Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
76/08.2GCALD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR OLIVEIRA
Descritores: COIMA
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
APLICAÇÃO SANÇÃO ACESSÓRIA
Data do Acordão: 01/06/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALMEIDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 147º 3, 172º 5 CE, 38º, 1 , 39º RGCO
Sumário: O pagamento voluntário da coima, após notificação para o efeito efectuada na fase de inquérito, não impede que o Tribunal, na fase de julgamento, conheça dos factos respectivos e aplique a sanção acessória cabível
Decisão Texto Integral: I. Relatório
No processo comum com intervenção do tribunal singular nº 76/08.2GCALD do Tribunal Judicial de Almeida, o arguido R..., devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento acusado da prática de:
- Um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º, nº 1 e nº 2 do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de Janeiro;
- Uma contra-ordenação estradal p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 4º, nº s 1 e 3, 138º, 146º, alínea l) e 147º nºs 1, 2 e 3, todos do Código da Estrada;
- Duas contra-ordenações estradais p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 146º, alínea o) e 147º nºs 1, 2 e 3 e 138º do Código da Estrada por referência aos artigos 60º, nº 1 e 64º do Regulamento de Sinalização de Trânsito;
- Uma contra-ordenação estradal p. e p. pelo artigo 61º, nº 1, alínea c) e nº 5 do Código da Estrada.

Em 25 de Junho de 2009 foi proferida sentença em que se decidiu o seguinte:
1. Atento o processado com que o Ministério Público tramitou os presentes autos na fase de inquérito, designadamente, notificando o arguido para efectuar o pagamento voluntário das coimas previstas nos artigos 4º, nº 3, 146º alíneas n), no artigo 65º alíneas a) e b) do Regulamento de Sinalização de Trânsito por referência ao artigo 146º alínea o) do Código da Estrada e da coima prevista no nº 5 do artigo 61º por referência ao nº 1, alínea c), do mesmo dispositivo legal, no momento em que deduziu acusação, o que aliás já sucedeu, encontrando-se apenas em falta o pagamento de três prestações da coima pela contra-ordenação prevista pelos artigos 4º, nº 3 e 146º alíneas n) do Código da Estrada, fica prejudicada a apreciação da prática das referidas contra-ordenações .
2. Condenar o arguido R..., como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis Euros) o que perfaz a multa global de € 480,00 (quatrocentos e oitenta Euros);


Inconformado com esta decisão dela recorreu o Ministério Público, rematando a correspondente motivação de recurso com as seguintes conclusões:
1. A decisão sob recurso não tomou qualquer posição (uma vez que não resultam provados ou não provados) os factos vertidos nos pontos 2 a 6, 8 a 14 e 15.

2. A decisão recorrida não analisou ou decidiu toda a matéria de facto que lhe fora apresentada, nem de forma expressa, nem implícita em violação nítida do disposto no citado art. 379°, no 1, alínea a), por referência ao art. 374°, no 2, ambos do C. P. Penal.

3. A sentença padece daquela nulidade, o que implicará a sua reformulação em primeira instância, no sentido de tal peça ser completada nos termos legais, com a reapreciação em sede de decisão da restante factualidade alegada pelos intervenientes processuais e elaboração de nova sentença.

Sem prescindir:
4. O arguido encontrava-se acusado, além do mais, pela prática em concurso efectivo das seguintes contra-ordenações:
a) -1 (uma) contra-ordenação estradal p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 4°, n.°. s 1 e 3, 138.°, 146.°, alínea 1) e 147.° n.° s 1, 2 e ido Código da Estrada;
b) - 2 (duas) contra-ordenações estradais p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.° 146.° alínea o) e 147.° n.°s 1,2 e 3 e art.' 138.° do C. Estrada por referência ao arts. 60.° n.°1 e 64.° n.° do Regulamento de sinalização de trânsito;
c) - 1 (uma) contra-ordenação estradai p. e p. pelo art. 61.° n.° s 1 alínea c) e 5 do Código da Estrada.

4. As contra ordenações aludidas em a), b) são muito graves, sancionáveis com coima e com sanção acessória (arts. 4°, n.°. s 1 e 3, 138.°, 146.°, alínea o) e 147.° n.° s 1, 2 e 3 do Código da Estrada e 146.° alínea o) e 147.° n.° s 1, e 3 e art.° 138.º do C. Estrada por referência ao arts. 60.° n.º 1 e 64.° n.° do Regulamento de sinalização de trânsito).

5. Quanto à sanção acessória, uma vez que o arguido não é titular de carta de condução, é aplicável o art. 147.º n.º 3 do C. da Estrada que preceitua a possibilidade de a mesma ser substituída pela apreensão do veículo por idêntico tempo que àquela caberia.

