Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
210/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: TRIBUNAL COMPETENTE
TRIBUNAL DO TRABALHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 03/08/2006
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 101.º, 493.º E 494.º, A) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGOS 34.º, 57.º, 85.º, C) E 94.º DA LOFTJ
Sumário: 1. Invocando o autor a existência de danos não patrimoniais causados por acidente de trabalho imputável a inobservância das normas de segurança da máquina com que laborava a vítima, da responsabilidade da entidade patronal desta e de um seu trabalhador, são esses os factos que constituem o elemento essencial e determinante da causa de pedir.
2. Por isso, o tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer as questões de indemnização, por responsabilidade civil proveniente de danos não patrimoniais emergentes de acidente de trabalho, ainda que já tenham sido apreciadas e decididas, no respectivo processo de acidente de trabalho, as questões relativas aos danos de natureza patrimonial, é o Tribunal do Trabalho, e não o Tribunal comum de comarca.

3. Declarando o autor que nada mais tem a reclamar da entidade patronal, no que respeita a danos de natureza patrimonial, com isso quer excluir os danos de carácter não patrimonial que, conforme consta do texto do auto de conciliação, não foram objecto de qualquer pronunciamento pelas partes, sendo, por isso, destituído de significado relevante uma passagem do mesmo texto, em que afirmam “nada mais ter a reclamar da entidade patronal, seja a que título for”, quanto a uma hipotética inclusão no mesmo dos danos de natureza não patrimonial.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

