Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3927/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: PRAZO PARA A PRÁTICA DE DILIGÊNCIA PROCESSUAL
PAGAMENTO DE MULTA
LEGITIMIDADE
HABILITAÇÃO PROCESSUAL - FORMAS
Data do Acordão: 02/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 145º, NºS 3, 5 E 6, DO CPC .
Sumário: I – Tendo o réu apresentado o seu requerimento de prova nos três primeiros dias seguintes ao do prazo previsto no artº 512º, nº 1, do CPC, para a sua consideração processual importa que, até ao termo do 1º dia útil posterior ao da prática do acto, proceda o requerente ao pagamento de uma multa, nos termos do artº 145º, nº 5, do CPC.
II – Caso assim não proceda, o artº 145º, nº 6, do CPC, prevê a notificação do requerente faltoso para efectuar o pagamento de montante igual ao dobro da taxa de justiça inicial .

III – Muito embora a redacção desse nº 6 do artº 145º do CPC, na redacção do D.L. nº 324/2003, de 27/12, não contenha qualquer preclusão de natureza processual para o caso de não ter lugar esse dito pagamento, ao contrário do que sucedia na sua anterior redacção (proveniente dos DL nº 329-A//95, de 12/12, e 180/96, de 25/9), deve entender-se que se mantém a dita preclusão, de acordo com os princípios gerais, uma vez que tal multa é condição de validade da prática do acto, implicando o seu não pagamento a extinção do direito, nos termos do artº 145º, nº 3, do CPC .

IV – A legitimidade deve ser aferida e determinada pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da acção possa derivar para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, considerando o pedido e a causa de pedir, assumem na relação jurídica controvertida, tal como a apresenta o autor .

V – Em processo civil a prova da aquisição por sucessão ou transmissão da titularidade de um direito ou complexo de direitos e obrigações, faz-se através da habilitação, que pode assumir três formas distintas : habilitação legitimidade; habilitação acção ou principal; e habilitação incidental .

VI – Demandados directamente os réus na qualidade de herdeiros e, por conseguinte, de sucessores, tem o autor de alegar factos sobre a habilitação legitimidade, isto é, não só o óbito do falecido, anterior titular do direito, e a filiação dos réus, mas também que aceitaram a herança .

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO

1.1. - Os Autores - A... e mulher B... – intentaram, na Comarca de Aveiro, acção declarativa, com processo ordinário, contra os herdeiros de C... - (1) D..., (2) E..., (3) F... e (4) G....
Alegaram, em resumo:
Por contrato de promessa de 15 de Janeiro de 1998, a mãe dos Réus, C... ( posteriormente falecida em 15 de Outubro de 2001 ) prometeu vender aos Autores e estes prometeram comprar um prédio urbano, sito na Rua 13 de Maio, lote 10, Quinta da Bela Vista, Aveiro, pelo preço de 12.500.000$00.
Recebeu de sinal a quantia de 2.000.000$00, tendo já pago o restante.
Convencionaram que o prazo para a celebração da escritura definitiva era de 90 dias após o contrato promessa, cuja marcação incumbia à promitente vendedora.
Nem naquele prazo, nem posteriormente, os Réus procederam à marcação da escritura, estando assim em mora, a legitimar a execução específica ( art.830 do CC).
Pediram que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos Réus.
Contestaram apenas os Réus F... e E..., defendendo-se, em síntese:
O contrato promessa é nulo porque outorgado por uma pessoa sem procuração da promitente vendedora e sem ter havido ratificação da gestão, pelo que houve venda de coisa alheia, portanto venda nula
A promitente vendedora não recebeu os pagamentos alegados pelos Autores.
Concluíram pela procedência da excepção de nulidade e pela improcedência do pedido.
Replicaram os Autores dizendo que a Ré D... outorgou o contrato promessa com poderes representativos da sua mãe, promitente vendedora, e por se tratar de um contrato promessa, não havia que fazer referência à procuração.

1.2. - No saneador julgou-se improcedente a excepção da nulidade do contrato-promessa, afirmando-se a validade e regularidade da instância.

