Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5445/09.8TBLRA
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: CHEQUE
REVOGAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 07/11/2012
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 29.º; 32.º DA LEI UNIFORME; ARTIGO 483.º, N.º 1 DO CC.
Sumário: 1. Uma instituição de credito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 29.º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na primeira parte do artigo 32.º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legitimo portador do cheque nos termos previstos nos artigos 14.º, segunda parte, do Decreto n.º 13 004 e 483.º, n.º 1, do Código Civil.
2. O portador do cheque, cuja revogação tenha sido ilícita, tem o ónus de alegar e provar – tal como sucede com qualquer lesado que pretenda prevalecer-se da responsabilidade civil por factos ilícitos prevista no n.º 1 do artigo 483º, do Código Civil - o dano que quer ver reparado e a relação de causalidade entre o facto ilícito e o dano.
3. Logo, alegando o portador que o prejuízo que lhe foi causado foi o não recebimento do cheque, e pedindo, em consequência, a condenação do banco no pagamento do respectivo montante, é condição de procedência da acção a prova de que não recebeu o montante do cheque e que a causa do não recebimento foi a revogação ilícita dele.
Decisão Texto Integral:

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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra


A...., residente na Avenida Adelino Amaro da Costa, Bloco C, 1º C, Direito, Jardins do Lis, Leiria, propôs a presente acção declarativa com processo ordinário contra o Banco Comercial Português, SA, com sede na Praça D. João I, n.º 28, Porto, pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de € 300 000,00, a título de capital, acrescida de juros, à taxa legal, desde 30 de Setembro de 2009 até efectivo pagamento.
Para tanto alegou que era legítimo portador do cheque n.º 6431540134, no valor de € 300 000,00, sacado, em 26 de Janeiro de 2009, por B....sobre o BCP; que o cheque foi-lhe entregue para pagamento de uma dívida que o sacador tinha para com ele (autor); que o cheque foi devolvido em 28 de Janeiro de 2009 pelos serviços de compensação do Banco de Portugal com os dizeres “falta ou vício na formação da vontade”; que esta devolução ocorreu por o sacador, seguindo as instruções e ensinamentos de um funcionário da agência de Leiria do réu, ter ordenado a revogação do cheque; que o réu, ao aceitar a ordem de revogação sem que existisse qualquer facto que a justificasse, impediu que se verificasse o facto que importava a obrigação de notificação do sacador para regularizar a situação, pois sabia que a contava bancária não apresentava fundos que possibilitassem o pagamento do cheque; que não recebia a quantia titulada no cheque; que as perdas e danos sofridos com a atitude ilegítima do réu ascenderam à quantia de € 300 000,00, acrescida de € 7 766,00, a título de juros de mora vencidos até 30 de Setembro de 2009, e dos juros vincendos até integral pagamento.
O réu contestou, concluindo pela improcedência da acção. Na sua defesa alegou, em síntese, que o sacador enviou-lhe, em 10 de Junho de 2008, comunicação escrita onde ordenou o não pagamento do cheque em questão, indicando, como motivo, “vício na formação da vontade”; que o cheque não foi apresentado a pagamento nos oito dias posteriores à sua emissão pois a data do cheque foi colocada por outrem que não o emitente; que o réu, quer antes quer depois do pedido de revogação, agiu com zelo e diligência, de acordo com as instruções do cliente; que ainda que o réu tivesse violado o artigo 32º da Lei Uniforme sobre Cheques [LUCH] não estava constituído na obrigação de indemnizar o autor.
No final, requereu a intervenção nos autos do sacador do cheque, como auxiliar na defesa, o que foi deferido.
O autor respondeu. Sob a alegação de que o réu invocara falsamente factos que não só tinha obrigação de conhecer, como factos que bem sabia não serem verdadeiros, pediu a condenação do réu, como litigante de má fé, no pagamento de multa e indemnização, em quantia não inferior a € 10 000,00.
O réu contestou o pedido de litigância de má fé, alegando que não tinha fundamento legal.
O processo prosseguiu os seus termos e a final foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e o pedido de litigância de má fé deduzido pelo autor.
As razões da improcedência da acção foram, em síntese, as seguintes. Em primeiro lugar, por o cheque em causa apenas poder ser visto como quirógrafo e não com as virtualidades próprias de um título de crédito, pelo que não tinha aplicação ao caso o regime do artigo 32º da LUCH. No entender do tribunal a quo, o cheque valia como quirógrafo por ter sido entregue ao autor sem a indicação da data e por o demandante não ter provado a existência de um pacto de preenchimento que tivesse sido respeitado. Em segundo lugar, mesmo que se entendesse que o título valia como cheque e que, ao aceitar a ordem de revogação, praticara um facto ilícito, o réu não estava constituído na obrigação de indemnizar o autor pois não se verificava nexo de causalidade adequada entre o comportamento que o autor alegava que era ilícito e o dano invocado; e não se verificava porque, mesmo que não tivesse observado a ordem de revogação dada pelo sacador, o réu não teria obrigação de pagar o cheque uma vez que a conta sacada não dispunha de provisão para o efeito, razão pela qual o cheque sempre seria devolvido ao autor com fundamento na falta de provisão.
O autor não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença.
Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:
1. O recorrente entende que se encontra incorrectamente julgada a matéria de facto constante dos factos 2º, 4º, 5º, 6º, 9º a 13º e 15º, e dada a análise atenta dos depoimentos prestados pela parte e testemunhas, conjugados com o conteúdo dos documentos juntos aos autos impunha-se decisão diversa.
2. Os factos 2º, 4º, 5º e 6º deviam ter sido dados como provados, face à análise da prova testemunhal e documental referida em VI-A da alegação.
3. Os factos 9º e 10º deviam ter sido dados como provados, com o aditamento ao 9º de que “a data aposta no cheque obteve o consentimento de B....” e com o aditamento ao 10º “por instruções do funcionário do réu”, face à análise da prova testemunhal e documental referida em VI-B da alegação.
4. Os factos 11º, 12º e 13º deviam ter sido dados como não provados, face à análise da prova testemunhal e documental referida em VI-C da alegação.
5. O facto 15º devia ter sido dado como provado com o aditamento de que “a data aposta no cheque obteve o consentimento de B....”, face à análise da prova testemunhal e documental referida em VI-D da alegação.
6. Contrariamente ao que se refere na sentença recorrida, não se pode ignorar que a data aposta no cheque foi-o de acordo com o pacto de preenchimento estabelecido entre o autor e o sacador B...., não podendo, assim, tal cheque ser visto como mero quirógrafo, mas antes como possuindo todas as virtualidades próprias de título de crédito - cheque - ínsitas no artigo 1º da LUCH.
7. Aliás, que tal título vale como cheque, dúvidas nenhumas podem existir atento os factos constantes em A, B, C e D da matéria de facto assente.
