Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
89/10.4GTCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
Data do Acordão: 11/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 69º, N.º 2, DO C. PENAL
Sumário: O art.º 69º, n.º 2, do C. Penal, ao preceituar que “a proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão”, apenas significa que a sentença só possui força executiva, no sentido de impor o cumprimento da proibição de conduzir, após o trânsito em julgado e não já que a execução da pena acessória se inicia com tal trânsito, independentemente da efectiva entrega ou apreensão do título de condução.
Decisão Texto Integral:

13

I. Relatório

1. No âmbito do processo n.º 89/10.4GTCTB do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, mediante acusação pública, foi o arguido A..., melhor identificado nos autos, submetido a julgamento em processo comum, sendo-lhe, então, imputada a prática de um crime de violação de proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal – [cf. fls. 46/48].

2. Realizado o julgamento com a intervenção do Tribunal singular, veio o arguido a ser condenado, por sentença de 12.04.2011 pela prática do sobredito crime na pena de 130 dias de multa à razão diária de € 5,00 – [cf. fls. 77/82].

3. Inconformado, com a decisão recorre o Ministério Público, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

3.1. Na sentença recorrida o arguido A... foi condenado pela prática de um crime de violação de proibições e de interdições, previsto e punido pelo art.º 353º do Código Penal, nela dando-se como provado que no âmbito do processo abreviado n.º 925/09.8PBCTB que correu termos no 1.º Juízo deste Tribunal foi o arguido condenado, por sentença transitada em julgado no dia 30 de Abril de 2010, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de cinco meses, tendo o arguido entregue a sua carta de condução para cumprimento de tal pena acessória no dia 25 de Junho de 2010 e a mesma foi-lhe devolvida no dia 25 de Novembro de 2011.
3.2. Porém, no dia 25 de Maio de 2010, cerca das 03h59, o arguido conduzia o veículo de matrícula …, na E.N. n.º 112, ao Km 94, em Castelo Branco, área desta comarca, entendendo-se assim que o arguido, apesar de ter perfeito conhecimento que se encontrava proibido de conduzir veículos automóveis no período em causa pela pena aplicada por sentença judicial devidamente transitada em julgado, quis conduzir o veículo nas circunstâncias aludidas, pelo que cometeu o referido crime.
3.3. Ora, afigura-se-nos que não se mostram preenchidos os elementos objectivos do tipo de crime em causa, porquanto a pena acessória ainda não se encontrava a ser cumprida.
3.4. Porém, o Meritíssimo Juiz a quo considerou ter existido uma violação da proibição de conduzir veículos com motor ainda que os factos tenham ocorrido no dia 25 de Maio de 2010 e o arguido tenha procedido à entrega da sua carta de condução no dia 25 de Junho de 2010.
3.5. Pelo que a questão que se levanta é essencialmente a de saber se a execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor impõe a afectiva entrega ou apreensão do título de condução ou não, bastando para tanto o trânsito em julgado da sentença, entendendo-se que somente se inicia a sua execução após a entrega ou apreensão da carta de condução.
3.6. O preceituado no art.º 500º do Código Penal que, em consonância com o n.º 3 do art.º 69º do Código Penal estabelece um prazo 10 dias após o transito em julgado da decisão condenatória, para que o condenado proceda à entrega do título de condução, dispondo por sua vez o n.º 4 do referido art.º 69º do Código Penal que a licença fica retida na secretaria do tribunal durante o tempo que durar a proibição, fazendo-as assim uma correspondência entre o tempo retenção do título de condução e o tempo proibição conduzir.
3.7. Se tudo se passasse como se entende na sentença recorrida, ou seja que a execução da pena acessória se iniciaria com o trânsito em julgado da decisão condenatória, tal levaria à necessidade de se proceder a um desconto do tempo que decorresse entre o trânsito e a efectiva apreensão.
3.8. Por outro lado, não há razões para traçar um regime diferente entre o regime da pena acessória da proibição de conduzir e da sanção acessória da inibição de conduzir, prevista no Código da Estrada, onde se prevê apreensão dos títulos de condução para cumprimento da inibição de conduzir, sendo que a não ser assim o Código da Estrada teria um regime de execução mais rigoroso do que o resultante do Código Penal.
3.9. Acresce que a execução da pena acessória da proibição de conduzir sem a efectiva apreensão do título de condução, legítima na prática o condutor condenado que continue a conduzir, levando a um sério risco de um cumprimento meramente formal da pena acessória, contrário ao efectivo cumprimento que o legislador certamente quis.
3.10. Nos casos em que o título de condução não foi entregue pelo arguido, nem se encontra aprendido, o cumprimento da pena acessória inicia-se após o trânsito em julgado da decisão condenatória, no dia em que se verifique a entrega ou apreensão do referido título condução.
3.11. Nos termos do art. 469º do Código de Processo Penal “compete ao Ministério Público promover a execução das penas e das medidas de segurança”, o que significa que a execução das penas não é nem automática, nem da iniciativa oficiosa do tribunal. Processa-se mediante iniciativa e promoção do Ministério Público, devendo a execução processar-se sob o controlo um juiz (art. 470º, n.º 1 do Código de Processo Penal), actividade que seria inútil se o início do cumprimento da pena resultasse automaticamente do trânsito em julgado.
3.12. Ora, assim sendo no dia 25 de Maio de 2010, cerca das 3 horas e 59 minutos, a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor ainda não se encontrava em execução e, como tal, não poderia o arguido estar a violar tal proibição, devendo por isso ser absolvido da prática do crime de violação de proibições e de interdições, previsto e punido pelo art.º 353º do Código Penal, a que foi condenado na sentença recorrida.

