Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2443/07.0TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: EMPREITADA
INCUMPRIMENTO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
CADUCIDADE
Data do Acordão: 06/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - 5º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1.207º E 1 208º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1) O contrato de empreitada surge-nos ao lado do mandato e do depósito, como uma modalidade do contrato de prestação de serviços, cujo objecto é o resultado de um trabalho manual ou intelectual. Trata-se de um contrato sinalagmático, ostentando ainda a natureza de comutativo, oneroso e consensual.

2) O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi combinado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.

3) O incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de empreitada está na origem, não raro, de danos geradores de responsabilidade contratual ou extracontratual, podendo ainda assistir-se a uma cumulação dos dois tipos de responsabilidade.

4) No elenco dos primeiros poderemos enumerar aqueles que se relacionam v.g. com a deficiente realização da obra acordada. Quanto aos segundos salientam-se os classificados como circa e extra rem ou seja aqueles que se filiam no imperfeito incumprimento da obrigação, embora de forma indirecta.

5) Sendo tais danos de índole diversa, quer no que toca à sua natureza quer no tocante à prova respectiva e teleologia intrínseca, é diverso o tratamento que lhes é conferida;

6) Desde logo o particular regime de caducidade de prazos curtos previsto nos artigos 1 218º ss do Código Civil não tem aplicação a todos os danos emergentes do contrato de empreitada.

7) Não é abrangida pela razão de ser dos prazos curtos de caducidade o pedido de ressarcimento dos gastos filiados no incumprimento do contrato de empreitada que se prendem com despesas de aluguer de veículos de substituição no período desde início da imobilização até ao fim da mesma.

Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

     Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

     A... , com sede na ..., move a B... , com sede na .... e C..., com sede na ..., a presente acção pedindo a condenação das Rés no pagamento da quantia de € 7.258,12 (sete mil duzentos e cinquenta e oito euros e doze cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, correspondendo a despesas efectuadas com veículo de substituição, desmontagem de motor efectuada pela segunda Ré e consequente substituição do motor avariado.

     Alega para tanto, em síntese que tendo assumido em 3 de Janeiro de 2002, por cessão, a posição contratual de locatária em ALD referente ao veículo de matrícula 00-00-NJ, acontece que esta anterior locatária demandara a ora primeira Ré em juízo, em acção sumária que correu sob o nº 652/03.0TJCBR, no 4º Juízo do tribunal de primeira instância, - sendo esta condenada no âmbito de tal acção a pagar a quantia de € 4.882,78, acrescida de juros de mora desde a citação, por cumprimento defeituoso de contrato de empreitada, (quantia esta que seria devida a título de danos emergentes da imobilização (necessidade de veículo de substituição) e despesa de desmontagem de motor que pagou a terceira empresa ( E....; porquanto nas suas instalações haviam sido efectuadas todas as revisões e serviços de manutenção como concessionária da D...., - ocorrendo a última revisão a 3 de Julho de 2001, e decorrido um mês após a última, detectada sinalização de baixo nível de refrigeração e acendimento da luz do óleo. Contactada tal Ré, esta terá informado que isso era frequente, e, tendo a luz de temperatura acendido posteriormente, constatou-se afinal que ocorrera fuga na cabeça do motor e deterioração da correia do motor, sendo avaria grave, detectada por "E...; recusando a Ré em 31-08-2001 a assumir a totalidade da avaria, referindo que parcialmente se devia a deslocação fortuita de um cabo de água, a locatária inicial comunicou o facto à locadora, exigindo da Ré a devida reparação, sem prescindir do direito a ser indemnizada por recurso a aluguer de veículo de substituição; ora, em 11 de Junho de 2002 levou à segunda Ré o veículo, para esta efectuar uma revisão, inclusive ao motor que entretanto havia sido reparado pela primeira Ré – informando-a do sucedido, e que não confiava na primeira Ré - a qual, efectuando a revisão, não comunicou qualquer avaria; no entanto, em 17 de Julho subsequente, quando circulava na A l, o veículo acusou nova avaria, sinalizada com emissão de fumo e perda brusca de potência do motor; dada a imobilização imediata, o veículo teve de ser rebocado para as instalações da segunda Ré, que examinando o motor, confirmou a existência de avaria (estava inundado de óleo) e comunicou à Autora que o primeiro cilindro tinha agarrado e que a única explicação possível seria sobreaquecimento do motor;

     Ficou espantada com tal explicação porque havia poucos dias que solicitara revisão à segunda Ré, que não diagnosticara qualquer avaria ou má reparação feita pela primeira Ré e por outro lado, apesar da explicação não houve sinalização de sobreaquecimento do seu veículo;

     Foi surpreendida com o orçamento de reparação da avaria, no montante de € 8.764,84, pois após a revisão, e só para a desmontagem do motor e exame do mesmo, aquela cobrara € 629,15.

     A Autora viu-se privada do veículo e para suprir as necessidades da realização da sua actividade comercial, teve de recorrer a diversos veículos de substituição, desde o início da imobilização do mesmo - 18 de Julho de 2002 até ao fim da imobilização, 14 de Outubro do mesmo ano: alugou diversos veículos à F... e à G... para colmatar as suas necessidades criadas pela imobilização do seu veículo, tendo para o efeito pago o montante global de € 4.130,23.

