Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
539/06.4TAILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIX ALMEIDA
Descritores: FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO AUTÊNTICO
CARTA DE CONDUÇÃO
Data do Acordão: 06/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 256º, 3 CP
Sumário: Para efeitos do nº 3 do artº 256º do CP, o formulário ou modelo em que o arguido declarou o falso extravio da sua carta e requereu, com esse fundamento, a emissão de uma segunda via da mesma,não é nem documento autêntico nem equiparado.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na secção criminal:
Nos autos epigrafados, o Ministério Público acusou, em processo comum com intervenção de tribunal singular,
A…, casado, vendedor, nascido a 14.01.65, filho de B… e de C …, natural da Sé Nova, Coimbra, e residente na Rua Brigadeiro Correia Cardoso,
imputando-lhe a autoria material de um crime de falsificação, p. e p. pelo art.º 256.º, 1 b) do Cód. Penal.
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Factos provados:
1. O arguido, no dia 9 de Outubro de 2003, dirigiu-se à Direcção Geral de Viação do Centro, em Coimbra, e ai declarou ter-se extraviado a sua carta de condução n.º C-344450 por causas desconhecidas, após o que preencheu e assinou, pelo seu próprio punho, uma declaração requerendo a emissão da carta de condução, na qual declarou ainda ficar perfeitamente ciente de que no caso de se vir a comprovar a falsidade dessa declaração incorria em responsabilidade criminal.
2. Sucede porém que o conteúdo de tal declaração não correspondia à verdade, pois naquela data o arguido mantinha na sua posse a sua carta de condução n.º C-344450, a qual veio a ser por si entregue no dia 13 de Outubro de 2003, no âmbito do NUIPC 674/03.0GBILH, que correu termos pelo 1º° Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo e no qual o arguido havia sido condenado, por sentença proferida a 21 de Agosto de 2003, na pena de 105 dias de multa, à razão diária de € 3 e na proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de três (3) meses.
3. Em 13 de Outubro de 2003 a INCM emitiu outra carta de condução, que depois foi entregue, pela Direcção Regional de Viação do Centro, ao arguido, no dia 31 de Dezembro de 2003.
4. Actuou o arguido livre e conscientemente, com o propósito de continuar a ter na sua posse uma carta de condução, que lhe permitia continuar a conduzir veículos automóveis iludindo a actividade fiscalizadora das entidades policiais durante o período em que se encontrava proibido de conduzir por sentença transitada em julgado.
5. Sabia que praticava acto proibido e punido por lei penal.
6. Foi condenado, a 2.07.97, pela prática, a 28.02.91, de um crime de emissão de cheque sem provisão, em 90 dias de multa;
em 97, pela prática, a 24.02.95, de um crime de emissão de cheque sem provisão, em 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos;
a 15.11.2000, pela prática, a 8.07.95 e 26.03.96, dos crimes de abuso de confiança ( 1 ) e falsificação de documento ( 1), respectivamente, em 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, condicionalmente;
a 21.08.2003, pela prática, a 24.07.2003, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em 105 dias de multa;
a 28.11.2003, pela prática, a 29.07.91, de um crime de emissão de cheque sem provisão, em 130 dias de multa;
a 16.04.2004, pela prática, a 28.03.2001, dos crimes de desobediência e falsidade de depoimento ou declaração, em 19 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, condicionalmente;
a 20.10.2006, pela prática, a 17.07.2004, de um crime de desobediência, em 69 dias de multa.
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Factos não provados:
Inexistem.
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Face ao que se decidiu condenar o arguido A… , pela autoria material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos art.ºs 255.º a) e 256.º, 1 b) e 3, ambos do Cód. Penal, na redacção do Dec. Lei 48/95, de 15.03, e art.ºs 255.º, a) e 256.º, 1 d) e 3 do Cód. Penal, na redacção da Lei 59/2007, de 4.09, na pena de quinze (15) meses de prisão efectiva.
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Inconformado recorre, conclusando:
I. A decisão estabelecida pela sentença recorrida não é adequada.
II. 0 Arguido e ora recorrente solicitou à direcção Geral de Viação a emissão de uma segunda via da sua carta de condução por verdadeiramente nao saber do seu paradeiro.
III. Mas, foi levado pela vontade e consciência do seu dever de cumprir a sentença que o havia condenado a entregar a sua carta de condução.
IV.As declarações por si prestadas no formulário de pedido de segunda via eram verdadeiras.
V.Pelo que não falsificou a declaração enquanto documento.