6. No momento da dedução de acusação o arguido foi notificado para efectuar o pagamento o pagamento voluntário da coima pelo mínimo (cfr, fls. 64 e 65).
E, na sequência da aludida notificação, o arguido efectuou os pagamentos constantes de fls. 101 a 103, 106, 108.

7. Em face do descrito em 6., em sede de questão prévia, a Sr.ª Juiz fez consignar o seguinte na decisão recorrida: "atento o processado com que o Ministério Público tramitou os presentes autos na fase de inquérito, designadamente, notificando o arguido para efectuar o pagamento voluntário das coimas (..) fica prejudicada a apreciação da prática das referidas contra-ordenações, visto que o Tribunal não poderia agora condenar o arguido no pagamento da coima ou, tão pouco, prosseguir com a aplicação de eventual sanção acessória cuja aplicação sempre caberia à mesma entidade que decidiu da prática da contra-ordenação".

8. Sucede que o n.° 5 do art. 172.° do C. Estrada (em sintonia com o disposto no art. 50°-A do RGCO) dispõe que "O pagamento voluntário da coima nos termos dos números anteriores determina o arquivamento do processo, salvo se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que prossegue restrito à aplicação da mesma."

9. O pagamento voluntário da coima, nas situações em que à infracção é também aplicável sanção acessória, mais não é do que, por um lado, um modo de o Estado arrecadar imediatamente a respectiva receita e, por outro, o aproveitamento por parte do indiciado infractor do mínimo da coima aplicável, confiante que está em que lhe é lícito discutir a existência da alegada infracção e, ainda, a respectiva sanção acessória.

10. Assim sendo, consideramos que a notificação para pagamento voluntário da coima não prejudica/preclude a possibilidade de o Tribunal recorrido ter aplicado a sanção acessória que em nosso entender se impunha, indubitavelmente, ao Tribunal recorrido.
Deve, assim, o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente
- Ser declarada a nulidade da sentença por violação do disposto no art. 379.°, n.°1 alínea a) do C. P. penal, ordenando-se a prolação de nova sentença expurgada de tal nulidade que conheça todos os factos constantes da acusação. Em consequência:
- Ser proferida decisão que condene na sanção acessória decorrente da prática da contra-ordenação.

Notificado, o arguido não exerceu o direito de resposta.

Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, foi realizada conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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II. Fundamentos da Decisão Recorrida
A decisão recorrida encontra-se fundamentada nos seguintes termos:
Questão prévia
Atento o processado com que o Ministério Público tramitou os presentes autos na fase de inquérito, designadamente, notificando o arguido para efectuar o pagamento voluntário das coimas prevista nos artigos 4.º, n.º 3, 146.º alíneas n), no artigo 65.º alíneas a) e b) do Regulamento de Sinalização de Trânsito por referência ao artigo 146.º alínea o) do Código da Estrada e da coima prevista no n.º 5 do art. 61.º por referência ao n.º 1, alínea c), do mesmo dispositivo legal, supra referidas, no momento em que deduziu acusação, o que aliás já sucedeu, encontrando-se apenas em falta o pagamento de três prestações da coima pela contra-ordenação prevista pelos artigos 4.º, n.º 3 e 146.º alíneas n) do Código da Estrada (cfr. fls. 101 a 103, 106 e 108), fica prejudicada a apreciação da prática das referidas contra-ordenações [visto que o Tribunal não poderia agora condenar o arguido no pagamento de coima ou, tão pouco, prosseguir com a aplicação de eventual sanção acessória, cuja aplicação sempre caberia à mesma entidade que decidiu da prática da contra-ordenação (cfr. artigo 172.º, n.º 5 do CE) e, em consequência, aplicou a respectiva coima].
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Mantém-se a validade e regularidade da instância.
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A matéria de facto provada é a seguinte:
1) No dia 15 de Novembro de 2008, cerca das 1h20min, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula …., ao Km 324, Cruzamento de Peva, em Almeida.
2) O arguido sabia que não era detentor de carta de condução e que sem esta não poderia conduzir o referido veículo e, apesar disso, decidiu conduzir o veículo automóvel ligeiro com a matrícula …., na ocasião referida em 1.
3) Agiu assim o arguido livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
4) O arguido não tem antecedentes criminais;
5) O arguido confessou os factos;
6) O arguido trabalha desde os 15 anos, como serralheiro e pedreiro, no presente momento está desempregado; faz alguns trabalhos na agricultura pelos quais aufere cerca de € 100,00 por semana e trabalha em média todas as semanas do mês;
7) Vive em casa dos pais com a companheira, que não trabalha.

Factos não Provados
Não ficaram por provar factos com relevância para a boa decisão da causa.