1.3. - Em 28 de Abril de 2004, os Réus, notificados nos termos do art.512 do CPC, através de carta expedida em 5/4/04 ( fls.134), apresentaram requerimento indicando os meios de prova ( depoimento de parte e rol de testemunhas) e requerendo a gravação da audiência ( cf. fls.154 e 155 ).
Por despacho de fls.164, ordenou-se a notificação dos Réus para no prazo de 5 dias, comprovarem ter remetido pelo correio, sob registo, o rol em data anterior a 28 de Abril de 2004. Se tal não tiver acontecido cumpra-se o art.145 nº6 do CPC.
Os Réus vieram dizer ( fls.166 ) que o requerimento probatório foi entregue em mão, no último dia do prazo, sendo tempestivo.
Por despacho de fls.173 ( 22/6/2004 ) considerou-se que o prazo expirou em 27 de Abril de 2004, tendo o requerimento entrado no primeiro dia útil, sem pagamento da respectiva multa, pelo que se indeferiu o requerimento probatório, com custas pelo incidente, ordenando-se o cumprimento do art.145 nº6 do CPC.
Notificados para o efeito, os Réus não pagaram a multa ( fls.175 e 176 ).

1.4. – Inconformados deste despacho, recorreram de agravo os Réus – admitido com subida diferida e efeito devolutivo – concluindo, em síntese:
1º) - O despacho recorrido violou as disposições dos arts.254 nº2 do CPC e alínea e) do art.279 do CC, por entender que o primeiro dia útil é aquele em que há distribuição do correio.
2º) – Não assiste razão, pois o dia útil para efeitos da lei processual e contagem de prazos dos actos processuais é aquele em que os tribunais estão a funcionar normalmente, podendo não coincidir com a distribuição postal.
3º) – Os recorrentes foram notificados da base instrutória em 5/4/2004, já expedida em período de férias judiciais que vinha a terminar em 13/4/2004.
4º) – Sendo a notificação efectuada em férias e dado que o acto a que se destina vai ser praticado em juízo, a mesma tem-se por efectuada no primeiro dia útil seguinte após o decurso daquelas, ou seja, em 13/4/2004.
5º) – Daí que o prazo de 15 dias para oferecer o requerimento probatório apenas expirou em 28/4/2004, ou seja, na data em que o mesmo foi apresentado, não estando a sua prática sujeita à cominação do nº6 do art.145 do CPC.
6º) – A questão suscitada pelos recorrentes a fls.170 e 171 não consubstancia qualquer incidente, visto que a apresentação foi tempestiva.
7º) – O despacho é nulo por carecer de absoluta fundamentação, também no que se refere à condenação em custas, violando os arts.16 CCJ e 158, 659, 666 nº3 e 668 nº1 b) do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações.

1.5. - Seguiu-se audiência de julgamento e proferida sentença ( 1/6/2005 ) a julgar a acção procedente, produzindo a sentença os efeitos da declaração faltosa de venda.