VI.Devendo, por conseguinte, ser absolvido da prática do crime pelo qual foi acusado.
VII.Contudo, a considerar-se que o arguido tinha em seu poder a carta de condução original, não deve ser tido como documento, nos termos do artigo 255º a) do Código Penal, o formulário de pedido de segunda via.
VIII.Ainda mais, as declaraç5es nele constante nao são juridicamente relevantes para os efeitos dos artigos 255º a) e 256º n01 b) do Código Penal.
IX.E obrigação do funcionário público proceder à confirmação de todas as informaç5es que lhe são prestadas para a emissão de um documento.
X.Não existe, no sistema penal português, nenhuma incriminação da falsa documentação indirecta e da indução em erro de funcionário. ficando esta sítuaÇao apenas sujeita aos mecanismos de invalidação dos actos jurídicos do direito civil.
XI.Nao houve dolo do arguido ora recorrente, mas quando muito erro sobre o que seja um documento.
XII.No entanto, entendendo este Tribunal que a conduta em apreço se refere à declaração no formulário e, como. consubstanciadora da prática de um ilícito.
XIII.Esta declaração encontra-se num documento simples e nao num documento autêntico.
XIV.Pelo que preenche o tipo legal previsto na alínea b) do n01 do artigo 256º e não no n03.
XV.Sendo, deste modo, a moldura penal abstracta a ter em consideração inferior àquela a que se atendeu na douta sentença recorrida.
XVI. As exigências de prevenção geral e especial afastam a necessidade e a adequação da aplicação de uma pena de prisão efectiva.
XVII.O recorrente encontra-se reabilitado e pauta a sua vida de acordo com o direito – é casado, pai de dois filhos menores, tem emprego fixo e encontra-se perfeitamente inserido na comunidade onde vive.
XVIII Deste modo5 considera-se que através da aplicação da pena de multa ou da substituição por suspensão da execução da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as exigências de prevenção geral e especial.
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Respondeu o M.P., pugnando pelo parcial improvimento, sendo e idêntico sentido, o Parecer do Ex.mo PGA.
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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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As declarações prestadas oralmente na audiência foram documentadas em acta por referência aos suportes técnicos, nos termos do disposto no art0 363º do C.P.P., pelo que em recurso este Tribunal da Relação poderá conhecer da matéria de facto e de direito.
Alega, em resumo, que (e são as “conclusões” que delimitam o objecto do recurso) que a decisão prolatada padece do vício de erro notório na apreciação da prova e que o tribunal “a quo”julgou incorrectamente os factos, pois não foi produzida prova que permitisse dar como provado o ponto 10 da decisão.
Termina, pedindo a este Tribunal, a condenação do arguido pela prática do crime imputado, pois não o tendo condenado, violou o tribunal “a quo “os art0s 137º, 26º e 15º, todos do C.P..
No essencial, o recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, para em seguida argumentar que o Tribunal não respeitou o resultante da audiência de discussão e julgamento e concluir que o sentido decisório proferido se mostra em desconformidade com a prova produzida, dizendo que não foi produzida prova que permitisse dar como provado o facto 10.
Ora, os recorrentes têm que cumprir o disposto no artº 412º nº 3 alíneas a) b) e c) 4 e 6 do CPP.
Não existindo nessas conclusões a indicação precisa dos pontos de facto incorrectamente julgados, quais as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas, bem como a referência ao consignado nas actas de audiência, sobre a 1ocalizaç~o das passagens da documentação em que tais provas se encontram para que se proceda à sua audição, a fim de aquilatar da modificação da decisão em termos factuais, tal incumprimento impede o Tribunal da Relação de conhecer do objecto do recurso em matéria de facto.
A referência às provas que impõem decisão diversa e quais as que devem ser renovadas e a referência às actas em que tal prova está documentada, visa, em suma, possibilitar ao tribunal de recurso verificar a conformidade daquilo que as testemunhas disseram ou não disseram em julgamento, para avaliar os factos provados e não provados (objecto de controvérsia), ou seja, verificar se tais depoimentos, apreciados e valorados pelo tribunal de acordo com as regras da experiência comum, da lógica e dos critérios da normalidade — de acordo com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.0 127º do CPP, a que o tribunal se encontra vinculado — impõem decisão diversa daquela a que o tribunal chegou.
”O labor do Tribunal da 2ª Instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova, nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida (art.0 412 nº 3 ais a) b) e c) do CPP e levam à transcrição (nº 4 do artº 412º do CPP)[1] Acórdão do STJ de 24.10.2002, Proc. 2124/20002.[1].