8. De igual modo, só erroneamente se refere na sentença recorrida que "... mesmo que a ré não tivesse observado a ordem de revogação dada pelo sacador, não teria qualquer obrigação de pagar o montante titulado pelo cheque ao autor, uma vez que a conta sacada não dispunha de provisão para o efeito" (SIC).,
9. Porquanto, tal como o autor alegou nos artigos 6º, 7º, 8º, 9º e 10º da sua petição, o banco réu, ao aceitar uma mera ordem de revogação, dada a inexistência de qualquer facto que a justificasse (atento a falsa justificação dada pelo sacador, tal como melhor se alcança da data aposta no documento de fls. 22 - documento 2 da contestação - ser posterior à devolução do cheque causa, e ainda ao facto do documento de fls. 21 – doc. 1 da Contestação - constarem simples ordens de revogação por falta ou vício da vontade para 9 - nove! - cheques), retirando-o, assim, de circulação, impediu que se verificasse o facto que importava a obrigação de notificação do sacador para regularizar a situação dentro dos 30 dias referidos no artigo 1º do Decreto-Lei Lei nº 316/97 de 16 de Novembro, e a consequente notificação ao banco de Portugal, já que bem sabia o réu que a acima identificada conta bancária não apresentava à data fundos monetários que possibilitassem o pagamento do aludido cheque e que o mesmo pudesse ser de novo apresentado a pagamento em data em que o sacado tivesse fundos na conta sacada.
10. Agiu, assim, ilicitamente o banco réu por violação do disposto no artigo 32º da LUCH, ao não proceder com a diligência de pessoa normal, medianamente capaz, prudente e avisada (atente-se ao que as testemunhas do réu, seus funcionários, depuseram em julgamento: "era esse o procedimento na altura (referindo-se ao Doc. 1 da Contestação); simplesmente executei a ordem do cliente; normalmente o que se faz é assinar a ordem de revogação"), conforme jurisprudência Uniformizada pelo Acórdão Uniformizador do S.T.J. nº 4/2008.
11. Nem se diga, como se refere na sentença recorrida, que atento o facto constante da alínea D) dos factos assentes ["àquela data a conta acima identificada não apresentava fundos monetários que possibilitassem o pagamento do cheque"], que "não se verifica um nexo de causalidade adequada entre o comportamento da ré que o autor defende ser ilícito e o dano que invoca – pois este, mesmo sem aquela actuação, sempre se teria produzido -, motivo pelo qual não pode considerar preenchido esse pressuposto da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade civil por factos ilícitos";
12. Porquanto, tal como se decidiu no Acórdão do S.T.J. de 12.10.2010, in C.J. - Acórdãos do S.T.J., Tomo III - 2010, pág. 124 e seguintes: o não pagamento ao portador do montante titulado pelo cheque, no momento da sua apresentação a desconto, independentemente da causa que lhe esteja subjacente, vem a significar a falta de realização do valor correspondente ao quantitativo da prestação a que aquele, na qualidade de credor, tinha direito, com o consequente dano patrimonial verificado. Por outro lado, um banco que recusa o pagamento de um cheque revogado determina, segundo as regras da experiência e a partir das circunstâncias do caso, que o tomador se veja privado do respectivo montante, não sendo conjecturável prognosticar que o sacador disponha de outros bens acessíveis que garantam a respectiva solvabilidade";
13. E no acórdão STJ de 28.02.2008 in www.dgsi.pt, "de facto, um banco que recusa o pagamento dum cheque revogado determina que, segundo as regras da experiência e a partir das circunstâncias do caso, o tomador se veja privado do respectivo montante. Da revogação resulta normalmente o afastamento do pagamento voluntário por parte do sacador e é utópico presumir-se que este disponha de outros bens acessíveis que garantam solvabilidade (se a ordem de revogação visa evitar o pagamento de um cheque validamente emitido e detido pelo tomador, naturalmente que o sacador procurará evitar outras vias de cobrança, designadamente a executiva);
14. O banco é responsável pelo pagamento ao tomador de uma indemnização correspondente ao valor dos cheques ou, pelo menos, ao valor do prejuízo resultante do seu não pagamento, se se entender que o mesmo não é idêntico ao valor dos cheques não pagos".
15. Atente-se ainda que, tal como também se refere no acima citado Acórdão do STJ de 12.10.2010, não é o autor quem tem de alegar e provar que sem o facto operante (cancelamento) o pagamento ser-lhe-ia efectuado na sequência da notificação ao sacador para aprovisionar a conta ou pagar-lhe directamente, da inclusão da listagem no Banco de Portugal, mas sim ao réu quem tem tal ónus de alegação e prova.
16. Por em todos os acima citados acórdãos se considerar que o prejuízo do autor, correspondente ao valor do cheque em causa, constituiu um facto notório, que por tal razão não precisa de ser por ele (A.) provado ou sequer alegado - artigo 514º do Código do Processo Civil.
17. Sem conceder, sempre se dirá ainda que, mesmo que não se entenda que não se encontra incorrectamente julgada a matéria de facto acima referida, sempre à luz dos dispositivos legais e jurisprudência também acima citada, deverá considerar-se ilícita a atitude da ré e consequentemente condenar-se a mesma no pedido.
18. Deverá, assim, revogar-se a sentença recorrida, por violação do disposto no artigo 1º do Decreto-lei nº 316/97 de 16 de Novembro, nos artigos 1º, 29º e 32º da LUCH, nos artigos 344º, 349º, 350º, 351º, 483º, 789º e 799º todos do Código Civil e nos artigos 514º e 712º, ambos do Código de Processo Civil.
O réu respondeu, concluindo pela improcedência do recurso. Alegou, em síntese, que não existiu erro na apreciação da prova e que não cometeu qualquer ilícito.
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As alegações do recorrente suscitam fundamentalmente as seguintes questões.
A primeira questão é de facto e consiste em saber se o tribunal a quo errou no julgamento dos pontos números 2, 4, 5, 6, 9 a 13 e 15 da base instrutória e se a prova indicada pelo recorrente impõe a modificação da decisão de facto no sentido por ele pretendido.
A segunda questão é de direito e consiste em saber se o título em causa nos autos produz efeito como cheque.
A terceira questão - que pressupõe uma resposta positiva à questão antecedente - consiste em saber se, partindo da premissa que o réu praticou um facto ilícito ao aceitar a ordem de revogação do cheque, o réu está constituído na obrigação de indemnizar o autor por existir nexo de causalidade entre o comportamento reputado ilícito e o dano invocado pelo autor.
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Comecemos por precisar o objecto do recurso.
Tendo o autor ficado vencido quer quanto à acção quer quanto ao pedido de condenação do réu como litigante de má fé, assistia-lhe legitimidade para interpor recurso contra ambas as decisões [artigo 680º, n.º 1, do CPC].
Embora tenha declarado, no requerimento com que interpôs o recurso, que não se conformava com a sentença que absolveu o réu, sem especificar se a absolvição dizia respeito à acção ou à litigância de má fé, o que significava, aos olhos do parágrafo segundo do n.º 2 do artigo 684º, do CPC, que “o recurso abrangia tudo o que na parte dispositiva da sentença era desfavorável ao recorrente”, o certo é que as conclusões da alegação centram-se exclusivamente na parte da sentença que julgou improcedente a acção.
