Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
402/2000.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: NUNES RIBEIRO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
MORA
EFEITOS
Data do Acordão: 06/24/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 410º N.º 1 E N.° 2 DO ART° 442° DO C. CIVIL
Sumário: Celebrado um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, a resolução da promessa e a perda ou a restituição do sinal em dobro pode ter lugar, tanto se se verificar incumprimento definitivo, como em caso de simples mora.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

A... e mulher B..., residentes no lugar de ... Tondela, intentaram acção declarativa sumária, contra C... e mulher D... , ele residente na ..., em Águeda, e ela no lugar .... Águeda, pedindo que os réus sejam condenados a pagar-lhes a quantia de 2.341.139$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação.

Alegam, em suma, que, por contrato-promessa reduzido a escrito, em 10 de Setembro de 1999, o réu prometeu, com o conhecimento e consentimento da ré-mulher, vender-lhes, pelo preço de 18.500.000$00, o prédio identificado no art.º. 1º da p. i., tendo recebido dos autores, no acto da outorga, como sinal e princípio de pagamento, a quantia de 1.000.000$00; que ficou acordado que a escritura de compra e venda seria feita no prazo de 30 dias, “após o deferimento do empréstimo”, obrigando-se os réus a comparecerem no Cartório Notarial quando fossem para tal solicitados ou, em alternativa, a entregarem ao autor uma procuração irrevogável para venda; que, depois de terminadas todas as diligências e reunidos todos os documentos necessários, os autores avisaram pessoalmente e por escrito os réus para comparecerem no Cartório Notarial de Águeda para a realização da escritura, o que fizeram por duas vezes, mas, nos dias e horas marcados, apenas compareceu, no Cartório Notarial, o réu-marido que afirmou categoricamente que não assinava nem assinaria nunca porque a mulher não consentia na venda; que tiveram despesas bancárias, com registos e marcação da escritura, no valor de 341.139$00, cujo pagamento reclamam, acrescido do valor correspondente ao dobro da quantia que entregaram a título de sinal.

Contestou apenas a ré-mulher, alegando, em síntese que se encontrava separada de facto do réu-marido desde 15.06.1998 e só teve conhecimento do contrato-promessa depois de ele o ter assinado, não tendo, pois, recebido qualquer quantia dos autores; que deu, no entanto, autorização, por escrito, para a celebração da venda e assinou todos os documentos que lhe foram solicitados para o efeito, pois tinha interesse na concretização do negócio, não tendo sido por sua culpa que o negócio se não realizou.

E conclui pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador, no qual se declarou válida e regular a instância e se procedeu à selecção da matéria de facto assente e da que passou a constituir a base instrutória.

Realizado o julgamento, e respondida a matéria de facto controvertida, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, com a consequente absolvição de ambos os réus do pedido.

 Inconformados, os autores interpuseram a presente apelação cuja alegação concluem, resumidamente, sustentando a revogação da decisão recorrida, que afirmam enfermar da nulidade do art.º 668º nº 1 als b) e d) do C.P.Civil, e a total procedência da acção, por os factos apurados demonstrarem que os réus não queriam cumprir definitivamente o contrato prometido.

 Não foram apresentadas contra-alegações.

 Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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 Os Factos

 O tribunal a quo julgou provados os seguintes factos que as partes não impugnaram nem esta Relação vê motivo para alterar:

1. Por documento escrito, em 10 de Setembro de 1999, o réu prometeu vender, pelo preço de 18.500.000$00 (€ 92.277,61) um apartamento para habitação no 2º andar direito do Edifício Panorama do Rio Um, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 3.164 – F, nos termos constantes do documento de fls. 6, que se dá por integralmente reproduzido – alínea A) da matéria assente;

  2. No acto da outorga, o réu recebeu dos autores e deu quitação como sinal e princípio de pagamento do referido preço, a quantia de 1.000.000$00 – alínea B) da matéria assente;

3. No documento referido em 1.) foi estabelecido e acordado que: “A escritura pública será marcada no prazo máximo de 30 dias após o deferimento do empréstimo, obrigando-se o primeiro outorgante a comparecer, bem como a sua ex-esposa ou, em alternativa, a entregar ao segundo outorgante a respectiva autorização para que a venda se possa efectuar” – alínea C) da matéria assente;

