Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
166/08.1PAPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: CONDUÇÃO SOB EFEITO DO ÁLCOOL
CONTRAPROVA
CONFISSÃO
Data do Acordão: 02/18/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 292.º, N.º 1 DO C.P.; 153.º, N.º 3, ALÍNEA A) E 6 DO C.E.; ARTIGO 2.º, N.º 2 E O ARTIGO 3º DO REGULAMENTO DE FISCALIZAÇÃO DA CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL OU DE SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS, APROVADO PELA LEI N.º 18/2007; 344.º, N.º 1 DO C.P.P
Sumário: I. - A lei, ainda que nunca o afirme de forma directa, inculca que a contraprova realizada através de novo exame, deverá ser feita num outro aparelho, porquanto a alínea a), do nº 3, do art. 153º, do C. da Estrada, se refere a novo exame, a realizar através de aparelho aprovado. Daí que, se o exame de pesquisa de álcool previsto no nº 1 do artigo citado tem que ser feito em aparelho aprovado para o efeito e se o novo exame [o da contraprova] pudesse ser feito no mesmo aparelho, se tornava desnecessária a menção no nº 3 a aparelho aprovado.
II. – O Dec. Regulamentar 24/98, de 30 de Outubro, que regulamentou a condução sob o efeito do álcool até 15 de Agosto de 2007 [apenas foi revogado pela Lei 18/2007, de 17 de Maio, que aprovou o actual Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas], previa no seu art. 3º, nº 1, a possibilidade de a contraprova referida na alínea a), do nº 3, do art. 159º, do C. da Estrada [na redacção anterior à do Dec. Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, e que era idêntica à do actual art. 153º, nº 3, a), do C. da Estrada], poder ser efectuada no mesmo analisador, se não fosse possível recorrer a outro, no prazo máximo de quinze minutos após a realização do primeiro teste. Porém, não se encontrando no actual Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, norma idêntica teremos que concluir não ser hoje possível, ao menos como princípio, a realização da contraprova no mesmo alcoolímetro onde foi efectuado o primeiro exame de pesquisa de álcool (cfr. Acs. da R. de Coimbra de 10 de Dezembro de 2008, proc. nº 288/07.6GTAVR.C1 e da R. do Porto de 20 de Abril de 2008, proc. nº 0810062, in, http://www.dgsi.pt).
III. – A contraprova efectuada através de novo exame realizado no mesmo analisador quantitativo em que havia sido efectuado o primeiro exame de pesquisa de álcool, traduz-se em obtenção de prova de forma não válida, por violação do disposto no artigo 153º, nºs 3, a) e 4, do C. da Estrada.
IV. – Não pode ser considerada como confissão integral e sem reserva, para os efeitos do 344º, nº 1, do C. Processo Penal, a declaração prestada pelo arguido em audiência de que foi interceptado pelos agentes de fiscalização e quanto ás suas condições pessoais e socioeconómicas, sem admissão, contudo, da taxa de alcoolemia obtida no teste efectuado mediante analisador quantitativo, de que requereu contraprova, e de que a sua conduta constituía ilicito penalmente punível.
Decisão Texto Integral: 14

I. RELATÓRIO.
No 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Pombal o Ministério Público requereu o julgamento, em processo especial sumário, do arguido …, divorciado, gestor, residente em P…, imputando-lhe a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), do C. Penal.
Aberta a audiência de julgamento, o Ilustre Mandatário do arguido arguiu a nulidade da contraprova à TAS, por ter sido efectuada no mesmo aparelho em que foi realizado o exame de pesquisa ao álcool.
Foi assegurado o contraditório, tendo-se pronunciado o Digno Magistrado do Ministério Público no sentido da validade da contraprova.
Seguidamente, foi proferido despacho que, além do mais, indeferiu a arguida nulidade.
Realizado o julgamento, por sentença de 12 de Agosto de 2008, depositada a 18 de Agosto de 2008, foi o arguido condenado pela prática do imputado crime na pena de 65 dias de multa à razão diária de € 20 perfazendo a multa global de € 1.300, e na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 3 meses.
Inconformado com o decidido no despacho e na sentença, o arguido interpôs recurso, formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“ (…).
1- No dia 26 de Julho de 2008, durante as Festas do X..., na cidade de P..., pelas 6h00m, o Arguido que conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 00-DJ-00, de marca C..., na Rua de acesso às Piscinas Municipais em P..., foi submetido a um teste qualitativo de despistagem de álcool no sangue, tendo acusado a existência de álcool no mesmo.
2- Pelo que, foi conduzido à Esquadra de Polícia de Segurança Pública de P..., onde foi submetido à análise quantitativa de álcool realizada através do alcoolímetro DRAGER, modelo 7100 MKIII P, tendo acusado uma T.A.S. de 1,35 g/l.
3- Não se conformando com o resultado por entender que atendendo à quantidade de álcool por si ingerida naquela noite não poderia apresentar uma T.A.S tão elevada, o Arguido declarou que pretendia realizar contraprova pelo mesmo método de ar expirado.
4- Tendo a contra prova sido realizada no mesmo aparelho que o do teste de alcoolemia inicial, o que apresentou uma T.A.S. de 1,44 g/l.
5- Não se conformando com tal situação, e já em sede de audiência de julgamento, o Arguido apresentou a sua contestação, tendo alegado que a contraprova fora realizada de forma proibida por lei, por ter sido realizada no mesmo aparelho, pelo que deveria ser declarada nula.
6- No entanto, interpretou o Tribunal a quo o artigo 153.º, n.º 3, alínea a) do CE no sentido de que este não proíbe a realização do novo exame no mesmo analisador quantitativo, porque o normativo "não faz qualquer distinção entre a realização de tal exame através de idêntico ou novo aparelho", tendo proferido despacho de improcedência daquela nulidade.