Sabendo-se que o n.º 3 do artigo 684º do CPC consente ao recorrente restringir expressa ou tacitamente, nas conclusões da alegação, o objecto inicial do recurso, é de concluir que o objecto do presente recurso é constituído exclusivamente pela parte da sentença que julgou improcedente a acção.
Delimitado o objecto do recurso, a primeira questão que importa conhecer é a suscitada pela impugnação da decisão de facto.
O primeiro segmento desta decisão que é objecto de contestação é o constituído pela resposta dada ao ponto n.º 2 da base instrutória.
Sob este número perguntava-se se o cheque se destinava ao pagamento de uma dívida que o sacador (B….) mantinha para com o autor.
O tribunal julgou não provada esta alegação.
O recorrente pretende a alteração da resposta, no sentido de ela passar a ser positiva. Para tanto invocou a emissão do cheque, as declarações do autor, as declarações do chamado e os depoimentos das testemunhas arroladas pelo autor, (…..) e (…..), as quais, segundo ele, explicaram que o cheque se destinava ao pagamento de um empréstimo feito ao sacador José Carlos.
Examinado o cheque e ouvidos os depoimentos, a resposta que se impõe é de não provado. Vejamos.
O cheque, só por si, não fornece qualquer contributo para a resposta à questão, pois, por um lado, não contém qualquer menção à causa que levou à sua emissão e, por outro, a emissão de uma cheque é compatível com uma variedade muito grande de relações entre o sacador e o tomador.
As declarações do autor e as do chamado são manifestamente insuficientes para o tribunal formar uma convicção segura sobre a questão.
Estando em causa um cheque de € 300 000,00, esperava-se que o sacador e o tomador explicassem o que é que havia dado causa à emissão do cheque de tão avultado montante. Não foi o que se passou. O autor declarou que o “cheque foi-lhe entregue para pagamento de uma dívida”. O chamado, instado a dizer se o cheque lhe havia sido entregue como caução, limitou-se a responder que “não era como caução”. Dizer que o cheque foi para pagamento de uma dívida é nada dizer sobre a origem do cheque, sabendo-se que “uma dívida” pode ter fontes muito diversas. Por seu turno, dizer – como fez o chamado - que o cheque não era como caução é também nada explicar sobre a origem do cheque. Daí que não se veja como se podia dar como provado que o cheque foi para pagamento de um empréstimo, quando o sacador e o tomador, quando ouvidos em depoimento, não confirmaram esta alegação.
Os depoimentos das testemunhas também não fizeram qualquer luz sobre a alegação que figurava no ponto n.º 2 da base instrutória.
Como é sabido, a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal [artigo 396º do Código Civil, e n.º 1, do artigo 65º, do CPC]. A apreciação livre, que não quer dizer apreciação arbitrária, significa que é ao julgador que cabe dizer qual a força do que é declarado pelas testemunhas. Deste modo, não é por uma testemunha afirmar determinado facto que o tribunal fica vinculado a dá-lo como assente.
A força da prova testemunhal depende de vários factores, tais como as relações da testemunha com as partes do processo, o seu interesse na decisão da causa, o modo como presta o depoimento, a precisão com que se pronunciado sobre o que lhe é perguntado e a razão de ciência invocada. Daí que o n.º 1 do artigo 653º do CPC imponha ao juiz o dever de perguntar à testemunha se “é parente, amigo ou inimigo de qualquer das partes, se está para com elas nalguma relação de dependência e se tem algum interesse directo ou indirecto na causa”, e o n.º 1 do artigo 638º do mesmo diploma estabeleça que a testemunha deporá com precisão, indicando a razão de ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o conhecimento dos factos.
Conforme se escrevia no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 44 129, de 28 de Dezembro de 1961, que aprovou o Código de Processo Civil, “a apreciação livre das provas pessoais, para ser perfeita, exige o contacto directo do julgador com as pessoas que as prestam”. Não tendo este tribunal da Relação contactado directamente com as testemunhas, é bom de ver que a audição dos depoimentos por elas prestadas em audiência não lhe permite captar todos os aspectos relevantes para apreciar o valor probatório dos depoimentos produzidos.
É certo que os depoimentos estão gravados. Porém, citando Gabriel Garcia Marquez nas suas “Memórias”, “Hoje sabemos que os gravadores são muito úteis para transcrever, mas há que não ignorar a cara do entrevistado, que pode dizer muito mais do que a sua voz e por vezes exactamente o contrário”.
A verdade é que as limitações que se acabam de destacar não têm, aos olhos da lei, força bastante para impedir a reapreciação da prova pelo tribunal da Relação e a formação de uma convicção diferente da que foi adquirida pelo tribunal a quo.
Importa pois reapreciar a prova testemunhal e expor o resultado dessa reapreciação.
As testemunhas que o recorrente invoca em socorro da sua pretensão são, no dizer delas próprias, “amigas” do autor e do chamado. E é esta relação de amizade que explica o que declararam sobre os factos em litígio, já que nenhuma delas presenciou a emissão ou a entrega do cheque nem nenhuma delas tinha conhecimento directo da razão que levou o chamado a emitir o cheque a favor do autor.
João Carlos Moita Branco “supunha” que o cheque havia sido entregue ao autor pelo chamado. Instado a explicar a sua suposição, respondeu: “porque o Sr. (…..) disse-me que lhe tinha emprestado dinheiro e que entretanto passou aquele cheque e que o cheque tinha voltado para trás”.
É, assim, inequívoco que João Carlos Moita afirmou que o cheque estava relacionado com um empréstimo por tal facto lhe ter sido dito pelo autor; autor que, registe-se, quando foi ouvido em depoimento de parte, não se referiu a qualquer empréstimo, declarando apenas que havia sido entregue para pagamento de uma dívida. Como uma dívida pode ter uma multiplicidade de fontes, fica-se sem saber por que razão não especificou o autor, logo na petição e depois no seu depoimento, a fonte da dívida.
(…..), perguntado se sabia que negócio é que tinha havido entre ambos, qual tinha sido a origem do cheque, respondeu: “portanto, houve um empréstimo que ele lhe fez”. Porém, instado a dizer qual tinha sido o valor do empréstimo, respondeu, num primeiro momento, que “o valor do empréstimo estava traduzido no valor do cheque”; num segundo momento já admitiu que não sabia o valor desse empréstimo.
Ou seja, a “versão do empréstimo” está envolta numa densa penumbra, pois nem o autor, nem o chamado nem as testemunhas trouxeram ao conhecimento do tribunal os factos indispensáveis para a dissipar, tais como: quando é que teve lugar o empréstimo? Como é que o dinheiro foi entregue ao chamado? Quais as condições do empréstimo? Por que razão pediu o chamado 300 000,00 ao autor?
Face ao exposto, este tribunal conclui que a prova indicada pela recorrente não impõe a alteração da decisão do tribunal a quo sobre o ponto n.º 2 da base instrutória. Mantém-se, pois, essa decisão.