Se o recorrente não cumpre esses deveres não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados, com referência às provas e respectivos suportes”.
Não tendo o recorrente cumprido o ónus de especificar, as provas que devem ser renovadas e indicar, com referência às actas os excertos, os pontos que, em seu entender, impõem uma decisão diversa, limitando-se na sua motivação a tecer considerações sobre a forma como o tribunal apreciou a prova produzida, no rigor do cumprimento do disposto no artº 417º n0 3 do C.P.P., deveria convidar-se o recorrente a aperfeiçoar o seu recurso sobre a matéria de facto.
Contudo, como o que se depreende das conclusões do recurso interposto, é que o recorrente apenas pretende atacar a forma como o tribunal a qua valorou a prova produzida, e conhecer do vício a que alude o artº 410º n.0 2 c) do CPP., que é ali invocado, entendemos não se tornar necessário proceder a tal convite, até porque questiona, sobremaneira se é que não mesmo exclusivamente, a sentença em matéria de direito.
Diz que o impresso ou formulário não é um documento e as declarações que prestou no requerimento em que solicitou a segunda via da sua carta de condução não correspondem a uma declaração de facto jurídico relevante para a emissão de um documento, desde logo porque é obrigação do funcionário público proceder à confirmação de todas as informações que lhe são prestadas
Ora, sob a epígrafe “Falsificação ou contrafacção de documento” dispõe o artº 256º do Cód. Penal, na versão anterior à introduzida pela Lei 59/2007 de 4.9:
“1. Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a)
b) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
c)
é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2....
3. Se os factos referidos no nº 1, disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro titulo de crédito não compreendido no artigo 267º, o agente é punido com pena de prisão de 6 meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias. (...)“
Sendo que, para efeitos dessa norma, deve entender-se que documento é “a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo circulo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a uni certo circulo de pessoas o seu destino e a prova que deles resulta” (cfr. art0255º, alínea a) do Cód. Penal).
Contempla-se, pois, na previsão daquele primeiro normativo, toda a falsificação de documentos em geral, desde que não abrangido por outras disposições do mesmno código, especiais relativamente àquele (tipo penal base).
Falsificação de documentos é uma falsificação da declaração incorporada no documento, podendo assumir a forma de uma falsificação material ou una falsificação ideológica.
Na material, o documento não é genuíno, na ideológica o documento é verídico: tanto é inverídico o documento que foi objecto de uma falsificação intelectual como no caso de falsidade em documento. Na falsificação intelectual o documento é falsificado na sua substância, na falsificação material o documento é falsificado na sua essência material.
Aquando da falsificação material ocorre uma alteração, modificação total ou parcial do documento. Neste caso o agente apenas pode falsificar o documento imitando ou alterando algo que está feito segundo uma certa fórmula, com a preocupação de dar a aparência de que o documento é genuíno e autêntico.
Na intelectual integram-se todos aqueles casos em que o documento incorpora una declaração falsa, una declaração escrita, integrada no documento.
Por seu turno, na falsidade em documento, integram-se os casos em que se presta uma declaração de facto falso, juridicamente relevante, trata-se pois de uma narração de facto falso.[2] Vd. Comentário Conimbricense em anotação ao artº 256º.[2]
Na transcrita alínea b) prevê-se, pois, a falsificação ideológica.
“A falsidade existe, mesmo que o facto não seja dos que o documento tem por finalidade certificar ou autenticar, ou dos que são essenciais para a validade do documento. Basta que seja juridicamente relevante.
Nesta situação o documento apresenta-se genuíno ou materialmente verdadeiro, só que o seu conteúdo intelectual não corresponde à versão, uma vez que nele foi inserido, aquando da sua feitura, um facto que não é real.
A inserção falsa difere da “alteração”, por nesta ultima o documento ser afectado na sua materialidade, ao passo que naquela o documento permanece inalterável do ponto de vista material
O que é preciso não esquecer é que “a mentira” inserida no documento deve apresentar-se como relevante, sem o que não haverá falsificação.
A relevância jurídica desenha-se sempre que o facto inserto no documento produza uma alteração no mundo do Direito, isto é que abra ensejo à obtenção de um benefício”[3] O Código Penal de 1982 Leal Henriques e Simas Samos. em anotação ao art228º.[3].
Refere, ainda, o recorrente que o impresso de requerimento onde fez a falsa declaração de extravio não é um documento antes da declaração aí feita e assinada por si, era tão só um impresso, um papel sem qualquer declaração.
