Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4720/04.2TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
ALIENAÇÃO
TERCEIRO
REGISTO
ORDEM PÚBLICA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
Data do Acordão: 01/30/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - 5º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 280º, 281º, 289º, 291º, 342º E 413º DO CC E 295º Nº1 DO CPC
Sumário: I. Tratando-se de contrato-promessa meramente obrigacional e tendo o promitente-vendedor alienado a coisa a 3º que registou antes de registada a acção de execução específica, esta não deixa de ser possível se for nula aquela alienação, a nulidade for oponível ao 3º e o seu registo for cancelado.

II. Incorre no vício de contrariedade à ordem pública o negócio jurídico que vise defraudar a proibição judicial de venda a 3º decretada como providência cautelar pedida pelo promissário, com base em contrato-promessa de compra e venda.

III. Esse vício gera nulidade do negócio se a sua celebração teve por fim comum a ambas as partes tal defraudação.

IV. Pedindo-se a declaração de nulidade do contrato base e o cancelamento, o registo de aquisição por esse 3º pode não obstar à execução específica, posto que o registo não assegura a existência efectiva do direito.

V. A desistência do pedido de restituição do sinal em dobro em anterior acção não obsta à execução específica em nova acção desde que o contrato-promessa se mantenha vigente.

Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE:

Relatório:

A... e mulher, B..., intentaram aos 23-9-2004 a presente acção ordinária contra:
- 1ºs réus: C... e mulher, D...;
- 2ºs réus: E... e mulher, F....
- pedindo:
a)- A declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre os 1ºs e os 2ºs RR;
b)- Se ordene o cancelamento dos registos efectuados com referência a esse contrato, incidentes sobre o imóvel urbano em causa;
c)- A execução específica do contrato-promessa celebrado entre os AA. e os 1ºs RR. quanto à propriedade sobre o prédio na matriz urbana sob o art. 2017 da freguesia de Milagres.

O contrato de compra e venda que em 8-10-1991 foi prometido celebrar por ambas as partes (AA. e 1ºs RR.) tinha por objecto não só o dito prédio 2017, como «ainda 2/6 partes indivisas do prédio inscrito na matriz rústica da mesma freguesia sob o art. 10 053», pelo preço global de 9400 contos, mas tal objecto era então alheio. A escritura de compra e venda deveria ser celebrada até 30-8-92. Os AA. logo entregaram aos 1ºs RR. a quantia de 5000 contos convencionada como sinal e como princípio de pagamento do preço. Vem alegado que aquela fracção de 2/6 estava demarcada no terreno e nela estava implantada a moradia a que se refere o art. 2017 (segundo as descrições[ Referimo-nos à descrição matricial do dito prédio rústico e à descrição do registo predial do urbano, pois que nos autos não consta a inscrição daquele no registo.] a área do rústico é muito superior à da implantação da moradia e seu logradouro).
Alegam os AA. que em 21-4-92 os 1ºs RR. compraram o prédio sob o artigo matricial 10 053 (não há doc no Pº).
Através da acção 129/93 os AA. demandaram os agora 1ºs RR. aí citados, exigindo apenas a restituição do sinal em dobro, com fundamento no incumprimento do contrato-promessa pelos réus. Mas os 1ºs RR. venderam aos AA. o prédio sob o artigo matricial 10 053 pelo preço de 5000 contos mediante escritura de 2-9-94 e os AA. desistiram do pedido, desistência que foi homologada por sentença de Outubro de 1994.
Na acção 111/94, intentada por C...(ora 1º R.) contra António de Jesus Rosa (casado com Clementina), foi proferida a sentença de 22-12-95 que condenou o R. a reconhecer resolvido desde 11-5-94, por seu incumprimento, o contrato-promessa de venda do U-2017 a C...e a pagar a este 5700 contos pelo aumento do valor da coisa. Foi instaurada execução. Em separação de meações do casal do R. e Clementina, o prédio foi adjudicado a esta, mas C...intentou pauliana que procedeu.
Por escritura de 3-7-98, Clementina vendeu o dito prédio U-2017 ao ora 1º R. pelo preço declarado de 5500 contos.
Invocando que os requeridos (ora 1ºs RR.) se preparavam para vender o U-2017 e o rústico aos ora 2ºs RR., os AA. intentaram o cautelar nº 606/98 contra aqueles para obstar à venda a 3ºs, tendo sido proferida decisão de 27-10-98 a ordenar a notificação dos requeridos (ora 1ºs RR.) para se absterem de vender os dois prédios aos ora 2ºs RR. ou a quem quer que fosse. (Destes autos não consta se houve ou não audição prévia dos RR). Essa decisão foi inscrita no registo aos 6-11-98 quanto ao U-2017 (dos autos não consta qualquer inscrição no registo quanto ao R- 10 053).
Antes desse registo de 6-11-98, foi registada provisoriamente a aquisição do U-2017 por compra pelos 2ºs RR. aos 1ºs RR., tendo tal registo sido convertido aos 9-11-98 em definitivo.
Na sequência do cautelar os AA. intentaram aos 5-11-98 a acção de execução específica do contrato-promessa (Pº 563/99), mas desistiram da instância em acta de 29-6-04, desistência logo homologada.
Aos 23-9-2004, foi proposta a presente acção, cujo registo foi efectuado aos 2-2-2006.

Alegam os AA:
Que desde 3-7-98 os 1ºs RR. estão em condições de cumprir a promessa celebrada mas recusam-se a celebrar a escritura;
Que a decisão do cautelar foi notificada à ré B... em 5-11-98 e então, embora não formalmente citado, o 1º R. terá tido dela conhecimento e por isso se apressou a marcar para 6-11-98 a escritura da compra e venda do U-2017 a celebrar com os 2ºs RR.;
Que a compra e venda do U-2017 de 6-11-98 foi celebrada com o objectivo de defraudar a providência decretada a 27-10-98 (art. 23º da petição), a compra e venda não foi acompanhada do empréstimo bancário a que o comprador tencionava recorrer, a sisa foi paga no mesmo dia da escritura e os RR. acordaram a celebração imediata com o fim de obstar a que fosse proferida sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial a que os 1ºs RR. se obrigaram para com os AA. (art. 24 e 25 da petição). O contrato é nulo por a sua celebração contrariar a ordem pública (art. 281º do CC). Sendo nulo o contrato, o prédio regressa ao património dos 1ºs RR. e a execução específica procede.