O recorrente contesta, em segundo lugar, a decisão proferida sob o ponto n.º 4 da base instrutória. Sob este número perguntava-se “se tal declaração [a declaração emitida pelo chamado destinada ao réu no sentido de não ser pago o cheque “por vício na formação da vontade”] foi elaborada pelo (…..) [chamado], mediante sugestão de um funcionário da ré na agência de Leiria”.
O tribunal a quo respondeu a esta questão, julgando provado apenas que “tal declaração foi elaborada por B....”. A resposta restritiva significa que o tribunal de 1ª instância julgou não provada a alegação de que a declaração tinha sido emitida “mediante sugestão de um funcionário da ré na agência de Leiria”.
O recorrente pretende que o tribunal da Relação modifique a resposta no sentido de julgar a alegação em causa totalmente provada. E indica, em abono da sua pretensão, as declarações do chamado [……], bem como o facto de a “declaração de fls. 21 conter o pedido de revogação de 9 cheques e de no seu conteúdo, tal como o conteúdo da declaração de fls. 22, constar um português correcto que em nada se coaduna com a parca instrução que o (……) mostra possuir através do modo como é feito o seu depoimento”.
Ouvido o depoimento do chamado, verificamos que, já na sua parte final, instado a dizer se a comunicação de revogação do cheque lhe havia sido sugerida por um funcionário do réu, respondeu “sim, sim”. Também em relação ao documento junto a fls. 22, elaborado com data de 23 de Fevereiro de 2009, o depoente declarou que havia feito essa declaração porque “como o cheque tinha que ser devolvido pelo facto de não haver dinheiro para pagamento e para não ter problemas no banco de Portugal, alguém lá dentro [lá dentro do banco réu] lhe disse: vens cá fazes aqui uma carta assinas para não haver problemas”.
Ouvida a restante prova verificamos o seguinte.
As declarações do chamado estão em contradição com o que disse a testemunha (……) empregado do BCP na agência da Marinha Grande, na altura em que passaram os factos. Esta testemunha relatou que o chamado enviou para o banco um fax a pedir a revogação do cheque com fundamento em vício na formação da vontade. Recebido este fax, a testemunha telefonou para o chamado e perguntou-lhe se queria revogar o cheque, tendo o chamado confirmado o propósito de revogação e explicado que revogava o cheque porque ele estava relacionado com um negócio que não se tinha concretizado, que não estava de acordo com o que havia sido combinado. Relatou ainda a testemunha que o chamado trouxe ao banco o original do fax e que, em seguida, ela [testemunha] “carregou o sistema com o pedido do cliente”.
O depoimento da testemunha é, em parte corroborado pelo chamado, pois este, instado sobre a matéria do ponto n.º 13 da base instrutória [onde se perguntava se a ré, por intermédio de funcionário seu, contactou telefonicamente B.... para confirmar o conteúdo da declaração de fls. 21] confirmou-a, como de resto consta da acta da audiência [fls. 80].
Esta corroboração retira crédito ao chamado quando declarou que a comunicação de revogação do cheque lhe havia sido sugerida por um funcionário do réu. É que, se tivesse sido um funcionário do banco a sugerir-lhe a revogação do cheque, não havia razão para esse ou outro funcionário telefonar para o chamado a fim de ele confirmar a revogação. O telefonema só se compreende se tiver sido o chamado a tomar a iniciativa da revogação. De resto, não é verosímil, que tivesse sido o réu a tomar a iniciativa ou a sugerir a comunicação de revogação, sabendo-se que a comunicação foi feita mais de meio ano antes de o autor ter apresentado o cheque.
Por seu turno, a circunstância de o teor da comunicação não se ajustar “à parca instrução do B.... “ não faz presumir que foi o banco quem sugeriu a elaboração da comunicação.
Face ao exposto, mantém-se a resposta dada ao ponto n.º 4 da base instrutória.
Pelas razões acabadas de expor é de recusar também o aditamento à resposta dada ao ponto n.º 10, conforme pretende o recorrente.
Sob este número perguntava-se se “no dia 10 de Junho de 2008, o referido B.... ordenou á ré que não procedesse ao pagamento, entre outros, do cheque em causa nos autos, mediante a declaração escrita junta a fls. 21, alegando vício na formação da vontade”.
O tribunal a quo julgou provada esta alegação.
O recorrente pretende se adite à resposta que a declaração foi escrita “mediante instruções do funcionário da ré”.
Entendendo este tribunal que não está demonstrado que a declaração de fls. 21 foi escrita mediante instruções de funcionário da ré, mantém-se a resposta dada ao ponto n.º 10.
O recorrente insurge-se, em terceiro lugar, contra a decisão proferida sobre os pontos n.ºs 5 e 6 da base instrutória.
Sob estes números perguntava-se se “o facto de o réu ter acatado a instrução contida na declaração a que se alude em 3º - declaração a pedir o não pagamento do cheque por vício na formação da vontade – impediu o autor de receber a quantia titulada no cheque, que se vê privado, desde aquela data, de fruir livremente daquela quantia”.
O tribunal a quo respondeu a estas duas questões, julgando apenas provado que “o autor não recebeu a quantia titulada pelo cheque”. A resposta única e restritiva às duas questões significa que o tribunal a quo julgou não provada a alegação que foi o acatamento da instrução que impediu o autor de receber a quantia titulada pelo cheque.
O recorrente pretende que este tribunal julgue provadas, na íntegra, as duas alegações de facto, invocando, como meios de prova, as declarações do autor e do chamado, o testemunho de Nuno Gabriel [quando referiu que o cliente não tinha qualquer maneira de pagar o cheque], o testemunho de (….) [quando referiu que “era esse o procedimento na altura, face ao pedido de revogação solicitado pelo cliente, que a sua missão era executar aquele pedido; que executou a ordem do cliente], e o testemunho de (….) [quando referiu que normalmente o que se faz é assinar o pedido de revogação do cheque].
Ouvidas as declarações do autor e do chamado, não encontramos nelas a mais leve confirmação de que o que impediu o autor de receber a quantia titulada no cheque foi o acatamento, pelo réu, da ordem de revogação.
O mesmo se diga das declarações prestadas pelas testemunhas. Na verdade, para se responder afirmativamente à questão enunciada sob o ponto n.º 5 seria necessário que resultasse da prova produzida que, na altura em que o cheque foi apresentado a pagamento, a conta tinha provisão para tanto. Ora, além de estar demonstrada precisamente a realidade oposta, resultou do depoimento do chamado que não tinha fundos na conta para pagar o cheque. Logo, mesmo que o réu não tivesse acatado a ordem do chamado, o autor não teria recebido a quantia titulada no cheque.
Assim sendo, mantém-se a decisão proferida quanto aos pontos n.ºs 5 e 6.
O recorrente contesta, em quarto lugar, a decisão proferida sobre os pontos números 9º e 15º da base instrutória.
Sob o n.º 9 perguntava-se se “não foi o referido B.... que apôs a data que consta daquele cheque”.
Sob o n.º 10 perguntava-se se “a data constante do cheque foi aposta no mesmo pelo autor”.
O tribunal a quo julgou provadas estas duas alegações de facto.