“A...”, com sede em Valbom, concelho de Tomar, interpôs recurso de agravo da decisão que, na acção com processo ordinário, proposta contra si e B..., empregado fabril, residente no Casal da Fressura, nº 5, em Tomar, por C..., em nome próprio, e na qualidade de representante legal da menor D..., e por E..., residentes na Rua de S. José, nº 42, Coito, em Tomar, julgou improcedente a excepção dilatória da incompetência absoluta, em razão da matéria, do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, e não verificada a renúncia do direito à indemnização, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª – A recorrente na contestação defendeu-se por excepção invocando a incompetência material do Tribunal e a renúncia ao direito de indemnização.
2ª – A morte de F... resultou de acidente de trabalho.
3ª – Os danos invocados pelos autores resultam directamente de tal acidente.
4ª – O Tribunal de Trabalho é competente em razão da matéria para conhecer de acções em que se peçam indemnizações com base em danos não patrimoniais.
5ª – Face ao artigo 101º do CPC, a infracção das regras da incompetência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do Tribunal.
6ª – Nos termos dos artºs 493º e 494º, a), do CPC, a incompetência absoluta do Tribunal constitui excepção dilatória a qual obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da ré da instância.
7ª – Em virtude do acidente ocorrido com o F..., correu termos pelo Tribunal de Trabalho de Tomar, o processo de acidente de trabalho nº 122/96.
8ª – Em 28 de Novembro foi celebrado acordo entre todas as partes, no processo supra referenciado.
9ª – Nesse acordo os autores declararam nada mais ter a reclamar da entidade patronal, fosse a que título fosse.
10ª – Renunciaram a todos e quaisquer outros direitos que existissem na respectiva esfera jurídica contra a recorrente.
11ª – Tal declaração é válida e extingue qualquer direito existente contra a recorrente.
12ª – Só a comprovada actuação dolosa ou negligente da entidade patronal, aqui recorrente, lhes conferiria o direito à ressarcibilidade de eventuais danos não patrimoniais – vd. Ac. da Relação de Coimbra nº 524-2001.
Nas contra-alegações, os autores concluem no sentido de que a decisão recorrida não merece qualquer censura, devendo, por isso, ser confirmada.
O Exº Juiz manteve ambas as decisões recorridas, por entender não ter causado qualquer agravo à recorrente.
Este Tribunal da Relação considera que se encontram provados, com interesse relevante para a decisão do mérito do agravo, os seguintes factos:
1 - Na presente acção, os autores pedem que os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar-lhes, a título de danos morais sofridos em consequência da morte de seu marido e pai, a quantia de 11000000$00, acrescida de juros moratórios, até efectivo e integral pagamento, invocando, para o efeito, que o F... faleceu, em consequência de trituramento pelas navalhas de uma máquina destroçadeira de madeira, onde caiu, quando esta ainda tinha o capacete aberto, em virtude de o réu B... ter ligado o botão de desbloqueamento geral que acciona toda a máquina, incluindo o motor do rotor, onde a vítima se encontrava, em vez de ter carregado no botão que acciona o tapete que transporta a madeira já destruída, no dia 29 de Maio de 1996, quando trabalhava para a ré, em virtude desta, igualmente, não ter observado as prescrições mínimas de segurança, sendo certo que o réu B... não tinha conhecimentos sobre os riscos de utilização da máquina, não se encontrando habilitado a trabalhar com a mesma – Documento de folhas 33 a 44.
2 – F... faleceu, no dia 29 de Maio de 1996, no estado de casado com a autora, C... – Documento de folhas 44 a 59.
3 – E... e D... nasceram a 27 de Dezembro de 1979 e a 13 de Outubro de 1982, respectivamente, tendo sido registados como filhos do F... e da autora, C... – Documento de folhas 44 a 59.
4 – Na data, referida em 1, encontrava-se em vigor um contrato celebrado entre F... e a ré “A...”, que o admitiu ao seu serviço, com a categoria profissional de ajudante de postos diversos, para exercer funções na fábrica da ré, em Valbom, Tomar, pela remuneração mensal de 93000$00+13350$00 – Documento de folhas 44 a 59.
5 – O Tribunal do Trabalho de Tomar homologou o auto de conciliação celebrado entre os autores e a companhia de seguros “ A Social, SA”, que teve lugar no processo de acidente de trabalho, a propósito do acidente laboral em que foi vítima mortal o marido e pai daqueles, F..., no que concerne aos danos de natureza patrimonial reclamados pelos autores, ou seja, com as despesas de funeral, com a pensão anual e vitalícia da autora esposa e com a pensão anual e temporária dos autores filhos – Documento de folhas 44 a 59.
6 – Resulta, textualmente, do auto de conciliação, aludido em 5, no campo das “Indemnizações”, que “a proposta de acordo que [o Ministério Público] a seguir submete á ponderação das partes não incluiu qualquer montante, a título de eventuais danos não patrimoniais (C. Civil, 496º e Base XIII, nº 3, da Lei 2127, de 3.8.65), questão que não é objecto de qualquer pronunciamento pelas partes” – Documento de folhas 44 a 59.
7 - Resulta, também, textualmente, do auto de conciliação, aludido em 5 e 6, que, depois de instadas as partes a pronunciarem-se, pontualmente, sobre os pressupostos e termos do acordo proposto, referido em 6, os beneficiários disseram que “aceitavam os pressupostos e termos do acordo, aceitando receber os montantes indicados, e, consequentemente, que aceitavam conciliar-se nos termos propostos, pelo que nada mais têm a reclamar da entidade patronal seja a que título for” – Documento de folhas 44 a 59.

*

Tudo visto e analisado, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir no presente agravo, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I - Qual o tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer do pedido de indemnização, por danos não patrimoniais provenientes de acidente laboral, formulado pelos herdeiros legítimos do sinistrado.
II – Se os termos do acordo sobre a indemnização por danos patrimoniais implicaram a renúncia à indemnização, por danos de natureza não patrimonial.