1.6. - Os Réus recorreram de apelação, rematando com as seguintes conclusões:
1º) – Muito embora dos recorrentes não tenham alegado na contestação a sua ilegitimidade passiva, o tribunal deve dela conhecer oficiosamente, implicando a absolvição da instância ( art.660 do CPC ).
2º) – Resulta claro que a herança aberta por óbito de C... não foi aceita pelos seus herdeiros legitimários, seus filhos, pelo que permanece em estado jacente ( art.2046 do CC ).
3º) – Tendo a presente acção como objecto um bem que faz parte da aludida herança, não pode ser proposta contra os seus filhos, antes contra a herança jacente, por ser esta quem tem personalidade judiciária ( art.6 a) do CPC ).
4º) – Falta um pressuposto processual, excepção dilatória, que conduz à absolvição da instância, de conhecimento oficioso e não tendo sido arguida em momento anterior, deveria o tribunal dela tomar conhecimento, nos termos do art.660 do CPC.
5º) – Foram demandados os herdeiros, os quais, com excepção do Adelino, são casados em regime de comunhão de bens, conforme resulta de documento que em audiência se ajuizou.
6º) – Tratando-se de um imóvel, a acção deveria ser demandada também contra os cônjuges, pois pese embora seja bem próprio para ser alienado ou onerado carece do consentimento do outro ( arts.28-A do CPC e arts.1722 e 1682-A do CC ), tratando-se de um litisconsórcio necessário passivo.
7º) – A sentença violou as normas dos arts.1682-A, 1722, 2046 do CC e arts.6, 28-A, 288, 495 e 660 do CPC.
Contra-alegaram os Autores preconizando a improcedência do recurso, visto que não tendo sido deduzidas oportunamente as excepções, a sua invocação é extemporânea.
II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. - Recurso de AGRAVO:
No agravo colocam-se as questões da tempestividade da apresentação do requerimento a indicar os meios de prova, da nulidade do despacho por falta de fundamentação e a condenação nas custas do incidente.
Nos termos do art.254 n°3 do CPC, a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
Uma vez que a data do registo de notificação é de 5/4/2004, o terceiro dia posterior foi em 8 de Abril ( quinta-feira ).
Mas porque a notificação foi efectuada em férias, entendem os agravantes haver lugar à suspensão do prazo, transferindo-se, assim, para o dia 13/4/2004, e sendo o prazo legal para apresentar o requerimento probatório de 15 dias apenas expirou em 28/4/2004.
Só que o prazo dos três dias úteis não assume natureza de prazo judicial, mas apenas uma presumida demora dos correios, e daí não estar a coberto do art.144 do CPC.
Por outro lado, a regra do art.279 e) do Código Civil, que manda equiparar os domingos e feriados às férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo, não é aplicável a presunção estabelecida no art.254 n°3 do CPC, pois o recebimento da notificação postal é acto que se realiza no respectivo escritório e não em juízo, além de que as notificações se praticam durante as férias judiciais, como determina o art.143 n°2 do CPC ( cf., por ex., Ac STJ de 23/1/2003 e Ac RL de 19/3/2003, in www dgsi.pt ).
As férias judiciais decorrem do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa ( art.12 da Lei 3/99 de 13/1 ), ou seja, desde 4 a 12 de Abril.
Suspendendo-se em férias o prazo legal ( 15 dias ), segue-se que o último dia foi em 27/4/2004.
Tendo os Réus apresentado o requerimento em 28/4/2004, é manifesto que o acto só poderia ser validado com pagamento da multa ( art.145 n°6 do CPC ), o que não fizeram.
Resta saber se tal omissão implica a preclusão do direito de praticar o acto.
O art.145 nº6 do CPC ( na redacção do DL nº180/96 de 25/9 ) previa a notificação para pagamento da multa com a expressa cominação de “ de sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o acto “.
Entendia-se, por isso, não ser suficiente a mera notificação para pagar a multa, devendo dela também constar a respectiva cominação legal ( cf., por ex., Ac do STJ de 26/2/92, BMJ 414, pág.421).
Muito embora este segmento normativo tenha sido posteriormente suprimido na redacção dada pelo DL nº324/2003 de 27/12, sem que conste do preâmbulo a respectiva justificação, o certo é que, de acordo com os princípios gerais, se mantém a preclusão.
Com efeito, sendo a multa condição de validade da prática do acto, o não pagamento implica a extinção do direito, visto que o prazo de 15 dias para apresentar os meios de prova ( art.512 do CPC ), é de natureza peremptório ( art.145 nº3 CPC ).
Por outro lado, carece de manifesta consistência a imputada nulidade por falta de fundamentação ( art.668 nº1 b) ex vi art.666 nº3 do CPC ).
A exigência de fundamentação das decisões judiciais é imposta pelo art.205 nº1 da CRP e decorre ainda do direito a um processo equitativo, consagrado no art.6º § 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, estando este dever expressamente previsto no art.158 do CPC, embora particularmente especificado em relação à sentença, no artigo 659, o que se compreende pelo especial relevo desse acto judicial, mas também para os despachos.
Conforme orientação jurisprudencial e doutrinária, só releva, para o efeito, a falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito, e já não a fundamentação deficiente, medíocre ou errada, que apenas afecta o valor doutrinal da sentença ou despacho ( cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anot., V, pág. 140, e Antunes Varela, RLJ ano 121, pág. 311; Ac do STJ de 22/1/04, de 16/12, in www dgsi.pt/jstj .
Verifica-se, sem grande esforço, que o despacho contém suficiente fundamentação, tanto de facto, como de direito.
Relativamente à condenação nas custas do incidente, fixando-se a taxa de justiça em 1 Uc, ela decorre do art.16 nº1 do CCJ, visto tratar-se de incidente tributável, e ainda que não conste a indicação precisa da norma, a responsabilidade está prevista no art.446 nº1 do CPC.
Improcede o agravo.