     As Rés declinaram qualquer responsabilidade e a segunda Ré ameaçou-a para retirar imediatamente o veículo e motor desmontado nas instalações, colocado no porta-bagagem, sob pena de cobrar o respectivo aparcamento, pelo que se sentiu fortemente pressionada pela segunda Ré, e como não obtinha das Rés a assunção de responsabilidade contactou a E.... que confirmou a má reparação feita pela primeira Ré.

     Tendo a E.... informado a Autora que o custo da reparação do motor seria muito elevado sendo melhor substituir o motor avariado por um outro usado, solicitou-lhe tal substituição, como não tinha condições económicas para suportar mensalmente os encargos inerentes ao aluguer de um veículo que estava imobilizado e os alugueres de substituição.

     A substituição do motor avariado custou à Autora a quantia de € 2 498,74, o que representa um custo muito inferior ao orçamentado pela segunda Ré e após tal substituição não mais teve problemas com o seu veículo.

     A "D... foi contactada pela Autora e declinou qualquer responsabilidade pela avaria do motor, aconselhando a Autora a dirimir a questão directamente com as Rés.

     Contestaram as Rés separadamente, mas arguindo fundamentos parcialmente coincidentes.

     Em sua defesa, vem a primeira impugnar, na generalidade, o factualismo alegado na petição inicial: nomeadamente, a alegação de que não teria procedido correctamente à reparação do motor do dito veículo, pois que o fez devidamente: quando em 7 de Dezembro de 2001 a concluiu, o veículo apresentava 94.425 km e durante vários meses (pelo menos até 17 de Julho de 2002, segundo a Autora) nenhum problema ocorreu ou se detectou; assim, o alegado problema ocorrido em Julho de 2002 nada tem que ver com o problema surgido em )unha de 2001 e reparado pela ora Ré em Dezembro desse ano, desconhecendo a o que o poderá ter causado; quando o veículo dos autos deu entrada nas instalações da co-Ré C...., após a alegada avaria ocorrida em Julho de 2002, o mesmo apresentava 126.139 kms pelo que, desde a sua reparação e entrega à H...do veículo até à alegada avaria ocorrida em Julho de 2002, percorreu pelo menos 31.714 kms, sem qualquer anomalia ou problema reportado, o que demonstra que não existe, nem existiu, qualquer cumprimento defeituoso ou má reparação.

- Sublinhar que, embora parte da matéria alegada tenha sido já objecto do respectivo processo judicial, e não obstante, ainda, parte dela (não exactamente como a Autora invoca) ter sido dada por provada nesse processo judicial, não corresponde inteiramente à realidade: a queixa então apresentada à Ré foi de a luz indicadora de baixo nível de líquido refrigerante se acender, nunca tendo sido referido baixo nível de óleo, sendo que a razão por que foi parcialmente assumida a responsabilidade prende-se com o facto de a D....comparticipar parcialmente tal reparação a título de mera cortesia comercial; detectou a existência de uma fuga de líquido refrigerante interna (e não externa, para o exterior) pelo que era necessário proceder à desmontagem parcial do motor para se poder detectar a origem da fuga, tendo solicitado à dita H.... autorização para proceder a tal desmontagem, tendo, contudo, o condutor do referido veículo - apesar de alertado para os danos que a falta de liquido refrigerante podia provocar - dito que necessitava do mesmo mas que o voltaria a entregar nas oficinas da Ré dentro de 2 ou 3 dias, o que não fez, facto que deu azo ao problema surgido no motor do veículo em Julho de 2001.

     Conclui assim, que esta avaria foi consequência do facto de o condutor do veículo não ter autorizado a desmontagem do motor para determinar a origem e reparação da fuga interna de líquido refrigerante que a Ré detectara, como de ter continuado a circular com o referido veículo, faltando à "promessa" de o trazer de volta para reparação dentro de 2 ou 3 dias, apesar de avisado para os danos que a falta de líquido refrigerante podia provocar: a referida reparação apenas foi concluída em 7/12/2001 porque a dita H.... apenas em 16/11/2001 autorizou a respectiva ordem de reparação.

     A Realçar apenas saber que a Autora apresentou, em Agosto de 2002, uma reclamação junto da D....por causa de um alegado problema no motor do mesmo porquanto esta, em Agosto de 2002, contactou a Ré a propósito dessa reclamação e solicitou que a ora Ré comentasse tal reclamação e informasse sobre aquilo de que tinha conhecimento relativamente à dita alegada avaria.

     Impugna que em 17/07/2002 (ou, aliás, em qualquer outra data) o motor do veículo tenha tido uma avaria, a ter tido, o tipo de avaria, se tal alegada avaria provocou ou não a imobilização do veículo, nem, a ter provocado, até quando; como, quando e onde foi efectuada a reparação da dita alegada avaria, qual o custo de tal reparação (se é que houve reparação), se Autora teve ou não de alugar diversos veículos para suprir a imobilização do veículo dos autos decorrente da dita alegada avaria.

     Sublinha que a Autora jamais a contactou para o que quer que fosse, designadamente com referência à alegada avaria, para reclamar dela o que quer que seja e/ou para exigir da Ré o que quer que seja.