7- No entanto, o Tribunal recorrido devia ter interpretado a norma no sentido de que o novo exame, ou seja, a contraprova, deve ser feito num aparelho diferente do inicialmente utilizado.
8- Pois só assim se poderá afastar qualquer dúvida sobre a fiabilidade do aparelho ou o modo de utilização do mesmo e proceder-se à realização de novo exame e não repetição do exame já realizado.
9- Assim, com aquele interpretação pelo Tribunal a quo, não foram asseguradas todas as garantias de defesa do Arguido, conforme previsto no artigo 32º, nº 1 da CRP, uma vez que não foi posto à sua disposição qualquer meio susceptível de infirmar a fiabilidade do aparelho e consequentemente demonstrar que a quantidade de álcool que ingeriu durante a noite em causa, não era suficiente para ultrapassar os limites legais.
10- Pelo exposto, a interpretação que o Tribunal recorrido fez do artigo 153.º, n.º 3, alínea a) do CE, isto é, que o novo exame/contraprova pode ser realizado no mesmo aparelho, é materialmente inconstitucional porque violadora dos artigos 18.º, n.ºs 1 e 3 e 32.º, n.º 1 ambos da CPR.
11- Pelo que, consequentemente, deverá ser declarada a nulidade do exame de contraprova (vide fls. 4) efectuado ao Arguido através do mesmo aparelho, e, consequentemente, revogar-se o despacho proferido a fls. 30 e 31 pelo Tribunal a quo, e, consequentemente, por força da aplicação da teoria do efeito à distância consagrada no artigo 122.º do CPP, também revogar-se sentença condenatória, com a consequente absolvição do Arguido por falta de prova de um dos elementos essenciais que constituem o tipo legal do crime previsto e punido no artigo 292, n.º 1 do Código Penal., uma vez que, não é possível a repetição do exame de contraprova e não existe nos autos qualquer outra prova legal do ilícito, posto que determina o artigo 153.º, n.º 6 do CE que "O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial".
12- Acresce ainda, que atenta a conjugação da alínea a), do n.º 3, e do n.º 4 do artigo 153.º do CE, com o artigo 2.º, n.º 2 e o artigo 3º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, dúvidas não podem resultar quanto à intenção do legislador ordinário impor a obrigatoriedade da contraprova ser realizada em aparelho diverso do inicialmente utilizado, pelo que também por este motivo o aludido despacho de fls. 30 e 31 deverá ser revogado, e consequentemente, o Arguido ser absolvido da sentença que o condenou, a qual também deverá ser revogada, por se ter fundamentado numa prova obtida ilegalmente pela respectiva autoridade judicial.
13- Dos elementos da interpretação, particularmente o teleológico, o sistemático, o histórico e inclusivamente o literal, resulta a imposição de o novo exame a que se refere a alínea a) do n.º 3 artigo 153.º do CE ser efectuado em analisador quantitativo diferente do que fora primeiramente utilizado.
14- Desta forma, o Tribunal a quo ao fazer uma interpretação diversa daquela que defendemos e, consequentemente, ao indeferir, com o aludido despacho, a arguida nulidade decorrente da invalidade da prova obtida mediante contraprova em teste de detecção de álcool no sangue realizado no mesmo aparelho, violou, para além dos artigos 18.º, n.º 1 e 3 e 32.º, n.º 1, ambos da CRP, o artigo 153.º, n.º 3, a) e n.º 4 do CE, o artigo 3.º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas e o artigo 125.º do CPP.
15- No entanto, caso se entenda que o despacho de fls. 30 e 31 não se encontra ferido de qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade, sempre se dirá o seguinte quanto à sentença proferida nos presentes autos.
16- Na douta sentença o Tribunal a quo dá como provado o seguinte facto:
"Submetido a análise quantitativa de detecção de álcool na sangue, através do aparelho Drager Alcotest 7110 MKIII P, acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,35 g/l, sendo que ao ser submetido a novo exame apresentou uma taxa de álcool de 1,44 g/l".
17- No entanto, se compararmos o talão de teste n.º 177 com o talão de teste n.º 180, juntos aos autos de fls. 4 a 5, podemos constatar que o aparelho utilizado num e noutro exame foi exactamente o mesmo – MARCA: DRAGER; MODELO: 7110 MKIII P; Nº. SERIE: ARMA – 0032.
18- Assim sendo, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o seguinte facto: Submetido a análise quantitativa de detecção de álcool na sangue, através do aparelho Drager 7110 MKIII P, acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,35 g/1, sendo que ao ser submetido a novo exame através do mesmo aparelho apresentou uma taxa de álcool de 1,44 g/l.
19- Acresce, ainda, que o Tribunal a quo deu também como provado os seguintes factos:
- "O arguido ingeriu bebidas alcoólicas, na sequência do que conduziu o veículo com matrícula 05-DJ-01, ciente do estado alcoolizado em que se encontrava".
- "Agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta era e é proibida e punida pela lei penal".
20- Resulta das declarações do Arguido que ele efectivamente ingeriu bebidas alcoólicas na noite em questão, mas nunca em momento algum o Arguido afirmou estar consciente que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
21- Pois, nunca o Arguido declarou ter conduzido o seu veículo automóvel na via pública com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.
22- Efectivamente, o Arguido confirmou o resultado do exame e da contraprova mas nunca afirmou serem verdadeiros esses resultados, bem pelo contrário, ao ter solicitado a contraprova demonstrou inequivocamente a sua desconfiança em relação ao resultado apresentado e consequentemente à fiabilidade do aparelho.