Fundamentação da matéria de Facto

Os factos constantes da acusação resultaram provados com base na confissão livre, integral e sem reservas do arguido, efectuada em audiência de julgamento, a qual, pela forma espontânea e livre com que foi prestada, não mereceu dúvidas ao Tribunal. Atendeu-se ainda à informação do IMTT de fls. 37.
No que respeita às condições pessoais e sócio-económicas do arguido, o tribunal fez fé nas declarações prestadas pelo mesmo. Quanto aos antecedentes criminais, foi tida em consideração a informação constante do CRC junto aos autos a fls. 100.

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Subsunção jurídica dos factos
O arguido vem acusado da prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.
Dispõe este normativo que, quem conduzir motociclo ou automóvel na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
O arguido no dia descrito nos factos provados, conduzia um automóvel, na via pública, sem para tanto estar habilitado com a devida carta de condução (v. artigos 1.º, al. v); 85.º, n.º 1, al. b); 106.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a); 121.º, n.º 1, 122.º, n.º 1 e 123.º, todos do Código da Estrada).
No plano subjectivo, provou-se que o arguido sabia que, para conduzir veículos a motor na via pública, necessitava de ter documento que o habilitasse a fazê-lo, mas ainda assim quis conduzir. Pelo que, agiu com dolo directo (cfr. artigo 14.º, n.º 1, do CP).
Constata-se ainda que não há qualquer causa de justificação da ilicitude e da culpa, tendo o arguido, em contrapartida, actuado, nos termos descritos, livre, deliberada e conscientemente, sabendo que praticava actos criminalmente puníveis. Pelo que, revelou uma personalidade desconforme com o direito e, por isso, ético-juridicamente censurável.
Consequentemente, ao comportar-se da forma descrita, praticou o arguido um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.
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Das consequências jurídico-penais
Posto isto, resta determinar a medida concreta da pena – o quantum – a aplicar ao arguido, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro.
Dispõe o n.º 1, do artigo 40.º, do C.P. que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Quanto à natureza da pena, nos termos do disposto no artigo 70.º do CP quando ao crime sejam aplicáveis, em alternativa, uma medida privativa e uma medida não privativa da liberdade (como a pena de multa), o tribunal dará preferência à segunda sempre que esta realizar, de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção, ou seja, se mostre suficiente para promover a reintegração social do agente e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime.
O crime praticado pelo arguido é punido em abstracto com pena de prisão ou com pena de multa.
As necessidades de prevenção geral, são prementes e actuais, tendo-se em atenção os elevados índices de sinistralidade rodoviária com que se defronta o nosso país, para que também contribui a condução de veículos automóveis por quem não está legalmente habilitado ao exercício da condução (neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de Outubro de 2007, disponível in www.dgsi.pt).
Mas não ao ponto de justificarem uma pena de prisão no caso concreto, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais desta ou de outra natureza.
Pelo que, no âmbito da prevenção especial positiva, a pena de prisão, atentos os efeitos criminógenos e estigmatizantes que lhe estão associados, é de todo inadequada, revelando-se suficiente uma pena de multa.
Pena de multa esta, cuja moldura vai de 10 (dez) dias a 240 (duzentos e quarenta) dias - cfr. artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro e artigo 47.º, n.º 1 do CP.
Para fixar a medida concreta importa considerar, dentro da moldura penal abstracta, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal incriminador, deponham a favor ou contra o arguido (cfr. artigos 71.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1 do CP).
Assim, e ao abrigo do n.º 2, do artigo 71.º, do CP, haverá que considerar:
- o dolo que é directo;
- o mediano grau de ilicitude dos factos;
- o arguido não tem antecedentes criminais;
- a inexistência de consequências da sua conduta;
- a confissão espontânea e integral dos factos, através da qual contribuiu para a descoberta da verdade;
- as acentuadas exigências de prevenção geral, pelas razões que supra referimos;
- As necessidades de prevenção especial são moderadas, atenta a confissão do arguido, a sua inserção social e familiar, assim como a sua primariedade;
Ponderando todos os factores supra referidos, fazendo apelo a critérios de justiça, razoabilidade e proporcionalidade, entendo adequado a aplicação de uma pena de 80 (oitenta) dias de multa.
Quanto à taxa diária a fixar, importa ter em atenção, por um lado, os limites estabelecidos no n.º 2, do artigo 47.º, do Código Penal, segundo o qual cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500 e, por outro, que a mesma deve ser fixada “em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.
A pena de multa deve assumir a verdadeira função de uma pena, ou seja, deve transmitir a noção de censura social do comportamento do delinquente. E, assim, o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado de forma a fazê-lo sentir esse juízo de censura, dessa forma também se conferindo credibilidade à sua natureza de verdadeira pena alternativa à prisão (neste sentido, vide, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 9/12/2004, in CJ 2004, V, 51). Porém, na sua fixação o tribunal não deve deixar de assegurar ao condenado um mínimo de rendimento para que ele possa fazer face às suas despesas e às do seu agregado familiar, isto é, um mínimo de rendimento que lhe permita viver com dignidade.
Nestes termos e devendo a pena constituir um sacrifício que se expresse apenas na sua esfera patrimonial, e atendendo a tudo quanto ficou provado relativamente às suas condições pessoais, entende-se adequada uma taxa diária de € 6,00 (seis Euros).
Assim, em face de tudo quanto fica exposto e devidamente ponderado, afigura-se adequado punir a prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal com pena de multa que se fixa em 80 (oitenta) dias, à razão diária de € 6,00 (seis Euros), o que perfaz o montante global de € 480,00 (quatrocentos e oitenta Euros).
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São devidas custas pelo arguido – taxa de justiça e demais encargos com o processo – nos termos dos artigos 513.º e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, beneficiando o mesmo da redução a que alude o artigo 344.º, n.º 2, alínea c) do mesmo diploma.