     Assim, invoca que, a existir tal responsabilidade, sempre teria já caducado, e há muito, quer o eventual "direito" de a Autora denunciar perante a Ré o pretenso cumprimento defeituoso, quer o eventual "direito" de peticionar quer a eliminação dos mesmos, quer a redução do preço pago, quer a resolução do contrato a que respeita a dita reparação quer, ainda, o "direito" a qualquer pretensa indemnização: não obstante a alegada avaria ter ocorrido, segundo a Autora, em 17 de Julho de 2002, nunca denunciou, nem no prazo de 30 dias nem em prazo algum qualquer pretenso defeito ou avaria relativamente à reparação efectuada pela Ré em 7/12/2001, nem solicitou a reparação ou o pagamento do que quer que seja; quando em 25/06/2005 a petição inicial dos autos deu entrada em juízo, há muito que haviam sido ultrapassados quer o prazo de 1 ano previsto no nº 1 do artigo 1224º do Código Civil (sendo embora certo que não houve recusa de aceitação da obra, nem aceitação com reserva), quer o prazo de 2 anos previsto no nº 2 do referido artigo do Código Civil.

     Refere que a Autora também não respeitou a ordem estabelecida nos artigos 1.221º a 1.223º do Código Civil, tendo decidido proceder à eliminação do alegado pretenso defeito recorrendo a um terceiro que não a Ré (nem sequer recorreu a um concessionário autorizado da marca), não podendo, também por isso, vir agora pretender ser ressarcida do que eventualmente terá despendido com esse terceiro.

      E por fim, sustenta que da análise do documento nº 17 junto com a petição inicial ressalta que constam da respectiva factura vários itens e trabalhos alegadamente efectuados pelo dito terceiro que nada têm que ver com a reparação da avaria alegadamente ocorrida em Julho de 2002 (designadamente o kit embraiagem, bateria, tubo direcção, óleo direcção, anilha airbag, cinto de segurança direito, lâmpada 12 v., molas, vidro pára-brisas, borracha pára-brisas, kit colagem vidro p/brisas, alinhamento direcção, bem como a respectiva mão-de-obra referente à intervenção em tais itens).

     Contra-argumenta a segunda Ré alertando para o facto de que não ter sido expressamente solicitada especial atenção e revisão ao motor nomeadamente em virtude de o mesmo ter sido reparado pela co-Ré após uma avaria, sendo apenas solicitado que procedesse à revisão ou manutenção periódica do veículo dos autos, o que aliás foi correctamente feito, em 11/6/2002, sendo o seu primeiro contacto com a viatura a 11 de Junho de 2002; e aquando tal revisão o veículo não apresentava qualquer anomalia ou avaria, nem a Autora se queixou de qualquer problema ou avaria; em 17/07/2002, foi informada pela Autora de que o veículo se havia avariado enquanto se deslocava numa auto-estrada, e solicitava recebesse o dito veículo nas suas oficinas e elaborasse um orçamento com vista à reparação da dita avaria; nessa sequência, deu então entrada nas suas oficinas, tendo-se confirmado a existência de uma avaria; a foi então solicitada prévia autorização da Autora para se proceder à desmontagem do motor a fim de averiguar em que consistia a dita avaria, autorização que de imediato, deu por escrito; procedeu então à desmontagem do motor e à avaliação da referida avaria, verificando que houve uma perfuração e fissuração do pistão do 1º cilindro, e, de seguida, elaborado o respectivo orçamento de reparação que, tal como esta solicitara, enviou à Autora; a Autora não mais deu ordem para que procedesse à reparação nem foi levantar o mesmo das instalações, pelo que se viu forçada a solicitar procedesse ao levantamento do veículo e a lembrar-lhe que o depósito ou aparcamento de um veículo durante tanto tempo está sujeito ao pagamento dos respectivo aparcamento, sendo ainda enviado, então, a respectiva factura correspondente aos trabalhos efectuados a pedido da Autora, que esta veio a pagar; a o serviço de rectificação para teste da cabeça do motor, não só era necessário para se poder avaliar os danos da referida avaria e elaborar o respectivo orçamento, como se tratou de um serviço externo à Ré, o que foi imediata e oportunamente explicitado por carta datada de 21/01/2003 que a Autora remeteu à Ré e de fax de 3/02/2003 que em resposta enviou à primeira.

     A Autora não solicitou que assumisse qualquer responsabilidade relativamente à dita avaria, como sempre esteve bem ciente de que os trabalhos realizados a pedido da Autora teriam de ser por ela pagos (como o foram). Acresce que, aquando da revisão do veículo dos autos, em 11/06/2002, o mesmo apresentava 118.515 km, e que quando o dito veículo sofreu a referida avaria, em 17/7/2002, o mesmo tinha já 126.139 km, tendo, assim, percorrido, pelo menos, 7.624 km em pouco mais de um mês. Impugna a alegada efectuada pela tal E.... e ao custo da mesma pago pela Autora e nomeadamente a alegação de que recorreu a aluguer de outros veículos para fazer face à imobilização.