Termos em que deve a sentença ser revogada, absolvendo-se o arguido do crime pelo qual foi condenado.

4. Ao recurso respondeu o arguido, concluindo:

1. O Arguido concorda na íntegra com Recurso interposto pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público. E isto porque,
2. Não se mostraram preenchidos os elementos objectivos do crime de violação de proibições e de interdições, previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal.
3. Apesar da sentença do processo abreviado n.º 925/09.8PBCTB que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, ter transitado em julgado em 30 de Abril de 2010, não existiu uma violação da proibição de conduzir veículos com motor ainda que os factos tenham ocorrido no dia 25 de Maio de 2010 e o Arguido tenha procedido à entrega da carta de condução no dia 25 de Junho de 2010.
4. A pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor ainda não se encontrava em execução e, como tal, o arguido não poderia estar a violar tal proibição.
5. Termos em que, deve a Douta Sentença ser revogada, absolvendo-se o Arguido do crime pelo qual foi condenado, assim sendo, Vossas Excelências farão a acostumada JUSTIÇA!

5. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este Tribunal – [cf. fls. 100].

6. Na Relação, o Ilustre Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso merecer inteiro provimento – [cf. fls. 108/109].

7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, veio o arguido manifestar a sua concordância com o parecer do Ministério Público – [cf. fls. 111].

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].
No caso concreto, perante as conclusões de recurso apresentadas, a única questão a decidir traduz-se em saber se incorre na prática do crime de Violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal, aquele que, como o arguido, após o trânsito em julgado de sentença criminal condenatória em pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, mas antes de o título de condução ter sido apreendido ou objecto de entrega [cf. n.º 3 do artigo 69.º do Código Penal e 500.º, n.º 2 do CPP], conduz na via pública veículo de tal natureza.

2. A decisão recorrida

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

1. No âmbito do processo abreviado nº 925/09.8PBCTB que corre termos no 1.º Juízo deste Tribunal foi o arguido condenado, por sentença transitada em julgado no dia 30 de Abril de 2010, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena acessória de proibição de conduzir de veículos a motor pelo período de cinco meses.
2. O arguido entregou a sua carta de condução para cumprimento de tal pena acessória no dia 25 de Junho de 2010 e a mesma foi-lhe devolvida no dia 25 de Novembro de 2011 – cfr. fls. 44.
3. Porém, no dia 25 de Maio de 2010, cerca das 03h59, o arguido conduzia o veículo de matrícula …, na E.N. 112, ao Km 94, em Castelo Branco, área desta comarca.
4. O arguido, apesar de ter perfeito conhecimento que se encontrava proibido de conduzir veículos automóveis no período em causa pela pena aplicada por sentença judicial devidamente transitada em julgado, quis conduzir o veículo nas circunstâncias aludidas.
O arguido agiu de modo livre e voluntário, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
5. O arguido já foi julgado e condenado:
- numa pena de 100 dias de multa à razão de 5,00 Euros por dia, num total de 500,00 Euros, pela prática de um crime de injuria agravada, sendo a prática de 26.02.2010 e a decisão de 09.03.2010;
- numa pena de 80 dias de multa à razão de 05,00 Euros por dia, num total de 400,00 Euros, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, sendo a data dos factos de 26.12.2009 e a sentença de 22.03.2010.

No que concerne aos factos não provados ficou consignado:

“Em face da prova produzida e analisada em julgamento, não ficou assente qualquer outra factualidade, designadamente, que no dia 25.02.2010 o arguido tivesse a sua carta de condução apreendida para cumprimento da proibição de conduzir aplicada pela sentença proferida no processo abreviado n.º 925/09.8PBCTB que correu termos neste 1.º Juízo deste Tribunal, transitada em julgado no dia 30 de Abril de 2010.”