Sem duvida.
Porém, “Documento para efeitos de direito penal não é o material que corporiza a declaração mas a própria declaração independentemente do material em que está corporizada e declaração enquanto representação de um pensamento humano (função de perpetuação). Trata-se de uma noção bastante mais ampla do que a inscrita no direito civil, e que permite já considerar como documento as declarações inscritas através de qualquer novo meio técnico de gravação, ponto e que se trate de una declaração idónea a provar facto juridicamente relevante (função probatória) e que permita reconhecer o emitente (função de garantia)... “, para que ele possa mais tarde reconhecer a declaração como sua e como forma de assegurar a responsabilização do autor pelo que está declarado no documento[4] Cf. Op. e loc. supra cits.[4].
O que releva, portanto e de forma inequívoca para efeitos da forma em análise, é o momento a partir do qual o arguido preencheu e assinou o formulário ou modelo, constituindo “documento” o que nele declarou.
No entanto, insiste o recorrente, ainda que assim se entenda, sempre “... a declaração prestada por um individuo que se dirige a uni serviço publico e solicita a emissão de uni documento não deve ser considerada uma declaração de facto juridicamente relevante, uma vez que o funcionário publico tem a obrigação de proceder à confirmação de todas as infirmações relevantes que lhe são prestadas, as quais seriam, por isso, meramente indicativas e não fundamento para a emissão de documentos...”
Em primeiro lugar, não se lobriga a forma como o recorrente acha que um qualquer funcionário poderia, neste caso, sindicar a realidade do fundamento que invocou para emissão da 2ª via da sua carta (desaparecimento por razões desconhecidas).
Neste caso, obviamente, tem o funcionário que se bastar com a “palavra” do requerente, o qual, por via de duvidas, até subscreve simultaneamente uma declaração em que se declara perfeitamente ciente que, no caso de se vir a comprovar a falsidade dessa declaração, incorre em responsabilidade criminal (cfr. fls.16 e 17).
Depois, negar que a falsa declaração de extravio da carta de condução não é um facto jurídico relevante é negar as evidências. Foi não só relevante como determinante da emissão de uma segunda via daquela, bastando no entanto para a consumação (formal, porquanto se trata de um crime de perigo abstracto) do crime, a simples falsa declaração de extravio, independentemente da verificação do resultado que o agente pretende obter com o crime (consumação material), no caso a obtenção de una 2ª via da sua carta de condução.
Temos assim que a falsa declaração de extravio é não só uma declaração incorporada num escrito como também e essencialmente una declaração de facto falso, juridicamente relevante.
A declaração encontra-se inserida num documento simples (formulário) e não num documento autêntico pelo que, a existir crime, seria somente o de falsificação p. e p. pelo artº 256º nº 1 b,) do C, Penal e não também o seu nº 3.
Não define o Código Penal o que seja “documento autêntico ou de igual força” mas antes e só, documento.
E definidos que foram os contornos do que seja “documento “para efeitos penais, a verdade é que, no nº 3 do artº 256,
“...a palavra documento é utilizada com o significado tradicional. isto é, documento não é para efeitos do nº 3 a declaração incorporada num escrito, ou qualquer outro meio técnico, idónea a provar facto juridicamente relevante, fias o próprio escrito ou outro meio técnico onde aquela declaração foi incorporada. Só assim se compreende unia referência ao documento autêntico com um específico significado no âmbito civil, como o documento emanado de unia autoridade pública com especial força probatória. Aliás, a partir deste nº 3, surge implicitamente uma distinção da moldura penal consoante a espécie de documento falsificado, consoante se trate de documento autêntico ou equiparado (isto é documentos particulares mas com especial força probatória, como sejam os títulos de crédito, consoante o documento ofereça maior ou menor segurança e credibilidade no tráfico juridico-probatório (na verdade, são os documentos autênticos que têm força probatória plena - artº.371º do CC.
(...> Assim se "documento” para efeitos de falsificação e como objecto da acção é a declaração, “documento” para efeitos de moldura penal é o escrito ou outro qualquer objecto material que incorpora a declaração.
Pelo que temos necessidade de saber o que seja documento com igual força probatória à do documento autêntico. considerando que a moldura penal aumentou, tendo em conta a especial perigosidade que a falsificação de certo tipo de documentos comporta para o bem jurídico deverá entender-se por documentos autênticos não só aqueles que como tal são entendidos de acordo com a noção de documento autentico do Código Civil, mas também todos os outros que tenham origem igualmente n uma autoridade publica.