4. Os autores fizeram todas as diligências para obter o dito empréstimo e todos os documentos necessários à realização da escritura – alínea D) da matéria assente;

5. Depois de terminadas todas as diligências e reunidos todos os documentos necessários, os autores avisaram pessoalmente e por escrito os réus para comparecerem a hora e dia determinados no Cartório Notarial de Águeda para realização da escritura definitiva de venda, o que fizeram por duas vezes – alínea E) da matéria assente;

6. Na data referida em 1.), o réu era detentor do documento de fls. 7, no qual a ré- mulher declara - com assinatura notarialmente reconhecida - que autoriza o seu marido a vender “o apartamento sito na Rua da Carapateira, 2º dtº. em Águeda”, referindo que tal “documento só é valido no prazo de seis meses – alínea F) da matéria assente;

7. Os réus assinaram o documento constante de fls. 8 a 11, que aqui se dá por reproduzido, referente a requisição de registo em que consta: “Declaramos – o apresentante e mulher D...– casados no regime de comunhão de adquiridos, que a favor dos rectro indicados compradores se registe a aquisição provisória do referido prédio que prometemos vender-lhe por Esc. 10.000.000$00”, tendo as assinaturas de ambos sido reconhecidas – alínea G) da matéria assente;

8. O réu prometeu vender nos termos constantes do ponto 1.) com conhecimento e consentimento da ré – resposta ao artigo 1º da base instrutória;

9. Os autores, convencidos que a dita promessa de venda seria cumprida tiveram as seguintes despesas: Esc. 51.935$00 em despesas de registo, Esc. 37124$00 em despesas de registo, Esc. 17.595$00 em despesas de escritura, Esc. 17.580$00 em despesas de escritura, Esc. 66.900$009 em despesas bancárias e Esc. 150.000$00 em despesas de advogado – resposta ao artigo 4º da base instrutória;

10. Os réus, desde 15.05.1998, vivem pessoal e economicamente separados, tendo cada um vida autónoma e independente, não havendo entre eles qualquer comunhão de vida ou interesses – resposta ao artigo 5º da base instrutória;

11. A ré sempre esteve e está interessada em que a escritura se faça – resposta ao artigo 6º da base instrutória.

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O Direito
Como é sabido são as conclusões da alegação que delimitam o objecto do recurso (art.ºs 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do C.P.Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.
                    Importa, assim, apreciar da justeza da decisão recorrida quando conclui pela improcedência da acção, com fundamento em que, no âmbito contrato-promessa de compra e venda de imóvel, a resolução da promessa e a perda ou a restituição do sinal em dobro só pode ter lugar verificando-se incumprimento definitivo, não em caso de simples mora; e, eventualmente, se a sentença recorrida padece de nulidade.
Como decorre do art.º 410º n.º 1 do C. Civil, o contrato-promessa é “uma convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”. Quer dizer, o contrato-promessa cria a obrigação de contratar, de realizar o contrato prometido.       

Por isso, o cumprimento do contrato-promessa só se verifica com a celebração do contrato prometido. No caso ora em apreço, o contrato prometido foi a compra e venda de um apartamento.

Consequentemente, pode verificar-se incumprimento do contrato-promessa até mesmo quando tenha havido tradição da coisa objecto do contrato prometido ou definitivo; esta possibilidade é, aliás, expressamente admitida pelo n.º 2 do art.º 442º do mesmo Código Civil.