23- Portanto, não deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que o Arguido "conduziu o veículo com matricula 00-DJ-00, ciente do estado alcoolizado em que se encontrava" e que "Agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta era e é proibida e punida pela lei penal".
24- O Tribunal recorrido deveria ter dado como provado apenas o seguinte facto:
O Arguido ingeriu voluntariamente bebidas alcoólicas, na sequência do que conduziu o veículo com a matrícula 00-DJ-00.
25- O Arguido em momento algum confessou estar alcoolizado e muito menos ter consciência de que com a sua conduta era proibida e punida por lei penal, tendo apenas confirmado que ingerira bebidas alcoólicas.
26- A defesa apresentada verbalmente pelo Arguido, no início da Audiência de Discussão e Julgamento, foi no sentido de que este, precisamente por não se conformar com os factos que lhe eram imputados, porque falsos, considera violado o seu direito de defesa.
27- Tendo em conta o sentido da contestação apresentada pelo Arguido bem como as suas declarações em sede de julgamento, não poderia, contrariamente, ao que fez o Tribunal recorrido, ser dado como confessado e provado que o Arguido conduziu o seu veículo automóvel "ciente do estado alcoolizado em que se encontrava" e que "agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que tal conduta era e é proibida e punida pela lei penal".
28- O Arguido não confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado, pelo que, consequentemente deve ser declarada a nulidade da confissão nos termos do artigo 344.º, n.º 1 do CPP.
29- Interpretou o Tribunal a quo, embora não expressamente, o artigo 153.º, n.º 3, alínea a) do CE no sentido de que este não proíbe a realização do novo exame no mesmo analisador quantitativo, pois que considerou a contraprova aqui em questão válida.
30- No entanto, o Tribunal recorrido devia ter interpretado a norma no sentido de que o novo exame, ou seja, a contraprova, deve ser feito num aparelho diferente do inicialmente utilizado, pelos motivos já supra expostos nas presentes conclusões e que para ali remetemos.
31- Pelo exposto, a interpretação tácita que o Tribunal recorrido fez do artigo 153.º, n.º 3, alínea a) do CE, isto é, que o novo exame pode ser realizado no mesmo aparelho, é materialmente inconstitucional porque violadora dos artigos 18.º, n.ºs 1 e 3 e 32.º, n.º 1 ambos da CRP e igualmente do sentimento de justiça da comunidade.
32- Pelo que, consequentemente, deverá ser declarada a invalidade do exame de contraprova efectuado ao Arguido através do mesmo aparelho, por ser legalmente inadmissível, e consequentemente revogar-se a sentença condenatória, e absolver-se o Arguido do crime e da pena acessória em que foi condenado.
33- Mas mesmo que se entenda que sentença do tribunal a quo interpretou correctamente o artigo 153.º, n.º 3, alínea a) do CE, e que essa interpretação não se encontra ferida de qualquer inconstitucionalidade, sempre se dirá que a referida sentença padece de um vício de ilegalidade.
34- Atenta a conjugação da alínea a), do n.º 3, e do n.º 4 do artigo 153.º do CE, com o artigo 2.º, n.º 2 e o artigo 3º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, dúvidas não podem resultar quanto à intenção do legislador ordinário impor a obrigatoriedade da contraprova ser realizada em aparelho diverso do inicialmente utilizado, pelo que também pelos motivos já expostos nas presentes conclusões, e que para ali remetemos, a sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser revogada, por violação daquelas normas, e, consequentemente, absolver-se o arguido da sentença e da pena acessória em que foi condenado.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, devem as presentes conclusões serem julgadas procedentes, por provadas, e consequentemente, absolver-se o Arguido do crime e da pena acessória em que foi condenado, POIS SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!
(…)”.
Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, formulando no termo da respectiva contramotivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“ (…).
1ª O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
2ª A contraprova deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando: novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado, ou análise de sangue.
3ª Na realização de novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado, pode ser utilizado o mesmo analisador, caso não seja possível recorrer a outro no prazo legal para a realização da contraprova.
4ª Pois importante não é se o exame e contraprova são efectuados em diferentes aparelhos, mas que os aparelhos sejam aferidos com regularidade, que os mesmos reúnam determinadas características; que sejam oficialmente aprovados, como é o caso.
5ª Ademais, o legislador consagrou expressamente a possibilidade de o arguido, quem seja diagnosticada uma taxa de alcoolemia eventualmente geradora de responsabilidade contra-ordenacional ou criminal, requerer a realização de uma contraprova, designadamente através da realização de exames hematológicos que são aqueles que dão maiores garantias, do ponto de vista analítico, de aproximação ao «real» valor da taxa de álcool no sangue.
6ª Assim, e contrariamente ao defendido pelo recorrente, não verificamos qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade na interpretação dada pelo Tribunal, quanto à validade da contraprova efectuada pelo mesmo aparelho.
7ª As garantias de defesa do arguido, previstas no art.º 32º da Constituição da República Portuguesa não foram beliscadas com tal situação, a opção do meio de realização da contraprova foi do arguido e importante e essencial para o mesmo é que o respectiva aparelho estivesse devidamente aprovado e homologado, nos termos da lei, a fim de garantir que o resultado do exame e a taxa de álcool no sangue era fiável.
8ª Quanto à confissão do arguido, dispõe o lei processual penal que, no caso de o arguido declarar que pretende confessar os factos que lhe são imputados, o presidente, sob pena de nulidade, pergunta-lhe se o faz de livre vontade e fora de qualquer coacção, bem como se se propõe fazer uma confissão integral e sem reservas.
9ª No caso, das declarações do arguido, as quais encontram-se gravadas no programa Habillus, registo 00.00.10 a 00.09.53, resulta uma confissão dos factos pelos quais se encontrava acusado, com o respectivo enquadramento fáctico (com excepção da hora constante do auto de notícia), tendo o Mmo. Juiz perguntado, conforme exigência legal, se o fazia de livre vontade e fora de qualquer coacção legal, ao que foi respondido positivamente.