     Ainda que a Autora demonstrasse ter havido deficiente revisão teria já caducado e há muito, eventual "direito" da Autora de denunciar perante a Ré o pretenso cumprimento defeituoso, quer o eventual "direito” de peticionar quer a eliminação dos mesmos, quer a redução do preço pago, quer a resolução do contrato a que respeita a dita reparação quer, ainda, o "direito" a qualquer pretensa indemnização: não obstante a alegada avaria ter ocorrido, segundo a Autora, em 17 Julho de 2002, nunca denunciou à Ré nem no prazo de 30 dias nem em prazo algum qualquer pretenso defeito ou avaria, nem solicitou a reparação da dita avaria a expensas da Ré ou o pagamento por esta do que quer que seja; quando em 25/06/2007 a petição inicial deu entrada em juízo, há muito que haviam sido ultrapassados quer o prazo de 1 ano previsto no n.º 1 do artigo 1224º do Código Civil (sendo embora certo que não houve recusa de aceitação da obra, nem aceitação com reserva), quer o prazo de 2 anos previsto no nº 2 do referido artigo do Código Civil.

     A Autora também não respeitou a ordem estabelecida nos artigos 1.221º, 1.222º e 1.223º do Código Civil, tendo ao que parece decidido proceder à eliminação do alegado pretenso defeito remetendo a um terceiro (nem sequer recorreu a um concessionário autorizado da marca), não podendo, também por isso, vir agora pretender ser ressarcida do que eventualmente terá despendido com esse terceiro.

     Acresce constarem da respectiva factura vários itens e trabalhos alegadamente efectuados pelo dito terceiro que nada têm que ver com a reparação da avaria alegadamente ocorrida em Julho de 2002, designadamente o kit embraiagem, bateria, tubo direcção, óleo direcção, anilha airbag, cinto de segurança direito, lâmpada 12 v, molas, vidro pára-brisas, borracha pára-brisas, kit colagem vidro p/brisas, alinhamento direcção, bem como a respectiva mão-de-obra referente à intervenção em tais itens, e que expressamente impugnam.

     Concluem ambas as Rés pela sua absolvição do pedido.

     A Autora veio responder, sublinhando haver denunciado sempre e de imediato as avarias, tendo as Rés por várias vezes oportunidade de efectivar a reparação; que as Ré procederam a revisão do veículo, mas mal, e posteriormente, tendo conhecimento da avaria do motor, não efectuaram tal reparação; sendo comunicada a urgência da Autora na reparação, e como as Rés não procederam à mesma, viu-se forçada a recorrer a terceiros, atento o incumprimento definitivo da Rés que revelaram inequivocamente não pretender cumprir, suscitando perda de in­teresse da Autora; não tendo as Rés entregue o veículo com o motor reparado, tal obra não foi aceite pela Autora, nem realizada pelas Rés; não são aplicáveis os prazos dos artsº 1.220º e ss. e sim o previsto no art. 309º do Código Civil; por fim, mais de que o valor peticionado a título de reparação, observa, a Autora veio exigir uma indemnização nos termos gerais pelos prejuízos que sofreu com a imobilização do veículo avariado.

     No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância.

     Procedeu-se a julgamento acabando por ser proferida sentença que julgou a acção improcedente por verificada a excepção de caducidade do direito a pedir a indemnização absolvendo as Rés do pedido.

     Daí o presente recurso de apelação interposto pela Autora A...., a qual no termo da sua alegação pediu que se revogue a sentença ora apelada na parte em que julgou procedente a excepção de caducidade do direito da apelante com as demais consequências legais.

     Foram para tanto apresentadas as seguintes,

     Conclusões.

     1) A apelante não se conforma com o entendimento do Tribunal a quo sobre a caducidade do seu direito.

     2) A apelada com a sua actuação, isto é, com a recusa em promover uma nova reparação e ou a substituição do motor solicitada, não logrou cumprir em definitivo com a devida prestação.

     3) A apelada sempre declinou qualquer responsabilidade pelo defeito prontamente denunciado pela apelante, apesar do prazo de garantia da última reparação efectuada pela apelada (7/12/2001) ainda estar em vigor (foi provado o mau funcionamento do motor cerca de seis meses depois desta última reparação),

     4) Pelo que, não tendo a apelada entregue o veículo com o motor devidamente reparado (substituindo o motor), recusando-se peremptoriamente a efectuar nova reparação e/ou a substituição do motor avariado, incorreu numa efectiva situação de incumprimento definitivo, pois manifestou, de forma reiterada e inequívoca, si­nais de que era definitivo o seu propósito de não cumprir com o dever de reparar e ou substituir o motor avariado, o que, aliás, suscitou uma perda de interesse (ou interpelação admonitória) por parte da apelante, transformando a mora na realização da prestação contratada em incumprimento definitivo.

     5) Por conseguinte, e salvo melhor opinião, havendo incumprimento definitivo por parte da apelada, não cabia aplicar o regime estipulado nos artsº 1 220º e ss, do Código Civil, e consequentemente aplicar o regime da caducidade aí previsto, mas sim as regras gerais do incumprimento, pela imputada e comprovada responsabilidade contratual da apelada, cfr. artsº 309º, 801.º, nº 2 e 808º, nº l, todos do Código Civil.