Os RR. contestaram separadamente.
Os 1ºs RR. defenderam-se por impugnação e além disso invocaram:
- a caducidade da providência cautelar, pelo prazo decorrido;
- a desistência do pedido na acção 129/93, com a consequente extinção do direito;
- beneficiam do registo de 11-9-98, convertido em definitivo;
- a litigância de má fé por parte dos AA.
Os 2ºs RR. defenderam-se por impugnação e reconvieram pedindo, para o caso de a acção proceder, a condenação dos AA. a pagar-lhes a quantia de € 6 444,40 como valor actualizado das benfeitorias úteis que realizaram no prédio que compraram, mais juros desde a notificação.
Os AA. replicaram.

A 1ª instância, considerando a simplicidade da causa, dispensou a audiência preliminar. Fixou expressamente o valor da causa, considerou inadmissível a réplica quanto ao alegado nos art. 20 a 23, 31 a 41 e 44 e decidiu que este processo não é o competente para apreciação da questão da caducidade da providência cautelar. E, considerando constarem dos autos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, decidiu do mérito da causa, julgando a acção improcedente.
Desta última decisão apelam os AA., apresentando a sua alegação as seguintes conclusões:

1ª- Os AA invocam um contrato promessa de compra e venda celebrado entre os próprios e os 1ºs. RR, contrato que estes não cumpriram, tendo vendido o prédio prometido aos 2ºs. RR, mau grado a decisão proferida em sede de providência cautelar que os notificou no sentido de se absterem da venda do imóvel em causa.
2ª- A compra e venda, na medida em que outorgada em violação daquela decisão, consubstancia um negócio nulo, nos termos do art. 281 do Cód. Civil pois, visando defraudar a providência cautelar decretada, contraria claramente a ordem pública.
3ª- Estes os factos e o direito que, ainda que sumariamente, consubstanciaram a causa de pedir na acção instaurada pelos ora recorrentes e conduziram aos pedidos de declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre os 1ºs. e os 2ºs. RR e execução específica do contrato promessa.
4ª- O Tribunal a quo decidiu pela improcedência da nulidade do contrato de compra e venda, defendendo, no essencial, o seguinte: que a ordem jurídica prevê no art. 391 do CPC as consequências da violação das providências cautelares, resultando que incorre na pena de crime de desobediência qualificada todo aquele que infrinja a providência cautelar decretada, sem prejuízo das medidas adequadas à sua execução coerciva, não prevendo a nulidade dos negócios jurídicos celebrados em contradição com a providência decretada, por não configurar-se tal hipótese contrária à ordem pública.
5ª- A tal propósito e reportando-se a hipótese perfeitamente idêntica à dos presentes autos, refere-se no Ac. da Rel. de Évora de 26-5-88, CJ Ano XIII – Tomo 3, pág. 289 que “ não pode a justiça privada substituir a pública, dado que a possibilidade de acesso de qualquer cidadão aos Tribunais para defesa dos seus direitos se configura como principio fundamental do nosso ordenamento jurídico (art. 20, nº 2 da CRP).
6ª- Em matéria cível essa possibilidade resulta do art. 2 do C. P. Civil: A todo o direito, excepto quando a Lei determine o contrário, corresponde uma acção, destinada a fazê-lo reconhecer em juízo ou a realizá-lo coercivamente, bem como as providências necessárias para acautelar o efeito útil da acção.

7ª- Da parte final deste normativo resulta claramente que a realização do princípio fundamental de acesso aos tribunais importa não só a faculdade de promover a acção mas também a garantia da utilidade desta.
8ª- Consequentemente, violará esse princípio aquela conduta que obste a que uma providência cautelar, destinada a garantir o efeito útil de determinada acção, atinja o seu objectivo.
9ª- Essa conduta será contrária à ordem pública.
10ª- Assim, a conduta dos RR tal como é configurada na acção, tem como consequência, inevitável, a nulidade da compra e venda outorgada entre aqueles.
11ª- Sendo, portanto, indispensável a elaboração de Base Instrutória e posterior julgamento com vista ao apuramento do objectivo dos RR quando celebraram a escritura de compra e venda.
12ª- Por outro lado, na presente acção e tal como é configurada a causa de pedir e formulado o pedido, o que está em causa e em termos mais imediatos é a validade do contrato de compra e venda celebrado entre 1ºs e 2ºs RR, cuja nulidade se pretende ver declarada.
13ª- Com a declaração de nulidade, deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado – art. 289 C. Civil.
14ª- Ou seja, no caso concreto, o imóvel objecto do contrato de compra e venda cuja validade é posta em causa voltará à esfera jurídica dos 1ºs. RR, se reconhecido o vício arguido.
15ª- Só então será possível a execução específica do contrato promessa, face ao incumprimento por parte dos 1ºs. RR.
16ª-Não se colocando, em consequência, a questão da eficácia do contrato promessa em relação aos 2ºs. RR.
17ª- Acresce que, declarada a nulidade do contrato de compra e venda, tudo se passa como se o negócio não tivesse sido realizado.
18ª- Sendo que a invalidade do titulo tem como consequência a nulidade do registo feito com base nele.
19ª- A declaração de nulidade do registo definitivo repercute-se no registo provisório que, consequentemente, e independentemente de caducar, também não produzirá quaisquer efeitos.
20ª- De qualquer modo, a questão dos registos e da sua prioridade cederá perante o alegado conluio entre os 1º.s e 2ºs RR no sentido de defraudar os efeitos da providência cautelar decretada.
21ª- Finalmente, quando os AA exerceram o direito à indemnização em virtude do incumprimento do contrato promessa, não tinham como alternativa a possibilidade de requerer a execução específica do mesmo contrato.
22ª- Recordemos que, ao tempo, os promitentes vendedores não eram titulares do direito de propriedade sobre os bens objecto do referido contrato, circunstância que consequentemente impedia os ora AA de recorrer à execução específica.
23ª- Os recorrentes desistiram do pedido, no pressuposto de que os promitentes vendedores iriam adquirir aqueles bens e, subsequentemente, cumprir o contrato promessa.
24ª- E assim sucedeu relativamente ao prédio rústico.
25ª- Todavia, tendo adquirido posteriormente o urbano, naturalmente foram criadas as condições para o cumprimento do contrato promessa.
26ª- O que os 1ºs. RR recusaram, dispondo-se, inclusivamente, a vender a terceiros, que não os promitentes-compradores.
27ª- Só depois de verificadas as condições para a celebração desta escritura pública – com a aquisição do imóvel por parte dos promitentes vendedores – é que os ora recorrentes poderiam exercer o seu direito à execução específica.
28ª- Razão pela qual na acção primeiramente instaurada pelos AA contra os 1ºs. RR não era possível optar-se pelas alternativas facultadas pelo art. 442 do Cód. Civil.
29ª– Além do que a desistência do pedido, formulado no circunstancialismo em que o foi, não pode ter como consequência a impossibilidade de recurso à execução específica que, na hipótese concreta dos presentes autos, exactamente porque a situação de facto é diferente, inclusivamente permitiria o pedido alternativo de indemnização por incumprimento do contrato, agora que os promitentes vendedores tinham condições para, efectivamente, o cumprirem.
30ª- E sempre se dirá que a extinção de um direito que se pretende fazer valer não pode colidir com o exercício de um outro direito, legalmente reconhecido como alternativo relativamente ao primeiro.