O recorrente pretende que o tribunal adite às respostas dadas a afirmação de que “a data aposta no cheque obteve o consentimento de B....”. Invocou, para tanto, o “circunstancialismo referido pelas testemunhas, o conteúdo dos documentos juntos aos autos e as regras da experiência comum”.
A pretensão do recorrente está votada ao fracasso, pois o aditamento pretendido é constituído por matéria que não foi alegada pelas partes. Ora, no julgamento da matéria de facto, o juiz só pode julgar, como provados, factos que tenham sido alegados pelas partes, como resulta da 2ª parte do artigo 664º, do CPC, ao dizer que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264º, que não tem aplicação ao caso.
Mas além de não ter sido alegada, a matéria do aditamento está em contradição com a posição do autor nos articulados. Vejamos. Na petição, o autor alegou que o cheque havia sido sacado em 26/01/2009 por José Carlos Domingues. Confrontado com a alegação da ré segundo a qual o cheque havia sido entregue ao autor sem qualquer data nele aposta e com a alegação de que o cheque teria sido preenchido pelo próprio autor, contra a vontade do emitente do cheque [artigos 14º e 15º da contestação], o autor reputou de falsa quer a alegação de que o cheque não se encontrava datado quer a alegação de que a data havia sido aposta por ele [artigo 12º da réplica].
Não tem, pois, fundamento a pretensão do recorrente de ver aditada às respostas dadas aos pontos n.ºs 9 e 15, a afirmação de que “a data aposta no cheque obteve o consentimento de B....”.
Por último, o recorrente insurge-se contra as respostas dadas aos pontos números 11º, 12º e 13º da base instrutória.
Sob o n.º 11 perguntava-se se “a ré diligenciou pela verificação da identidade do subscritor da declaração junta a fls. 21”.
Sob o n.º 12 perguntava-se se “verificou a autenticidade da assinatura nela aposta mediante comparação com a ficha de assinaturas constante no processo do cliente”.
Sob o n.º 13 perguntava-se se a” ré, por intermédio de um funcionário seu, contactou telefonicamente o referido B...., para confirmar o conteúdo da declaração”.
O tribunal a quo julgou provadas estas alegações de facto.
O recorrente pretende a modificação das respostas dadas no sentido de serem julgadas não provadas, invocando, para tanto, o “circunstancialismo fáctico referido pelas testemunhas, o conteúdo dos documentos e as regras da experiência”.
Esta pretensão também está votada ao fracasso.
Os factos compreendidos nos números acima transcritos foram confirmados pela testemunha Nuno Malato. Esta confirmação, quer pela forma como foi feita quer pela razão de ciência invocada – a testemunha justificou o conhecimento dos factos dizendo que foi ela quem contactou telefonicamente o chamado e quem procedeu ao carregamento do pedido de não pagamento do cheque no sistema - mereceu crédito ao tribunal.
Crédito reforçado pela circunstância de o chamado ter declarado que foi contactado telefonicamente por um funcionário do réu para confirmar o conteúdo da comunicação escrita que constitui fls. 21 dos autos.
Dado que sobre esta matéria nem o autor nem as testemunhas por ele arroladas se pronunciaram e que os documentos juntos aos autos não lançam a mais leve dúvida sobre o que foi relatado pela testemunha Nuno Malato, mantêm-se as respostas dadas aos pontos n.ºs 11, 12 e 13 da base instrutória.
Julgada improcedente a impugnação da decisão de facto e não havendo razões para a alterar oficiosamente, consideram-se provados os seguintes factos discriminados na sentença:
1. B....é cliente da ré, sendo titular da conta à ordem com o nº45239671018, da sucursal da Marinha Grande, Praça do Vidreiro.
2. O autor, no dia 27/01/2009, apresentou a pagamento o cheque nº6431540134 (cuja cópia consta de fls.8 e que aqui se dá por inteiramente reproduzido), no valor de trezentos mil euros, sacada pelo referido B.... sobre a conta identificada em 1); no espaço reservado à data de emissão consta “26.1.2009”; no local de emissão consta “M.G.”; no campo à ordem consta o nome do aqui autor.
3. Segundo consta do verso de tal cheque, o mesmo foi devolvido em 28/01/2009, pelos serviços do Banco de Portugal, com os seguintes dizeres: “revogado por justa causa, falta ou vício na formação da vontade”.
4. Naquela data, a conta identificada em 1) não apresentava fundos monetários que possibilitassem o pagamento do cheque.
5. Tal cheque foi entregue ao autor pelo referido B.....
6. A devolução do cheque foi motivada por uma declaração emitida pelo referido B.... e destinada à ré, no sentido de não pagar o mesmo por “vício na formação da vontade”.
7. Tal declaração foi elaborada por B.....
8. O autor não recebeu a quantia titulada pelo cheque.
9. O cheque em causa foi entregue por B.... ao autor antes de 10/06/2008.
10. Aquando da entrega do cheque, o mesmo não estava datado.
11. Não foi o referido B.... que apôs a data que consta daquele cheque.
12. No dia 10/06/2008, B.... ordenou à ré que não procedesse ao pagamento, entre outros, do cheque em causa nos autos, mediante a declaração escrita junta a fls. 21, alegando vício na formação da vontade.
13. A ré diligenciou pela verificação da identidade do subscritor da declaração junta a fls.21.
14. E verificou a autenticidade da assinatura nela aposta mediante comparação com a ficha de assinaturas constante no processo do cliente.
15. A data constante do cheque foi aposta no mesmo pelo autor.
16. O referido B...., em 23/02/2009 e a solicitação da ré, prestou as informações constantes do escrito de fls. 22, onde, além do mais, consta que o cheque em causa nestes autos foi … “entregue ao Sr. A.... … sem data … este cheque foi passado porque o Sr. atrás referido me obrigou a passar, pois apresentei-lhe várias pessoas a quem emprestou dinheiro, que segundo ele ainda não recebeu. Sabia que não podia suportar tais valores, mas o beneficiário garantiu-me que nunca o depositaria ficando apenas como caução.”
*
Fixados os factos, o primeiro fundamento do recurso que importa conhecer é o constituído pela alegação de que o título em causa nos presentes autos produz efeito como cheque, pois a data foi aposta no cheque de acordo com o pacto de preenchimento estabelecido entre o autor e o sacador.
Ao alegar neste sentido, o recorrente contesta a fundamentação que a sentença alinhou em primeiro lugar para julgar improcedente a acção, ou seja, que ao caso não era aplicável o disposto no artigo 32º do LUCH, pois o cheque em apreço não valia como cheque, mas como um mero quirógrafo. Segundo a sentença o cheque não valia como tal por: 1) ter sido entregue ao autor sem a indicação da data; 2) por não se saber se a data que foi aposta pelo autor obedeceu a algum pacto de preenchimento; 3) por estas circunstâncias impedirem que o título produzisse efeitos como cheque dado que não estava em causa a posição de qualquer terceiro portador do cheque, mas estava-se no domínio das relações imediatas.