2.2. - O Recurso de APELAÇÃO:

2.2.1. – Os factos provados descritos na sentença:
1. No dia 15 de Outubro de 2001, faleceu, com 72 anos, C..., no estado de viúva de H..., deixando, como únicos herdeiros, os ora Réus, seus filhos, D..., E..., F... e G....
2. Por procuração outorgada, a 14 de Novembro de 1997, na Secretaria Notarial de Aveiro, C... constituiu sua bastante procuradora D... "a quem confere os mais amplos poderes para comprar e vender e prometer vender, pelos meios e condições que entender convenientes, quaisquer bens imóveis, receber preços, assinar contratos e outorgar as respectivas escrituras; dar quitação, assinando os respectivos recibos, formular cláusulas e condições, receber as importâncias devidas, rescindir ou anular contratos, proceder a quaisquer actos no Registo Predial, fazer registos provisórios ou definitivos, seus averbamentos e cancelamentos" - fls. 65/66.
3. No dia 15 de Janeiro de 1998, C... ( 1.ª outorgante), representada por D..., como promitente vendedora, e A... e mulher B... (2° Outorgante), como promitentes compradores, outorgaram o "Contrato Promessa de Compra e Venda" de fls. 7-10, nos termos e com as cláusulas seguintes (ao que agora interessa):
1.ª - a 1.ª outorgante, declarando-se sua dona e legítima proprietária, prometeu vender ao 2° Outorgante, que a declarou comprar, por 12.500.000$00, uma casa sita na Quinta da Bela Vista, Lote 10, Aveiro, composto por 2 quartos, sala comum, cozinha, quarto de banho, ao nível de r/c; quarto e sala ao nível do 1 ° andar; garagem e anexos do tardoz da habitação; a qual se encontra num lote de 915 m2 e está inscrita na matriz sob os nº 03810 e 04013;
2.ª- como sinal e princípio de pagamento, o 2° Outorgante entregou, na mesma data, à 1.ª outorgante, que deles deu quitação, 2.000.000$00;
3.ª- a restante parte do preço deveria ser paga quando o 2° outorgante obtivesse financiamento bancário;
4. ª- a celebração da escritura seria realizada 90 dias após a celebração do contrato-promessa, devendo, para este efeito, a I.ª a outorgante fornecer toda a documentação necessária, "avisando o 2.° outorgante, por carta registada com A/R, até 8 dias antes da data da escritura;
5.ª- a habitação deveria ser entregue livre de quaisquer ónus ou encargos ou responsabilidades;
6.ª- ambas as partes se reservaram e salvaguardaram o direito de requerer a execução específica do contrato-promessa nos termos do art. 830° do Código Civil;
7.ª- a 1.ª outorgante autoriza, livre de qualquer ónus ou encargos, o 2° outorgante, se este o solicitar, a habitar o referido prédio mesmo antes da celebração da escritura.
4. D... requereu, a 16 de Janeiro de 2002, inventário judicial por óbito de C... - fls. 83/84.
5. Na relação de bens que apresentou, incluiu, como verba única, o seguinte imóvel: prédio urbano, composto de moradia de r/c e anexos, aplicado a habitação unifamiliar, com 125 m2 de área coberta e 790 m2 de área descoberta, sito na Quinta da Bela Vista, local designado por Cabo Luís, limite da freguesia de Esgueira, concelho de A veiro, a confrontar, do norte, com José Soares da Costa, do sul, com Armando José Andias, do nascente, com vala hidráulica e, do poente, com arruamento, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob os n.º 05648 e 05649, e inscrito na matriz urbana da freguesia de Esgueira sob o artigo n° 4 176 (antes sob os artigos nOs 2 080 e 2 229 da mesma freguesia) - fls. 86.
6. Este inventário corre termos pelo 2° Juízo da comarca de Ílhavo e está suspenso até à decisão final desta presente acção - fls. 88.
7. Por escritura de 31 de Maio de 1999, lavrada no Cartório Notarial de Ílhavo, D... e marido Manuel Carlos Correia de Jesus declararam comprar a João Carlos Pereira de Jesus e mulher Sónia Daniela Vieira Gonçalves de Jesus, por 9.500.000$00, a fracção "E" , destinada a habitação, apartamento T3 correspondente ao 2°andar direito do prédio urbano sito na Rua de S. Francisco Xavier, na Gafanha da Nazaré - fIs. 90/93 ;
8. Pela mesma escritura, os compradores declararam-se devedores, ao Banco de Investimento Imobiliário, SA, da importância de 9.500.000$00, que do Banco receberam, a título de empréstimo, para a compra da fracção, e hipotecaram esta ao Banco - fls. 90/101.
9. D..., na qualidade de procuradora de C..., subscreveu o documento de fls. 6, datado de 10 de Agosto de 2001, no qual "declara, para os devidos efeitos, que o preço da aquisição do imóvel sito na Rua 13 de Maio, Lote 10, Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n° 05648 e inscrito na matriz urbana da freguesia de Esgueira sob o artigo 2 080, pelos promitentes compradores A... e esposa B..., se encontra integralmente pago à sua mãe e representada, no valor global de 12.500.000$00. Não tendo a representada da declarante nada mais a reclamar dos promitentes - compradores".
10. O total do preço do imóvel prometido vender foi pago pelos Autores à C..., mediante a entrega, a solicitação desta, ao longo dos anos, de várias parcelas de dinheiro.
11. A marcação da escritura ficou a cargo da promitente vendedora.
12. Esta nunca procedeu à marcação da escritura.