     6) Em relação aos prejuízos ou despesas com os veículos de substituição devido a imobilização do veículo, o Tribunal a quo pronunciou-se igualmente sobre a caducidade do direito da apelante exigir a respectiva indemnização.

     7) Mas esta indemnização peticionada não diz respeito directamente à existência dos defeitos denunciados no motor do veículo, mas sim a um dano colateral, pelo que o regime aplicável a este direito reivindicado pela apelante não é, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o regime específico aplicável à responsabilidade por defeitos no contrato de empreitada, mas sim o regime geral do direito de indemnização.

     8) E este regime geral do direito de indemnização não está subordinado aos prazos de caducidade vertidos no artº 1 224º do Código Civil, e que foram indevidamente relevados pelo Tribunal a quo, mas sim ao prazo de prescrição ordinária, previsto no artº 309º do Código Civil, uma vez que estamos perante um caso de responsabilidade contratual.

     9) Constatamos que, mais do que um reconhecimento por parte da apelada do direito invocado pela apelante, temos a afirmação inequívoca de uma anterior decisão de direito, já transitada em julgado e com confirmação em sede de recurso por este mesmo Tribunal, sobre a responsabilidade contratual da apelada e do seu incumprimento definitivo (má reparação) em relação a uma acção judicial proposta dentro do prazo cominado no artº 1 224º do Código Civil, e cuja causa de pedir teve a ver com o incumprimento do mesmo contrato de prestação de serviços de reparação e manutenção do veículo em causa.

     10) Este circunstancialismo foi provado pelo Tribunal a quo e traduz não só uma causa de interrupção mas também de impedimento da caducidade que não foi e deveria ter sido relevada pelo Tribunal a quo.

    

     Contra-alegaram as apeladas pugnando pela confirmação da sentença apelada.

     Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                           *

     2. FUNDAMENTOS.

     O Tribunal de como provados os seguintes,

     2.1. Factos.

     2.1.1. Correu termos pelos 4º Juízo Cível do Tribunal de Coimbra, acção sumária intentada por "H..., com sede em ... contra a ora co-Ré "B...", sendo por acórdão da Relação de Coimbra de 9-05-2006 confirmada a decisão de lª instância que condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 4.882,78 por cumprimento de defeituoso de contrato de empreitada (prestação de serviços de reparação) do veículo D.... matrícula 00-00-NJ, objecto de contrato de ALD que celebrara em 5 de Abril de 2000 com a I...”, pelo período de 37 meses - por danos emergentes da imobilização (necessidade de veículo de substituição) e despesa de desmontagem de motor que pagou a terceira empresa ( E....).

     2.1.2. Deu-se como provado nos aludidos autos, nomeadamente, que:

     - A Autora, enquanto locatária do veículo, procedeu às revisões nas instalações da Ré aos Kms estabelecidos pelo fabricante da marca;

     - Decorrido apenas um mês após a data da última revisão, em 3-07-2001, a Autora começou a detectar que a luz de aviso de baixo nível de líquido de refrigeração começava acender, e de imediato repôs o nível/ normal do depósito.

     - Alguns dias após, a situação repetiu-se duas vezes.

     - A Autora dirigiu-se às instalações da Ré para que se averiguasse o que se passava a fim de proceder a devida reparação.

     - Poucos dias depois, a Autora detectou - por duas vezes - a luz indicadora da temperatura acesa, num percurso inferior a 200 km.

     - Face a isto levou o veículo a oficina "E...”.

     - Onde, após uma inspecção, concluíram que se tratava de uma fuga de água na cabeça do motor, sendo necessário retirar o motor do veículo para efectuar a devida reparação.

     - Ao procederem à desmontagem do motor do veículo, foi constatado que havia água e ferrugem em todo o motor.

     - E que o estado em que este se encontrava indiciava que o problema além de grave, não era recente.

     - A Autora interpelou de imediato a Ré na pessoa do Sr. Engenheiro J...para o sucedido, que prontamente se deslocou as instalações da E.....

     - Nessas instalações o Eng.º J..., após analisar o motor, concluiu que a causa da avaria só podia ser determinada nas instalações da Ré.

     - A Autora fez então deslocar o veículo para as inalações da Ré.

     - No mês de Agosto a Autora foi informada pela Ré de que a avaria se devia, em parte a uma anomalia no motor e em parte a qualquer outra causa, como um tubo de água que pode ter caído do sítio.

     - Aquando da primeira revisão realizada nas oficinas da Ré o veículo já apresentava 37.066 Km.

     - Aquando da revisão efectuada em 3-07-2001, os técnicos da Ré diagnosticaram uma fuga de água, fuga que não era para o exterior.

     – Para analisar o problema seria necessário realizar a desmontagem da cabeça do motor para testar a mesma.

     2.1.3. A aí Ré efectuou a reparação do veículo, na sequência de ordem de reparação de 16-11-2001, reparação concluída em 7-12-2001.

     2.1.4. Em 11 de Junho de 2002, a Autora levou à ora segunda Ré o seu veículo, para esta efectuar uma revisão.

     2.1.5. Em 17-07-2002, o veículo sofreu avaria vindo a ser rebocado para as instalações da segunda Ré.

     2.1.6. Após a entrada do veículo nas oficinas da segunda Ré, confirmada a avaria, a segunda Ré solicitou prévia autorização para se proceder à desmontagem do motor para averiguar em que consistia, comunicada por fax de 18-07-2002.

