Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1065/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: SILVA FREITAS
Descritores: RECONVENÇÃO
PROVAS
VALOR PROBATÓRIO
Data do Acordão: 01/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 274.º; 653.º N.º 2 DO CPC
Sumário: A. Toda a acção tem como causa de pedir um certo acto ou facto jurídico. Para que a reconvenção seja admissível ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 274.º do CPC é necessário que o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir, que serve de suporte ao pedido da acção ou emerja do acto ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa, embora desse acto ou facto jurídico se pretenda, nesse caso, obter um efeito diferente
B. Assim, se a causa de pedir que serve de suporte ao pedido principal formulado na acção radica na alegação de factos concretos que, na perspectiva dos autores, consubstanciam a constituição, por usucapião, de uma servidão de passagem a onerar o prédio alegadamente pertencente aos Réus, não será admissível a estes deduzir pedido reconvencional de reconhecimento do direito de preferência, por serem proprietários de prédio confinante
C. Ao Tribunal não basta indicar as provas a partir das quais formou a sua convicção, tendo também de fundamentar a decisão de facto que entenda dever proferir, para o que deverá expor os motivos que o levaram a considerar aquelas provas como idóneas e relevantes, eventualmente em detrimento de outras, bem como indicar os critérios utilizados na apreciação daquelas provas e o substrato racional que conduziu à convicção concretamente formada.
D. A obrigatoriedade da indicação na decisão sobre a matéria de facto das provas e respectiva análise crítica que serviram para formar a convicção do Tribunal, estabelecida no artigo 653.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, destina-se a permitir aos sujeitos processuais e ao Tribunal de Recurso a verificação de que na sentença se seguiu um critério lógico e racional na apreciação das provas.
E. Torna-se necessário revelar o processo racional que conduziu à expressão da convicção, não sendo, portanto, uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova, não se exigindo, porém, que o julgador exponha pormenorizada e completamente todo o raciocínio lógico que se encontra subjacente à convicção formada
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra


Os Autores, A... e B..., residentes no Lugar de Samel, Vilarinho do Bairro, Anadia, vieram intentar a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra C...e Cremilde Dias Gonçalves, residentes no Lugar de Samel, Vilarinho do Bairro, Anadia, pedindo, a final, a condenação no reconhecimento de que os Autores são donos de um prédio misto, sito em Samel, Vilarinho do Bairro, Anadia, composto de casa de habitação, quintal e terreno, este com 1.200 m2, a confrontar do Norte com servidão, do Sul com Estrada, do Nascente com C...(o aqui Réu) e do Poente com Fernando Pires, prédio inscrito nas respectivas matrizes prediais urbana e rústica sob os artigos, respectivamente, 1590º e 1041º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o n.º 067/070787; no reconhecimento da existência a favor do prédio dos Autores de uma servidão de pé, carro e tractor pelo prédio dos Réus, com a largura de três metros e meio, que parte da via pública a nascente e segue numa extensão de cerca de cinquenta e cinco metros em linha recta para poente; na abstenção da prática de quaisquer actos que possam perturbar o exercício do referido direito de servidão de passagem, repondo-a tal como se encontrava antes e retirando o cadeado colocado e no pagamento de indemnização aos Autores pelos prejuízos causados que vierem a ser liquidados em execução de sentença.
Para tanto, alegaram, em síntese, que são proprietários e possuidores de um prédio misto sendo que, para acesso da sua parte rústica, os Autores e seus antecessores se serviam, a pé, de carro ou de tractor, de um caminho que saindo da via pública sita a Norte do prédio dos Autores flecte para Poente em linha recta, delimitando o prédio dos Autores pelo lado Norte, com três metros e meio de largura e cinquenta e cinco metros de comprimento.
Alegaram, ainda, que os Réus, no Verão de 2004, taparam o caminho mesmo junto à via pública com um cadeado que fixa cada um dos lados, e semearam posteriormente no seu leito batatas.
****
Foram citados os Réus para contestar a presente acção, nos termos legais, o que fizeram, alegando que o acesso ao prédio dos Autores sempre se fez pela Rua Principal de Samel, servindo o caminho em causa apenas dois prédios rústicos até Maio de 2004, altura em que foram extintas: o prédio de E..., servidão legal de passagem constituída por decisão judicial, e o prédio de F..., constituída por contrato. Vieram ainda formular um pedido reconvencional subsidiário, invocando um direito de preferência, nos termos do artigo 1555.º do Código Civil, requerendo a intervenção principal provocada dos vendedores e do mutuante.
****
Notificados da contestação, os Autores reiteraram o alegado em sede de petição inicial e alegaram ainda, em relação ao exercício do direito de preferência, que o prédio misto terá de se ter como urbano, por a parte urbana ser mais valiosa que a rústica, bem como a caducidade do eventual direito de preferência.
****
Foi proferido despacho saneador, não se tendo admitido a reconvenção.
****
Efectuado requerimento de prova e de registo da audiência de discussão e julgamento, foi designado dia para esta, a qual se realizou perante o Tribunal Singular, segundo o formalismo legal.
****
A acção foi julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, foram os Réus absolvidos dos pedidos formulados pelos Autores.
****
Os Autores interpuseram recurso da sentença final.
Esse recurso foi devidamente admitido como recurso de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o recurso de apelação subiu também o recurso de agravo interposto pelos Réus da decisão que não admitiu a reconvenção deduzida, e, em consequência, o requerimento de intervenção principal provocada.
****
No recurso de apelação, os Autores apresentaram doutas alegações nas quais formularam as seguintes Conclusões:
A) O artigo 653º nº2 do Código de Processo Civil impõe ao julgador a obrigação de declarar quais os factos que o Tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção;
B) Na fundamentação da sentença o juiz deve fazer o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer (artigo 659º nº 3 do C. P.C.);
C) O artigo 653º nº 2 do Código de Processo Civil impõe ao julgador o dever de esclarecer porque é que os meios de prova determinaram a sua convicção, isto é, o julgador deve referir os elementos que, na sua opinião, deram força bastante àqueles meios probatórios;
D) Assim, não pode o julgador ignorar a prova documental com que os autos foram instruídos, prova de manifesta e evidente relevância e que só por si ou conjugada com os demais elementos probatórios é apta a condicionar a decisão sobre a matéria de facto;
E) Não tendo o julgador “a quo” valorado e analisado criticamente todas as provas constantes dos autos, esta omissão determina a remessa dos autos à 1ª instância para esta suprir tal deficiência, o que se requer;
F) Não obstante e em qualquer caso, a análise criteriosa e crítica dos depoimentos testemunhais obtidos e que supra se referem e cuja enumeração aqui se dá por reproduzida, impõem uma resposta positiva aos quesitos 2º e 6º;
G) Que só por erro manifesto na apreciação da prova mereceram da Meritíssima Juiz “a quo” uma resposta negativa, capaz de, por si só, levar, como levou, ao soçobrar da acção;
H) Acção que merece proceder e procederá se este Venerando Tribunal, como se espera, alterar as respostas dadas a esses dois quesitos, considerando-os como Provados;
I) A douta sentença recorrida violou, além de outros, os comandos dos artigos 653º nº2 e 659º nº 3, ambos do Código de Processo Civil e, como tal, com a total procedência do presente recurso deve ela ser alterada nos termos propostos ou devem os autos ser remetidos à 1ª Instância pelos fundamentos e para os efeitos acima invocados, por tal ser de inteira Justiça.
****
Em doutas contra-alegações apresentadas, os Réus C...e mulher D... defenderam que devia ser negado provimento ao presente recurso, devendo a douta sentença recorrida ser mantida, fazendo-se assim, Justiça.