Constituem documento autêntico para efeitos da lei civil “os documentos exarados com as formalidades legais, pelas autoridades publicas nos limites das suas competências ou, dentro do circulo de actividades que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial publico provido de fé publica; todos os outros documentos são particulares (artº 363º nº 2 C. Civil)[5] Comentário Conimbricense, ainda, em anotação ao artº 256º C. Penal
[5].
Ora, assim sendo, parece-nos liminar a conclusão que para efeitos do nº 3 do normativo em análise, o formulário ou modelo em que o arguido declarou o falso extravio da sua carta e requereu, com esse fundamento, a emissão de uma segunda via da mesma não é nem documento autêntico nem equiparado.
Consequentemente, neste item, assiste razão ao recorrente, o que nos conduz a um enquadramento jurídico diverso do efectuado pelo tribunal recorrido.
A conduta do arguido passará a subsumir-se simplesmente ao disposto no artº 256º nº 1, al. b), do Código Penal isto e, sem agravação da pena de acordo com o tipo de documento, segundo a sua noção civilística, que foi falsificado por se considerar que o acto de falsificação de documentos públicos provoca um perigo de lesão do bem jurídico mais gravoso.
Punível, desta feita, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Atendendo à moldura penal abstracta correspondente ao crime de
falsificação p. e p. pelo citado artº 256º nº 1 b) e às exigências de
prevenção geral e especial que um crime desta natureza impõe, nunca
o arguido teria sido condenado em pena de prisão efectiva, pois que:
É casado, pai de dois filhos menores, sendo os seus rendimentos
enquanto vendedor sénior da marca Bosch em Portugal os únicos que
fazem face às despesas do agregado, encontra-se inserido no meio
social onde vive, circunscrevendo-se o seu passado criminal aos anos
de 1991 a 2004 a partir do qual não cometeu (não há registo) mais nenhum crime,
superado que foi o problema de alcoolismo que até então o afectava.
Na ponderação do que o arguido/recorrente invoca nesta sede tem de se partir, evidentemente, da moldura penal abstracta acima referida, achando-se de ajustada a pena de um ano de prisão.
Sobre uma eventual suspensão de execução da pena, atente-se, como fez, aliás, o M.mo Juiz “a quo”:
“…com condenações por diferentes tipos legais de crime, desde 91 a 2004, sendo que depois da primeira pena de prisão, suspensa na sua execução, já praticou 4 crimes – e posterior – crime de desobediência praticado em 17.07.2004 –, e às razões subjacentes ao crime dos autos – que apontam para expedientes artificiosos com vista a evitar ficar privado do título de condução –, afigura-se-nos já não ser possível um juízo de prognose favorável – veja-se a condenação de 15.11.2000, pela prática, a 8.07.95 e 26.03.96, dos crimes de abuso de confiança fiscal e falsificação de documento (1), respectivamente, em 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, condicionalmente, que não surtiu qualquer efeito, porquanto o juízo de prognose favorável que presidiu à suspensão aí aplicada foi infirmado, não só com o crime dos presentes autos como com o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, praticado a 24.07.2003, e ainda com o crime de desobediência praticado em 17.07.2004 –, o que nos leva a concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não garantem, manifestamente, a necessária protecção do bem jurídico lesado e a recondução do arguido aos sãos valores sociais dominantes, razões pelas quais se entende de não suspender a execução da pena (art.º 50.º “a contrario” do Cód. Penal).”
Só que, face à alteração ora posta no montante da pena de prisão e consabidos que são os efeitos nefastos da penas de prisão de curta duração e, ainda, tendo em consideração, sobremaneira, as “atenuantes” supra explicitadas (É casado, pai de dois filhos menores, sendo os seus rendimentos enquanto vendedor sénior da marca Bosch em Portugal os únicos que fazem face às despesas do agregado, encontra-se inserido no meio social onde vive, circunscrevendo-se o seu passado criminal aos anos de 1991 a 2004 a partir do qual não cometeu (não há registo) mais nenhum crime, foi superado o problema de alcoolismo que até então o afectava.), somos a concluir pela última (?) hipótese de não cumprir pena de prisão efectiva, suspendendo-se-lhe a ora cominada, pelo período de um ano.
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Termos em que no (este) parcial provimento do recurso, se acorda em condenar o arguido na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, mantendo-se inalterada, no restante, a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente (parcial provimento) com taxa de justiça de 5 Ucs.
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Coimbra,
Arlindo Félix de Almeida.