Os 1ºs RR. contra-alegaram, concluindo a sua alegação:

1ª - Em 06/11/98 os 1ºs RR. não tinham ainda conhecimento do cautelar contra eles instaurado nem da decisão aí proferida.
2ª - Mesmo considerando que a venda pelos 1ºs RR. aos 2ºs tivesse ocorrido após o conhecimento por aqueles da decisão aí proferida, tal contrato não é contrário à ordem pública.
3ª - “Ordem pública” corresponde aos denominados princípios fundamentais do ordenamento jurídico.
4ª - A venda efectuada pelos 1ºs RR. aos 2ºs não ofende nem viola nenhum princípio fundamental do ordenamento jurídico.
5ª - A desrespeitar algo, seriam apenas os interesses individuais dos recorrentes, interesses esses acautelados nomeadamente pela cominação prevista no artigo 391.º do C.P.C.
6ª - O objecto da compra e venda celebrada entre os RR é lícito, podendo apenas o seu fim ser considerado contrário à ordem pública.
7ª - O artigo 281.º do C.Civil prevê que se apenas o fim do negócio jurídico for contrário à ordem pública, o negócio só é nulo quando o fim foi comum a ambas as partes.
8ª - O fim do contrato não é comum a ambos os RR. pois que a proibição imposta pela providência apenas visava os primeiros RR.
…11ª – (Face aos registos—ver provado 9 a 12) sendo a providência posterior à aquisição pelos segundos RR., nos termos do artigo 6.º do Código do registo Predial, prevalecerá a aquisição dos 2ºs RR.
12ª - Na decisão fez-se correcta interpretação e aplicação da Lei.

Correram os vistos legais.
Nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso.


Fundamentos:

I-.A decisão objecto do presente recurso considerou provados, em virtude dos documentos juntos aos autos, acordo e confissão das partes, os seguintes factos:

1. Por escrito datado de 8 de Outubro de 1991, C... e mulher D...declararam prometer vender a A... e mulher B... e estes declaram prometer comprar o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Milagres sob o nº 2017 e ainda 2/6 partes indivisas do prédio inscrito na matriz predial rústica da mesma a freguesia de Milagres sob o art. 10.053 (Doc de fls. 8 e 9).
2. Das cláusulas 2ª e 3ª do referido escrito consta que “o preço global da prometida venda é de 9.400.000$00 a ser pago nas seguintes condições: a) neste acto foi entregue a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 5.000.000$00, de que os promitentes vendedores dão a correspondente quitação. A importância restante, ou seja, a quantia de 4.400.000$00, será paga no acto da outorga da escritura” (doc a fl. 8 e 9).
3. Da cláusula 3ª consta que a referida escritura “ deverá ser outorgada até 30 de Agosto de 1992” (fls. 8 e 9).
4. A escritura pública de compra e venda não foi realizada no prazo referido em 3.
5. Os AA intentaram acção contra os 1º RR que correu termos sob o nº 129/93 peticionando a condenação no pagamento da quantia de 10.000.000$00 a título de sinal em dobro pelo incumprimento do contrato promessa referido em 1, tendo, por sentença de Outubro de 1994, sido homologada a desistência do pedido com a consequente absolvição dos RR do pedido (doc. de fls. 59 a 62vº).
6. Por escritura pública datada de 2/9/1994, os 1º. RR declararam vender aos AA, e estes declararam comprar, 2/6 indivisos de um prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 10.053 pelo preço de cinco mil contos (doc de fls. 14v. e 15).
7. Por escritura pública datada de 3/7/1998, Clementina Fernandes Antunes, com o consentimento de seu marido Maurice Abel Michel, declarou vender ao Réu C..., que aceitou, o prédio urbano composto de r/c e 1º andar para habitação e logradouro, sito em Mata dos Milagres, Concelho de Leiria, descrito no registo sob o nº 1923/ Milagres e inscrito na matriz sob o artigo 2017.
8. Os AA. intentaram um procedimento cautelar contra os 1ºs. RR, que correu os seus termos sob o nº 606/98, que foi julgado procedente em 27/10/1998 decretando-se a seguinte providência: “a notificação dos requeridos (ora 1º RR) para se absterem da venda do imóvel a que se reportam os autos, prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Milagres sob o artigo 2017 e ainda 2/6 partes indivisas do prédio inscrito na matriz rústica da mesma freguesia de Milagres sob o artigo 10.053, a E... ou a quem quer que seja” (doc. de fls. 21 a 23 vº).
9. A providência referida em 8, com menção de provisório por natureza e dúvidas, consta inscrita no registo pela apresentação 35 de 1998/11/06, relativamente ao prédio urbano descrito sob o nº 1923/930921 e inscrito na matriz sob o artigo 2017.
10. Consta averbada no registo, pela apresentação 23 de 02.02.1999, a remoção de dúvidas da apresentação 35 de 1998/11/06 (doc a fl. 18 a 20).
11. Consta inscrita a favor dos 2ºs. RR a aquisição por compra do referido prédio urbano, pela apresentação 39 de 11.09.1998, com menção de provisório por natureza nos termos do art. 92º, nº 1 al. g) do CRP (ib.).
12. Em 09-11-1998, pela apresentação 35 de 1998/09/11, foi averbada a conversão em definitivo da inscrição referida em 11 (fls. 18 a 20).

