantia de 1.063,33€, respeitante ao período de 23.06.2002 a 13.10.2002. 11 – No dia 20.06.2002, pelas 7H40, a autora escorregou. 12 – Desequilibrou-se e caiu ao solo. 13 – Ao iniciar a deslocação da sua residência (Rua do Zambujeiro, n.º 2) com destino ao local de trabalho. 14 – Como todos os dias fazia. 15 – Ao descer o patamar que deita para a via pública. 16 – A autora desequilibrou-se ao descer o patamar – conforme factos anteriores – mas caiu ao solo já na Rua do Zambujeiro. 17 – Ao cair, a autora embateu no solo com o braço direito e sentiu dores na zona do cotovelo desse braço. 18 – A autora fez despesas médicas e de medicamentos no montante de 402,11€. 19 – Ai se incluindo despesas com taxas moderadoras do Hospital, radiografias, despesas na Policlínica do Louriçal e com automóveis de aluguer. 20 – Gastou a quantia de 20,00€ em transportes ao tribunal. 21 – O desequilíbrio da autora ocorreu no patamar do acesso à Rua do Zambujeiro, vindo a autora a cair ao solo já nesta Rua, visível na fotografia de fls. 95 – para a qual se remete. 22 – O subsídio pago pela Segurança Social – e referido em 10. – refere-se a doença que teve como causa o evento (acidente) em apreciação nestes autos. Do Direito Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-. Pelo que, no caso em apreço, cabe apenas resolver se o acidente em causa, ocorreu no percurso da A da sua residência, para o seu local de trabalho. Como se sabe o artº 6º nº1 da LAT, define acidente de trabalho como aquele que se verifique no local e tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. Mas logo o nº 2 a) do citado normativo estende este conceito aos casos em que o acidente ocorra no trajecto de ida e regresso para e do local do trabalho, tendo o legislador remetido para ulterior regulamentação, os termos em que tais acidentes seriam considerados como de trabalho. E na verdade tal veio a suceder, com a entrada em vigor do D.L. 143/99 de 30/4, que no nº 2 do seu artº 6 plasmou o seguinte:” Na alínea a) do nº 2 do artº 6º da lei, estão compreendidos os acidentes que se verifiquem no trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador entre a sua residência habitual ou ocasional, desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, até às instalações que constituem o seu local de trabalho”. Temos assim que por força deste normativo, considera-se já percurso para o local de trabalho, no caso de condomínio ou de arrendamento em prédios múltiplos, a porta de acesso às áreas comuns (escadas, corredores etc.). Contudo, no caso de prédio isolado, esse percurso apenas se inicia na porta que dá acesso á via pública, seja qual for o local onde ela se encontra - neste sentido cfr. Carlos Alegres, in Acidentes de Trabalho e Doenças profissionais, 2ª ed. 2001, Reimpressão, págs. 183/184-. Tudo o que está aquém de tal acesso é privado e consequentemente, o acidente ali ocorrido não pode ser considerado como de trabalho Ora exactamente no caso dos autos não se questiona que a A, quando se desequilibrou e caiu, ia pelo local por onde por norma passava para se dirigir para o seu local de trabalho; também é indiscutível que para ali se dirigia. Igualmente, dúvidas não restam que não se está perante um prédio de condomínio ou de arrendamento em prédio múltiplo. O que vale dizer que portanto o trajecto para o local de trabalho se inicia, na porta de acesso á via pública. É certo que resulta dos autos (fotografia de fls. 95), o imóvel em causa, não possuía tal porta, mas sim uma abertura que “ deitava” directamente para a via pública. Mas em nosso modesto entender tal pormenor é irrelevante. Na realidade tudo o que está para aquém dessa abertura constitui propriedade privada, independentemente de se tratar de uma porta ou de uma abertura em vez dela. Por isso, cremos ser indubitável que o patamar onde a A se desequilibrou, porque situado aquém da tal abertura, ou se se quiser da via pública, é propriedade privada e portanto, se o desequilíbrio e consequente queda, se ali tivessem ocorrido, não podiam nunca integrar o conceito de acidente de trabalho. O