Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
991/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: ALEGAÇÕES
PRAZO
Data do Acordão: 01/25/2006
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 698.º, N.º 4 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Não se demonstrando que o recorrente tivesse feito uso indevido do mecanismo do alongamento do prazo para apresentação das alegações, em caso de reapreciação da prova gravada, com assento no artigo 698º, nº 6, para alcançar o objectivo ilegal do seu protelamento, a coberto do vício da má-fé processual, a que alude o artigo 456º, nº 2, d), ambos do CPC, não será precludida a faculdade legal de ver apreciado o restante do objecto da apelação.
2. Ou seja, pode o recorrente aproveitar o prazo normal de alegações, acrescido de dez dias para a reapreciação da prova, mesmo que não venha a recorrer da decisão de facto, se não for provada a má fé processual.
Decisão Texto Integral: ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A ré, não se conformando com o despacho do Exº Relator, proferido a folhas 311 a 313, que julgou deserto o recurso que interpôs da sentença da 1ª instância, reclamou do mesmo para o Presidente do STJ e, caso não se entendesse ser esse o procedimento adequado, subsidiariamente, apresentou recuso de revista.
Tendo o Exº Relator entendido que deveriam ser observados os termos próprios da reclamação para a conferência, foi ouvida a autora, que se pronunciou no sentido de não ter cabimento legal este procedimento, por falta de expressa manifestação de vontade da ré, em conformidade.
Importa, pois, decidir, após mudança de relator, nos termos do disposto pelo artigo 709º, nº 4, do CPC.
Começando pela questão prévia do “iter” procedimental, suscitada pela autora, constata-se, desde logo, que a ré não se conformou com o despacho do relator que julgou deserto o recurso interposto da sentença da 1ª instância.
Assim, dispõe o artigo 700º, nº 3, do CPC, que, “salvo o disposto no artigo 688º [reclamação contra o indeferimento ou retenção do recurso], quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária”.
Por isso, estava vedado à ré reagir, processualmente, pelas formas que explicitou, no seu requerimento de folhas 317, ou seja, a reclamação para o Presidente do STJ ou, subsidiariamente, o recurso de revista para o mesmo Tribunal.
Porém, a nulidade decorrente do erro na forma de processo importa, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem, estritamente, necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei, devendo o Tribunal conhecer dela, oficiosamente, e, de acordo com o princípio da adequação formal, sem esquecer o objectivo do apuramento da verdade e do acerto da decisão, mandar seguir os termos próprios que se ajustem ao fim do processo, a menos que a nulidade deva considerar-se sanada, atento o disposto pelos artigos 199º, nº 1, 202º, 265º, nº 2 e 265º-A, todos do CPC.
Como desenvolvimento e corolário lógico deste princípio, estipula o artigo 688º, nº 5, do CPC, que “se, em vez de reclamar, a parte impugnar por meio de recurso qualquer dos despachos a que se refere o nº 1, mandar-se-ão seguir os termos próprios da reclamação”.
Como assim, sem outras considerações, por desnecessárias, e com o devido respeito, importa concluir que esta questão prévia não pode proceder.
Revertendo à questão prévia da extemporaneidade das alegações de recurso, suscitada pela autora, a propósito da ilegalidade da extensão do prazo da respectiva apresentação, urge reponderar toda a problemática discutida nos autos, neste particular.
Efectivamente, versando o recurso, afinal, tão-só, sobre matéria de direito, e tendo a ré ultrapassado o prazo legal de apresentação das suas alegações que, nessa hipótese, seria de trinta e não de quarenta dias, como aconteceu, apesar da inobservância da totalidade dos pressupostos legais que viabilizam a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, em via de recurso, o que é susceptível de determinar a rejeição do conhecimento do objecto da apelação, no que concerne ao julgamento da matéria de facto, constituiria, por seu turno, um perigoso salto processual e preterição de uma etapa processual posterior, considerar que, por essa razão, e, desde já, não se demonstrando que a ré tivesse feito uso indevido do mecanismo do alongamento do prazo para apresentação das alegações, em caso de reapreciação da prova gravada, com assento no artigo 698º, nº 6, para alcançar o objectivo ilegal do seu protelamento, a coberto do vício da má-fé processual, a que alude o artigo 456º, nº 2, d), ambos do CPC, se encontrava precludida a faculdade legal de ver apreciado o restante do objecto da apelação.