Cumpre acrescentar que o escrito referido em 1 está assinado com os nomes manuscritos dos AA. e dos 1ºs RR. (art. 712º nº1 al. a) do CPC).

II-. De Direito:

Afigura-se-nos que a causa não se reveste de tanta simplicidade como poderia parecer. A sua complexidade resulta não só das vicissitudes situacionais (é de notar, além do mais que consta do relatório, que nos autos há notícia de um cautelar e 3 acções propostas pelos AA. e pelo menos 3 intentadas pelos 1ºs RR relativamente aos ditos prédios), mas também pelas questões de direito envolvidas, nem todas de solução unívoca à face da lei, da doutrina e da jurisprudência como posteriormente se verá. O regime do contrato-promessa é fértil em posições doutrinárias e jurisprudenciais antagónicas ou discrepantes.
As conclusões das alegações demarcam o âmbito do recurso.
Antes de mais, por precedência lógica, cumpre apreciar a questão de saber se é indispensável a ampliação da matéria de facto nos termos do art. 712º nº4 do CPC, designadamente quanto aos factos controvertidos atinentes à invocada nulidade da compra e venda celebrada entre os RR. e, na hipótese afirmativa, em consequência também quanto à matéria das benfeitorias a que respeita a reconvenção subsidiária. Àquele aspecto se refere fundamentalmente a conclusão 11ª, além de outras. A resolver-se positivamente tal questão, a proferida decisão de mérito terá de ser anulada com vista à organização da base instrutória e prosseguimento do processo para instrução e julgamento.
Vejamos se tal é indispensável.
O facto de, no momento da celebração do contrato-promessa entre os AA. e os 1ºs RR, a coisa pertencer a 3º não obsta à validade da promessa. Mas, pertencendo a coisa a 3º e não ao promitente-vendedor (1ºs RR.), o contrato prometido celebrar (a compra e venda) só poderia ser celebrado com emissão das respectivas declarações por ambas as partes contraentes (AA. e 1ºs RR.), a partir do momento em que a coisa ingressasse no património do promitente-vendedor.
Quando o promitente-vendedor, após ter adquirido a coisa, a aliena a 3º em vez de celebrar com o promitente-comprador o contrato prometido, falta definitivamente ao cumprimento da obrigação, o mesmo é dizer, torna a sua prestação impossível (impossibilidade subjectiva), e “a execução específica, segundo entendimento incontroverso, fica precludida” (Prof. Henrique Mesquita, in Obrigações Reais, 2003, p. 234, com várias referências doutrinárias). Assim não seria (i. é, a execução específica seria porém viável) se o contrato-promessa tivesse eficácia real nos termos do art. 413º do CC e tal alienação ocorresse após o registo ou se, mesmo sem essa eficácia real, a alienação a 3º tivesse ocorrido depois da data do registo da execução específica (cfr. assento do STJ nº 4/98). Esses pontos são, no essencial, pacíficos na doutrina.
Sucede que o dito contrato-promessa não tem eficácia real (face ao contrato e ao registo documentados nos autos) e a presente acção de execução específica foi registada depois do registo de aquisição pelo 3º (os 2ºs RR).
Mas, mesmo perante contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional, há ainda uma outra hipótese de ser viável a execução específica do contrato-promessa no caso da dita alienação a 3º (venda efectuada aos 2ºs RR segundo o registo) e que a doutrina em geral não refere quando discorre sobre o regime do contrato-promessa, mas que resulta da lei: é a hipótese de ser nula a alienação ao 3º (art. 289º nº1 do CC) e de não se mostrar que tal nulidade seja inoponível pelo promitente-comprador ao 3º adquirente (art. 291º do CC) ( Mas já Vaz Serra refere na RLJ 115º p. 209 nota 1 (em anotação ao Ac. STJ de 29-4-81): “Se o promitente-vendedor alienar a coisa a 3º e essa alienação for eficaz em relação ao promitente- comprador não é possível a execução específica, mas já o é se o 3º está de má fé”. (Com efeito, se for declarada a nulidade da alienação ao 3º e este estiver de má fé, definida no art. 291º nº3 do CC (v.g. ao adquirir conhecia ou devia conhecer o vício gerador da nulidade, a proibição de venda), o 3º não pode opor o seu registo ao promitente- comprador para obstar à restituição estatuída pela regra do art. 289º nº1 porque falta um dos requisitos do art. 291º nº1, o da boa fé, para a inoponibilidade da nulidade da alienação ao 3º).). Por regra, sobre os AA. impende o ónus da prova do direito à execução específica e do fundamento da invocada nulidade (art. 342º nº1 do CC) e sobre os RR. recai o ónus da prova dos factos modificativos, impeditivos ou extintivos, designadamente os que fundem a inoponibilidade da nulidade (art. 342º nº2 do CC).
Os AA. invocaram, como fundamento da nulidade da venda pelos 1ºs RR. aos 2ºs RR., a contrariedade da finalidade da venda à ordem pública (art. 281º do CC), alegando que a compra e venda do U-2017 de 6-11-98 foi celebrada com o objectivo de defraudar a providência decretada a 27-10-98 (art. 23º da petição), a compra e venda não foi acompanhada do empréstimo bancário a que o comprador tencionava recorrer, a sisa foi paga no mesmo dia da escritura e os RR. acordaram a celebração imediata com o fim de obstar a que fosse proferida sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial a que os 1ºs RR. se obrigaram para com os AA. (art. 24 e 25 da petição).
Sucede que a sentença recorrida entendeu conhecer do mérito da causa logo no saneador, sem dar oportunidade aos AA. apelantes de provar aqueles factos, porque considerou, em resumo:
a)- Ainda que os réus tivessem tido em mente defraudar a proibição de venda decretada no cautelar, não existiria contrariedade à ordem pública porque não resultava infringida qualquer norma de ordem pública. E não resultava infringida qualquer norma de ordem pública porque: a providência decretada só visa interesses individuais dos AA., apenas acautelando o direito a fazer valer o seu direito na acção definitiva (acção que é a sede própria para obter a execução específica); os AA. podiam pedir a “execução das medidas decretadas” ou indemnização pelo não cumprimento; a ordem jurídica mostra-se desde logo tutelada pela incriminação da desobediência (art. 391º do CPC);
b)- Ainda que assim não fosse, sempre vale o princípio da prioridade do registo, do qual os 2ºs RR. beneficiam; o incumprimento não é oponível ao 3º adquirente porque o direito real deste prevalece sobre o direito de crédito dos AA;
c)- Decretada a providência cautelar e registada a decisão, à data já não era possível a execução específica, pois que a violação do direito a acautelar já estava consumada;
d)- A desistência do pedido na acção nº 129/93 fez extinguir o direito que os AA. pretendiam fazer valer (art. 295º nº1 do CPC), pretensão que consistia na restituição do sinal em dobro com base no invocado incumprimento do contrato-promessa. Ora, como refere o CC Anotado em nota ao art. 442º, estamos em presença de direitos que “podem ser exercidos alternativamente”, pelo que, tendo exercido o direito por incumprimento, não podem agora os AA. invocar o mesmo incumprimento para exercer o direito à execução específica. Os AA. haviam optado pela indemnização ainda que pela impossibilidade da execução específica e, extinto o direito exercido, não podem exercer a outra alternativa.
Cumpre apreciar se podia conhecer-se de mérito no saneador.