     2.1.7. A segunda Ré apresentou um orçamento de reparação da avaria no montante de € 8.764,84, datado de 7-08-2002.

     2.1.8. A segunda Ré cobrou à Autora € 629,15, a título de rectificação, elaboração de orçamento e desmontagem do motor.

     2.1.9. A primeira Ré foi contactada pela D..., em Agosto de 2002, a propósito de reclamação apresentada pela Autora, entidade que solicitou que comentasse tal reclamação e informasse sobre o que tinha conhecimento relativamente à alegada avaria.

     2.1.10. À data da conclusão da reparação, em 7-12-2001, o veículo apresentava 94 425 Km e à data da avaria ocorrida em Julho de 2002, 126 139 Km.

     2.1.11. Em 3-01-2002 foi celebrado entre "H...", com sede em ... e a ora autora, acordo por documento particular constante como doc. nº 1 junto à petição inicial, e bem assim a locadora I...., com sede na ...., por via do qual e na veste de locatária, a primeira transmitiu à ora autora a sua posição no contrato, sem qualquer contrapartida.

     2.1.12. A segunda Ré não comunicou à Autora a existência de qualquer avaria no motor, na sequência de tal revisão.

     2.1.13. Em 17 de Julho de 2002, o veículo da autora acusou nova avaria do motor.

     2.1.14. Tal avaria provocou a imobilização imediata do veículo.

     2.1.15. A segunda ré, após exame do motor, confirmou a existência da avaria no mesmo.

     2.1.16. A segunda ré informou a autora de que deveria retirar imediatamente o veículo e o motor, sob pena de cobrar aparcamento.

     2.1.17. As rés não assumiram responsabilidade e a autora contactou a E... solicitando-lhe a substituição do motor avariado por outro usado.

     2.1.18. O custo da reparação seria muito elevado.

     2.1.19. A autora ficou privada do gozo do veículo, e teve de recorrer a diversos veículos de substituição, no período da imobilização (de 18-07-2002 a 14-10-2002), alugando diversos veículos à F.... e G.... para colmatar as suas necessidades criadas pela imobilização do veículo,

     2.1.20. O aluguer de veículos de substituição importou na quantia global de € 4.130,23.

     2.1.21. A substituição do motor custou à autora a quantia de € 1149,67.

     2.1.22. A "D..., contactada pela autora, aconselhou-a que dirimisse o problema directamente com as rés.

     2.1.23. A autora denunciou sempre e de imediato às rés as avarias.

     2.1.24. Aquando do pedido de revisão, a autora queixou-se à segunda ré de uma anomalia no ar condicionado.

     2.1.25. Após a desmontagem do motor e avaliação da avaria, verificou a segunda ré que houve uma perfuração e fissuração do pistão do 1º cilindro, tendo de seguida elaborado o orçamento referido em G).

     2.1.26. Elaborado o respectivo orçamento de reparação, constante como doc. 4 junto à petição inicial, e enviado à autora, como esta não mais dava ordem para que se procedesse à reparação, nem o levantou das instalações, a segunda ré viu-se forçada a solicitar que o fosse levantar, lembrando que o depósito ou aparcamento durante tanto tempo estava sujeito ao pagamento do aparcamento e enviou-lhe a factura correspondente aos trabalhos efectuados, constituída pelo doc. nº 5 junto com a petição inicial.

     2.1.27. O serviço de rectificação para teste da cabeça do motor necessário para avaliar os danos e elaborar o orçamento era um serviço externo à segunda ré.

                           +

     2.2. O Direito.

     Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

    

     - A caducidade no contrato de empreitada e regime respectivo.

     - O caso vertente.

                           +

     2.2.1. A caducidade no contrato de empreitada e regime respectivo.

     A Autora demanda as Rés em virtude dos danos emergentes do incumprimento de um contrato de empreitada, pedindo a condenação daquelas no pagamento da quantia de € 7.258,12 (sete mil duzentos e cinquenta e oito euros e doze cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, correspondendo a despesas efectuadas com veículo de substituição, desmontagem de mo­tor efectuada pela segunda Ré e consequente substituição do motor avariado.