Em sede de motivação da matéria de facto mostra-se exarado:
“O Tribunal formou a sua convicção acercada matéria de facto provada e não provada com base na prova documental junta aos autos e bem assim com base na prova testemunhal ouvida em julgamento que a confirmou.”

3. Apreciando

Ao invés do que resulta da decisão recorrida, defende a Ilustre recorrente não poder o arguido sofrer condenação pela prática do crime, p. e p. pelo artigo 353.º do Código Penal, dado que, tendo sido considerado não provado que no dia 25.02.2010 o mesmo tivesse a sua carta de condução apreendida para cumprimento da proibição de conduzir aplicada pela sentença proferida no processo abreviado n.º 925/09.8PBCTB, o termo inicial da pena acessória em que foi condenado ainda não havia ocorrido.

Vejamos.

Previamente importa assentar nos dados pertinentes resultantes da sentença.

Temos, assim, que:
a) Por sentença proferida no âmbito do processo abreviado n.º 925/09.8PBCTB, transitada em julgado no dia 30.04.2010, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de cinco meses;
b) No dia 25.05.2010 o arguido conduziu na via pública veículo automóvel;
c) O arguido, apenas, entregou a sua carta de condução – a qual não se mostrava apreendida nos autos - para cumprimento de tal pena acessória no dia 25.06.2010.

No domínio do direito importa chamar à colação os seguintes preceitos:

Artigo 69.º do Código Penal

1. É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:
a) Por crime previsto nos artigos 291º ou 292.º;
b) (…)
c (…)
2. A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.
3. No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo.
4. A secretaria do tribunal comunica a proibição de conduzir à Direcção – Geral de Viação no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento do disposto no número anterior.
5. (…)
6. Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança.
7. (…).

Artigo 500.º do Código de Processo Penal

1. A decisão que decretar a proibição de conduzir veículos motorizados é comunicada à Direcção - Geral de Viação.
2. No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo.
3. Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.
4. A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular.
5. (…)
6. (…)