I

DA COMPETÊNCIA MATERIAL POR DANOS NÃO PATRIMONIAS PROVENIENTES DE ACIDENTE LABORAL

Para que o Tribunal possa decidir sobre a procedência ou o mérito de um pedido, é, desde logo, indispensável que a acção seja proposta perante o Tribunal competente para a sua apreciação, o que significa que a competência é um pressuposto processual que se determina pelo modo como o autor configura o pedido e a respectiva causa de pedir, que importa analisar antes de se conhecer do fundo da causa, de que depende poder o Juiz proferir decisão de mérito sobre a mesma, condenando ou denegando a providência judiciária requerida pelo demandante( Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 74 e 75; Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, II, 1970, 379.), mas, também, que deve haver uma relação directa entre a competência e o pedido( Castro Mendes, Direito Processual Civil, I, 557.).
Com efeito, os pressupostos processuais constituem as condições mínimas de que depende o exercício da função jurisdicional e, no caso da competência, visam assegurar a justiça da decisão, a garantia de que a mesma é dimanada do Tribunal mais idóneo( Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, II, 1970, 379 e 380.).
Em consonância com o princípio da existência de um nexo jurídico directo entre a causa e o Tribunal, a competência afere-se pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em antítese com aquilo que, mais tarde, será o “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, o que não depende da legitimidade das partes, nem da procedência da acção, mas antes dos termos em que a mesma é proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos, como acontece com a natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, seja quanto aos seus elementos subjectivos( Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 91; STJ, de 21-2-01, Acórdãos Doutrinais do STA, 479, 1539; STJ, de 9-2-99, BMJ nº 484, 292; STJ, de 9-5-95, CJ (STJ), Ano III, T2, 68.).
Por outro lado, a competência material dos tribunais civis é aferida, por critérios de atribuição positiva, segundo os quais pertencem à competência do tribunal civil todas as causas cujo objecto seja uma situação jurídica regulada pelo direito privado, nomeadamente, civil ou comercial, e por critérios de competência residual, nos termos dos quais se incluem na competência dos tribunais civis todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são, legalmente, atribuídas a nenhum outro tribunal( Miguel Teixeira de Sousa, A Nova Competência dos Tribunais Civis, Lex, 1999, 31 e 32.).
Por isso, os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual, a quem pertence o conhecimento das causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, princípio este que se encontra plasmado no texto dos artigos 66º, do CPC, e 18º, nº 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), quando estabelecem que "são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
Por seu turno, no âmbito dos tribunais judiciais, são os tribunais de competência especializada cível aqueles que possuem competência residual, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 34º, 57º e 94º, da LOFTJ, resultando do texto deste último normativo legal a concretização acabada do mesmo princípio, ao preceituar que "aos juízos de competência especializada cível compete a preparação e o julgamento dos processos de natureza cível não atribuídos a outros tribunais".
Ora, aos tribunais de competência genérica, que são todos os tribunais de primeira instância, cujos poderes não se encontram espartilhados em áreas de competência especializada ou de competência específica, «in casu», o Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, pertenceria, segundo os autores, a competência material para o conhecimento do pleito.
Por seu turno, compete aos Tribunais do Trabalho, em matéria cível, de acordo com o disposto pelo artigo 85º, c), da LOFTJ, conhecer “das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais”.
Revertendo ao caso em apreço, importa destacar que os autores invocam, como causa de pedir, a existência de danos próprios não patrimoniais, derivados do acidente de trabalho participado, causados pelo facto de a ré, entidade patronal da vítima, e de o réu, trabalhador daquela, terem negligenciado as normas de segurança no trabalho, que se prendiam com a operacionalidade da máquina destroçadeira de madeira, onde caiu, quando esta ainda tinha aberto o capacete, em virtude de o réu B... ter ligado o botão de desbloqueamento geral que acciona toda a máquina, incluindo o motor do rotor, onde a vítima se encontrava, em vez de ter carregado no botão que acciona o tapete que transporta a madeira já destruída, acabando por ser destroçado.
E isto, independentemente de já ter ocorrido um processo respeitante ao mesmo acidente, no Tribunal do Trabalho de Tomar, em que foram demandadas a seguradora e a entidade patronal, com base no risco da actividade do segurado, enquanto que, na presente acção ordinária, é demandada a entidade patronal e o trabalhador desta, com fundamento no facto de o acidente ter sido determinado, por inobservância de normas de segurança no trabalho, e por não terem sido adoptadas as precauções indispensáveis para o evitar, pretendendo-se a reparação dos danos não patrimoniais alegados pelos herdeiros legitimários da vítima.
E, não tendo a questão dos danos não patrimoniais reclamados, sido discutida e apreciada, no processo de acidente de trabalho aludido, onde, então, seria decidida, em conjunto com as demais, tal não constitui, porém, óbice ao seu conhecimento posterior e, separadamente, pelo Tribunal do Trabalho.
A acção proposta pelos autores provém, assim, de um típico acidente de trabalho, imputável a alegada culpa dos réus, entidade patronal da vítima e trabalhador daquela, respectivamente, sendo, pois, os autores os titulares dos direitos próprios peticionados, directamente emergentes do acidente, não resultantes de relações conexas com a relação de trabalho, a que se reporta a estatuição prevista na alínea o), do artigo 85º, da LOFTJ, citado( STJ, de 12-5-99, CJ (STJ), Ano VII, T2, 279; e de 19-3-98, BMJ nº 475, 562; RL, de 22-11-2000, CJ, Ano XV, T5, 163; RP, de 9-11-99, BMJ nº 491, 326.).
Ora, competindo aos Tribunais do Trabalho, em matéria cível, como já se referiu, conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho, como resulta do estipulado no artigo 85º, c), da LOFTJ, sem qualquer restrição, não pode deixar de reconhecer-se que nele se contempla, igualmente, a questão da indemnização, por danos não patrimoniais emergentes de acidente de trabalho( STJ, de 19-3-98, BMJ nº 475, 562; RL, de 22-11-2000, CJ, Ano XV, T5, 163, RC, de 16-6-92, CJ, Ano XVII, T3, 125; STA, de 21-12-76, Acórdãos Doutrinais, nº 183, 104.).
Fixando-se a competência, no momento em que a acção é proposta, o que, no caso da competência em razão da matéria, se determina pelo pedido dos autores e pela respectiva causa de pedir, importa reconhecer que, face aos termos como a acção está configurada, é o Tribunal do Trabalho o competente, em razão da matéria, para conhecer as questões de indemnização respeitantes a danos não patrimoniais emergentes de acidente laboral, ainda que já tenham sido apreciadas e decididas, no respectivo processo de acidente de trabalho, as questões relativas aos danos de natureza patrimonial.