2.2.2. – O Direito:
A questão essencial colocada no recurso de apelação contende com o pressuposto processual da (i)legitimidade passiva dos Réus.
A pretensão recursiva, consubstanciada na excepção dilatória da ilegitimidade passiva, baseia-se em dois fundamentos:
a) - Tendo a acção por objecto um bem pertencente à herança, aberta por óbito de C..., mas como não foi aceita pelos herdeiros, seus filhos, só poderia ser proposta contra a herança jacente, que tem personalidade judiciária ( art.6º do CPC ) e não contra os herdeiros;
b) - – Por outro lado, e subsidiariamente, foram demandados os herdeiros, os quais, com excepção do Adelino, são casados em regime de comunhão de bens, pelo que deveriam ser demandados também os respectivos cônjuges, pois pese embora seja bem próprio para ser alienado ou onerado carece do consentimento do outro ( arts.28-A do CPC e arts.1722 e 1682-A do CC ), tratando-se de um litisconsórcio necessário passivo.
É conhecida a controvérsia sobre as duas posições doutrinárias acerca do pressuposto processual da legitimidade das partes (art.26 CPC ).
Para uns, a legitimidade é aferida pela pretensa relação material controvertida, tal como a configura o autor (tese de Barbosa de Magalhães ).
Para outros, ela é definida pela relação jurídica submetida à apreciação do tribunal, sendo legítima a parte que efectivamente for titular dessa relação jurídica (tese de Alberto dos Reis ).
Não se descortina no nº3 do art.26 CPC, aditado pela Reforma de 1961, o objectivo de dirimir a polémica, sendo sintomático que esse escopo o negue o Cons. Lopes Cardoso, responsável pela revisão então operada (Código de Processo Civil anotado, 3ªed., pág.60), contrariamente à posição sustentada por Antunes Varela (RLJ ano 114, pág.138), que descobre no nº3 do art.26 a "confirmação inequívoca da tese de Alberto dos Reis".
Embora a jurisprudência se encontrasse dividida, prevalecia a que se inclinava pela tese de Barbosa de Magalhães, sufragada por Castro Mendes (Direito Processual Civil, vol.I, pág.487) e Miguel Teixeira de Sousa ( Estudo sobre a legitimidade singular em Processo Declarativo, BMJ 292, pág.52 e segs.).
Entre outras vantagens, permite extremar com mais clareza o que pertence à relação processual e o que do foro da relação substantiva, pelo que quando o Tribunal declara a parte legitima pronuncia-se sobre um pressuposto processual e não sobre uma condição de procedência da acção ou de legitimação substantiva.
Com a actual redacção dada ao nº3 do art.26 do CPC pelo art.1º do DL 180/96 de 25/9, o legislador veio tomar posição expressa sobre a “vexata questio quanto ao critério de determinação da legitimidade das partes, conforme resulta do próprio relatório, aderindo à posição doutrinária de Barbosa de Magalhães.
Nesta perspectiva, a legitimidade deve ser apreciada e determinada pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da acção possa derivar para as partes, face aos termos em que o Autor configura o direito invocado e a posição que as partes, considerando o pedido e à causa de pedir, assumem na relação jurídica controvertida, tal como a apresenta o autor.
Ou seja, a ilegitimidade de qualquer das partes só se verifica quando em juízo se não encontrem os titulares da relação jurídica material controvertida ou quando legalmente não for permitida a titularidade daquela relação.