Quanto a a):
- Que a providência decretada só visa interesses individuais dos AA., apenas acautelando o direito a fazer valer o seu direito na acção definitiva:
Afigura-se-nos que quando se infrinja uma providência judicial de proibição de venda não se ofendem apenas interesses e, dentro destes, apenas interesses individuais. Se assim fosse, não se compreenderia que o art. 391º do CPC incriminasse a conduta ofensiva como crime de desobediência qualificada, que, como é sabido, se refere à infracção de ordem legítima emanada de autoridade competente, no caso Tribunal, órgão de soberania encarregado de administrar a justiça pública e prover à segurança dos cidadãos mediante a aplicação do Direito (cf. art. 1º do CPC) É sabido também que a desobediência qualificada constitui crime de natureza pública, logo o bem jurídico tutelado é fundamentalmente de interesse e ordem pública.
Posto isto, é evidente que a infracção da proibição judicial de venda decretada no cautelar ofende, para além do interesse individual do promitente-comprador requerente da providência, uma ordem judicial, de interesse e ordem pública. Há interesses individuais que estão recobertos de forte tutela como bens jurídicos fundamentais da sociedade, sendo a sua ofensa sancionada com pena criminal.

- Que a ordem jurídica se mostra desde logo tutelada pela incriminação da desobediência:
A sentença parece querer significar que, por o art. 391º do CPC incriminar a desobediência, tal é suficiente para afastar o sancionamento civil, não percebemos se por desnecessidade ou por impossibilidade legal de cumulação de sanções ou por nenhum preceito específico dos procedimentos cautelares cominar outra sanção além da penal.
Ora, a suficiência da sanção penal está por demonstrar racionalmente, tanto no aspecto preventivo, como no repressivo. E a incriminação e a eventual condenação criminal por desobediência não visam indemnizar os danos sofridos pelo particular lesado. A prática, a provar-se que os RR. (mesmo que nesse âmbito apenas os 1ºs RR.) agiram visando defraudar a proibição decretada, demonstrará o contrário.
O juízo de suficiência ou desnecessidade não pode servir pois como argumento.
Também é sabido que pode legalmente haver cumulação de sanção penal com sanção civil. Tal está previsto no art. 129º do Código Penal. Em teoria, o Prof. Manuel de Andrade, in TGRJ, 1974, p. 335 nota 3: «A nulidade é perfeitamente cumulável com uma pena» (ver ainda pág. 5). As leis que prevejam esse duplo sancionamento têm a denominação tradicional de “leis mais que perfeitas” (cf. op. cit, p. 336 s).

- Que os AA. podiam pedir a “execução das medidas decretadas” ou indemnização pelo não cumprimento:
A sentença não esclarece em que poderia consistir essa execução, para além de os AA. terem feito registar a decisão do cautelar. Quanto à indemnização, o que no cautelar e nesta acção (acção definitiva) está em causa é a celebração do contrato prometido ainda que em execução específica e não uma indemnização por sucedâneo. E os contratos devem ser pontualmente cumpridos (art. 416º do CC), pelo que, sem mais, não é legítimo relegar-se o promissário para o sucedâneo nem tal pode servir de argumento para arredar antecipadamente a pretensão formulada.