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III. Apreciação do Recurso
Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, a questão suscitada no recurso interposto resume-se a saber se em processo penal o pagamento voluntário da coima, após notificação para o efeito efectuada na fase de inquérito, impede que o Tribunal, na fase de julgamento, conheça dos factos respectivos e aplique a sanção acessória cabível.
Como verificamos na sentença recorrida a Mmª Juiz a quo, como questão prévia, decidiu que, tendo o Ministério Público notificado o arguido para proceder ao pagamento voluntário das coimas relativas às contra-ordenação que lhe imputou na acusação e tendo o arguido aderido ao citado pagamento, fica prejudicada a apreciação da prática de tais contra-ordenações, não podendo prosseguir com a aplicação de eventual sanção acessória cuja aplicação sempre caberia à mesma entidade que decidiu da prática da contra-ordenação.
Já o recorrente entende que o procedimento por contra-ordenação exercido com a acção penal deve prosseguir para aplicação de sanção acessória prevista no artigo 147º, nº 3 do Código da Estrada.
Verificamos que três de entre as quatro contra-ordenações imputadas ao arguido na acusação são puníveis com sanção acessória. Porque o arguido não é detentor de carta de condução a sanção de inibição de conduzir é, no caso, substituída por apreensão do veículo como se prevê no preceito citado.
O artigo 172º, nº 5 do Código da Estrada preceitua que o pagamento voluntário da coima determina o arquivamento do processo salvo se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que prossegue restrito à aplicação da mesma.
Não oferece, pois, qualquer dúvida que o processo deve prosseguir para aplicação da sanção acessória aplicável às mencionadas contra-ordenações, parecendo que a tese do despacho recorrido assenta na atribuição ao Ministério Público de competência para o efeito, embora não mencionando o dispositivo legal de onde deriva tal entendimento que, no Código de Processo Penal, não tem qualquer apoio.
Nem tal apoio se pode buscar nas disposições especiais do Código da Estrada aplicáveis ao processo de contra-ordenação, nem igualmente nas disposições gerais aplicáveis ao mesmo processo do Regulamento Geral das Contra-ordenações.
Com efeito, no Código da Estrada apenas se encontram disposições relativas ao processo de contra-ordenação propriamente dito, não existindo previsão para o processamento da responsabilidade contra-ordenacional em processo penal.
Tal previsão pode ser encontrada no artigo 38º, nº 1 do RGCO e foi com base nesse preceito legal que o Ministério Público exerceu a acção penal e a contra-ordenacional conjuntamente no processo penal.
Por outro lado, o artigo 39º do mesmo diploma contém previsão expressa no sentido de que aplicação da coima e das sanções acessórias cabe nesse caso ao juiz competente para o julgamento do crime, suposto que a coima não se encontre paga, porque nesse caso, apenas se manterá a competência do juiz para aplicar a sanção acessória.
Assim manifesto é que a tese do despacho recorrido carece de qualquer apoio legal, como manifesta é a razão do recorrente.
Porque na sentença recorrida se não conheceu de facto e de direito da responsabilidade contra-ordenacional do arguido que não se extinguiu pelo pagamento da coima por ser punível também com sanção acessória, padece essa decisão da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, tal como alega o recorrente.
Nos termos do artigo 122º do mesmo diploma legal a declaração de nulidade torna inválido o acto em que se verifica (a sentença) e importa a repetição desse acto, eventualmente com a reabertura da audiência caso a matéria omissa não tenha sido anteriormente objecto de debate.
Procede, pois, o recurso interposto.
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IV. Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos acordam em conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, declarar nula a sentença recorrida por omissão de pronúncia sobre a responsabilidade contra-ordenacional imputada ao arguido, na parte punível com sanção acessória, devendo ser proferida nova sentença, pela Mmª Juiz que proferiu a anulada, que supra esse vício, reabrindo-se a audiência, se necessário.
Não há lugar a tributação.
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Coimbra,
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora).
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(Maria Pilar Pereira de Oliveira)

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(José Eduardo Fernandes Martins)