O recorrente discorda da fundamentação, aceitando duas premissas de facto em que ela assentou – o facto de o cheque ter sido entregue pelo chamado ao autor, sem data, e o facto de ter sido o autor quem inscreveu no cheque a data de emissão -, e contestando a afirmação de que não se sabia se a aposição da data obedeceu a algum pacto de preenchimento. Diz o recorrente que a “a data foi aposta no cheque de acordo com o pacto de preenchimento estabelecido entre o autor e o sacador”.
Esta premissa não está demonstrada, razão pela qual a resposta à questão de saber se o título em causa nos presentes autos produz efeitos como cheque tem de ser dada a partir das premissas de que partiu a sentença, ou seja, tendo em conta que: 1) o cheque foi entregue pelo chamado ao autor, sem a indicação da data em que foi passado; 2) foi o autor quem inscreveu no cheque a data de emissão; 3) não se sabe se a data foi aposta no cheque em conformidade com um pacto de preenchimento celebrado entre o sacador (o chamado) e o tomador (autor).
E a resposta a esta questão remete-nos para o artigo 1º da LUCH - que enuncia os requisitos que deve conter o cheque para produzir efeitos como tal -, para o artigo 2º do mesmo diploma - que dispõe sobre as consequências da falta desses requisitos - e para o artigo 13º do mesmo diploma que dispõe sobre os cheques incompletos no momento em que são passados.
A Lei Uniforme sobre Cheques, embora não defina o que é um cheque, enuncia logo no artigo 1º os requisitos que o cheque deve conter para produzir efeitos como tal.
Entre eles figura precisamente a “indicação da data em que o cheque é passado” [n.º 5, do artigo 1º].
Segundo o artigo 2º da LUCH, o título a que faltar qualquer dos requisitos enumerados no artigo 1º não produz efeito como cheque, salvo nos casos determinados nas alíneas seguintes.
E as excepções à regra são as relativas à falta de indicação do lugar em que o pagamento se deve efectuar [requisito exigido sob o n.º 4, do artigo 1º], e à falta de indicação do lugar onde o cheque é passado [n.º 5, 2ª parte, do artigo 1º]. Nestes casos, as omissões são supridas pela lei que diz qual o lugar que deve ser considerado como o do pagamento e o lugar que deve considerar-se como o da emissão.
Segue-se do exposto que o cheque que não contenha a indicação da data em que é passado não produz efeito como tal. E se não produz efeito como tal, não lhe é aplicável a disciplina da LUCH nem a tutela penal que lhe é dispensada pelo Decreto-lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro. Compreende-se. Como escreve Paulo Olavo Cunha Cheque e Convenção de Cheque, Almedina, página 106, “a indicação da data e lugar de emissão são, desde logo, fundamentais, para se determinar o prazo para apresentação do cheque a pagamento”.
Sucede que, para efeitos do disposto nos artigos 1º e 2º da LUCH, o momento relevante para aferir se um cheque contém a indicação da data em que foi passado não é o da sua emissão; o momento relevante é o da apresentação do cheque a pagamento ou o do exercício da acção cambiária por falta de pagamento. Com efeito, dizendo o artigo 13º da LUCH, que “se um cheque incompleto no momento de ser passado tiver sido completado contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido o cheque de má-fé, ou, adquirindo-o, tenha cometido uma falta grave”, tal significa, além do mais, que produz efeitos como cheque o título que, no momento em que foi passado, estava incompleto quanto à data em que foi passado, mas ao qual posteriormente foi aposta essa data.
Embora seja certo que a norma acabada de transcrever labora no pressuposto de que a indicação da data posteriormente à emissão do cheque assenta num acordo entre o sacador e o beneficiário do cheque, a verdade é que não resulta dela nem dos artigos 1º e 2º da LUCH que um cheque incompleto no momento de ser passado só produz efeitos como tal desde que haja prova de um pacto de preenchimento. O cheque incompleto no momento em que foi passado produz efeitos como tal se no momento da sua apresentação a pagamento contiver todos os requisitos exigidos pelo artigo 1º.
Segue-se do exposto que o cheque em causa nos presentes autos só não produziria efeitos como tal se, no momento em que foi apresentado a pagamento pelo autor, não contivesse a indicação da data de emissão. Não era nesta situação que se encontrava, pois no momento da apresentação a pagamento continha a indicação de uma data de emissão. Logo, é de afirmar a validade do cheque.
Assim, ao julgar que o cheque em causa nos autos não produzia efeitos como cheque e que lhe não era aplicável o disposto no artigo 32º da LUCH, a sentença recorrida violou o disposto nesta norma e no artigo 2º do mesmo diploma.
A segunda questão suscitada pelo recorrente está relacionada com a fundamentação exposta em segunda linha pela sentença para julgar improcedente a acção. De acordo com esta fundamentação, mesmo que se entendesse que o havia praticado um facto ilícito ao aceitar o pedido de não pagamento do cheque por vício na formação da vontade, o réu não estava constituído na obrigação de indemnizar o autor porque não havia nexo de causalidade adequada entre o comportamento que o autor reputava de ilícito e o dano que invocava. E não havia este nexo de causalidade porque a conta sacada não dispunha de provisão para o pagamento do cheque e o réu, nesta situação, não tinha a obrigação de pagar o cheque, razão pela qual o dano invocado pelo autor – falta de pagamento – sempre se teria produzido.
O autor contesta esta fundamentação dizendo, em síntese, que:
1. Ao agir como agiu, o réu impediu que se verificasse o facto que importava obrigação de notificação do sacador para regularizar a situação dentro dos 30 dias referidos no artigo 1º do Decreto-Lei Lei nº 316/97 de 16 de Novembro, e a consequente notificação ao banco de Portugal, já que bem sabia o réu que a acima identificada conta bancária não apresentava à data fundos monetários que possibilitassem o pagamento do aludido cheque e que o mesmo pudesse ser de novo apresentado a pagamento em data em que o sacado tivesse fundos na conta sacada.
2. Não era o autor quem tinha de alegar e provar que, sem o cancelamento, o sacador teria efectuado o pagamento do cheque na sequência da notificação para pagar ou provisionar a conta; que este ónus de alegação e prova cabia ao réu;
3. O prejuízo do autor correspondente ao valor do cheque constituía um facto notório que não carecia de prova nem de alegação.
Como se vê da exposição acabada de efectuar, a sentença não conheceu da questão de saber se, no caso de cheque em causa ser válido, a conduta do réu, ao aceitar o pedido, do sacador, de não pagamento do cheque com a alegação de “vício na formação da vontade”, era ilícita. A sentença laborou no pressuposto da ilicitude da actuação do réu para efeitos de decisão.
Laborando a sentença neste pressuposto – que é favorável ao recorrente - e não tendo a parte vencedora pedido a apreciação desta questão, mesmo a título subsidiário, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 684º-A, do CPC, não cabe a este tribunal de recurso conhecer dela.