****
Relativamente ao recurso de agravo interposto, os Réus C...e mulher D... apresentaram também doutas alegações nas quais formularam as seguintes Conclusões:
1º - Na acção, os AA pedem o reconhecimento de um direito de servidão de passagem adquirido por usucapião, que beneficia o seu prédio, art. 1041º, e que onera o prédio, inscrito a (sic) matriz rústica sob o nº 999º, propriedade dos RR, aqui agravantes. Já na reconvenção, os RR/Reconvintes pretendem exercer o direito de preferência na compra do aludido prédio dos AA.
Verifica-se deste modo, a identidade dos prédios objecto da acção, bem como da reconvenção, devendo a última ser admitida, porque verificado o disposto no Art. 274, nº 2 a) do Código de Processo Civil.
2º - É também pacífico que a reconvenção, sendo uma acção enxertada noutra, pode ter uma causa de pedir diversa daquela com que se cruza, desde que entre elas exista uma certa conexão. É a doutrina que se extrai dos Ac. R.P., de 17/01/75 – BMJ, 243-325, e Ac. R.P. Documento nº RP200406010326685, de 01-06-2004, in www.dgsi.pt, entre outros.
Havendo conexão, no caso em apreço, entre a acção e a reconvenção, porque
ambas têm por objecto, os mesmos prédios.
Verificada esta conexão, não se antevê, razão para a não admissibilidade da reconvenção, nos termos do Art. 274º, nº 2 al. a) do Código de Processo Civil.
3º - A causa de pedir da acção, como a do pedido reconvencional, são causas de pedir complexas que integram ambas o facto de ter sido celebrada uma compra e venda do prédio dos AA, identificado no art. 1º da p.i., que os recorrentes pretendem ver preferir.
Os AA fundamentam a sua pretensão, precisamente na compra e venda que celebraram em 16 de Janeiro de 2004, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Anadia, de fls. 91 a fls. 94 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 271-D, conforme o alegado no art. 2º da p.i.
É este negócio jurídico – a compra e venda – que fundamenta e atribui a legitimidade aos AA para exercerem a sua pretensão.
Os AA formularam, na acção o pedido de que os RR sejam condenados a reconhecer do direito de propriedade sobre o prédio identificado no art. 1º da p.i., porque o adquiriram por escritura de compra e venda, e na sequência deste, pedem o reconhecimento da existência a favor deste dito prédio duma servidão de passagem, constituída por usucapião, sobre o prédio dos RR.
Ora, como é evidente, os AA. não detinham qualquer título sobre o prédio, antes da sua aquisição, uma vez que essa titularidade só adveio à sua esfera jurídica, através da escritura pública de compra e venda, celebrada a 16 de Janeiro de 2004.
Razão pela qual, se pode afirmar com segurança, que o facto jurídico que fundamenta a acção é o concreto negócio de compra e venda celebrado pelos AA, na aquisição do prédio rústico, inscrito na matriz sob o nº 1041º da freguesia de Vilarinho do Bairro.
É também este negócio de compra e venda que fundamenta o pedido reconvencional. Este negócio foi celebrado sem que previamente aos Reconvintes, titulares do direito real de preferência, pelo facto de serem proprietários do terreno confinante com o prédio dos AA objecto da acção, tenha sido dada a oportunidade de declararem preferir, nos termos do Art. 1380º do Código Civil.
Esta é razão bastante, para que a reconvenção seja admitida, nos termos do citado Art. 274º, nº 2 a) do Código de Processo Civil.
4º - Os AA fundamentam ainda a sua pretensão na acção, alegando que o prédio que adquiriram pela compra e venda acima referida se encontra encravado.
Ora aqui, mais uma vez se verifica que o pedido reconvencional emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção.
São os AA a invocarem factos jurídicos – o encrave do prédio –, na acção,
alegação que a provar-se, confere aos Reconvintes aqui agravantes o direito e preferência na aquisição do referido prédio, porque proprietários do prédio supostamente serviente.
Daí que, os Reconvintes, ora agravantes tenham pedido o exercício do direito de preferência, nos termos do Art. 1380º e também nos termos do Art. 1555º do Código Civil, a título subsidiário, para a hipótese de a acção vir a ser julgada procedente.
Verifica-se aqui também o pressuposto do Art. 274º, nº 2 a) do Código de Processo Civil.
5º - Entendem os aqui agravantes que estão verificados, na reconvenção deduzida, os pressupostos da admissibilidade da reconvenção, definidos no Art. 274º do Código de Processo Civil.
Pelo que, o despacho ora recorrido, que não admitiu a reconvenção não fez uma correcta interpretação e aplicação ao caso concreto, do Art. 274º, nº 2 do Código de Processo Civil.
6º - Ao decidir de forma diversa, o despacho ora recorrido, violou o correcto entendimento do preceituado no citado Art. 274, nº 1 e 2, al. a) do Código de Processo Civil.
7º - Assim e sem mais considerandos, quer-nos parecer que, contra o decidido no despacho, e sem quebra do respeito devido ao entendimento contrário, a deduzida reconvenção deverá ser admitida, ao abrigo do preceituado no citado Art. 274, nº 1 e 2, al. a) do Código de Processo Civil.
Devendo reparar-se o agravo e, em consequência, revogar-se o despacho de fls. 94 e 95, substituindo-se por outro que admita a reconvenção e defira a intervenção principal provocada, tal qual foi requerida naquela reconvenção.
****
No tocante ao recurso de agravo, não foram apresentadas contra-alegações.
****
Quando foi proferido o despacho que admitiu o recurso de apelação e no qual se determinou que com o recurso de apelação subiria também o recurso de agravo interposto pelos Réus, foi mantida na íntegra a decisão de fls. 94 e 95, ou seja, a decisão que motivou a interposição de recurso de agravo.
****
Foram colhidos os vistos dos Ex.mos Juízes-Adjuntos, pelo que nos cumpre decidir.
****
Fundamentação de Facto:
Na sentença proferida pelo Tribunal “a quo” foram considerados os seguintes factos como resultando dos autos e do julgamento da causa:
Factos Assentes:
A)
Os Autores são donos e legítimos possuidores de um prédio misto, sito em Samel, Vilarinho do Bairro, Anadia, composto de casa de habitação, quintal e terreno, este com 1.200 m2, a confrontar do Norte com servidão, do Sul com Estrada, do Nascente com C...(o aqui Réu) e do Poente com Fernando Pires, prédio inscrito nas respectivas matrizes prediais urbana e rústica sob os artigos, respectivamente, 1590º e 1041º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o n.º 067/070787.
B)
O prédio referido em A) veio à posse e propriedade dos Autores por o haverem adquirido, por compra, aos seus legítimos proprietários, por escritura pública lavrada em 16 de Janeiro de 2004 no Cartório Notarial desta cidade de Anadia de fls. 91 a fls. 94 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 271-D deste Cartório.
C)
Os Réus são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico a vinha, sito no Boeiro, limites de Samel, freguesia de Vilarinho do Bairro, Anadia, o qual confronta do Norte com Fausto Ramos Castanhas, do Sul e Nascente com caminho e do Poente com F..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia, sob o n.º 01967 e inscrito na matriz sob o n.º 999.
D)
Por força de decisão judicial, proferida no processo n.º 130-A/84, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Anadia, sobre o prédio referido em C) existia uma servidão legal de passagem, a favor do prédio hoje propriedade de Manuel Moreira dos Santos, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Vilarinho do Bairro sob o n.º 992, declarada extinta, por termo de transacção efectuado no processo n.º 468/04.6 TBAND, a 19 de Maio de 2004.
E)
A 19 de Maio de 2004 foi extinta por renúncia uma servidão de passagem constituída por contrato entre C...e Joaquim Moreira Pires, a favor do prédio deste, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Vilarinho do Bairro, sob o n.º 993.