- Resta-nos pois apreciar a asserção fundamental segundo a qual, ainda que os réus tivessem tido em mente defraudar a proibição de venda decretada no cautelar, não existiria contrariedade à ordem pública porque não resultava infringida qualquer norma de ordem pública:
O art. 280º nº2 do CC preceitua que «é nulo o negócio jurídico contrário à ordem pública», mas tal preceito refere-se aos requisitos do objecto negocial. É nula, por exemplo, a compra e venda de uma arma de guerra, ou de estupefaciente, no mercado negro. Tal não interessa ao caso.
O art. 281º do CC preceitua: «Se apenas o fim do negócio jurídico for contrário à lei ou à ordem pública (…), o negócio só é nulo quando o fim for comum a ambas as partes». É esta norma que interessa ao caso.
São clássicos os exemplos da compra de uma arma (digamos aqui: cuja detenção seja permitida) para matar alguém ou do arrendamento de prédio para a actividade de associação ilegal: o objecto mediato é lícito mas o fim é contrário à ordem pública, podendo apesar disto o contrato ser válido ou nulo, só havendo nulidade do contrato desde que o escopo seja comum a ambas as partes (tanto o alienante sabe ou devia saber, como o adquirente da arma sabe, que esta é adquirida para matar alguém, embora não seja o alienante a servir-se dela para este efeito).
Para indica o fim, mas daria no mesmo dizer-se porque: x compra a arma porque com ela quer matar alguém (é causa final ou motivo-fim) e z, sabendo-o, vende-lhe a arma.
O intuito, o escopo, os fins, até podem ser múltiplos (x pretende, além daquela finalidade visada, deter a arma para noutras circunstâncias se defender ou praticar o tiro aos pratos, etc), mas o que interessa é que, no momento da conclusão do contrato, um dos fins é contrário à ordem pública e comum a ambas as partes. Tal fim a que se refere a norma não é a causa-função económico-social típica do negócio concreto, aqui contrato de compra e venda, cuja causa-função consiste na permuta de prestações: o preço contra a propriedade da coisa.
Todavia, a lei não define o conceito de ordem pública (interna). Cabe à Ciência Jurídica a sua elaboração.
Diversamente da ordem pública internacional do Estado, a ordem pública interna designa o conjunto das normas e princípios absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema jurídico, sobre eles se alicerçando a ordem económico-social, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos (João Baptista Machado, Lições de DIP, 1982, p. 254) ( Noções semelhantes se encontram em A. Varela, Das Obrigações em Geral, 10ª ed., p. 804 e Manuel de Andrade, TGRJ, I, 1974, p. 334 s.). Também o Prof. Menezes Cordeiro aponta a ordem pública como factor de limitação da autonomia privada e lembra que o sistema jurídico não inclui apenas normas a retirar das fontes por interpretação, mas ainda princípios construídos pela Ciência Jurídica (vd. Tratado de Direito Civil, I- I, 1999, p. 440 s). Pela colocação do princípio da ordem pública no Código Civil e sua actuação visando os negócios jurídicos em geral (vd. art. 280º e 281º desse Código), resulta evidente que tal princípio tutela, ou limita (conforme a perspectiva), também os interesses meramente individuais concernentes à actividade negocial.
Incorrem no vício de contrariedade à ordem pública, entre outros, os negócios jurídicos que visem defraudar providências cautelares decretadas pelo tribunal. Assim decidiram os acórdãos da Relação de Évora de 28-5-1986 e de 26-5-1986 (in C. J. 1986, t. 3, p. 258 e 287) e assim o entende o Prof. Menezes Cordeiro (op. cit, p. 441), sem que se conheçam opiniões ou decisões discrepantes, na doutrina ou na jurisprudência.
Tornaria completamente inútil no âmbito privado o procedimento cautelar e ofenderia gravemente os princípios da justiça e da segurança jurídica e o prestígio dos tribunais em Estado de Direito admitir-se que os particulares, em conluio e por seu simples alvedrio, pudessem, com a protecção do Direito e do Tribunal e sem apropriada sanção civil, defraudar a proibição de venda que o mesmo Tribunal havia decretado.
Logo, discordamos da posição da sentença, segundo a qual, ainda que os réus tivessem tido em mente defraudar a proibição de venda decretada no cautelar, não existiria contrariedade à ordem pública porque não resultava infringida qualquer norma de ordem pública.
Igualmente se discorda da conclusão 8ª da contra-alegação, segundo a qual «o fim do contrato não é comum a ambos os RR. pois que a proibição imposta pela providência apenas visava os primeiros RR.».
É que a decisão cautelar, correctamente interpretada, acolheu a pretensão do requerentes promitente-compradores no sentido de proibir a venda dos dois prédios aos ora 2ºs réus ou a quem quer que fosse além dos requerentes.
Posto isto, saber se, ao contratarem, ambos os RR. (os 1ºs e os 2ºs) tiveram por fim violar ou defraudar essa proibição é pura questão de facto, a solucionar mediante julgamento.