O incumprimento - como  se sabe - pode consistir num mero atraso ou retardamento no cumprimento da obrigação, a que se dá o nome de mora.
O tribunal recorrido entendeu não ter havido incumprimento por parte dos réus e que, de qualquer forma, o direito de pedir a resolução da promessa e a restituição do sinal em dobro não se bastava com a simples mora, antes exigindo a conversão desta em incumprimento definitivo. 
Julgou mal, a nosso ver.
Com efeito, resulta da matéria apurada ter havido pelo menos atraso do réu-marido no cumprimento do contrato, isto é, mora, porquanto tendo acordado com o autor que a escritura pública do contrato prometido seria marcada no prazo máximo de 30 dias após o deferimento do empréstimo a este concedido, obrigando-se a comparecer, com a sua esposa ou, em alternativa, a entregar ao segundo outorgante a respectiva autorização para que a venda se pudesse efectuar, nunca compareceu, no Cartório Notarial de Águeda, para realização da escritura definitiva de venda, das duas vezes em foi avisado pessoalmente e por escrito. O que, nos termos do art.º 799º do C. Civil, se tem de presumir por culpa sua.
Ora, o contrato-promessa em apreço foi celerado em 10 de Setembro de 1999, sendo-lhe, consequentemente, aplicável o disposto nos art.ºs 442º e 830º do C. Civil, na redacção introduzida pelo Dec. Lei n.º 379/86, de 11/11.

E, nos termos do n.º 2 do citado art.º 442º, o contraente que constituiu o sinal tem direito a exigir do promitente não cumpridor a sua restituição em dobro. Sendo que, da conjugando desse referido n.º 2 como n.º 3 do mesmo preceito, resulta hoje – contrariamente ao defendido pela Sr.ª Juiz recorrida – que o direito de pedir o sinal em dobro pode ser exercido logo que o promitente-alienante incorra em mora, isto é, sem necessidade de, previamente, nos termos do art.º 808º do C. Civil, converter a mora em não cumprimento definitivo ( vide Ac. STJ de 18-3-97 in Col. Jur/STJ ano V, tomo I, 161 e Ac. STJ de 10-2-98 in Col. Jur /STJ  ano VI, tomo I, 63 e a doutrina e jurisprudência neste mencionada).
Por outras palavras – como ensina Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed. pag 376  – «... a parte inocente, uma vez verificada a mora, pode prevalecer-se das consequências desta ou exercer o direito potestativo de transformá-la, de imediato, em não cumprimento definitivo, sem observância de qualquer dos pressupostos indicados no n.º 1 do art.º 808º ».
Ou, como expressivamente afirma Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 10ª ed. vol. 1, pag. 360 — «embora afectada pelo erro de nascença que envenena a sua raiz, a equiparação da mora à falta definitiva de cumprimento da obrigação, na área da promessa sinalizada virou lei, através do novo texto do artigo 442° - e há que respeitá-la, em nome do dever de obediência à lei, proclamado solenemente do alto do trono do artigo 8° do Código Civil».

A tese sustentada pela Sr.ª Juiz recorrida era defensável antes das alterações introduzidas ao citado art.º 442º pelo Dec. Lei n.º 379/86. A partir, porém, das modificações operadas no regime do contrato-promessa por tal diploma, deixou de fazer sentido semelhante entendimento.

Nada obstava, assim, ao invés do decidido, que ambos os réus [também a ré-mulher, nos termos do art.º 1691º nº 1 al. a) do C. Civil, porque embora não tivesse intervindo no contrato-promessa deu, porém, expresso consentimento ao negócio] fossem condenados a restituir aos autores, em dobro, a quantia que o réu-marido deles recebeu a título de sinal, nos termos do já citado n.° 2 do art° 442° do C. Civil.

 Mas já não, como ainda pedem os autores, a quantia de 341.139$00 por despesas realizadas na expectativa do cumprimento do contrato, porquanto, de acordo com o nº 4 do citado art.º 442º do C. Civil, «na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento em dobro deste ….»

A apelação terá, assim, de proceder nos termos referidos.

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E, do que se acaba de decidir, resulta imediatamente prejudicado o conhecimento da suscitada questão da nulidade da sentença recorrida.

Decisão

Nos termos expostos, acordam em:

1 -            julgar parcialmente procedente a apelação, com a consequente revogação da sentença recorrida;

2 -            julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenar os réus  a entregarem aos autores a quantia de €  9 975, 96 ( equivalente a 2.000.000$00), correspondente ao dobro do valor do sinal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

Custas por autores e réus, em ambas as instâncias, na proporção da sucumbência.