****
Respostas à Base Instrutória:
A parte rústica do prédio referido em A) não tem comunicação com a via pública, esclarecendo que a parte rústica se encontra ligada à parte urbana, esta com entrada pela Rua Principal (resposta ao quesito 1.º);
No local existe um caminho que sai da Rua do Boeiro, se prolonga no sentido Nascente – Poente, em linha recta, ao longo da extrema Norte do prédio dos Autores, numa extensão de cerca de 55 metros, com uma largura de três metros e meio e que atravessa o prédio dos Réus referido em C) ao longo da extrema Sul, utilizado por quem amanhava o prédio dos Autores, desde 1976 e cerca de duas vezes ao ano para acesso de tractor agrícola (resposta aos quesitos 3.º, 4.º, 5.º e 7.º);
No decurso do Verão de 2004, os Réus colocaram junto à via pública sita a Nascente (Rua do Boeiro) uma corrente de cadeado fixa em cada um dos topos, impedindo a passagem de pessoas, de carros e de tractores pelo caminho (resposta ao quesito 8.º);
O prédio dos Autores tem grande aptidão para o cultivo de feijão, alface, tomate, batata e couve, produzindo durante todo o ano (resposta ao quesito 10.º);
O acesso e passagem de pé e carro ao prédio dos Autores sempre se fez pela Rua Principal de Samel, por entrada com portão, com cerca de três metros e meio que existe a Sul desse prédio (resposta ao quesito 11.º);
O caminho apenas era utilizado para aceder aos prédios referidos em D) e E), sendo que foi algumas vezes utilizado pelos proprietários do prédio identificado em A), após o ano de 1976, para aceder de tractor (cerca de duas vezes por ano), passando de modo pontual a pé e de carroço (resposta ao quesito 12.º).
****
Vejamos ainda os demais quesitos da Base Instrutória:
Quesito 2.º:
O acesso à parte rústica do prédio referido em A) tem-se vindo a fazer, desde há mais de 10, 15, 20, 25, 30, 40 e 50 anos por um caminho que, saindo da Rua do Boeiro sita a Nascente do prédio dos Autores flecte para Poente em linha recta prolongando-se para além da extrema Norte-Poente do prédio dos Autores?
Quesito 6.º:
Os Autores e anteriores proprietários, servem-se, para aceder a pé e de carro à parte rústica do prédio referido em A), daquele caminho, há mais de 10, 15, 20, 30, 40 e até 50 anos, à vista de toda a gente, sem oposição dos Réus e anteriores proprietários do prédio referido em C)?
Quesito 9.º:
Os Autores não podem proceder ao cultivo do seu prédio?
A estes quesitos da Base Instrutória foi dada a resposta de “não provado”.
****
Quanto ao recurso de agravo:
Para a apreciação do recurso de agravo interposto pelos Réus, mostra-se necessário que se faça uma adequada ponderação sobre a matéria de facto que foi alegada pelos Réus, na contestação/reconvenção, como fundamentadora do pedido reconvencional que está na base da interposição do recurso.
Os Réus alegaram que os AA. adquiriram um prédio misto, inscrito nas respectivas matrizes prediais urbana e rústica da freguesia de Vilarinho do Bairro, sob os artigos respectivamente 1590º e 1041º.
E vêm com a presente acção invocar um hipotético encrave do seu prédio rústico, Artigo 1041º.
Se vier a considerar-se o encrave do prédio rústico dos AA, que só por mera hipótese académica se coloca, e assim reconhecida uma servidão legal, em benefício do hipotético prédio encravado, então, sempre terão os RR direito de preferência na venda do prédio encravado, nos termos do artigo 1555.º do Código Civil.
E, na reconvenção, os Réus alegaram:
Se se vier a considerar o encrave do referido prédio rústico dos reconvindos, então, na venda de prédio encravado havia a obrigação dos alienantes desse prédio, de dar conhecimento, nos termos legais, ao proprietário do prédio onerado e, não tendo sido comunicado o projecto de venda e os seus elementos essenciais, pretendem os reconvintes exercer o seu direito de preferência, nos termos do artigo 1555.º do Código Civil.
Por outro lado, os reconvintes são confinantes com o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de Vilarinho do Bairro sob o nº 1041, adquirido agora pelos reconvindos.
Os reconvintes são proprietários do prédio rústico, com 2.400 m2 de área, inscrito na matriz predial da freguesia de Vilarinho do Bairro sob o n.º 1019, que confronta a nascente em toda a extensão com o prédio rústico, supostamente encravado dos agora reconvindos.
O prédio rústico vendido, inscrito na matriz predial rústica sob o n.º 1041 tem a área de 1.200 m2.
Por escritura lavrada a 16 de Janeiro de 2004, no Cartório Notarial de Anadia, G...e mulher H.... venderam a A... e mulher B..., por sessenta mil euros, sendo cinquenta e oito mil euros pela parte urbana e dois mil euros pela parte rústica.
Pretendem os reconvintes exercer o seu direito de preferência, nos termos do artigo 1380.º, do Código Civil.
Manifestando assim, interesse na aquisição do prédio rústico inscrito na matriz sob o n.º 1041, em substituição dos AA aqui reconvindos, A... e B..., na compra e venda celebrada por escritura pública lavrada em 16 de Janeiro de 2004 no Cartório Notarial de Anadia.
No âmbito da presente reconvenção, os reconvintes vêm requerer a intervenção principal provocada de:
- Maria Olívia da Silva Pereira Marques e de Firmino de Almeida Marques,
residentes na Rua Dr. Silva Lima, Bloco 5 – 2º Esq. – Oliveira de Azeméis, e ainda da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Anadia, CRL, com sede na Rua do Cabecinho, em Anadia.
Uma vez que se impõe processualmente a demanda dos ora chamados nesta reconvenção para exercer o direito de preferência, com base nos fundamentos seguintes:
Os chamados Maria Olívia e Firmino, porque alienantes do prédio rústico, inscrito na matriz predial da freguesia de Vilarinho do Bairro sob o n.º 1041º, os quais estavam obrigados, nos termos do art. 416º do Código Civil, a dar conhecimento aos preferentes, aqui reconvintes, do projecto da venda e dos elementos essenciais dessa venda.
Obrigação que os referidos chamados Maria Olívia e Firmino não cumpriram.
Relativamente à chamada Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Anadia, CRL, esta é mutuante por virtude do crédito concedido aos reconvindos/mutuários.
E porque a presente reconvenção pode interferir nas garantias prestadas pelos reconvindos/mutuários.
E os Réus concluíram a contestação/reconvenção, nos seguintes termos:
A acção deveria ser julgada improcedente, por não provada, com base no alegado impugnativo e verificação da excepção deduzida e, em consequência, os Réus absolvidos do pedido;
Sem prescindir, e para a hipótese de a acção ser julgada procedente, deverá, em reconvenção:
- Ser reconhecido aos RR reconvintes, nos termos do artigo 1555.º do Código Civil, o direito de haver para si o prédio rústico vendido, inscrito na matriz sob o art. 1041º da freguesia de Vilarinho do Bairro, sendo reconhecido aos RR reconvintes, o direito de se substituírem aos AA reconvindos, adquirentes na escritura de 16-01-04;
- Se assim não for entendido, sempre deverá a reconvenção ser julgada procedente e por via dela:
- Ser reconhecido aos RR reconvintes, nos termos do art. 1380º do Código Civil, o direito de haver para si o prédio rústico vendido, inscrito sob o art. 1041º da freguesia de Vilarinho do Bairro, com a substituição dos reconvindos na titularidade e posse do aludido prédio, posição que será ocupada pelos RR reconvintes, mediante o pagamento do preço e despesas da escritura.