10º Assim, não se verifica qualquer nulidade, designadamente a prevista no art. 344º, n.º 1, do CPP.
Pelo exposto, não deverá ser dado provimento ao Recurso interposto, Assim se fazendo a costumada Justiça.
(…)”.
Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunta emitiu parecer no qual, aderindo aos argumentos da Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, concluiu pela improcedência do recurso.
Foi cumprido ao disposto no art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:
- Nulidade da contraprova, porque efectuada no mesmo analisador;
- Violação dos arts. 18º, nºs 1 e 3 e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa;
- Nulidade da confissão, nos termos do art. 344º, nº 1, do C. Processo Penal;
- Errada decisão proferida sobre os pontos 2, 3 e 4 dos factos provados.
Para a resolução destas questões, importa ter presente o que de relevante consta das decisões objecto do recurso. Assim:
A) O despacho recorrido tem a seguinte redacção (transcrição):
“ (…).
Nos termos do artº, 153º, nº3, al. a) do Código da Estrada., o condutor que após ter sido submetido a fiscalização de condução sob influência de álcool requerer a realização de contraprova, pode a mesma ser efectuada através de "novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado".
No caso em apreço, consoante resulta dos documentos de fls. 5 e 4 dos autos, o arguido …, submetido a um primeiro teste de detecção de álcool no sangue, declarou pretender a realização da contraprova através de novo teste ao ar expirado. Tal novo teste foi realizado pelo alcoolímetro DRAGER 7110 MKIII P, igual ao que havia servido para a realização do primeiro teste.
Invoca agora o arguido que a utilização do mesmo aparelho postergaria as suas garantias de defesa, tal como se encontra consagrado no artº 32º da Constituição da República Portuguesa, sendo inclusivamente nula ou inválida por ser proibida por lei (artº 125º C.P.P.).
Pode desde já adiantar-se que carece de sentido tal pretensão. Com efeito, a al. a) do nº 3 do artº 153º do Código da Estrada, ao permitir o recurso a novo exame "a efectuar através de aparelho aprovado" não faz qualquer distinção entre a realização de tal exame através de idêntico ou novo aparelho. Exige-se apenas que tal aparelho se encontre aprovado (neste sentido, António Tolda Pinto, "C. Estrada anotado", 2002, página 437, em anotação à redacção do anterior artº 159º, nº 3, al, a), idêntico à redacção que lhe foi conferida pelo Dec-Lei 44/2005,de 23 de Fevereiro.)
No que respeita às testemunhas identificadas pelo arguido, afigura-se-nos que o depoimento das mesmas reveste utilidade para a boa decisão da causa, quer por terem conhecimento directo dos factos constantes da acusação, quer por poderem transmitir ao Tribunal as condições sociais, económicas e de personalidade do arguido.
Pelo exposto:
a) Indefere-se a arguida nulidade decorrente da invalidade de prova obtida mediante contraprova em teste de detecção de álcool no sangue;
b) Defere-se a inquirição das testemunhas M..., P… e H….
(…)”.
B) Na sentença recorrida:
1. Foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
“ (…).
1. No dia 26 de Julho de 2008, cerca das 6 horas, o arguido … conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula 00-DJ-00, de marca C..., na Rua de acesso às Piscinas Municipais, em P..., tendo sido interceptado por elementos da Polícia de Segurança Pública de P....
2. Submetido a análise quantitativa de detecção de álcool no sangue, através do aparelho Drager Alcotest 7110 MKIII P, acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,35 g/l, sendo que ao ser submetido a novo exame apresentou uma taxa de álcool de 1,44 g/l.
3. O arguido ingeriu voluntariamente bebidas alcoólicas, na sequência do que conduziu o veículo com a matrícula 05-DJ-01, ciente do estado alcoolizado em que se encontrava.
4. Agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que tal conduta era e é proibida e punida pela lei penal.
5. Nas circunstâncias de tempo em análise, o arguido encontrava-se nas Festas da Cidade, na qualidade de presidente do grupo …, patrocinador oficial do evento e responsável pela actuação da artista convidada naquela noite, tendo sido neste contexto que ingeriu bebidas alcoólicas.
6. O arguido é consumidor meramente ocasional de bebidas alcoólicas, não tendo por hábito ingerir grandes quantidades desse tipo de bebidas.
7. É pessoa afável, calma e trabalhadora, como tal considerado no meio social e profissional em que se insere.
8. O arguido é presidente do grupo …, que engloba um conjunto de 50 empresas, num total de 1.500 trabalhadores.
9. Retira da sua actividade profissional um rendimento mensal de cerca de 7.500 €, sem prejuízo do valor de dividendos recebidos por força da actividade exercida noutras sociedades.
10. O arguido é divorciado e reside sozinho em casa própria.
11. Tem três filhos (de 8, 17 e 23 anos), aos quais paga uma prestação mensal de cerca de 3.000/4.000 €.
12. Tem como habilitações literárias a licenciatura em Ensino de Biologia e Geologia.
13. O arguido não tem antecedentes criminais.
2. Não existem factos não provados.
3. E dela consta a seguinte motivação de facto (transcrição):
“ (…).
O Tribunal alicerçou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida, desde logo nas declarações do arguido …, o qual confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado, tendo ainda dilucidado o Tribunal quanto à sua situação económica, familiar e profissional.
Foi ainda tomado em consideração o depoimento da testemunha …, vereador da Câmara Municipal de P… que se encontrava presente na altura em que o arguido foi fiscalizado por agentes da P.S.P., tendo o mesmo contextualizado de forma isenta e descomprometida a qualidade em que o arguido se encontrava nas festas da cidade.