A questão de saber quando se inicia o cumprimento da pena acessória não é nova e não tem colhido resposta unânime por parte dos tribunais superiores.
Não obstante, podemos adiantar que a posição defendida pela Ilustre recorrente, no sentido de que o respectivo cumprimento se inicia com a entrega voluntária ou a apreensão do título de condução e não já, nos casos em que a carta não se mostra apreendida nem foi objecto de entrega voluntária no prazo legal, com o trânsito em julgado da sentença, se tem revelado maioritária – [cf. a título exemplificativo, os acórdãos do TRC de 01.03.2007 [proc. n.º 239/04.0GTAVR – A], e de 18.10.2006 [disponível in www.dgsi.pt], do TRE de 10.11.2005 e de 29.03.2005 [disponíveis in www.dgsi.pt], do TRL de 24.01.2007 [disponível in www.dgsi.pt], do TRP de 07.12.2005 e de 14.06.2006 [disponíveis in www.dgsi.pt], do TRG de 10.03.2003, CJ, XXVIII, T. 2, 285].
Em seu abono têm-se dito que o artigo 69.º, n.º 2 do Código Penal ao estabelecer que A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão é compatível com o entendimento de que o efeito a que aí se faz referência é o da exequibilidade da decisão condenatória o que não é a mesma coisa da execução propriamente dita.
Com efeito, sendo certo que o artigo 467º, n.º 1 do Código de Processo Penal enuncia um princípio geral comum a todas as decisões condenatórias, qual seja o da sua execução imediata, como salienta Manuel António Lopes Rocha exequibilidade ou execução enquanto actividade judiciária direccionada a promover a efectiva realização da sanção aplicada, não é o mesmo que cumprimento ou execução enquanto actividade que visa materializar aquela execução – [cf. “Execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade”, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 476].
Também sobre o início da execução das penas escreve Germano Marques da Silva, A sentença condenatória, transitada em julgado, tem imediata força executiva, mas não se executa automática nem oficiosamente, implica a prática de actos de execução e a sua promoção pelo Ministério Público[cf. Direito Penal Português, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Verbo, 216].
Assim, o n.º 2 do citado artigo 69º apenas significaria que a sentença só possui força executiva, no sentido de impor o cumprimento da proibição de conduzir, após o trânsito em julgado e não já que a execução da pena acessória se inicia com tal trânsito, independentemente da efectiva entrega ou apreensão do título de condução.
De facto, julga-se ser esta a posição que melhor se adequa ao pensamento legislativo e à unidade do sistema, evitando-se, desta forma, apreensões abusivas dos títulos de condução, nomeadamente por ocasião da infracção.
Tal interpretação, para além de ser a que melhor se compatibiliza com o n.º 3 do aludido artigo 69.º, que concede ao condenado o prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença para entrega do título de condução, harmoniza-se, ainda, com a disciplina gizada no âmbito do ilícito contra – ordenacional, no Código da Estrada, enquanto prevê a necessária apreensão dos títulos de condução como condição sine qua non do efectivo cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir [cf. artigos 160.º, nºs 1, 3 e 4 e 182.º, n.ºs 1 e 2, al. a)], mal se entendendo que no que respeita à pena acessória correspondente à infracção criminal [de maior gravidade] o legislador se satisfizesse com a mera contagem do lapso temporal da respectiva vigência formal, imediatamente sequencial ao trânsito em julgado da referente decisão, em absoluto alheada de qualquer rigor garantístico do correspondente cumprimento pelo sujeito passivo – aliás expressamente prevenido e disciplinado -, juízo que, por desconforme à própria enunciada regulamentação legal, paradoxal e juridicamente absurdo, é de todo vedado ao interprete, como postulado pelo citado art.º 9.º do Código Civil – [cf. acórdão TRC de 01.03.2007, proc. n.º 239/04.0GTAVR – A].
Parece, pois, isento de dúvida que a vontade do legislador vai no sentido de que a pena acessória seja efectivamente cumprida, o que não deixa de resultar do n.º 6 do artigo 69.º do Código Penal ao estabelecer que não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança.
O argumento [que tem servido a tese contrária] de que a eliminação por parte da Comissão de Revisão do Código Penal, que introduziu a redacção do actual n.º 2 do artigo 69.º, do segmento [que no Anteprojecto de 1987] previa o desconto no período de cumprimento da proibição de conduzir do prazo decorrido entre a data do trânsito da condenação e a entrega do título de condução, não possui, com o devido respeito, o significado que lhe é atribuído.
Na verdade, como evidencia o acórdão do TRC de 05.12.2007 [proc. n.º 178/06.0GTCBR], o qual por merecer a nossa inteira concordância, com vénia, se transcreve, Ao contrário do que numa leitura desacompanhada parece resultar da letra do n.º 2 do art. 69º do Código Penal, aquele dispositivo apenas pretendeu esclarecer que a proibição apenas se torna exequível a partir do trânsito em julgado da decisão (e foi com esse sentido que se escolheu a expressão dúbia “produz efeito”). Foi esse o propósito do legislador, como resulta da discussão que teve lugar na Comissão de Revisão “Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, Ministério da Justiça, 1993, pág. 75. Efectivamente, no Anteprojecto constava um n.º 4 al. b) que estipulava que “não conta para o prazo da proibição o tempo (…) que tenha decorrido entre a data do trânsito da condenação e a entrega da licença …”. Na discussão deste artigo o Conselheiro Manso Preto propôs que ficasse claro no texto que a medida se torna eficaz com o trânsito em julgado da decisão ao que o Professor Figueiredo Dias retorquiu que tal ideia resulta já da alínea b) do n.º 4. Dessa discussão resultou a alteração da redacção de molde a recolher a menção expressa à produção de efeitos após o trânsito em julgado. Da forma como a questão é colocada no seio da Comissão e da expressão utilizada pelo Conselheiro Manso Preto (tornar eficaz), por confronto com a redacção do n.º 4 al. b do Anteprojecto, decorre que a preocupação da Comissão era apenas a de deixar bem claro que a pena acessória não era cumprida entre a prolação da sentença e o seu trânsito em julgado, certamente sensibilizados por alguma prática judiciária da época (…).
Retomando o caso em apreço nos presentes autos, em coerência com o que se vem defendendo, tem de se concluir que assiste razão à Ilustre recorrente, já que à data em que o arguido, ora recorrido, exerceu a condução [25.05.2010] ainda a pena acessória de proibição de conduzir não se mostrava em execução, dado que a entrega do título de condução com vista ao cumprimento da mesma só veio a ocorrer em 25.06.2010, circunstância que, em nosso entender, compromete, irremediavelmente, a subsunção da conduta no crime p. e p. pelo artigo 353º do Código Penal, pois não é possível ver no exercício da condução - levada a cabo no aludido dia 25.05 - a violação de uma proibição, cujo inicio de execução viria a ocorrer em data posterior – com a entrega da carta -, isto não obstante o trânsito em julgado da sentença.
Afigura-se-nos, ser esta a interpretação que melhor se adequa ao pensamento legislativo e à unidade do sistema jurídico [artigo 9.º do CC].
Nesta conformidade só resta revogar a decisão recorrida e, como tal, absolver o arguido/recorrido.

III. Decisão

Nos termos expostos, acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, na procedência do recurso, em revogar a sentença recorrida e, em consequência, absolver o arguido A... da prática do crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353º do Código Penal.

Sem custas


Maria José Nogueira (Relatora)
Isabel Valongo