Ser admitida a requerida intervenção principal provocada de:
a) H....;
b) Firmino de Almeida Marques;
c) Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Anadia, CRL, para intervirem na qualidade de demandados ao lado dos reconvindos, na acção de preferência que em sede de reconvenção se enxerta;
- Ser reduzido o custo da despesa notarial, para um justo valor de custo de uma escritura de compra e venda do prédio rústico que nesta reconvenção se prefere.
****
Na resposta que apresentaram, os Autores vieram dizer, essencialmente, quanto ao pedido reconvencional, o seguinte:
Um prédio misto tem de haver-se, no seu todo, como urbano ou como rústico conforme a sua parte mais valiosa seja a urbana ou a rústica.
Ora, “in casu”, o prédio misto dos Autores/Reconvindos tem de haver-se como urbano já que a sua parte urbana é consideravelmente mais valiosa do que a sua parte rústica.
Como, aliás, bem resulta dos valores patrimoniais que lhe foram atribuídos, sendo a parte urbana valorizada em 10.691,52 Euros e a parte rústica valorizada tão só em 635,30 Euros.
E conforme os próprios Réus alegam, a venda da parte urbana foi feita por 58.000,00 Euros e a da parte rústica tão-somente por 2.000,00 Euros.
Tem, pois, de haver-se, no seu todo, o prédio misto dos Autores como prédio urbano.
O que, desde logo, afasta qualquer eventual direito de preferência na sua venda por parte de qualquer proprietário confinante.
Os reconvintes nunca poderiam preferir na venda do prédio dos reconvindos.
Por um lado, por não haver direito legal de preferência na venda de um prédio urbano com base na confinância.
Por outro, porque a servidão predial em causa a favor da parte rústica dos reconvindos e que onera o prédio dos reconvintes não está englobada nas servidões a que se refere o artigo 1555.º do Código Civil.
A tudo isto acresce que o prédio dos reconvindos sendo um prédio misto não deixa por isso de ser um prédio Uno, que não pode de maneira nenhuma ser objecto de um direito de preferência parcial como pretendem os reconvintes.
A venda do prédio ajuizado foi amplamente anunciada, os reconvintes souberam antecipadamente que ela se iria realizar, não se interessaram pelo negócio, souberam dos elementos essenciais desta escassos dias após a celebração da escritura, deixaram caducar o seu direito que, em qualquer caso, não lhes assiste já que não tem aqui qualquer aplicação o disposto quer no artigo 1380º quer no artigo 1555º, ambos do Código Civil.
Pelo que, concluíram que a reconvenção deveria ser julgada não provada e improcedente, absolvendo-se os reconvindos dos pedidos reconvencionais.
****
Analisando a breve resenha que os ora agravantes expuseram no início das doutas alegações que apresentaram, relativas ao recurso de agravo, pode dizer-se que os agravantes esclareceram a sua posição dizendo que pediram, na reconvenção, que seja sempre reconhecido aos RR. reconvintes, nos termos do art. 1380.º, do Código Civil, o direito de haver para si o prédio rústico vendido, inscrito na matriz sob o n.º 1041 da freguesia de Vilarinho do Bairro, com a substituição dos reconvintes na titularidade e posse do aludido prédio, posição que seria ocupada pelos RR. reconvintes, mediante o pagamento do preço e despesas de escritura, com todas as consequências legais.
E, para tanto, requereram os RR., a intervenção principal provocada de H...., G...e Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Anadia, para intervirem, na qualidade de demandados ao lado dos reconvintes, na acção de preferência que em sede de reconvenção se enxerta.
Ou seja, esclareceram que pretendiam, em via reconvencional, exercer o direito de preferência, nos termos do art. 1555.º, do Código Civil, a título subsidiário, mas pretendem sempre os RR., exercer o direito de preferência, como proprietários do prédio confinante, nos termos do art. 1380.º, do Código Civil.
****
Vejamos o que dispõe o artigo 274.º, do Código de Processo Civil:
“1. O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.
2. A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
3. Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se a diferença provier do diverso valor dos pedidos ou o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 31.º, com as necessárias adaptações.
4. Se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respectiva intervenção principal provocada, nos termos do disposto no artigo 326.º.
5. No caso previsto no número anterior e não se tratando de litisconsórcio necessário, se o tribunal entender que, não obstante a verificação dos requisitos da reconvenção, há inconveniente grave na instrução, discussão e julgamento conjuntos, determinará, em despacho fundamentado, a absolvição da instância quanto ao pedido reconvencional de quem não seja parte primitiva na causa, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 31.º.
6. A improcedência da acção e a absolvição do réu da instância não obstam à
apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo autor”.
Pode o réu, além da estrita defesa que oponha ao autor tanto através de excepções genéricas (do conhecimento oficioso do tribunal desde que os respectivos factos constem do processo), como de excepções específicas (que tão-somente podem ser tomadas em conta quando alegadas), formular pedidos contra o autor (reconvenção).
Com a reconvenção modifica-se o objecto da acção. Esta, em vez de ficar circunscrita ao pedido formulado pelo autor, passa a ter também por objecto um pedido formulado pelo réu.
Não estaremos, pois, perante um pedido reconvencional quando o pedido formulado pelo réu seja pura consequência da sua defesa, nada acrescentando à matéria desta última. Por outras palavras: quem diz reconvenção diz pedido substancial deduzido pelo réu, e não pedido meramente formal.
A reconvenção deve ser configurada como um cruzamento de acções, como uma espécie de contra-acção (Wiederklage) – (cf. Prof. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, 1981, págs. 170-171).
A reconvenção, consistindo num pedido deduzido em sentido inverso ao formulado pelo autor, constitui uma contra-acção que se cruza com a proposta pelo autor (que, no seu âmbito, é réu, enquanto o réu nela toma a posição de autor – respectivamente, reconvindo e reconvinte).
Não sendo razoável admiti-la independentemente de qualquer conexão com a acção inicial, o n.º 2 do artigo 274.º estabelece os factores de conexão entre o objecto da acção e o da reconvenção que tornam esta admissível – (cf. Prof. José Lebre de Freitas e Drs. João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 1999, pág. 488).
Já o Prof. Alberto dos Reis, no domínio de vigência do Código de Processo Civil de 1939, havia referido que o artigo 279.º desse Código regulava os casos de reconvenção, isto é, fixava os requisitos de que dependia a admissibilidade de pedidos reconvencionais. E esses requisitos são de duas ordens: requisitos objectivos e requisitos processuais.
Os requisitos objectivos traduzem-se na exigência duma certa conexão ou relação entre o pedido reconvencional e o pedido do autor – (cf. Código de Processo Civil Anotado, volume I, pág. 379, em anotação ao artigo 279.º).
No caso vertente, considerando o disposto no artigo 274.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, interessa considerar os casos de admissibilidade previstos na respectiva alínea a), ou seja, a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.
****
Como esclareceu o Prof. Alberto dos Reis, os pedidos reconvencionais devem
ser conexos com o pedido do autor, porque seria inadmissível que ao réu fosse lícito enxertar na acção pendente uma outra que com ela não tivesse conexão alguma.
A questão é de grau ou de natureza da conexão: nuns casos o nexo é mais estreito, noutros é mais remoto.
O pedido do réu tanto pode emergir do acto ou facto que serve de fundamento à acção, como do acto ou facto que serve de fundamento à defesa.
A frase «quando o pedido emerge» é susceptível de duas interpretações diferentes. Pode entender-se no sentido de que o pedido do réu há-de ter por fundamento o acto ou facto, base da acção ou da defesa; e pode entender-se num sentido mais amplo para significar que o pedido do réu há-de ser atinente ao acto ou facto-fundamento da acção ou da defesa.
Segundo Alberto dos Reis, a interpretação que tem por exacta é a primeira.
Um pedido só pode, em verdade, considerar-se emergente de determinado acto ou facto jurídico quando tem o seu fundamento nesse acto ou facto – (cf. Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, págs. 99-100).
A conexão que deve existir entre o pedido principal e o pedido reconvencional traduz-se, no caso previsto na alínea a), do n.º 2, do artigo 274.º, na ligação através do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.
São os casos em que o pedido reconvencional brota do facto jurídico (real, concreto) que serve de fundamento, seja à acção, seja à defesa – (cf. Prof. Antunes Varela e Drs. J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, págs. 327-328).
Toda a acção tem como causa de pedir um certo acto ou facto jurídico. Para que a reconvenção seja admissível ao abrigo da alínea a) do n.º 2 é necessário que o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir, que serve de suporte ao pedido da acção ou emerja do acto ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa, embora desse acto ou facto jurídico se pretenda, nesse caso, obter um efeito diferente – (cf. Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, volume II, 3.ª edição, pág. 32).
Na presente acção, os Autores formularam o pedido de condenação dos Réus:
a) A reconhecer que aos Autores e só aos Autores pertence o prédio descrito, confrontado e identificado no artigo 1º da petição inicial;
b) A reconhecer que sobre o seu prédio descrito, confrontado e identificado no artigo 15º da petição inicial, desde há muito, desde há mais de 10, 15, 20, 30, 40 e até 50 anos se encontra constituída por usucapião uma servidão de pé, de carro e de tractor, com a largura de três metros e meio a favor do prédio dos Autores descrito, confrontado e identificado no artigo 1º da petição inicial, servidão que, partindo da via pública a Nascente (Rua do Boeiro) segue numa extensão de cerca de cinquenta e cinco metros em linha recta para Poente, implantada rigorosamente encostada à extrema Sul do seu prédio, até atingir o prédio hoje de F... ou Manuel Moreira;
c) A repor a servidão tal como sempre esteve, ou seja, em condições de por ela os Autores poderem fazer o acesso de pé, de carro e de tractor ao seu identificado prédio, retirando a corrente de cadeado que colocaram junto ao seu topo Nascente e repondo a totalidade do seu leito em forma transitável, dele retirando tudo quanto nele plantaram ou semearam;
d) A abster-se da prática de quaisquer actos que, por qualquer modo, possam impedir ou perturbar o direito de passagem pela dita servidão da via pública para o seu mencionado prédio e deste para aquela via pública;
e) A pagar aos Autores os prejuízos que vierem a ser liquidados em execução de sentença.
Se analisarmos a petição inicial da presente acção, verificamos que os Autores invocaram como causa de pedir a constituição, por usucapião, sobre o referido prédio dos aqui Recorrentes, de uma servidão de passagem com a largura de três metros e meio a favor do identificado e descrito prédio dos Autores.
Ora, os Réus alegaram na contestação/reconvenção que, como bem referem os Autores reconvindos, com a junção do Doc. 3 (planta), os reconvintes, também são proprietários do prédio rústico, com 2.400 m2 de área, inscrito na matriz predial da freguesia de Vilarinho do Bairro sob o n.º 1019, que confronta a nascente em toda a extensão com o prédio rústico, supostamente encravado dos agora reconvindos.
E referiram que o prédio rústico vendido, inscrito na matriz predial rústica sob o n.º 1041 tem a área de 1.200 m2.
Assim, os Réus reconvintes tinham, nos termos do artigo 1380.º do Código Civil, o direito de preferência na venda do referido prédio rústico dos reconvindos.
De facto, o artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, dispõe o seguinte:
“Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante”.
Ora, para que a reconvenção fosse admissível, ao abrigo da alínea a), do n.º 2, do artigo 274.º, do Código de Processo Civil, seria necessário que tivesse sido deduzido um pedido reconvencional que tivesse a mesma causa de pedir que serve de suporte ao pedido da acção ou que emergisse do acto ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa.
Cremos que, no caso vertente, não se verifica nenhuma dessas situações.
Como vimos, a causa de pedir que serve de suporte ao pedido principal que foi formulado na acção, radica na alegação de factos concretos que, na perspectiva dos Autores, consubstanciam a constituição, por usucapião, de uma servidão de passagem a onerar o prédio descrito e identificado como pertencente aos Réus.
E o pedido reconvencional não tem por suporte a mesma causa de pedir que serve de fundamento ao pedido formulado na acção pelos aqui Recorridos.
Por outro lado, o pedido reconvencional formulado pelos Réus, na base do artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, não emerge de acto ou facto jurídico que servisse de fundamento à defesa.
Portanto, quanto ao pedido reconvencional deduzido pelos ora Recorrentes, com base no artigo 1.380.º, do Código Civil, cremos que se pode concluir no sentido de que não se verificam os requisitos objectivos para a admissibilidade da reconvenção, nos termos do artigo 274.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
****
Quanto ao direito de preferência fundado no artigo 1555.º, do Código Civil:
Analisando os articulados da acção, constatamos que os Autores alegaram na petição inicial que, desde há mais de 10, 15, 20, 25, 30, 40 e até 50 anos que o prédio dos Réus, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo n.º 999 e que confronta do Norte com Fausto Ramos Castanhas, do Sul com caminho (a dita servidão em causa), do Nascente com caminho (a dita Rua do Boeiro) e do Poente com F..., está onerado com uma servidão de pé e de carro, com a largura mínima de três metros e meio em toda a sua extensão, implantada na sua extrema Sul, servidão que serve, para além de outros, o identificado prédio dos Autores.
De modo que sempre estes, por si e por seus antepassados, se serviram para aceder àquele seu referido prédio, daquela servidão e isto acontece desde tempos imemoriais e, consequentemente, há mais de 10, 15, 20, 30, 40 e até 50 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, nomeadamente dos Réus ou dos anteriores donos do prédio hoje dos Réus, sem interrupções, e na mais total e completa boa fé.
E sempre existiram no terreno sinais evidentes do exercício de tal servidão.
Em toda a sua extensão, quer no sentido do seu comprimento quer no sentido da sua largura, o leito da servidão nunca foi amanhado ou cultivado, encontrando-se em terreno batido e sendo bem nítidos os sulcos deixados pelos rodados dos tractores e anteriormente dos carros de bois que por lá passavam e sendo bem evidentes os sinais próprios da passagem das pessoas, notando-se perfeitamente a terra pisada e calcada.
****
Por seu turno, os Réus disseram na contestação, essencialmente, o seguinte:
O prédio misto dos Autores confronta do Sul com Estrada, designada por Rua Principal de Samel.
É assim, falso que o prédio dos Autores não tenha comunicação com a via pública. O acesso ao referido prédio dos Autores sempre se fez pela Rua Principal de Samel, estrada que sempre, desde tempos imemoriais, ali existiu e que delimita o prédio dos Autores, a Sul.
A passagem de pé, carro e tractor, para o prédio dos Autores sempre se fez pela Rua Principal de Samel, por entrada com portão, com cerca de três metros e meio, que existe a Sul desse prédio.
Cujo portão sempre ali existiu desde tempos imemoriais.
Os Autores nunca passaram pelo prédio dos Réus, nem pública nem pacificamente ou em nome próprio.
Por excepção:
De facto, os Réus são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico a vinha, sito no Boeiro, limites de Samel, freguesia de Vilarinho do Bairro, Anadia, o qual confronta do Norte com Fausto Ramos Castanhas, do Sul e Nascente com caminho e do Poente com F..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº 01967 e inscrito na matriz sob o nº 999.
E sobre este prédio dos Réus, foi constituída uma servidão legal de passagem, por força de decisão judicial, proferida no processo nº 130-A/84, 2ª Secção, que correu termos no Tribunal Judicial de Anadia.
Cuja servidão legal de passagem foi constituída a favor de um prédio e vinha, propriedade de E..., hoje propriedade de Manuel Moreira dos Santos, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Vilarinho do Bairro sob o nº 992.
Porém, esta servidão de passagem a favor do prédio acima referenciado, foi declarada extinta, por termo de transacção efectuado no processo nº 468/04.6 TBAND que correu termos neste Tribunal Judicial.
A dita servidão de passagem constituída a favor do prédio inscrito na matriz da freguesia de Vilarinho do Bairro sob o nº 992, hoje pertencente a Manuel Moreira dos Santos, foi declarada extinta por renúncia, em 19 de Maio de 2004.
Na mesma data, também foi extinta por renúncia, uma servidão de passagem constituída por contrato entre C...e Joaquim Moreira Pires, a favor do prédio deste último, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Vilarinho do Bairro, sob o nº 993.
Assim, a dita servidão existiu até 19 de Maio de 2004, tão só a favor destes dois prédios rústicos, nºs 992 e 993.
Desde a data da extinção da referida servidão (a favor destes dois prédios rústicos 992 e 993), que não existem sinais visíveis e permanentes da dita servidão, uma vez que os Réus depois de 19 de Maio de 2004, lavraram e semearam o terreno, pública e pacificamente e sem qualquer oposição dos AA.
ou de outros.
****
A reconvenção tem lugar quando o Réu formula contra o Autor qualquer pedido que não seja pura consequência da sua defesa, nada acrescentando à matéria desta última: um pedido substancial e não apenas formal.
Na reconvenção, o Réu não se limita a sustentar o mal fundado da pretensão do Autor, mas deduz contra o Autor uma pretensão autónoma (hoc sensu). Trata-se de uma espécie de contra-acção (Wiederklage), passando a haver no processo um cruzamento de acções – (cf. Prof. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração do Prof. Antunes Varela, 1993, reimpressão, na nova edição revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves, pág. 146, onde também é citado o Prof. Alberto dos Reis).
E também se salienta, a propósito dos requisitos objectivos de admissibilidade da reconvenção, que o pedido reconvencional deve ter com a acção ou com a defesa um certo nexo, que consiste em se fundar ele no mesmo facto ou relação jurídica deduzida em juízo para algum desses efeitos – (cf. a obra mencionada, pág. 147).
Ora, no artigo 274.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, estabelece-se que a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.
A primeira parte da referida alínea a) (o pedido formulado em reconvenção emergir do facto jurídico que serve de fundamento à acção) tem o seguinte alcance:
Se a reconvenção, como acção que é, se identifica através do pedido e da causa de pedir, a primeira parte daquela alínea tem o sentido de a reconvenção ser admissível quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir, a que serve de suporte, de fundamento, ao pedido da acção.
Considerando a causa de pedir que serve de fundamento ao pedido principal formulado pelos Autores na presente acção, não pode deixar de concluir-se que a causa de pedir que serve de suporte a esse pedido não é a mesma que a causa de pedir que serve de fundamento ao pedido reconvencional.
A segunda parte da mesma alínea a) (o pedido do Réu emergir do facto jurídico que serve de fundamento à defesa) tem o sentido de a reconvenção poder ser admissível quando o Réu invoque, como meio de defesa, qualquer acto ou facto jurídico (causa de pedir) que, a verificar-se, produza efeito útil defensivo, ou seja, que tenha a virtualidade para reduzir, modificar ou extinguir o pedido do Autor.
Quando a alínea a) do n.º 2 do artigo 274.º, do Código de Processo Civil, fala em «facto jurídico que serve de fundamento… à defesa», refere-se a facto que tenha efeito defensivo útil – (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Julho de 1963, in Bol. Min. da Justiça, n.º 129, págs. 410-412, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16 de Setembro de 1991, in Col. Jur., Ano XVI, 1991, tomo IV, págs. 247-249, doutrina que foi prosseguida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Março de 1996, in Bol. Min. da Justiça, n.º 455, págs. 389-393).
Ora, analisando o pedido reconvencional formulado pelos Réus, e os factos concretos em que se fundamenta e que consubstanciam a causa de pedir da reconvenção, não se vê, salvo melhor opinião, que esses factos tenham conexão com os factos que os mesmos Réus invocaram como fundamento da defesa por impugnação e por excepção.
Com efeito, a matéria da reconvenção incide sobre o exercício de um invocado direito de preferência na venda de um prédio, na alegada falta de comunicação dos elementos essenciais do respectivo contrato de compra e venda, enquanto que a matéria relativa à acção se prende com a constituição, por usucapião, de um direito de servidão de passagem a onerar um prédio em benefício doutro prédio, sendo à volta dessa questão que são alegados os factos concretos e materiais da acção e os factos em que os Réus fundamentaram a sua defesa.
Cremos que os factos alegados como fundamento do pedido reconvencional não têm a virtualidade para reduzir, modificar ou extinguir o pedido principal formulado pelos Autores na acção, ou seja, não têm o referido efeito defensivo útil.
Pelo exposto, julgamos que não é de alterar a decisão recorrida no sentido em que não se admitiu a reconvenção deduzida e, em consequência, no sentido em que também se indeferiu o requerimento para intervenção principal provocada, improcedendo, assim, as conclusões das doutas alegações apresentadas pelos aqui Recorrentes.
****
Quanto ao recurso de apelação:
Os aqui Recorrentes, Autores na presente acção, expõem as seguintes razões como fundamentação do recurso interposto:
Na fundamentação da sentença, o juiz deve fazer o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer (artigo 659º nº3 do Código de Processo Civil.
O artigo 653º nº 2 do Código de Processo Civil impõe ao julgador o dever de esclarecer porque é que os meios de prova determinaram a sua convicção, isto é, o julgador deve referir os elementos que, na sua opinião, deram força bastante àqueles meios probatórios.
Assim, não pode o julgador ignorar a prova documental com que os autos foram instruídos, prova de manifesta e evidente relevância e que só por si ou conjugada com os demais elementos probatórios é apta a condicionar a decisão sobre a matéria de facto.
Não tendo o julgador “a quo” valorado e analisado criticamente todas as provas constantes dos autos, esta omissão determina a remessa dos autos à 1ª instância para este suprir tal deficiência, o que se requer.
Não obstante e em qualquer caso, a análise criteriosa e crítica dos depoimentos testemunhais obtidos e que supra se referem e cuja enumeração aqui se dá por reproduzida, impõem uma resposta positiva aos quesitos 2º e 6º.
A douta sentença recorrida violou, para além de outros, os comandos dos artigos 653º nº2 e 659º nº 3, ambos do Código de Processo Civil e, como tal, com a total procedência do recurso deve ela ser alterada nos termos propostos ou devem os autos ser remetidos à 1ª instância pelos fundamentos invocados.
****
A decisão sobre a matéria de facto assenta na seguinte fundamentação:
A convicção do Tribunal, que permitiu concluir pelas respostas que antecedem, tomou por base a ponderação crítica e confronto entre os meios de prova produzidos, as regras da experiência e o senso comum, tendo em conta as regras próprias da repartição do ónus da prova.
Em especial, no que respeita à prova testemunhal foi há que realçar o depoimento de I...., que residiu em dois períodos diferentes no prédio dos Autores (em finais de 1970 e fins de 1990), e que refere que a parte rústica do prédio tinha o acesso vedado ao caminho pela existência de vinhas e de arame no limite Norte que confrontava com o caminho. Nesta altura ninguém passava por lá, salvo o anterior proprietário (Senhor Mário) quando ia passear para aqueles lados.
Depois de 1976, altura em que arrancaram as vinhas e plantaram milho e batatas, ela própria passou por esse caminho uma vez, a pé. Também afirmou que não há maneira de um tractor agrícola passar pela parte urbana da casa, pelo que passariam pelo caminho.