Quanto a b):
Entendeu a 1ª instância que, ainda que assim não fosse, sempre vale o princípio da prioridade do registo, do qual os 2ºs RR. beneficiam e que o incumprimento não é oponível ao 3º adquirente porque o direito real deste prevalece sobre o direito de crédito dos AA.
Sucede que os AA. impugnaram o acto subjacente ao(s) registo(s) cujo cancelamento pediram: impugnaram o contrato de compra e venda celebrado entre os 1ºs RR. e os 2ºs RR. arguindo a sua nulidade. O contrato não está ainda documentado nos autos e não consta do provado mas a sua existência pode deduzir-se da inscrição registal de 11-9-98 e do averbamento de conversão de 9-11-98 (registo relativo ao prédio U-2017 objecto dessa compra e venda).
A destruição (extinção) dos efeitos do registo tanto poderia resultar da declaração de nulidade do registo nos termos do art. 16º do CRP (sem prejuízo do disposto no art. 17º nº2 mas, a ser nulo o contrato por ser comum o fim contrário à ordem pública, evidentemente ficava demonstrada a má fé do adquirente que registou), como resultar de cancelamento do registo por procedente impugnação do facto registado (art. 8º do CRP), o que os AA. pediram ( Em qualquer das duas hipóteses, a eventual procedência conduziria ao cancelamento do registo (quanto ao cancelamento por anulação ou declaração judicial da nulidade de registo, vd. art. 101º nº4 do CRP). Pode pois entender-se que não há razão prática para se discutir se as causas de nulidade do art. 16º são ou não taxativas, como os recorrentes fazem na alegação. Segundo o art. 10º, os efeitos do registo extinguem-se por caducidade ou cancelamento: aí não é mencionada a nulidade (do registo ou do seu facto-causa impugnado), pois tal nulidade conduz em qualquer caso ao cancelamento do registo.).
Mas importa que se precise qual o registo, de entre os vários efectuados:

-Por inscrição de 8-7-98 foi registada a aquisição por compra a favor dos 1ºs RR;
-Por inscrição provisória de 11-9-98 foi registada a aquisição por compra a favor dos 2ºs RR (face aos princípios do trato sucessivo e da legitimação é de entender que foram os 1ºs RR os transmitentes);
-Por inscrição provisória de 6-11-98 foi registada a decisão do cautelar (proibição de venda aos requeridos aqui 1ºs RR ou “a quem quer que seja”, logo a outrem que não os requerentes promitentes-compradores aqui AA.);
-Por averbamento de 9-11-98 o registo provisório de 11-9-98 foi convertido em definitivo.

Tanto as inscrições como os averbamentos são actos de registo (art. 76º do CRP), simpliciter, são registos. Estão por apurar os registos ou o registo efectuado(s) com referência ao contrato de compra e venda como refere o pedido pois não se sabe ainda qual a data da celebração deste contrato ou em que títulos se basearam os registos pertinentes: pode tratar-se dos registos de 11-9 e 9-11-98 ou só deste último.
É possível que o registo de 11-9-98 se tenha baseado em contrato- promessa e o registo de conversão se tenha baseado em escritura de compra e venda. Na verdade, o art. 47º do CRP admite o registo provisório de aquisição de um direito (nº 1) e admite o registo provisório com base em contrato-promessa de alienação (nº3). A escritura do contrato definitivo permitiria a conversão do registo provisório em definitivo (art. 101º nº2 al. c) do CRP). Aqui e agora não se pode ir além da simples possibilidade. Com esta limitação, o que se pode dizer é que é possível, na hipótese de se verificar a invocada nulidade, ocorrer o cancelamento pelo menos do registo de 9-11-98 (art. 13º do CRP) e assim cair o de 11-9-98 (art. 11º ib.).
Consequentemente, não se pode concordar com a posição expressa no saneador-sentença, segundo a qual, mesmo a ocorrer a invocada nulidade, os 2ºs RR. beneficiariam do registo de modo que o seu direito real prevalece sobre o direito de crédito dos AA. Idem quanto á conclusão 11ª da contra-alegação.
É que, por um lado, a ser decretada a nulidade da venda e cancelado o registo, a nulidade (de efeitos retroactivos) seria oponível aos 2ºs RR. (art. 289º nº1 do CC) os quais necessariamente estariam de má fé ao conhecerem a proibição de venda e não se poderiam prevalecer do disposto no art. 291º nº1 do CC: não lhes tendo sido transmitido validamente o direito real, não se pode falar em direito real prevalecente sobre direito de crédito ( Conhecendo o 3º o vício gerador da nulidade ou devendo conhecê-lo, logo estando de má fé (nº3 do art. 291º), o 3º não pode beneficiar da excepcional inoponibilidade (da nulidade ao titular do direito registado), prevista no nº 1 desse artigo.). Utilizámos as formas verbais no condicional, pois que tudo está em saber se, no desenvolvimento do processo, se provarão ou não os factos atinentes à invocada nulidade.
Por outro lado, o registo da aquisição pelo 3º (3º em relação ao contrato-promessa invocado na petição e aqui 2ºs RR.) não obsta à declaração da nulidade do contrato base, posto que o registo não assegura a existência efectiva do direito da pessoa a favor da qual foi efectuado: apenas assegura que, a ter existido, o direito ainda se conserva, ainda não foi transmitido a outrem (cf. C. A. Mota Pinto, TGDC, 4ª ed., 2005, p. 366 s).
Mas tudo está em saber também se os 2ºs RR, ao comprar ( Já o eventual contrato-promessa celebrado entre os réus não parece interessar adrede à questão de (in)validade na medida em que o promitente-vendedor pode celebrar validamente outro contrato-promessa sem ter cumprido o anterior.), sabiam ou deviam saber da proibição decretada e se a escritura de compra é anterior ou posterior ao registo da decisão de proibição ou se os 2ºs RR. pediram o averbamento de conversão com base nessa escritura (logo registo posterior ao da decisão). São elementos que relevam mas ainda não constam adquiridos para o processo.
Cumpre pois permitir que se produza a prova dos factos pertinentes, no desenvolvimento do processo.

Quanto a c):
Que decretada a providência cautelar e registada a decisão, à data já não era possível a execução específica, pois que a violação do direito a acautelar já estava consumada:
A decisão do cautelar produz efeitos contra os 1ºs RR ali requeridos a partir da sua notificação (cuja data ou datas não estão ainda apuradas), suposto que a decisão transitou em julgado, e produz efeitos registais contra terceiros (v.g. os ora 2ºs RR) a partir do registo da decisão. Isto não obsta a que releve –para o efeito de se concluir pela comunhão de fim contrário à ordem pública-- o conhecimento que os 2ºs RR possam ter tido daquela decisão por outros meios ou conhecimento de que, com a celebração da compra e venda na data em que foi celebrada, os 1ºs RR pretendiam defraudar a decidida ou esperada proibição de venda.
Deve ser facultada a prova da matéria controvertida atinente, não se podendo concluir, para já, que não é possível a execução específica.