Como elucida Manuel de Andrade ( Noções Elementares de Processo Civil, 1963, pág. 83), a legitimidade não é uma qualidade pessoal das partes, mas uma certa posição delas em face da relação material litigada, correspondendo "grosso modo" ao conceito civilista de poder de disposição: é o poder de dispor do processo, de o conduzir ou gestionar no papel de parte.
Como o poder de dispor da relação jurídica deduzida em juízo cabe, em geral, aos respectivos sujeitos, e só a eles, analogamente se passam as coisas quanto à legitimidade, que é o poder de dispor do processo, cuja sorte vai influir naquela relação. Assim, o poder de dispor dessa relação por via processual deve competir a quem dela pode dispor por via extraprocessual.
Tendo falecida a promitente vendedora ( C... ), os Autores ( promitentes compradores ) requereram a execução específica do contrato, demandando os Réus, na qualidade de herdeiros.
Dispõe o art. 412 nº1 do CC que “Os direitos e obrigações resultantes do contrato-promessa que não sejam exclusivamente pessoais transmitem-se aos sucessores das partes”.
Esta norma remete-nos para as regras gerais da sucessão, afastando da transmissibilidade os direitos e obrigações em cuja constituição, segundo a vontade dos contraentes ou as próprias circunstâncias do contrato, tenham exercido papel decisivo as qualidades ou atributos pessoais do promitente ou da contraparte ( intuitu personae ) [Sobre a transmissão dos direitos e obrigações emergentes do contrato-promessa, cf. Ana Prata, O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, pág. 592 e ss.].
Coloca-se a questão de saber se os Réus estão habilitados a intervir na acção como sucessores da falecida C... ( promitente vendedora ).
Em processo civil a prova da aquisição por sucessão ou transmissão da titularidade de um direito ou complexo de direitos e obrigações, faz-se através da habilitação, que pode assumir três formas distintas: habilitação legitimidade, habilitação acção ou principal e habilitação incidental.
A habilitação legitimidade é a que se faz através da petição inicial da acção e dos actos de prova subsequentes, como elo de demonstração da titularidade da situação jurídica invocada, ou seja, quando numa acção ou execução se alega que o autor ou o réu, exequente ou executado, sucederam na posição jurídica que pertencia a outra pessoa.
Neste caso, a habilitação desempenha o papel ou requisito da legitimidade processual do autor ou do réu, pois não se trata de qualquer modificação subjectiva da instância, e cuja apreciação não faz caso julgado.
No aspecto funcional, a habilitação legitimidade, sem que assuma autonomia processual, aproxima-se da habilitação incidental, já que visa colocar o sucessor na posição jurídica do falecido, radicando a diferença no facto daquela se apresentar no início da acção, enquanto esta ocorre na pendência de uma causa ( cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol.1º, pág.573 a 575; Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol.2º, pág.243 ).
Pois bem, demandados directamente os Réus, na qualidade de herdeiros, e por conseguinte sucessores, teriam os Autores de alegar factos sobre a habilitação legitimidade, não só o óbito da falecida, anterior titular do direito, e a filiação destes, mas também que aceitaram a herança.
Na verdade, não alegando que aceitaram a herança, apenas se sabe que os Réus são sucessíveis, mas não sucessores, e enquanto não for aceite a herança permanece jacente, pois que a aquisição sucessória só opera pela aceitação, ou seja, pela resposta positiva ao chamamento.
Diz-se jacente a herança aberta, mas ainda não aceita nem declarada vaga a favor do Estado ( art.2046 do CC ).
A aceitação pode expressa ou tácita: é expressa, quando nalgum documento escrito o sucessível chamado à herança declara aceitá-la ou assume o título de herdeiro com a intenção de a adquirir ( nº 1 e 2 do art. 2056;) e é tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam ( nº1 do art. 217 ), não implicando os actos de administração praticados pelo sucessível aceitação tácita ( nº3 do art.2056 do CC).
Por outro lado, a aceitação pode ser pura e simples e a benefício de inventário ( art.2052 CC ), e esta faz-se requerendo inventário judicial, nos termos da lei do processo ou intervindo em processo pendente ( art.2053 CC ).
A indeterminação do titular da herança pode verificar-se pela indeterminação dos sucessíveis ou por indeterminação dos sucessores, e tanto num como noutro caso, a herança permanece jacente.
Nestas situações, a lei acautela os interesses da parte ao possibilitar o direito de acção contra a herança jacente, por ter personalidade judiciária ( art.6º do CPC ), ou sendo conhecidos os sucessíveis requerer a notificação para declarar se aceita ou repudia ( art.2049 do CC ).
Estando comprovado no processo que a Ré D... requereu, em 16 de Janeiro de 2002, o inventário judicial por óbito de C..., pendente no 2º Juízo da Comarca de Ílhavo, o qual está suspenso até à decisão da presente acção, verifica-se a aceitação por parte dela, só que não está demonstrado que os demais Réus nele tivessem intervido e o facto dos apelantes haverem contestado a presente acção, não significa aceitação tácita, apesar de não haverem arguido a ilegitimidade passiva na contestação.
Sendo vários os sucessíveis, a questão da titularidade da herança só fica resolvida quando todos responderem à vocação, aceitando ou repudiando-a, pelo que basta que um deles não a aceite para subsistir jacência da herança ( cf., por ex., Ac STJ de 23/10/01, Ac RC de 13/1/04, disponíveis em www dgsi.pt, Ac RL de 9/11/00, C.J. ano XXV, tomo V, pág.84 ).
Por conseguinte, tal como os Autores configuraram a acção, os Réus são partes ilegítimas, excepção dilatória de conhecimento oficioso, que implica a absolvição da instância ( arts.288 nº1 d), 493 nº2, 494 e), 495 e 660 nº1 do CPC ).
Muito embora não tenha sido arguida na contestação, não estavam os Réus inibidos de a invocar em sede de recurso, contrariamente à objecção dos apelados, e ainda que configure questão nova, não submetida à apreciação do tribunal a quo, trata-se de matéria de conhecimento oficioso, o que significa um desvio ao modelo de recurso de reponderação ou de revisão.
Por outro lado, a declaração genérica no saneador sobre a legitimidade das partes não faz hoje caso julgado, como se extrai do art.510 nº3 do CPC, caducando, assim, a doutrina do Assento do STJ de 1/2/63 ( BMJ 124, pág.414 ), entretanto transformado em acórdão de uniformização ( cf., por ex., Ac do STJ de 3/5/2000, C.J. ano VIII, tomo II, pág.41 )
III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente o agravo e confirmar o despacho recorrido.
2)
Julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, absolvendo-se os Réus da instância.
3)
Condenar os apelados nas custas, em ambas as instâncias.
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Coimbra, 21 de Fevereiro de 2006.