Por seu turno, o depoimento das testemunhas … e …, ambos conhecidos do arguido, serviu para corroborar a condição profissional do arguido, explicitando ambos a personalidade deste.
Foram ainda tidos em conta os documentos de fls. 4 (quanto aos resultados dos testes de detecção de álcool no sangue).
Finalmente, tornou o Tribunal em consideração o C.R.C. do arguido junto aos autos no que respeita aos seus antecedentes criminais.
(…)”.
Da nulidade da contraprova
1. Diz o recorrente que é nula a prova obtida mediante a contraprova, em teste de detecção de álcool no sangue, realizada no mesmo aparelho em que foi efectuado o primeiro exame.
Vejamos se assim é.
A fiscalização da condução sob influência do álcool encontra-se prevista no art. 153º, do C. da Estrada.
O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é feito pelo agente da autoridade através da utilização de aparelho aprovado para o efeito (nº 1 do artigo citado).
Se o resultado do exame for positivo, o agente da autoridade deve notificar o examinando, daquele resultado, das respectivas sanções, e de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova, suportando as despesas por esta causadas, no caso do respectivo resultado ser positivo (nº 2 do artigo citado).
A contraprova pode ser realizada, cabendo a escolha ao examinando, ou:
- Através de novo exame a efectuar em aparelho aprovado, ou;
- Através da análise ao sangue (nº 3 do artigo citado).
No primeiro caso, o examinando deve ser imediatamente sujeito ao novo exame e, se necessário, conduzido ao local onde ele possa ser efectuado (nº 4 do artigo citado).
No segundo caso, o examinando deve ser conduzido o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a amostra de sangue necessária para o efeito (nº 5 do artigo citado).
O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial (nº 6 do artigo citado).
Por sua vez, a Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas.
Nos termos deste Regulamento, a detecção de álcool no sangue é indiciada através da realização de teste no ar expirado com um analisador (alcoolímetro) qualitativo. Indiciando este teste a presença de álcool, a quantificação da respectiva taxa de álcool no sangue é feita através da sujeição do examinando a um teste no ar expirado agora com um analisador quantitativo, ou através de análise ao sangue, quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo, seja por impossibilidade física, seja pela insuficiência do ar expelido, após três tentativas sucessivas (arts. 1º e 4º, nº 1, do Regulamento).
Entre o teste em analisador qualitativo e o teste em analisador quantitativo não deve, sempre que possível, mediar mais do que trinta minutos (art. 2º, nº 1, do Regulamento).
Os métodos e equipamentos previstos para a realização dos exames são aplicáveis à contraprova prevista no art. 153º, nº 3, do C. da Estrada (art. 3º, do Regulamento).
A contraprova destina-se, como é evidente, e infirmar o resultado apurado no exame de pesquisa de álcool no ar expirado. E, como se viu, ela pode ser feita através de novo exame, ou através de análise ao sangue, cabendo a escolha ao examinando. Na questão sub judice o recorrente, como consta do auto de fls. 5 e verso, optou pela realização da contraprova através de novo exame pelo que apenas sobre esta modalidade de contraprova nos debruçaremos.
A desconfiança do examinando relativamente ao resultado dado pelo exame de pesquisa de álcool no ar expirado pode ter diversos fundamentos que vão desde o erro de procedimento na utilização e manipulação do aparelho por parte do agente da autoridade, até à avaria do aparelho, que leva ao seu deficiente funcionamento relativamente às medições que efectua. Ora, se na primeira situação seria aceitável que a contraprova fosse efectuada no mesmo aparelho – posto que agora a sua utilização e manipulação fosse já a correcta – já o mesmo não sucede na segunda. Com efeito, se o aparelho, suspeita o examinando, está avariado, que certeza pode ser dada pela realização de novo exame no mesmo? Obviamente que nenhuma.
E a lei, ainda que nunca o afirme de forma directa, parece hoje pressupor que a contraprova realizada através de novo exame, deverá ser feita num outro aparelho.
Desde logo, a alínea a), do nº 3, do art. 153º, do C. da Estrada, se refere a novo exame, a realizar através de aparelho aprovado. Ora, se o exame de pesquisa de álcool previsto no nº 1 do artigo citado tem que ser feito em aparelho aprovado para o efeito, se o novo exame [o da contraprova] pudesse ser feito no mesmo aparelho tornava-se desnecessária a menção no nº 3 a aparelho aprovado.
Depois, e nos termos do nº 4, do art. 153º, do C. da Estrada, optando o examinando pelo novo exame, deve o mesmo de imediato ser a ele sujeito e para tal efeito, conduzido, se necessário, ao local onde o novo exame possa ser efectuado. Ora, uma vez que, como é evidente, o alcoolímetro onde o examinando fez o exame de pesquisa de álcool previsto no nº 1 permanece junto do agente da autoridade que o efectuou, podendo pois efectuar mais exames, a necessidade prevista na lei de conduzir o examinando ao local onde possa fazer a contraprova só pode derivar de, no local, não existir em funcionamento, outro aparelho aprovado o que implica que a contraprova não possa ser efectuada no mesmo alcoolímetro.
A tudo isto acresce que o Dec. Regulamentar 24/98, de 30 de Outubro, que regulamentou a condução sob o efeito do álcool até 15 de Agosto de 2007 [apenas foi revogado pela Lei 18/2007, de 17 de Maio, que aprovou o actual Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas], previa no seu art. 3º, nº 1, a possibilidade de a contraprova referida na alínea a), do nº 3, do art. 159º, do C. da Estrada [na redacção anterior à do Dec. Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, e que era idêntica à do actual art. 153º, nº 3, a), do C. da Estrada], poder ser efectuada no mesmo analisador, se não fosse possível recorrer a outro, no prazo máximo de quinze minutos após a realização do primeiro teste.