II

DA RENÚNCIA AO DIREITO Á INDEMNIZAÇÃO

Defende, igualmente, a agravante que os autores renunciaram a todos e quaisquer outros direitos que existissem na respectiva esfera jurídica contra aquela, ao declararem, no acordo celebrado no processo laboral, que nada mais tinham a reclamar de si, fosse a que título fosse.
Revertendo ao caso em apreço, importa reter que, na proposta de acordo que o Ministério Público apresentou e submeteu à ponderação dos autores, da entidade patronal e da entidade seguradora, e que por todos foi aceite e subscrita, não estava incluído qualquer montante, a título de eventuais danos não patrimoniais, que, assim, não foi objecto de pronunciamento pelas partes, tendo as mesmas declarado conciliar-se, nos termos propostos, que aceitavam receber os montantes indicados, e que nada mais tinham a reclamar da entidade patronal, fosse a que título fosse.
Quer isto significar que, no contexto das declarações produzidas pelas partes, os autores declararam nada mais ter a reclamar da entidade patronal, seja a que título for, no que respeita a danos de natureza patrimonial, com isso querendo excluir os danos de carácter não patrimonial, questão esta que, conforme consta do texto do aludido auto de conciliação, não foi objecto de qualquer pronunciamento pelas partes.
Se o declaratário conhece a vontade real do declarante, ainda que a declaração negocial seja equívoca e aponte até para um outro sentido, quando, objectivamente, considerada, é de acordo com a vontade real do declarante que ela valerá, sempre que o declaratário a conheça ou devesse conhecê-la, agindo com a diligência requerida.
Mas, não conhecendo o declaratário nem devendo, razoavelmente, conhecer a vontade real do declarante, a declaração vale com o sentido objectivo que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, puder deduzir do comportamento do declarante( Antunes Varela, RLJ, 116º, 189.).