     Tendo a Autora A... assumido em 3 de Janeiro de 2002, por cessão, a posição contratual de locatária em ALD referente ao veículo de matrícula 00-00-NJ, acontece que esta anterior locatária demandara a ora primeira Ré em juízo, em acção sumária que correu sob o nº 652/03.0TJCBR, no 4º juízo do tribunal a quo, - sendo esta condenada no âmbito de tal acção a pagar a quantia de € 4.882,78, acrescida de juros de mora desde a citação, por cumprimento defeituoso de contrato de empreitada, (quantia esta que seria devida a título de danos emergentes da imobilização (necessidade de veículo de substituição) e despesa de desmontagem de motor que pagou a terceira empresa ( E....); porquanto nas suas instalações haviam sido efectuadas todas as revisões e serviços de manutenção como concessionária da D...., - ocorrendo a última revisão a 3 de Julho de 2001, e decorrido um mês após a última, detectada sinalização de baixo nível de refrigeração e acendimento da luz do óleo, contactada tal Ré esta terá informado que tal era frequente, e, tendo a luz de temperatura acendido posteriormente, constatou-se afinal que ocorrera fuga na cabeça do motor e deterioração da correia do motor, sendo avaria grave, detectada por " E....; recusando a Ré em 31-08-2001 a assumir a totalidade da avaria, referindo que parcialmente se devia a deslocação fortuita de um cabo de água, a locatária inicial comunicou o facto à locadora, exigindo da Ré a devida reparação, sem prescindir do direito a ser indemnizada por recurso a aluguer de veículo de substituição. Ora, em 11 de Junho de 2002 levou à segunda Ré o veículo, para esta efectuar uma revisão, inclusive ao motor que entretanto havia sido reparado pela primeira Ré – informando-a do sucedido, e que não confiava na primeira Ré - a qual, efectuando a revisão, não comunicou qualquer avaria; no entanto, em 17 de Julho subsequente, quando circulava na A-l, o veículo acusou nova avaria, sinalizada com emissão de fumo e perda brusca de potência do motor; dada a imobilização imediata, o veículo teve de ser rebocado para as instalações da segunda Ré que examinando o motor, confirmou a existência de avaria (estava inundado de óleo) e comunicou à Autora que o primeiro cilindro tinha agarrado e que a única explicação possível seria sobreaquecimento do motor.

     Nos termos do preceituado no artigo 1.207º do Código Civil – Diploma ao qual pertencerão os restantes normativos citados sem menção de origem - "Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço". Na execução do contrato, o empreiteiro compromete-se a entregar uma obra, o resultado do seu trabalho, nos termos acordados com o outro contraente, sendo certo que na consecução da mesma actua sem vínculo de subordinação jurídica a este último, facto que distingue a empreitada do contrato de trabalho, onde verificando-se aquela subordinação, ao trabalhador apenas cabe fornecer o seu trabalho de harmonia com as suas competências técnicas, sem fixação de escopo final. A empreitada surge-nos pois, ao lado do mandato e do depósito, como uma modalidade do contrato de prestação de serviço, cujo objecto é o resultado de um trabalho manual ou intelectual[1]. Trata-se de um contrato sinalagmático, ostentando ainda a natureza de comutativo, oneroso e consensual.

     O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato – artigo 1 208º. Mas tratando-se de um contrato bilateral, à prestação do empreiteiro corresponde por seu turno a contraprestação no sinalagma contratual da outra parte ou seja o dono da obra. O dever do empreiteiro não se esgota contudo na mera efectivação da obra; tem ainda de a fazer bem, ou seja "deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato" artigo 1 207º.

     A peculiaridade dos interesses envolvidos no contrato de empreitada ao nível de um sector em que o dinamismo e a celeridade são condições do respectivo giro impõe e justifica todo um conjunto de normas específicas que garantam os direitos das partes envolvidas mas simultaneamente fomentadoras de celeridade no respectivo exercício em ordem ao rápido ultrapassar das situações de crise na execução dos contratos, também desde em logo em virtude de estarmos num área em que é grande, até pela sua especificidade, o diluir rápido das provas em ordem à reconstituição dos factos. Razões de segurança jurídica e de índole probatória estão pois na origem do regime especial da caducidade do exercício de direitos no contrato de empreitada.

     Estabelece-se desde logo a obrigação de o dono da obra, sob pena de caducidade dos seus direitos, denunciar ao empreiteiro as deficiências daquela dentro dos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, equivalendo à denúncia o reconhecimento por parte do empreiteiro da existência do defeito – artigo 1.220º nº 1. Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção.
   2. Cessam os direitos conferidos no número anterior, se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito. – artigo 1.221º. Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina – artigo 1 222º.

     Por outro lado estatui o artigo 1 224º que "1. Os direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização caducam, se não forem exercidos dentro de um ano a contar da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva, sem prejuízo da caducidade prevista no artigo 1220º.

     2. Se os defeitos eram desconhecidos do dono da obra e este a aceitou, o prazo de caducidade conta-se a partir da denúncia; em nenhum caso, porém, aqueles direitos podem ser exercidos depois de decorrerem dois anos sobre a entrega da obra".

     O incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de empreitada está na origem, não raro, de danos geradores de responsabilidade contratual ou extracontratual, podendo ainda assistir-se a uma cumulação dos dois tipos de responsabilidade. No elenco dos danos contratuais poderemos enumerar aqueles que se relacionam v.g. com a deficiente realização da obra acordada. Quanto aos segundos salientam-se os classificados como circa e extra rem, ou sejam aqueles que se filiam no imperfeito incumprimento da obrigação, embora de forma indirecta e de que são exemplo os gastos motivados pela necessidade de colmatar os prejuízos do aluguer de uma viatura de substituição em virtude de o lesado não poder contar com aquela cujo arranjo era objecto do contrato para realização uma deslocação programada[2]. Sendo tais danos de índole diversa, quer no que toca à sua natureza quer no tocante à prova respectiva e teleologia intrínseca, bem se compreende a diversidade de tratamento que lhes é conferida; desde logo o particular regime de caducidade previsto nos artigos 1 218º ss do Código Civil não tem aplicação a todos os danos emergentes do contrato de empreitada; é aliás o artigo 1 223º que o reconhece expressamente, ao referir que "O exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais". E nomeadamente em caso de incumprimento definitivo – artigo 798º do Código Civil – O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. E não é abrangida pela razão de ser dos prazos curtos de caducidade o pedido de ressarcimento de todos os gastos que de algum modo estejam filiados no incumprimento do contrato de empreitada[3].