Importa ainda salientar a possibilidade de as partes, após um primeiro impulso de discordância quanto à apreciação do julgamento sobre a matéria de facto realizado em 1ª instância, com base nos dados memoriais ou escritos retidos durante a audiência de discussão, na sequência da audição da prova objecto de gravação, equacionarem, de modo diverso, a leitura e interpretação que da mesma prova o Tribunal «a quo» efectuou, a menos que, a persistirem numa linha de aparente coerência, “jogando a bola para a frente, sem a deixar cair”, realizem um simulacro de impugnação da matéria de facto, num comportamento processual eivado de hipocrisia e de requintada manifesta má fé instrumental, obrigando a contraparte, em sede de contra-alegações, a rebater a versão apresentada, e o Tribunal de recurso a ouvir a prova gravada e apreciar os motivos da simulada divergência, tudo em prejuízo, além do mais, da desejada celeridade processual e da inultrapassável dignidade institucional do órgão de soberania que são os Tribunais.
Finalmente, a apreciação da má fé processual das partes tem lugar, após a produção da prova, e não antes de a mesma acontecer, com base num mero «fumus iuris perfunctorius», devendo obviar-se a que regras rígidas, de natureza, estritamente, processual, possam impedir a efectivação em juízo dos direitos das partes e a plena discussão acerca da matéria relevante para propiciar a justa composição do litígio.
Sendo admissível a reapreciação da prova gravada, conforme foi decidido pelo Tribunal «a quo», face ao requerimento apresentado pela partes, não pode o recorrente, que formou já a expectativa de dispor de um prazo acrescido para a interposição do recurso, ser defraudado, na ulterior tramitação do processo, nomeadamente, pela redução do prazo legal da apresentação das alegações TC nº 24/2005, de 18-1-2005, Pº nº 928/2003, DR, IIª série, de 9 de Junho de 2005. .
Certo que esta interpretação pode conduzir ao abuso do direito de recorrer, através do aproveitamento do benefício de um ilegítimo prazo acrescido, para a reapreciação da matéria de facto, mas, mesmo assim, trata-se do tributo necessário a pagar ao princípio da cooperação, enunciado com renovada ênfase, pelos artigos 266º e 266º-A, do CPC, alicerçado na confiança recíproca, e que não permite, à revelia do impreciso texto legal, e, enquanto o mesmo não for alterado, retirar conclusões que os factos alinhados ainda não comportam.
Assim sendo, improcedem as questões prévias levantadas pela apelada.

DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar improcedente a arguição das questões prévias levantadas pela autora-apelada.
Custas deste incidente, a cargo da autora-apelada, cuja taxa de justiça se fixa no mínimo (1 UC) – artigos 18º, nº 3 e 16º, nº 1, do CCJ.



VOTO DE VENCIDO:
Conforme meu despacho já exarado nos autos, entendo que o recurso interposto deveria ser julgado deserto, em virtude de a alegação ter sido apresentada para além do prazo de 30 dias previsto no art.º 698º, n.º 2 do C.P.C.. A tal não obsta a circunstância de a Recorrente, ao interpor o recurso, manifestar a intenção de impugnar a decisão a decisão de facto à luz da prova provada para aproveitar do acréscimo de 10 dias previsto no n.º 6 do citado artigo, verificando-se a final, que o recurso não tem por objecto a reapreciação da prova provada.
(Dr. Ferreira de Barros)