Com efeito, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria aprendido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante, salvo nos casos em que a este não possa ser imputado, razoavelmente, aquele sentido, de acordo com a teoria objectivista ou normativa da impressão do destinatário, ou quando o declaratário conhecer a vontade real do declarante, nos termos do disposto pelo artigo 236º, nºs 1 e 2, do Código Civil.
A boa fé obriga o declaratário a procurar entender a declaração como o faria um declaratário normal, colocado na sua situação concreta, atendendo, por isso, às circunstâncias por ele conhecidas e ás que deveriam ser conhecidas por um tal declaratário, de modo a determinar, através desses elementos, o sentido querido pelo declarante( Vaz Serra, RLJ, 111º, 220.).
E, entre estas circunstâncias, que podem ser das mais diversas, devem referir-se os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo e a consideração de qual seja o mais razoável tratamento, a finalidade prosseguida pelo declarante, as negociações prévias, os usos da prática, em matéria terminológica, ou de outra natureza que possa interessar( Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1966, 313, nota 1.).
Ora, tudo isto aponta, com o devido respeito, para a consideração da vontade dos autores, em termos de excluir do texto do auto de conciliação qualquer referência aos danos de natureza não patrimonial.
Colhem, pois, apenas, em parte, as conclusões constantes das alegações da agravante.

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CONCLUSÕES:

I – Invocando o autor a existência de danos não patrimoniais causados por acidente de trabalho imputável a inobservância das normas de segurança da máquina com que laborava a vítima, da responsabilidade da entidade patronal desta e de um seu trabalhador, são esses os factos que constituem o elemento essencial e determinante da causa de pedir.
II – Por isso, o tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer as questões de indemnização, por responsabilidade civil proveniente de danos não patrimoniais emergentes de acidente de trabalho, ainda que já tenham sido apreciadas e decididas, no respectivo processo de acidente de trabalho, as questões relativas aos danos de natureza patrimonial, é o Tribunal do Trabalho, e não o Tribunal comum de comarca.
III – Declarando o autor que nada mais tem a reclamar da entidade patronal, no que respeita a danos de natureza patrimonial, com isso quer excluir os danos de carácter não patrimonial que, conforme consta do texto do auto de conciliação, não foram objecto de qualquer pronunciamento pelas partes, sendo, por isso, destituído de significado relevante uma passagem do mesmo texto, em que afirmam “nada mais ter a reclamar da entidade patronal, seja a que título for”, quanto a uma hipotética inclusão no mesmo dos danos de natureza não patrimonial.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar, parcialmente, provido o agravo e, em consequência, revogam a decisão recorrida, na parte em que considerou competente, para os termos da acção, o Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, declarando antes competente, em razão da matéria, o Tribunal do Trabalho de Tomar, que, porém, confirmam, em tudo o mais.

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Custas, a cargo da agravante e dos agravados, na proporção de metade.

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Notifique.



Declaração de voto.

Na acção os autores vêm somente pedir uma compensação pelos danos morais decorrentes da morte de F..., falecido em resultado de um acidente ocorrido no tempo e local de trabalho, causado, todavia, por um companheiro da vítima, o qual agora demandam conjuntamente com a entidade patronal de ambos.
Não se verificando, portanto, entre a vítima e o seu companheiro ora réu qualquer relação de trabalho subordinado, não conseguimos compreender como e que uma tal acção deve correr seus termos e ser julgada pelo tribunal do trabalho.
Quando o acidente é causado por um companheiro da vítima – diz o n.º 1 da Base XXXVII da Lei n.º 2127 de 03/08/65, em vigor à data dos factos – que o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aquele, “nos termos da lei geral”.
Ora, uma acção a julgar “nos termos da lei geral” só pode ser instaurada, salvo o devido respeito pela tese que fez vencimento, no tribunal comum e não no tribunal do trabalho.
E, do mesmo modo a acção em que seja demandada a entidade patronal, ao abrigo do n.º3 da Base XVII da mesma Lei n.º 2127, para exclusivo ressarcimento dos danos morais sofridos pelos familiares da vitima de acidente de trabalho, dado também essa dever ser julgada “nos termos da lei geral”, como hoje explicitamente afirma o art.º 18º n.º 2 da Lei n.º 100/97 de 13/09.
Confirmaria, assim, a decisão recorrida que julgou competente para os termos da acção o tribunal comum.