Ora, no actual Regulamento de Fiscalização da Condução sob influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, não encontramos já norma idêntica o que, segundo cremos, aponta no sentido de não ser hoje possível, ao menos como princípio, a realização da contraprova no mesmo alcoolímetro onde foi efectuado o primeiro exame de pesquisa de álcool (cfr. Acs. da R. de Coimbra de 10 de Dezembro de 2008, proc. nº 288/07.6GTAVR.C1, e da R. do Porto de 20 de Abril de 2008, proc. nº 0810062, in, http://www.dgsi.pt).
Como consta de fls. 4 e 5, a contraprova requerida pelo recorrente foi efectuada através de novo exame realizado no mesmo alcoolímetro onde havia sido efectuado o primeiro exame de pesquisa de álcool, a saber, no alcoolímetro Drager Alcotest, modelo 7110 MKIII P, com o nº de série Arma-0032.
Ou seja, em vez da contraprova fez-se um exame, que mais não foi do que a repetição do primeiro efectuado, exame repetido que o tribunal a quo validou, ao considerá-lo como meio de prova no qual aliás, baseou a sua convicção de facto, em violação do disposto no art. 153º, nºs 3, a) e 4, do C. da Estrada.
Em conclusão, o novo exame, tendo sido efectuado no mesmo analisador quantitativo, traduz-se em prova inválida na medida em que não foi respeitado o direito à contraprova, não podendo por tal razão ser valorada.
E, como é evidente, não pode ser repetida a prova julgada inválida.
Da violação dos arts. 18º, nºs 1 e 3 e 32º, nº 1, da Constituição
2. Alegou o recorrente que o tribunal recorrido, ao indeferir a invalidade da prova decorrente da realização da contraprova no mesmo analisador quantitativo, violou os arts. 18º, nºs 1 e 3 e 32º, nº 1, da Lei Fundamental.
Como acabámos de ver, a contraprova efectuada no mesmo alcoolímetro em que foi efectuado o primeiro exame é prova inválida que não pode ser valorada.
Prejudicado está portanto, o conhecimento da invocada violação das referidas normas constitucionais.
Da nulidade da confissão integral e sem reservas
3. Alega o recorrente a nulidade da confissão integral e sem reservas.
Para tanto diz que em momento algum da audiência de julgamento declarou que pretendia confessar integralmente e sem reservas os factos, até porque o não fez – requereu a contraprova por estar convencido de que não era portador da TAS acusada no exame, nunca admitiu estar alcoolizado nem ter consciência da proibição da conduta – porque a contestação que apresentou apontava no sentido de não aceitar os factos imputados, e porque não prescindiu da produção de prova.
Vejamos se lhe assiste ou não razão.
3.1. As declarações dos arguidos são, no nosso processo penal, um meio de prova, livremente apreciado pelo tribunal, de acordo com a regra estabelecida no art. 127º, do C. Processo Penal.
Quando o arguido, ao prestar declarações, confessa os factos que lhe são imputados – a confissão é, no nosso direito, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352º, do C. Civil) – há que distinguir, quer quanto ao andamento do processo, quer quanto ao valor probatório.
Se na audiência de julgamento o arguido declara que pretende confessar os factos que lhe são imputados o presidente deve perguntar-lhe se o faz de livre vontade e fora de qualquer coacção, bem como se se propõe fazer uma confissão integral e sem reservas. A inobservância deste procedimento pelo presidente origina nulidade (art. 344º, nº 1, do C. Processo Penal).
Confissão livre e fora de qualquer coacção é a confissão efectuada com discernimento para se entender o que se diz e por que razão se diz, e feita porque voluntariamente assumida. Confissão integral e sem reservas é a admissão de todos os factos relevantes para a imputação criminal, sem que aos mesmos seja oposta qualquer condição ou sejam invocados outros factos que possam ter efeito sobre aqueles ou sobre a referida imputação.
Nos casos em que, observado o procedimento descrito, o arguido declara que pretende fazer uma confissão integral e sem reservas, e a faz, há depois que distinguir.
Assim, se o crime imputado for punível com pena de prisão superior a cinco anos, se houver co-arguidos e não se verificar a confissão integral, sem reservas e coerente de todos eles, ou se o tribunal, em sua convicção, suspeitar do carácter livre da confissão, o tribunal, em sua livre convicção, decide se deve ter lugar, e em que medida, relativamente aos factos confessados (art. 344º, nºs 3 e 4, do C. Processo Penal).
Se o crime for punível com pena de prisão igual ou inferior a cinco anos, se não houver co-arguidos ou havendo-os, se existir confissão integral e sem reservas, e coerente, de todos, e se o tribunal, em sua convicção, não suspeitar do carácter livre da confissão, a confissão integral e sem reservas implica:
- A renúncia à produção de prova relativamente aos factos imputados e consequente consideração destes como provados;
- A passagem de imediato às alegações orais e, se o arguido não dever ser absolvido por outros motivos, à determinação da sanção aplicável; e,
- A redução da taxa de justiça em metade (art. 344º, nºs 2 e 3, do C. Processo Penal).
3.2. Ao arguido era imputada a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), do C. Penal. Este crime é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, e com pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.
A audiência de julgamento teve lugar no dia 12 de Agosto de 2008, constando da respectiva acta que o arguido prestou declarações que se encontram gravadas no programa Habillus registo 00.00.10 a 00.09.53.