Assim, dando-se por assente a ilicitude da conduta do réu e tendo em conta a interpretação do primeiro parágrafo do artigo 32, da LUCH feita pelo acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2008, publicado no DR I Série de 4 de Abril de 2008, segundo a qual uma instituição de credito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 29.º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na primeira parte do artigo 32.º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legitimo portador do cheque nos termos previstos nos artigos 14.º, segunda parte, do Decreto n.º 13 004 e 483.º, n.º 1, do Código Civil”, importa saber se a decisão recorrida, que negou a responsabilidade civil do autor por falta de nexo de causalidade adequada entre a sua conduta ilícita e o dano invocado pelo autor, ora recorrente, tem cobertura na lei.
Precisando o sentido e o alcance do acórdão uniformizador importa dizer o seguinte. O âmbito do recurso no qual foi proferido o acórdão estava limitado à questão da licitude da conduta do Banco. Fora do objecto do recurso estava a questão de saber se a responsabilidade civil em que incorre o banco pela aceitação indevida do pedido de revogação do cheque consiste na obrigação de pagar ao portador, a título de indemnização, o montante dos cheques.
E é por esta questão não estar coberta pela doutrina do acórdão uniformizador que em situações como a dos autos – ou seja, naquelas em que o banco aceitou indevidamente o pedido de revogação do cheque, mas em que a conta sacada não tinha, no momento da apresentação do cheque a pagamento, fundos para tanto – que as respostas que lhe tem sido dadas pela jurisprudência não são uniformes.
Procurando sintetizar as diversas respostas, podemos dizer que elas são as seguintes.
1. A revogação ilícita do cheque constitui o banco na obrigação de pagar ao portador, a título de indemnização, o montante do cheque, ainda que, no momento da apresentação, a conta sacada não disponha de fundos para o pagamento do cheque. Como exemplos deste entendimento citam-se o acórdão do STJ de 12-10-2010, proferido no processo n.º 2336/07.0TBPNF, e o acórdão do STJ de 10-05-2012, proferido no processo n.º 272/08. 2TVPRT, publicados no sítio www.dgsi.pt/jstj.
2. A revogação ilícita do cheque constitui o banco na obrigação de pagar ao portador, a título de indemnização, o montante do cheque, salvo se, no momento da apresentação, a conta sacada não dispuser de fundos para o pagamento do cheque e o banco provar que os cheques, mesmo não sendo revogados, não seriam pagos. Como exemplo deste entendimento cita-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Janeiro de 2011, proferido na apelação n.º 4348/08.8TBSTS, publicado no sítio acima indicado.
3. A revogação ilícita do cheque constitui o banco na obrigação de pagar ao portador, a título de indemnização, o montante do cheque, apesar da conta sacada não dispor de fundos para o pagamento do cheque, se o portador provar que o pagamento ser-lhe-ia efectuado na sequência da notificação ao sacador para provisionar a conta, da inclusão na listagem do Banco de Portugal ou em momento ulterior. Cita-se como exemplo deste entendimento o acórdão do STJ de 2-02-2010, proferido no processo n.º 1614/05.8TJNF, publicado no sítio acima indicado.
4. A revogação ilícita do cheque não constitui o banco na obrigação de pagar ao portador, a título de indemnização, o montante do cheque se, no momento da apresentação a pagamento, a conta sacada não dispuser de fundos para o pagamento do cheque. Como exemplo deste entendimento cita-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31-01-2012 proferido na apelação n.º 120/10.3TBSJM publicado no sítio http://www.trp.pt/jurisprudenciacivel/civel.
No entender deste tribunal, a resposta à questão acima enunciada tem de tomar em linha de conta as seguintes soluções legais.
Em primeiro lugar, tem de tomar em conta que, segundo a 1ª parte do n.º 1, do artigo 264º do CPC, cabe ao autor cabe alegar os factos que integram a causa de pedir (1ª parte do n.º 1, do artigo 264º, do CPC);
Em segundo lugar, tem de tomar em conta que, nos termos da 2ª parte do artigo 664º do CPC, o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264º;
Em terceiro lugar, tem de tomar em conta que o acórdão uniformizador estabeleceu que o banco que aceitar indevidamente a ordem de revogação de cheque incorre em responsabilidade civil por factos ilícitos nos termos previstos no n.º 1 do artigo 483º do Código Civil;
Em terceiro lugar, tem de tomar em conta que dois dos pressupostos necessários desta modalidade de responsabilidade são o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano;
Em quarto lugar, tem de tomar em conta que, nos termos do n.º 1 do artigo 342º do Código Civil, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
Destas soluções legais resulta que o portador do cheque, cuja revogação tenha sido ilícita, tem o ónus de alegar e provar – tal como sucede com qualquer lesado que pretenda prevalecer-se da responsabilidade civil por factos ilícitos prevista no n.º 1 do artigo 483º, do Código Civil - o dano que quer ver reparado e a relação de causalidade entre o facto ilícito e o dano.
O ónus de prova acabado de enunciar só não será de exigir se o portador beneficiar de presunção, dispensa ou liberação do ónus da prova ou convenção válida nesse sentido [n.º 1, do artigo 344º, do Código Civil].
Não é que se passa no caso, pois não há lei nem convenção que dispense o portador de provar o prejuízo que lhe foi causado; nem há lei nem convenção que presuma que o prejuízo sofrido em situações como a dos autos corresponde ao montante do cheque.
Logo, alegando o portador que o prejuízo que lhe foi causado foi o não recebimento do cheque, e pedindo, em consequência, a condenação do banco no pagamento do respectivo montante, é condição de procedência da acção a prova de que não recebeu o montante do cheque e que a causa do não recebimento foi a revogação ilícita dele.
Do exposto segue-se para o caso o seguinte.
Em primeiro lugar, não procede contra a sentença nem a alegação segundo a qual o prejuízo do autor, consistente no valor do cheque, constitui facto notório nem a alegação segundo a qual era ao réu que competia provar que, mesmo que o sacador fosse notificado para regularizar a situação, nos termos do artigo 1º-A, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro, o cheque não seria pago.
Em segundo lugar, cabe averiguar se o autor alegou e provou que o prejuízo que lhe foi causado foi o não recebimento do cheque e que a causa do não recebimento foi a revogação ilícita dele.
Contra a sentença não procede a alegação segundo a qual o prejuízo do autor, consistente no valor do cheque, constitui facto notório propósito, pois atendendo à noção de factos notórios que é dada pelo artigo 514º, n.º 1, do Código de Processo Civil – que reputa como tais os factos que são do conhecimento geral - não se vê que o prejuízo patrimonial, que é uma realidade que pertence à esfera privada do lesado e cuja origem é uma actividade protegida por segredo (como é a actividade bancária), possa considerar-se facto notório.
Contra a sentença também não procede a alegação segundo a qual era ao réu que competia provar que, mesmo que o sacador fosse notificado para regularizar a situação, nos termos do artigo 1º-A, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro, o cheque não seria pago, pois, ao alegar nos termos acabados de expor, o recorrente argumenta como se beneficiasse de norma segundo a qual o banco que recusar ilicitamente o pagamento de cheque, com fundamento em ordem de revogação do sacador, responderá perante o portador pelo pagamento do montante do cheque, ainda que a conta sacada não tenha fundos para o pagamento, salvo se provar que, mesmo que o cheque fosse sido devolvido por falta de provisão e o sacador fosse notificado para regularizar a situação, nos termos do artigo 1º-A, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro, o cheque não teria igualmente sido pago.