Quanto a d):
Sobre se a desistência do pedido na acção nº 129/93 fez extinguir o direito dos AA. à execução específica do contrato-promessa que celebraram com os 1ºs RR:
O pedido ali formulado consistia tão só na restituição do sinal em dobro.
Não chegou a ser decretada ou efectuada a restituição do sinal em dobro, o que a acontecer coenvolveria implicitamente a extinção (a doutrina refere resolução) do contrato-promessa.
Em vez de decisão de mérito sobre tal pedido, os AA. desistiram do pedido e foi proferida decisão homologatória (ao que parece porque os 1ºs RR cumpriram parcialmente a promessa celebrando a venda do prédio rústico e porque, alegam os AA, estes esperavam vir a celebrar depois a compra do urbano, não se sabe aqui se então ainda a adquirir pelos 1ºs RR). Os AA. poderiam ter desistido parcialmente do pedido (com a dificuldade derivada de o sinal e o preço serem globais) ou desistido apenas da instância. Desistiram totalmente do pedido.
Pelo art. 295º nº1 do CPC, a desistência do pedido faz extinguir o direito que se pretendia fazer valer.
Ora, o direito que os AA. pretendiam fazer valer era tão só o direito à restituição do sinal em dobro, não o direito à execução específica, feito valer na presente acção. Pelo art. 295º nº1 do CPC o direito à execução específica não se extinguiu porque não foi feito valer na anterior acção.
Como refere Alberto dos Reis, no Comentário ao CPC, III, p. 477 ss, a desistência do pedido implica renúncia à pretensão formulada e, porque renunciou ao direito que se arrogara contra o réu, não pode demandá-lo em nova acção com o mesmo objecto: o réu viu a sua situação jurídica perfeitamente consolidada.
Só que a nova acção não tem o mesmo objecto da anterior, apesar de se tratar do mesmo contrato-promessa. Os pedidos (os efeitos jurídicos pretendidos) são substancialmente diferentes nas duas acções: antes os AA. pretendiam a restituição do sinal prestado e uma indemnização pré-fixada no mesmo montante (esse pretenso direito já não pode mais ser feito valer dada a desistência homologada); agora pretendem a execução específica, espécie de cumprimento coactivo, da promessa de celebração da compra e venda do prédio urbano. O efeito pretendido é diferente, não está englobado ou implicado no anteriormente pretendido: não ficou precludido.
O contrato-promessa é o mesmo, mas a desistência do pedido não o extingue, extingue apenas um dos possíveis direitos emergentes do contrato, o direito à restituição do sinal em dobro.
Entendeu, porém, a 1ª instância que, como refere o CC Anotado em nota ao art. 442º, estamos em presença de direitos que “podem ser exercidos alternativamente”, pelo que, tendo exercido o direito por incumprimento, não podem agora os AA. invocar o mesmo incumprimento para exercer o direito à execução específica.
Esses direitos a exercer em alternativa seriam o direito à restituição do sinal em dobro e o direito à execução específica. Quer a 1ª instância significar que, cabendo aos AA. escolher o exercício de somente um desses direitos alternativos e tendo por opção exercido um, não podem depois os AA. vir exercer o outro.
Não podemos concordar com esta posição, sendo certo que não estamos perante obrigações alternativas em benefício do credor (aqui os AA. como credores promissários). Mantendo-se vigente o contrato-promessa invocado na petição, a prestação principal é só uma e está desde o início (desde a celebração) determinada: a conduta devida consiste na celebração do contrato definitivo, a compra e venda, ainda que por via de execução específica. O cumprimento não depende da determinação da prestação devida, mediante escolha de uma entre várias prestações possíveis segundo o contrato ou a lei (cf. art. 543º nº1 do CC).
O que o promissário fiel não pode é, simultaneamente, exigir o funcionamento do sinal (que implica a resolução ainda que tácita do contrato-promessa) e exigir a execução específica: uma pretensão baseada no incumprimento, outra visando o cumprimento. Tal como não pode, depois de obter a restituição do sinal em dobro, exigir a execução específica, nem depois de obter a execução específica vir exigir a restituição do sinal (em dobro ou em singelo). Ora, nada disso se verifica.
Não consta que os AA. tenham desistido do pedido por terem obtido a restituição do sinal em dobro. Renunciaram sim à pretensão de que seriam credores da restituição do sinal em dobro e é essa pretensão que os AA. não podem fazer valer em outra acção.
Porque não extinguiu o contrato mas só o direito à restituição do sinal em dobro, a anterior desistência do pedido não obsta a que os AA. façam valer na presente acção um outro direito, o de execução específica, que visa o cumprimento do contrato não extinto pela desistência. Não vigora para o autor um ónus paralelo ao que pelo artigo 489º nº1 do CPC impende sobre o réu, segundo o qual toda a defesa deve ser deduzida na contestação.
Resta dizer que o excerto da aludida nota 6 do CC Anotado ao art. 442º (nº2) não se refere ao funcionamento do sinal e à execução específica em alternativa, mas sim ao funcionamento do sinal em alternativa à indemnização pelo aumento do valor, o que não tem interesse no caso destes autos.

Por fim, sublinha-se que exorbita do âmbito deste recurso a questão da necessidade do depósito do preço correspondente à aquisição do prédio urbano previamente à sentença final.

Em conclusão: o processo deve prosseguir para apuramento de factos controvertidos, só depois se podendo decidir do mérito da causa.

Decisão:

Pelo exposto, acordam em anular a proferida decisão do mérito da causa, devendo o processo prosseguir com a elaboração da base instrutória e os demais termos até final.
Custas deste recurso pelo vencido a final.