Seguidamente foi proferido o seguinte despacho (transcrição):
Resulta das declarações do arguido, o qual confessou integralmente e sem reservas os factos de que vem acusado, que terá sido interceptado pelos Agentes da PSP cerca das 06:00 horas e não, como consta do auto de notícia, cerca das 07:30 horas do dia 26/07/2008. Consoante decorre da aplicação conjugada dos artigos 1º, al. f) e 358º, nº 1, ambos do CPP, estamos perante a alteração não substancial dos factos descritos na acusação, o que ora se comunica ao arguido nos termos e para os efeitos da parte final do nº 1 daquele segundo normativo.”.
Atenta a comunicação feita, o Ilustre Mandatário do arguido nada requereu e prescindiu do prazo para defesa.
Depois, consta da acta, a Digna Magistrada do Ministério Público disse que, face à confissão integral e sem reservas do arguido, prescindia do depoimento da testemunha indicada na acusação.
Após o que se passou de imediato à inquirição das testemunhas de defesa.
Significa isto que, da acta da audiência de julgamento, não consta que o recorrente tenha declarado que pretendia confessar os factos, não consta que o Mmo. Juiz lhe tenha perguntado se a confissão que pretendia fazer era livre e fora de qualquer coacção e se pretendia efectuar uma confissão integral e sem reservas, e também não consta que o recorrente tenha, efectivamente, efectuado uma confissão integral e sem reservas.
Aliás, a única referência que encontramos na acta à confissão, é no despacho que comunica uma alteração não substancial de factos, imediatamente após as declarações do recorrente e com base nelas – nele diz o Mmo. Juiz que resulta das declarações do arguido, o qual confessou integralmente e sem reservas os factos de que vem acusado, (…) – o que desde logo indica que não existiu uma confissão com tais características.
Na verdade, ouvidas as declarações prestadas pelo recorrente na audiência de julgamento, o que delas resulta, em síntese, é que o recorrente afirmou que foi abordado pelas autoridades mais cedo do que consta no auto, por volta das 6 horas, tendo depois explicado que fez três testes, um no local da abordagem e dois na esquadra. E à pergunta do Mmo. Juiz sobre se ia confessar, pediu para contextualizar as taxas de alcoolemia dos talões, passando a dizer que é empresário, com mais de cinquenta empresas e mil e quinhentos trabalhadores, que neste âmbito era o patrocinador oficial das festas no dia dos acontecimentos, que na qualidade de anfitrião bebeu algumas cervejas durante a noite mas que no fim da festa, pelas 6 horas, estava perfeitamente lúcido, que foi para o carro e logo a seguir foi mandado parar, que fez o teste do álcool que deu positivo o que o deixou admirado, que na esquadra ao fazer outro teste que também deu positivo ficou admirado de novo pois tinha noção de que o que havia bebido não devia acusar excesso de álcool e por isso pediu a contraprova, e que tinha perfeita consciência de que não estava a cometer qualquer crime e por isso põe em causa os valores dados. A nova pergunta do Mmo. Juiz sobre se fazia a confissão de livre vontade o recorrente respondeu que a fazia de livre vontade.
Perante estas declarações, se deve aceitar-se que o recorrente disse que fazia a confissão de livre vontade, esta confissão apenas pode ter por objecto aquilo que ele confessou. Ora, como claramente resulta das declarações que se sintetizaram, o recorrente nunca admitiu que era portador das taxas de alcoolemia que os exames acusaram. Aliás, não admitiu sequer, como se deixou referido, que a sua conduta integrasse a prática de um crime.
Não houve pois, qualquer confissão integral e sem reservas mas sim uma confissão parcial, que não englobou a TAS acusada, quer no primeiro exame, quer na contraprova.
E tanto assim é que a confissão, enquanto facto, nem sequer consta dos factos provados enunciados na sentença recorrida.
Ora, se não existiu confissão integral e sem reservas por parte do recorrente, evidente se torna que não pode tal confissão ser declarada nula.
Da errada decisão proferida sobre os pontos 2, 3 e 4 dos factos provados
4. Diz o recorrente que nunca nas declarações que prestou em julgamento afirmou estar alcoolizado e referiu ter consciência de que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, tendo apenas admitido que ingeria bebidas alcoólicas, nunca tenso aceite como verdadeiros os resultados dos exames a que foi sujeito. E, como a contraprova que efectuou é inválida, não poderiam ter sido dados como provados os pontos 2 a 4 dos factos provados.
A decisão proferida sobre a matéria de facto pode ser modificada pelo tribunal da relação, pela via do recurso, quando tenha sido impugnada nos termos prescritos no art. 412º, nº 3, do C. Processo Penal (cfr. art. 431º, b), do mesmo código), sem prejuízo do disposto no art. 410º, do mesmo código.
O nº 3 do art. 412º do C. Processo Penal impõe ao recorrente que impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o ónus de uma tripla especificação: que indique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; que indique as concretas provas que impõem decisão diversa; que indique as provas que devem ser renovadas, quando tal pretenda.
No que respeita às duas últimas especificações, dispõe a lei (nº 4 do artigo citado) que o recorrente deve fazer referência ao consignado na acta da audiência de julgamento, bem como deve indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação pois, como bem se compreende, são elas as que serão ouvidas e/ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras que este considere relevantes (nº 6 do artigo citado).
Este dever acrescido de especificação – que é consequência das alterações introduzidas ao C. Processo Penal pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto – significa ainda que o recorrente deve expor as razões pelas quais a concreta prova impõe diversa decisão (cfr. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 1135).
E compreendem-se estas exigências de forma. É que os recursos, enquanto via legal para a correcção dos erros cometidos na decisão judicial, são apenas os remédios jurídicos postos à disposição dos intervenientes processuais para a sua correcção e não um meio de realização de um novo julgamento.