problema está (e é esta a discordância que a A revela relativamente á sentença em crise) em que embora o dito desequilíbrio tivesse sucedido no patamar a A veio a cair já no solo, na via pública. E portanto daí conclui a A o acidente correu na via pública, sendo assim um acidente de trabalho porque sucedido já no trajecto da apelante da sua residência para o local de trabalho. Salvo o devido respeito, não concordamos com tal asserção. É evidente que as lesões que a A sofreu não foram causadas pelo desequilíbrio, mas sim pela queda no solo. Mas como - a nosso ver bem - se nota na decisão sob censura, o dano (sem o qual não existe acidente) é dogmaticamente autonomizável, tanto que o C. Trabalho já o separa da definição do acidente. Por outro lado, a queda, necessariamente subsequente ao desequilíbrio, ocorre como inevitável consequência deste. O evento naturalístico que provoca o acidente, não é a queda, é o desequilíbrio. A A somente caiu porque antes, tendo escorregado se desequilibrou. Mas tudo isto se passou no dito patamar, não na via pública. E assim sendo - em nosso modesto entendimento e salvo o devido respeito por opinião diversa e quiçá mais esclarecida – por força do disposto no citado artº 6º nº 2 a) do D.L. 143/99, não pode o sinistro que a A sofreu, ser considerado como de trabalho, pois que sucede antes da abertura de acesso á via pública, logo na parte própria da A. Cremos ser esta a interpretação que melhor se compagina com o texto legal e tendo também em atenção que o acidente “ in itinere” é já uma extensão do conceito inicial de acidente de trabalho, que implicava que o mesmo sucedesse no local e tempo de trabalho. De outra forma chegaríamos a conclusões que não têm qualquer lógica em ser enquadradas no conceito de acidente de trabalho. Vejamos este exemplo. Um trabalhador, residente num condomínio, tem a porta da sua casa aberta; esta “ deita “ directamente para uma parte comum (um corredor por hipótese) Suponhamos que esse mesmo trabalhador, ao dirigir-se para a porta para ir laborar tropeça num corredor de sua casa, num qualquer objecto e vai em virtude disso em desequilíbrio, alguns metros dentro da sua residência, até que cai já na parte comum e aí se magoa. Pode considerar-se este acidente, como sendo de trabalho? Salvo o devido respeito, cremos que a resposta não pode deixar de ser negativa. E isto pese embora o facto por nós não desconhecido de que o legislador ao longo dos tempos ter vindo a alargar o conceito de “ acidente in itinere”, de modo a incluir nele situações que anteriormente, ali se não integravam. Basta ter em conta p. exemplo, que o regime legal anterior, exigia a verificação de certos requisitos para que o percurso fosse protegido exigências essas que hoje pura e simplesmente desapareceram do texto legal. Assim e de acordo com a Base V 2 b), o acidente “ in itinere” apenas era considerado como de trabalho, se o acidentado se fizesse transportar em meio de transporte fornecido pela entidade patronal ou quando o acidente fosse consequência de particular perigo do percurso normal ou de outras circunstâncias que agravassem o risco do mesmo percurso. Nada disto se impõe hodiernamente, como se sabe. Seja como for porém – e mesmo atendendo á tal evolução legislativa - cremos que no caso concreto e pelos motivos expostos seria ir longe de mais, se se entendesse que o sinistro sofrido pela A, era um acidente deste tipo, porque ocorrido no percurso da sua residência para o local de trabalho. Repete-se: o facto que desencadeou todo o processo que culminou na produção de lesões no corpo da A aconteceu na sua residência. Logo e por isso, está afastada por força do disposto no artº 6ºnº 2 a) do D.L. 143/99, a possibilidade de integração deste caso, no conceito de acidente “ in itinere”. Assim sendo e por tudo o que se expendeu (e sem olvidar o melindre que a questão coloca), confirmando-se a sentença recorrida, se julga improcedente a apelação. Sem custas por quer a A, quer o ISS delas estarem isentos, atendendo a que o processo se iniciou em 7/4/03 (artº 2º nº 1 a) e l) do CCJ). |