E isso mesmo confirmou a testemunha J ...., que num depoimento desinteressado, confirmou que prestou serviços de tractorista no prédio dos Autores durante alguns anos e por 2 vezes ao ano, a mando da Sr.ª D.ª Adélia, que amanhava a parte rústica do prédio.
Afirmou ainda que existiu uma altura em que o caminho se encontrava fechado com cadeado, tendo sido depois aberto (encontrando-se o cadeado enrolado num pilar).
K ...., agricultor que amanhou a terra dos Autores durante dois anos, em meados de 1980, além de confirmar que os tractoristas contratados entravam pelo caminho (por não ter espaço para passar pela frente) também afirmou que entrava sempre pela Rua Principal, passando apenas pelo caminho por duas vezes quando ia com o carroço.
O teor deste depoimento é semelhante aos das testemunhas L ....e
M ..... O primeiro viveu no prédio dos Autores há 20 anos e cultivou a parte rústica, saindo a pé pela Rua Principal, mesmo quando carregava as coisas, apenas saindo com o triciclo pelo caminho duas vezes. Recorda-se que quando o Réu comprou o terreno colocou um cadeado mas que nas vezes que passou este estava aberto.
O segundo confirmou que sempre passou pela entrada principal (pelo menos desde 1950), mesmo com o tractor vinhateiro, sendo que, nesta altura, em que frisava o terreno para a anterior proprietária N ...., este era um terreno vedado com vinhas e uns arames farpados.
A testemunha O .... antiga proprietária de um dos prédios dos Réus, confirmou que na altura dos pais o caminho já existia e era de livre passagem para todos, até cerca de 1984, altura em que a passagem foi fechada com um cadeado e existiu um problema com o Sr. Acílio Marques (“Seca”), que recorreu a tribunal onde lhe foi concedido o direito de passagem.
P ....eQ ...., que amanharam os terrenos durante vários anos, confirmam que nunca viram ninguém a passar pelo caminho, sendo que passavam sempre pela porta principal.
A existência de estacas e arame farpado, quando ainda existiam vinhas no terreno dos Autores, foram ainda confirmados pelas testemunhas R ...., Q ...., S ....e Q ...., que conheciam os terrenos desde há vários anos.
Finalmente, a testemunha U ...., que amanhou o terreno dos Autores durante vários anos a mando dos anteriores proprietários (depois de retirada a vinha e até 2004, altura em que os Autores compraram o prédio), referiu que passavam sempre por cima, sendo que quando era necessário o tractor amanhar a terra ela própria pedia ao seu primo (Réu) a chave do cadeado para poder passar, acrescentando que depois o caminho ficou aberto, altura em que “toda a gente passava”.
As testemunhas foram unânimes em referir que agora o caminho se encontra cultivado e vedado (v.g., O ...., P ....e U ....), e que o terreno dos Autores é bom para cultivo (v.g., I...., K .... e O ....).
Estes testemunhos relacionados não nos permitiram responder de modo totalmente positivo aos quesitos 3º, 4º, 5º e 7º, pois não obstante a existência de um caminho, não se pode afirmar que os Autores e anteriores proprietários do terreno referido na alínea A) dos factos assentes, passassem pelo referido caminho, tendo-o apenas feito de modo pontual, quer para passear, quer para passar com o tractor, cerca de 2 vezes ao ano.
De resto, o acesso à parte rústica do prédio fazia-se pela sua parte urbana, não sendo a existência de um caminho nestas condições um facto que pudesse levar a presumir a existência de uma utilização do mesmo pelos Autores, como normalmente ocorre nestes casos.
A resposta ao quesito 9º decorre da experiência comum e do facto de as pessoas que amanhavam o terreno confirmarem que utilizavam a parte urbana para entrarem no terreno, mesmo com um tractor vinhateiro, sendo, assim, possível o seu cultivo” – (cf. o despacho de fundamentação de fls. 240-242 dos autos).
****
Como dispõe o artigo 653.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, “A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador”.
De acordo com a doutrina maioritária (v.g., Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, pág. 348; F. Ferreira Pinto, Lições de Direito Processual Civil, 1997, pág. 440; Miguel Côrte-Real, O Dever de Fundamentação da Decisão Judicial dada sobre Matéria de Facto, em Vida Judiciária, n.º 24, Abril de 1999, págs. 22 e ss.; contra, Rui Rangel, A Prova e a Gravação da Audiência no Direito Processual Civil, 1998, pág. 59), o n.º 2 deste artigo 653.º, não se contenta com a fundamentação dos factos positivos, mas exige, de igual modo, que os factos não provados sejam devida e criteriosamente fundamentados, através da apreciação crítica das provas propostas pelas partes, de molde a evidenciar a razão ou razões que levam o Tribunal a concluir não serem as mesmas suficientes para infirmarem conclusão diversa da de considerar tais factos como não provados.
A sindicabilidade da decisão sobre matéria de facto é incompatível com a desnecessidade da fundamentação das respostas de «não provado» – (cf., sobre este ponto, Dr. Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 19.ª edição, Setembro/2007, pág. 810, na anotação 2.ª ao artigo 653.º).
Ora, relendo a motivação da decisão que recaiu sobre a matéria de facto, nela se verifica que se fez a menção e a análise dos diversos depoimentos testemunhais produzidos, fazendo-se o confronto dos mesmos depoimentos e referindo-se genericamente aos meios de prova produzidos, baseando-se a decisão proferida na ponderação crítica desses meios de prova.
Na parte final da motivação, referiu a Mm.ª Juíza “a quo” que “não obstante a existência de um caminho, não se pode afirmar que os Autores e anteriores proprietários do terreno referido na alínea A) dos factos assentes, passassem pelo referido caminho, tendo-o apenas feito de modo pontual, quer para passear, quer para passar com o tractor, cerca de 2 vezes ao ano. De resto, o acesso à parte rústica do prédio fazia-se pela sua parte urbana, não sendo a existência de um caminho nestas condições um facto que pudesse levar a presumir a existência de uma utilização do mesmo pelos Autores, como normalmente ocorre nestes casos”.
Quanto à prova documental que foi junta com a contestação apresentada pelos Réus, ela visava demonstrar, na tese dos Réus, que o caminho que no local da questão existia apenas servia dois prédios rústicos, o prédio de E... e o prédio de F....
E, deste modo, ficou assente, desde logo, a seguinte matéria de facto:
D) Por força de decisão judicial, proferida no processo n.º 130-A/84, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Anadia, sobre o prédio referido em C) existia uma servidão legal de passagem, a favor do prédio hoje propriedade de Manuel Moreira dos Santos, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Vilarinho do Bairro sob o n.º 992, declarada extinta, por termo de transacção efectuado no processo n.º 468/04.6TBAND, a 19 de Maio de 2004;
E) A 19 de Maio de 2004 foi extinta por renúncia uma servidão de passagem constituída por contrato entre …… e ……, a favor do prédio deste, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Vilarinho do Bairro, sob o n.º 993.
É certo que, no decorrer da audiência de discussão e julgamento, foi também requerido pelo Ex.mo Mandatário dos ora Apelantes, o que foi admitido, que fosse junto aos autos um documento (sentença) que os Autores apresentaram nessa altura.
E esse documento junto pelos Autores, é a sentença que foi proferida em 29 de Junho de 1989, nos autos de acção sumária n.º 130/84 que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de Anadia.
Nesses autos de acção sumária n.º 130/84, foi reconhecida a servidão de passagem a favor do prédio dos então Autores, …….
Mas essa servidão de passagem a favor do referido prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Vilarinho do Bairro sob o n.º 992, foi declarada extinta pelo termo de transacção efectuado no processo n.º 468/04.6TBAND, a 19 de Maio de 2004, no qual eram Réus E... e mulher e Manuel Moreira dos Santos e mulher.