Analisando agora os termos em que o recorrente estruturou o seu recurso, verificamos que indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. Indicou também as concretas provas que, em seu entender, apontam distinta decisão. E, não tendo indicado as concretas passagens da prova por declarações e/ou testemunhal em que funda a sua divergência, tal omissão encontra-se justificada precisamente porque o recorrente aponta aquilo que não disse, para fundar diversa decisão, sendo certo que na fundamentação de facto consta que a convicção do tribunal a quo foi alcançada com base nas declarações do recorrente e nos resultados dos testes de detecção de álcool no sangue.
Nenhuma razão existe pois, que impeça o conhecimento do recurso.
5. Os factos provados impugnados têm o seguinte teor:
- (2.) “Submetido a análise quantitativa de detecção de álcool no sangue, através do aparelho Drager Alcotest 7110 MKIII P, acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,35 g/l, sendo que ao ser submetido a novo exame apresentou uma taxa de álcool de 1,44 g/l.”;
- (3.) “O arguido ingeriu voluntariamente bebidas alcoólicas, na sequência do que conduziu o veículo com a matrícula 00-DJ-00, ciente do estado alcoolizado em que se encontrava.”;
- (4.) “Agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que tal conduta era e é proibida e punida pela lei penal.”.
Para fundamentar a convicção alcançada o tribunal a quobaseou-se nas declarações do arguido …, o qual confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado, tendo ainda dilucidado o Tribunal quanto à sua situação económica, familiar e profissional. Foi ainda tomado em consideração o depoimento da testemunha…, vereador da Câmara Municipal de P… que se encontrava presente na altura em que o arguido foi fiscalizado por agentes da PSP, tendo o mesmo contextualizado de forma isenta e descomprometida a qualidade em que o arguido se encontrava nas festas da cidade. Por seu turno, o depoimento das testemunhas … e …, ambos conhecidos do arguido, serviu para corroborar a condição profissional do arguido, explicitando ambos a personalidade deste. Foram ainda tidos em conta os documentos de fls. 4 (quanto aos resultados dos testes de detecção de álcool no sangue). Finalmente, tomou o Tribunal em consideração o CRC do arguido junto aos autos no que respeita aos seus antecedentes criminais.”.
Assim, a convicção alcançada pelo tribunal quanto aos factos impugnados apenas se estribou nas declarações do recorrente e nos documentos de fls. 4 isto é, nos talões emitidos pelo alcoolímetro usado nos exames a que aquele foi sujeito.
Como atrás deixámos dito, a contraprova efectuada pelo recorrente à pesquisa de álcool no sangue foi-o no mesmo alcoolímetro em que foi efectuado o primeiro exame, razão pela qual é a contraprova inválida, não podendo por isso ser valorada, nem repetida.
E também não pode ser valorado como meio de prova o talão emitido pelo alcoolímetro relativo ao primeiro exame efectuado na medida em que a tal se opõe o nº 6, do art. 153º, do C. da Estrada. Logo, não existe prova por exame capaz de sustentar a convicção do tribunal relativamente à concreta TAS de que o recorrente era portador na data da prática dos factos.
Restava a confissão qualificada na fundamentação de facto como integral e sem reservas. Mas como vimos, tal confissão não consta da acta, não consta dos factos provados e, efectivamente, não aconteceu com tal qualificação. Na verdade, e como resulta do teor das declarações do recorrente produzidas em audiência, que atrás deixámos sintetizadas, o recorrente antes produziu uma confissão parcial, nunca tendo admitido ser portador da TAS acusada nos exames a que foi submetido, mas apenas que havia ingerido bebidas alcoólicas e que foi sujeito a três exames de pesquisa de álcool no sangue.
Face ao que fica dito, impõe-se a alteração dos pontos de facto sindicados que passam a ter a seguinte redacção:
- (2.) “O arguido foi submetido a análise quantitativa de detecção de álcool no sangue, através do aparelho Drager Alcotest 7110 MKIII P.”;
- (3.) “O arguido ingeriu voluntariamente bebidas alcoólicas, na sequência do que conduziu o veículo com a matrícula 00-DJ-00.”;
- (4.) “Agiu de forma livre, deliberada e conscientemente.”.
E passam a constar como factos não provados, os seguintes:
- “O arguido acusou uma TAS de 1,44 g/l”;
- “O arguido conduziu o DJ ciente do estado alcoolizado em que se encontrava.”;
- “O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.”.
6. Face à modificação introduzida à decisão proferida sobre a matéria de facto pelo tribunal a quo, cumpre agora extrair as necessárias consequências ao nível da tipicidade.
Ora, não se tendo provado, dada a ausência de qualquer prova válida e bastante, a concreta TAS de que o recorrente era portador no momento em que, no exercício da condução, foi abordado e fiscalizado pela PSP, desde logo não se encontra preenchido o tipo objectivo do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal.
Impõe-se pois a absolvição do recorrente.
III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso. Consequentemente, decidem:
A) Julgar inválida a contraprova ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado realizada pelo recorrente.
B) Modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
1. Passando os factos provados 2, 3 e 4 a terem a seguinte redacção:
- (2) “O arguido foi submetido a análise quantitativa de detecção de álcool no sangue, através do aparelho Drager Alcotest 7110 MKIII P.”;
- (3) “O arguido ingeriu voluntariamente bebidas alcoólicas, na sequência do que conduziu o veículo com a matrícula 00-DJ-00.”;
- (4) “Agiu de forma livre, deliberada e conscientemente.”; e,
2. Aditando aos factos não provados os seguintes factos:
- “O arguido acusou uma TAS de 1,44 g/l”;
- “O arguido conduziu o DJ ciente do estado alcoolizado em que se encontrava.”;
- “O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.”.
C) Absolver o recorrente da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal.