Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3091/03.9TBLRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: CASO JULGADO
EMBARGOS DE TERCEIRO
Data do Acordão: 09/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTIGOS 494.º, I), 497.º, 1 E 2 E 498.º, 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: Tratando-se de bens diferentes, com individualidade material distinta, embora não jurídica, por se não encontrarem sujeitos a registo, aqueles a que se referem os dois processos de embargos de terceiro em confronto, não se verifica a identidade de pedido e da causa de pedir, pressupostos da repetição da acção, enquanto requisito do conceito do caso julgado.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


“A”, com sede na EN 114, Porto de Lobos, Atouguia da Baleia, Peniche, interpôs recurso de agravo da decisão que, nos autos de embargos de terceiro, em epígrafe, por apenso à execução que “B”, com sede na zona industrial dos Pousos, Pousos, Leiria, move contra “C”, rejeitou os embargos de terceiro, terminando as suas alegações, onde sustenta a revogação da decisão em recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª – Em 18/07/2005 foi promovida, por ordem do Mm° Juiz do Tribunal "a quo" a penhora do empilhador em causa nos autos.
2ª - Diligência, precisamente, semelhante à que, do mesmo modo, já havia sido promovida em 24/02/2005, por ordem do Mm° Juiz do 1o Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, no âmbito do processo n°6153/04.1TBBRG, em relação ao mesmo bem.
3ª - O Mm° Juiz do Tribunal "a quo" não tomou em consideração o facto de o Tribunal de Braga ter dado por procedente a pretensão da ora recorrente, apesar de tal facto lhe ter sido, oportunamente, dado a conhecer.
4ª - E, apesar de a decisão do Tribunal Judicial de Braga já ter, nesse momento, transitado em julgado.
5ª - O Mm° Juiz do Tribunal "a quo" ignorou completamente o depoimento da testemunha apresentada pela recorrente, nomeadamente, quanto à identificação do bem, maxime, o seu modelo FD25, e à localização da sede da recorrente.
6ª - Nomeadamente, não considerando que a recorrente só tinha um empilhador, o que, objectivamente, corresponde à verdade.
7ª - O Mmº Juiz do Tribunal "a quo" ignorou a relevância da mudança da sede da executada, mais de 4 meses antes da penhora do bem.
8ª - O Mm° Juiz do Tribunal "a quo" ignorou a identificação do bem feita pela testemunha indicada pela recorrente, sem ter, sequer, diligenciado no sentido de averiguar a disparidade que existia com o auto de penhora através de um exame pericial ao bem em causa nos autos.
9ª - Tudo isto sendo, minimamente, possível de se considerar como "uma probabilidade séria de existência do direito invocado" pela recorrente.
Não foram apresentadas contra-alegações.
A Exª Juiz sustentou a decisão questionada, por entender não ter sido causado qualquer agravo à recorrente.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir no presente agravo, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
II – A questão do caso julgado.

I

DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A embargante sustenta a alteração da decisão que recaiu sobre a matéria de facto, quanto à identificação do bem, «maxime», o seu modelo FD25, e à localização da sede da recorrente, não considerando que esta só tinha um empilhador e ignorando a relevância da mudança da sede da executada, mais de quatro meses antes da penhora do bem, entendendo que o Tribunal «a quo» deveria ter respondido, afirmativamente, a essa factualidade.
Resulta da audição da prova objecto de gravação, no que contende com a matéria de facto em apreço, que a testemunha Carlos Garcia, operador de máquinas da embargante e, também, irmão do sócio-gerente da mesma, disse que “sabe que foram lá buscar o empilhador, que ele [o irmão] diz que comprou aos pais” e que “os pais são os legais representantes de «Transportes Dimas & Ricarte, Ldª”» [a executada]”.
Referiu ainda que “esta firma já deixou de funcionar, há cerca de três anos, não sabendo se foi dissolvida, mas que os pais desistiram da actividade, tendo vendido todos os bens ao irmão [da testemunha]”.
Instado a pronunciar-se sobre a identificação do bem penhorado, acrescentou que se trata de “um empilhador Mitsubishi, de duas toneladas e meia”, desconhecendo o ano, modelo ou outras características, sendo certo que era um dos seus condutores.
Disse ainda que, “anteriormente, trabalhava para «Transportes Dimas & Ricarte, Ldª», tendo passado a trabalhar para o irmão, quando aquela terminou, e que a sede daquela era no mesmo local da sede das «Construções Garcia & Filhos, Ldª», embora o edifício dos escritórios fosse diferente”.
Finalmente, referiu que a actividade de «Transportes Dimas & Ricarte, Ldª”» era “o fornecimento de materiais de construção e aluguer de carros e máquinas” e que a actividade das «Construções Garcia & Filhos, Ldª» era a de “urbanizações, aterros e desaterros”.
Analisando, criticamente, o depoimento desta testemunha, importa referir que começou logo por afirmar que “ele [o irmão] diz que comprou o empilhador aos pais”, mostrando ainda desconhecer algumas das características fundamentais da máquina que, na sua versão, já existia, no património da executada, para quem, também, trabalhou, o que densifica a inconsistência do seu testemunho.
Trata-se, no fundo, de um depoimento familiar de quem trabalhou para duas empresas que se terão sucedido, ou, até, numa determinada fase, coexistido, temporalmente.
De todo o modo, o aludido depoimento, conjugado com o teor dos documentos existentes nos autos, sem esquecer a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Braga, não permite contornar a dificuldade sentida pelo Tribunal «a quo» e que perpassa pela fundamentação da matéria de facto, nomeadamente, quanto a poder afirmar-se, de modo inequívoco, que a embargante só tinha um empilhador, ou, dito de outro modo, que seja o mesmo o empilhador a que se reportam os presentes autos e aquele que vem aludido na sentença proferida pelo Tribunal de Braga, razão pela qual não é possível, razoavelmente, considerar como uma probabilidade séria a existência do direito invocado pela recorrente.
Nestes termos, este Tribunal da Relação entende que se devem considerar como demonstrados, com interesse relevante para a apreciação do mérito do agravo, os seguintes factos:
1 – Nos autos apensos, foi penhorado o bem móvel, identificado no auto lavrado em 18 de Julho de 2005 (fls. 21 a 23), correspondente a um empilhador Mitsubishi modelo L-20, cor verde.
2 - O local onde foi efectuada a penhora era a sede da executada, até 2 de Março de 2005.
3 - A executada emitiu factura, a favor da embargante, com o nº 3051, datada de 25 de Outubro de 2004, onde consta como artigo fornecido “venda de empilhador Mitsubishi FD85 série P08A-02885”, pelo montante de €2.100,84.
4 – Por sentença, transitada em julgado, foram julgados procedentes os embargos de terceiro instaurados pela ora embargante «Construções Garcia & Filhos, Ldª», por apenso à execução proposta por «Metalominho, Ldª», com sede no parque Industrial de Adaúfe, Lotes I4B – I5A – I5-B, Adaúfe, Braga, contra a ora executada «Transportes Dimas & Ricarte, Ldª», com sede na EN 114, Porto de Lobos, Atouguia da Baleia, Peniche, tendo sido ordenado o levantamento, entre outros, de um empilhador, marca Mitsubbishi, cor verde, no valor de 1000,00€ - Documento de folhas 99 a 100 verso.

II

DO CAJO JULGADO

Defende a embargante que a decisão recorrida não tomou em consideração o facto de o Tribunal Judicial de Braga ter julgado procedente o pedido de levantamento da penhora formulado em processo de embargos de terceiro, em relação ao mesmo bem.
A excepção dilatória do caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, pressupondo a repetição de uma causa, que se verifica quando é proposta uma segunda acção repetida, depois de a primeira ter sido decidida, por sentença que já não admite recurso ordinário, dependendo a repetição da causa de uma acção ser idêntica à outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, nos termos do estipulado pelos artigos 494º, i), 497º, nºs 1 e 2 e 498º, nº 1, todos do CPC.
Por seu turno, existe identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e, finalmente, identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, atento o disposto pelo artigo 498º, nºs 2, 3 e 4, do CPC.
Face à matéria de facto que ficou demonstrada, fácil é concluir que se mostra verificado o requisito da identidade de sujeitos, não obstante, em ambos os processos, ser diferente a pessoa do exequente, porquanto são os mesmos a executada e a embargante, condição suficiente para a consistência deste pressuposto, no tipo de processo em questão.
E os requisitos da identidade da causa de pedir e do pedido?
Considerando que não se provou que seja distinto o bem “empilhadora”, objecto de penhora, a que se reportam os dois processos de embargos de terceiro em análise, inexiste identidade de pedido, porquanto é diferente o efeito jurídico pretendido nos dois processos, reportando-se cada qual ao levantamento de uma penhora incidente sobre bem diverso.
Por seu turno, sendo distinto o facto jurídico de que emerge o direito que se pretende fazer actuar, uma vez que se tratam de diferentes penhoras incidentes sobre bens diversos, cujo levantamento a embargante quer ver satisfeito, através do presente processo de embargos de terceiro, diverso é o fundamento do pedido apresentado pela agravante, nos dois processos em análise.
Efectivamente, tratando-se de bens diferentes, com individualidade material distinta, embora não jurídica, por se não encontrarem sujeitos a registo, atento o estipulado pelos artigos 2º, nº 1, do DL nº 54/75, de 12 de Fevereiro, e 1º, nº 2, do Código do Registo de Bens Móveis, aquele a que se refere a sentença de embargos de terceiro, proferida no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, e o que respeita aos presentes autos, não se verifica a identidade de pedido e da causa de pedir, pressuposto da repetição da acção, enquanto requisito do conceito do caso julgado.
Assim sendo, improcede a arguida excepção dilatória do caso julgado.

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CONCLUSÕES:

Tratando-se de bens diferentes, com individualidade material distinta, embora não jurídica, por se não encontrarem sujeitos a registo, aqueles a que se referem os dois processos de embargos de terceiro em confronto, não se verifica a identidade de pedido e da causa de pedir, pressupostos da repetição da acção, enquanto requisito do conceito do caso julgado.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar não provido o agravo e, em consequência, em confirmar, inteiramente, a douta decisão recorrida.

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Sem custas – artigo 2º, nº 1, o), do CCJ.