E esse facto foi dado como assente na presente acção, na referida alínea D) da Matéria de Facto Assente, pelo que, o referido documento (sentença) confirma, efectivamente, o que já estava dado como assente nos autos.
No entanto, esse documento, só por si, não tem a virtualidade de determinar que fosse dada uma resposta diferente aos quesitos 2.º e 6.º da Base Instrutória.
Por consequência, relativamente à fundamentação da decisão que recaiu sobre a
matéria factual, pode dizer-se que a motivação exposta esclarece sobre o sentido e a razão das respostas dadas aos quesitos, quer quanto aos quesitos que se julgaram provados, ou apenas em parte provados, quer quanto aos quesitos que se julgaram como não provados.
Pelo que, de harmonia com este entendimento, cremos que não ocorreu a violação do disposto no artigo 653.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
****
Quanto ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
A prova por testemunhas produzida na audiência de discussão e julgamento foi devidamente gravada em quatro cassetes áudio que acompanham os presentes autos, sendo, assim, viabilizada a reapreciação dessa prova.
Foram ouvidas as seguintes testemunhas:
As testemunhas indicadas pelos Autores, …….
As testemunhas indicadas pelos Réus…….
Procedeu-se à audição de todos os depoimentos das testemunhas que foram prestados na audiência de discussão e julgamento.
Em nosso entendimento, cremos que a decisão proferida sobre a matéria de facto se encontra devidamente fundamentada nos diversos elementos de prova produzidos e adquiridos nos autos.
É certo que, como é normal, os depoimentos das testemunhas divergiram em certos pontos, sendo também certo que os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pelos Autores foram mais favoráveis à posição que os Autores defenderam na presente acção.
No entanto, da apreciação global dos depoimentos que foram prestados parece legítimo extrair a conclusão de que, não obstante a existência do caminho, não se poderá afirmar que os Autores e anteriores proprietários do terreno referido na alínea A) da Matéria de Facto Assente, passassem com regularidade pelo referido caminho, fazendo-o apenas de modo pontual, como referiu a Mm.ª Juíza no despacho em que fundamentou as respostas aos quesitos.
Por outro lado, existem referências nos depoimentos das testemunhas que também são mais favoráveis à posição defendida pelos Réus, no sentido de que o prédio dos Autores não beneficia da servidão de passagem.
Assim, no depoimento prestado pela testemunha ….., para além de outros pontos mais próximos da posição dos Autores, ela referiu que a parte rústica do prédio dos Autores chegou a ter o acesso vedado ao caminho pela existência de vinhas e arame no limite Norte que confrontava com o caminho.
A existência de estacas e arame farpado a vedar o prédio dos Autores no seu limite Norte, pelo menos, quando existiam vinhas no terreno dos Autores, foi aludida nos depoimentos das testemunhas ……...
E nos depoimentos prestados pelas testemunhas ……, foi referido que também se passava pela entrada da casa, na parte urbana do prédio dos Autores, existente na Rua Principal de Samel, para as pessoas acederem ao terreno rústico dos Autores.
Neste aspecto, aliás, trata-se de um dado objectivo, dado que através da entrada principal da casa se pode aceder ao prédio identificado na alínea A) da Matéria de Facto Assente, uma vez que se trata de um prédio misto.
****
Como se tem sublinhado, ao Tribunal não basta indicar as provas a partir das quais formou a sua convicção, tendo também de fundamentar a decisão de facto que entenda dever proferir, para o que deverá expor os motivos que o levaram a considerar aquelas provas como idóneas e relevantes, eventualmente em detrimento de outras, bem como indicar os critérios utilizados na apreciação daquelas provas e o substrato racional que conduziu à convicção concretamente formada.
A obrigatoriedade da indicação na decisão sobre a matéria de facto das provas e respectiva análise crítica que serviram para formar a convicção do Tribunal, estabelecida no artigo 653.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, destina-se a permitir aos sujeitos processuais e ao Tribunal de Recurso a verificação de que na sentença se seguiu um critério lógico e racional na apreciação das provas.
Torna-se necessário revelar o processo racional que conduziu à expressão da convicção, não sendo, portanto, uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova, não se exigindo, porém, que o julgador exponha pormenorizada e completamente todo o raciocínio lógico que se encontra subjacente à convicção formada – (cf., neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 1989, in Bol. Min. da Justiça, n.º 388, págs. 364 e seguintes, e de 29 de Junho de 1995, in Col. Jur., STJ, Ano III, 1995, tomo II, págs. 254-257).
Como salienta o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, “Na decisão sobre a matéria de facto devem ser especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador sobre a prova (ou falta de prova) dos factos (art. 653.º, n.º 2). Como, em geral, as provas produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação (arts. 655.º, n.º 1, e 652.º, n.º 3, als. b) a d)), o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” – (cf. Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, pág. 348).
Tendo procedido à reapreciação das provas produzidas, considerando também a motivação exposta quanto à decisão de facto, e ressalvado sempre melhor juízo, cremos que a decisão que recaiu sobre a matéria de facto está devidamente fundamentada nos diversos meios de prova produzidos, mediante uma análise ponderada e crítica dessas provas, pelo que, julgamos que essa decisão não deverá merecer alterações, devendo, em consequência, manter-se as respostas dadas pelo Tribunal “a quo” aos quesitos da Base Instrutória.
****
Considerando os factos dados como provados, cremos que a decisão de Direito não merece também qualquer reparo.
Aliás, o recurso interposto pelos Autores incide mais rigorosamente sobre a decisão que recaiu sobre a matéria de facto, concretamente, quanto às respostas dadas aos quesitos 2º e 6º da Base Instrutória, no sentido de esses quesitos serem considerados como provados.
Como referiu a Mm.ª Juíza na sentença recorrida, da factualidade dada como provada pode afirmar-se que o caminho apenas era utilizado para aceder aos prédios referidos nas alíneas D) e E) da Matéria de Facto Assente, tendo apenas sido utilizado algumas vezes pelos Autores, por si e antepossuidores do seu prédio, e após o ano de 1976, para aceder de tractor (cerca de duas vezes por ano), passando de modo pontual a pé e de carroço.
E estes factos não permitiam concluir que a utilização do caminho pelos Autores possuísse as características de visibilidade, permanência e inequivocidade, sendo que, não fora a sua utilização pelos proprietários dos prédios referidos nas alíneas D) e E) dos Factos Assentes, a utilização provada não deixaria sinais, sinais estes que haveriam de constituir um dado inequívoco do exercício da posse, que qualquer interessado no prédio vê claramente, por permanecerem no tempo e terem um significado seguro, certo e determinado, citando-se, nesse sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Dezembro de 1997, p. 97B386, in www.dgsi.pt).
Mantendo-se a decisão sobre a matéria de facto, julgamos que é também de confirmar a decisão sobre a matéria de Direito.
Julgando que não foram violados os artigos 653.º, n.º 2, e 659.º, n.º 3, ou outros artigos do Código de Processo Civil, cremos ser legítimo concluir no sentido da
improcedência das conclusões das doutas alegações que foram apresentadas pelos aqui Recorrentes.
****
Pelas razões expostas, acordam nesta Relação em decidir nos termos seguintes:
- Negam provimento ao recurso de agravo interposto pelos Réus na presente acção e, em consequência, confirmam a decisão agravada que não admitiu o pedido reconvencional e que indeferiu o requerimento de intervenção principal provocada;
- Julgam improcedente o recurso de apelação que foi interposto pelos Autores na presente acção e, em consequência, confirmam a sentença apelada.
****
Custas do recurso de agravo pelos respectivos Agravantes.
****
Custas do recurso de apelação pelos respectivos Apelantes.
****

Coimbra, 15-01-2008