Sucede que esta norma não existe no ordenamento jurídico.
Resta, pois, averiguar se o autor alegou e provou que o prejuízo que lhe foi causado foi o não recebimento do cheque e que a causa do não recebimento foi a revogação ilícita dele.
O autor alegou e provou que não recebeu a quantia titulada pelo cheque.
Não provou, no entanto, que a causa do não recebimento tenha sido a conduta ilícita do réu. Vejamos.
Sob o número 5 da base instrutória perguntava-se “se o facto de o réu ter acatado a instrução contida na declaração a que se alude em 3) – ou seja o pedido do sacador dirigido ao réu para não pagar o cheque com a alegação de “vício na formação da vontade” – impediu o autor de receber a quantia titulada no cheque”. Sob o n.º 6 perguntava-se se o autor via-se privado desde 28 de Janeiro de 2009 de fruir livremente aquela quantia.
É incontroverso que estas duas alegações de facto estavam relacionadas com a questão do nexo de causalidade entre a conduta do banco e o não recebimento do montante do cheque por parte do autor.
A questão formulada sob o ponto n.º 6 reforçava, de alguma forma, a questão sobre o nexo de causalidade que estava formulada sob o ponto n.º 5. Com efeito, perguntando-se naquele ponto [n.º 6] se o autor via-se privado desde 28 de Janeiro de 2009 de fruir livremente aquela quantia e sabendo-se que o cheque foi devolvido no serviço de compensação do Banco de Portugal precisamente em 28 de Janeiro de 2009, também no n.º 6 se pretendia saber se a causa da não fruição do montante do cheque, logo em 28 de Janeiro, havia sido a conduta ilícita do banco.
O tribunal a quo deu uma única resposta às duas questões – resposta essa mantida sem sede de recurso –, declarando provado apenas que “o autor não recebeu a quantia titulada pelo cheque”. A resposta restritiva significou inequivocamente que nem se julgou provada a relação de causalidade entre a conduta ilícita do réu e o não recebimento do montante nem se julgou provado que a causa da não fruição do montante do cheque a partir de 28 de Janeiro de 2009 tenha sido o facto de o réu ter acatado ilicitamente o pedido de revogação do cheque.
Sendo o nexo de causalidade um dos pressupostos da obrigação de indemnização e não se tendo provado o nexo de causalidade entre o facto ilícito imputado ao réu e o prejuízo que o autor invocou – o não recebimento da quantia titulada pelo cheque - a decisão recorrida não merece censura por ter julgado improcedente a acção.
Contra a pretensão do recorrente pode aduzir-se ainda o seguinte.
Dizendo o artigo 3º da LUCH que “o cheque é sacado sobre um banqueiro que tenha fundos à disposição do sacador e em harmonia com uma convenção expressa ou tácita, segundo a qual o sacador tem o direito de dispor desses fundos por meio de cheque”, é bom de ver que, como escreve Paulo Olavo Cunha, na obra supra citada, página 621, “constitui pressuposto da emissão do cheque a existência de provisão suficiente. Não havendo fundos disponíveis, por não terem sido previamente depositados ou concedida a respectiva utilização, o banco não é obrigado a satisfazer a importância indicada no cheque, embora possa fazê-lo por sua conta e risco, pois poderá não vir a ser ressarcido da importância despendida”.
Assim sendo, não pode afirmar-se que, quando não há fundos na conta, o banco viola a obrigação de pagamento ao aceitar sem justa causa o pedido de revogação do cheque. Nesta hipótese, embora actue ilicitamente – e actua ilicitamente porque, dentro do prazo de apresentação a pagamento, o cheque só pode ser revogado com justa causa -, o banco não viola o direito ao pagamento do cheque.
Se o portador não tem o direito de exigir, ao banco sacado, o pagamento do cheque, não poderá dizer-se que ele [portador] provavelmente receberia essa importância se o banco actuasse licitamente.
Sucede que, sem este juízo de probabilidade, a responsabilidade civil em que incorre o banco não abrange a obrigação de pagar a importância inscrita no cheque, pois nos termos do artigo 563º do Código Civil, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Por outro lado, como se escreveu no processo n.º 1118/11. 0TBFIG da 1ª secção cível deste tribunal No qual o ora relator interveio como 2º adjunto., “não dispondo o sacador de fundos (na sua conta de depósito) para o pagamento do cheque e não havendo assim para o banco sacado a obrigação de pagar ao portador o valor nele inscrito, não há qualquer diferença entre a situação (real) em que o facto ilícito deixou o portador do cheque e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano (real) sofrido. Se não tivesse ocorrido o “dano real” – se o cheque não tivesse sido “inutilizado” em função da aceitação da ordem de revogação – não dispondo o sacador de fundos (na sua conta de depósitos), não teria o cheque sido pago. Com ou sem “dano real”, a situação patrimonial do lesado/portador do cheque continua a mesma. Com ou sem “dano real”, o seu balanço patrimonial continua/aria a apresentar não só o mesmo saldo como, inclusivamente, a mesma composição em termos de activo: um crédito sobre o sacador do cheque e não a soma pecuniária que, caso dispusesse o sacador de fundos (na sua conta de depósito), passaria a integrar o seu património em substituição de tal crédito”.
Sucede que, no caso dos autos, não há sequer prova de que o portador do cheque era titular de um crédito sobre o sacador do cheque. É que o autor, ora recorrente, não provou que o título de crédito houvesse sido emitido para pagamento de uma dívida.
Ora, não se tendo provado que o cheque foi emitido como meio de pagamento de uma obrigação do sacador nem se tendo provado que havia fundos na conta para pagar o cheque, não se vê como se pode sustentar que a conduta do banco causou ao recorrente prejuízo patrimonial correspondente ao montante do cheque.
Feito este percurso, conclui-se que é de manter a sentença recorrida. Sentença que não violou nem o artigo 1º do Decreto-lei n.º 316/97, nem o artigo 29º da LUCH, nem os artigos 344º, 349º, 350º, 351º, 483º, 789º e 799º, do Código Civil, nem os artigos 514º e 712º, ambos do Código de Processo Civil. A este propósito importa dizer o seguinte. A violação de uma disposição legal pressupõe que essa disposição tenha sido aplicada pelo tribunal recorrido ou que este tenha recusado a aplicação dela. Se a decisão não a aplicou ou se não recusou a sua aplicação, não faz sentido acusá-la de a ter violado.
É precisamente o que se passa no caso, pois a decisão recorrida nem se serviu das normas citadas para fundamentar juridicamente a solução do caso nem recusou a aplicação delas. De resto, uma das normas indicadas [o artigo 712º do CPC] diz respeito à modificação da decisão de facto da 1ª instância pelo tribunal da Relação, pelo que não se vê como poderia ser ela violada pela decisão recorrida.
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Decisão:
Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
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As custas serão suportadas pelo recorrente.
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Coimbra, 11-07-2012