    

                           +

     2.2.2. O caso vertente.

     Tomando em consideração as linhas orientadoras do caso concreto e a ele revertendo haverá a considerar que por via desta acção se formulam os seguintes pedidos:

     Por um lado:

     - € 629,15 a título de despesa cobrada pela segunda Ré para desmontagem do motor e exame do mesmo (já posteriormente à revisão e na sequência de nova avaria.

     - € 2.498,74, a título de valor pago a terceiro que procedeu a substituição do motor por outro usado; tal valor, considerando os factos dados por demonstrados reduz-se à quantia de € 1.149,67

                          

     Por outro:

     - € 4.130,23 a título de despesas de aluguer de veículos de substituição à F...e à G....    no período desde início da imobilização do veículo – 18 de Julho de 2002 e o fim da imobilização (14 de Outubro desse mesmo ano).

   

     Não temos qualquer observação a fazer no tocante à caducidade do direito de indemnização pelos danos que se prendem com a reparação da viatura. Nunca a Autora exigiu a reparação da viatura no prazo legal para tanto; na verdade, mau grado os tivesse denunciado ainda em 2002, certo é que a presente acção a exigir a reparação só deu entrada em Juízo em 25 de Junho de 2007, ou seja decorridos mais de quatro anos após aquela denúncia quando o direito à reparação deveria ter sido feito valer no prazo máximo de dois anos após a entrega da viatura. Verifica-se assim a caducidade do direito da Autora nos termos dos artigos 1 220º e 1 224º do Código Civil.

     O mesmo já não se passa quanto à importância por último mencionada de € 4.130,23 que segue os termos gerais, não se verificando a caducidade, pelo que a sentença não poderá ser mantida neste particular.

     Nesta conformidade a apelação procederá parcialmente.

                          

     Poderá então concluir-se:

     1) O contrato de empreitada surge-nos ao lado do mandato e do depósito, como uma modalidade do contrato de prestação de serviços, cujo objecto é o resultado de um trabalho manual ou intelectual. Trata-se de um contrato sinalagmático, ostentando ainda a natureza de comutativo, oneroso e consensual.

     2) O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi combinado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.

     3) O incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de empreitada está na origem, não raro, de danos geradores de responsabilidade contratual ou extracontratual, podendo ainda assistir-se a uma cumulação dos dois tipos de responsabilidade.

     4) No elenco dos primeiros poderemos enumerar aqueles que se relacionam v.g. com a deficiente

realização da obra acordada. Quanto aos segundos salientam-se os classificados como circa e extra rem ou seja aqueles que se filiam no imperfeito incumprimento da obrigação, embora de forma indirecta.

     5) Sendo tais danos de índole diversa, quer no que toca à sua natureza quer no tocante à prova respectiva e teleologia intrínseca, é diverso o tratamento que lhes é conferida;

     6) Desde logo o particular regime de caducidade de prazos curtos previsto nos artigos 1 218º ss do Código Civil não tem aplicação a todos os danos emergentes do contrato de empreitada.

     7) Não é abrangida pela razão de ser dos prazos curtos de caducidade o pedido de ressarcimento dos gastos filiados no incumprimento do contrato de empreitada que se prendem com despesas de aluguer de veículos de substituição no período desde início da imobilização até ao fim da mesma.

                           *

     3. DECISÃO.

     Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e revogando nessa medida a sentença apelada, condenam-se as Rés B.... e C....., a pagar à Autora A.... a importância de € 4 130,23.

     Mantém-se em tudo o mais o decidido em 1ª instância.   

     Custas por A. e RR. na proporção do vencimento/decaimento.

      [1] Cfr. artigos 1 154º ss do Código Civil Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela "Código Civil Anotado" II, Coimbra Editora, 4ª Edição, 1997, pags. 782 ss e 863 ss. Para mais alguns desenvolvimentos Cfr. Pedro Romano Martínez "Direito das Obrigações", Parte Especial, Empreitada, Almedina, Coimbra 2000, pags. 333 ss. Na Jurisprudência Cfr. por todos Ac. do S.T.J. de 17-6-1998 (P. 565/98) in Bol. do Min. da Just., 478, 351. .

      [2] Cfr. Pedro Romano Martínez Ob. cit. pags. 435 ss e João Cura Mariano "Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra", Almedina, Coimbra 2005, 2ª Edição, pags. 152 ss.

      [3] "Essa indemnização – escreve João Cura Mariano in Ob. cit pag. 147 – não se enquadra nas previstas no artigo 1 223º do Código Civil as quais são cumulativas ou residuais relativamente ao exercício do direito de eliminação da redução do preço e da resolução do contrato de empreitada e destinam-se a ressarcir os prejuízos não ressarcidos pelo exercício desses direitos e não resultantes do incumprimento das obrigações de eliminação ou reconstrução".