Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4068/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. GARCIA CALEJO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 01/27/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ARTºS 496º, Nº 2 DO C. CIV..
Sumário:

I – A morte, em si mesma, como perda do direito à vida por parte da vítima, é passível de reparação pecuniária, sendo a respectiva obrigação originada pela acção ( ou omissão ) de que a morte é consequência ( o dano pela perda do direito à vida é autonomamente indemnizável ) .
II – Os danos não patrimoniais sofridos pelo morto nascem, por direito próprio ( de iure proprio ), na titularidade das pessoas designadas no nº 2 do artº 496º do C. Civ., segundo a ordem e nos termos em que nesta disposição legal são chamados, conforme entendimento predominantemente sufragado pelo STJ e em alguma doutrina .
III – O grupo de familiares a que se refere o nº 2 do artº 496º do C.Civ. deve ser considerado como titular originário do direito à indemnização, pelo que a indemnização em causa deve sucessivamente atribuir-se ao cônjuge e descendentes ; na falta destes, aos pais e outros ascendentes ; e, por fim, aos irmãos ou sobrinhos com direito de representação .
Decisão Texto Integral: ap-4068/03



Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- A , residente na Rua ..., Viseu, intenta a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, emergente de acidente de viação, contra B, com sede na Av. ..., Lisboa e D, residente em Viseu, pedindo que se condene os RR. a pagar-lhe, solidariamente, a quantia de 7.000.000$00, com juros de mora à taxa legal, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento.
Fundamenta este seu pedido, em síntese, num acidente de viação, ocorrido no dia 25 de Outubro de 1997 no Itinerário Principal n.º 3, em que foram intervenientes, o veículo ligeiro de passageiros matrícula ...., conduzido por E e o motociclo sem matrícula, propriedade da D S. e por ele conduzido. Neste motociclo transitava, no lugar de passageiro, o filho da A., F. Devido à velocidade elevada a que seguia, o condutor do motociclo perdeu o domínio dele, não conseguiu segurá-lo na sua faixa de rodagem, pelo que entrou em despiste, invadiu a faixa de rodagem oposta, por onde circulava, em sentido contrário, o veículo automóvel, onde foi embater. Este embate foi frontal e inesperado para o condutor do veículo automóvel, que não o pode evitar. A culpa no acidente foi, exclusiva, do condutor do motociclo. Em consequência do acidente, ocorreu a morte deste condutor e do filho da A.. O condutor do motociclo não tinha celebrado qualquer contrato de seguro, tendo-lhe sucedido, como herdeiro, seu pai, o 2º R.. Em virtude de não existir qualquer contrato, compete ao B, satisfazer as indemnizações decorrentes do presente acidente de viação. Do acidente resultou a morte de seu filho e os consequentes danos patrimoniais e não patrimoniais que indica e de que se quer ver ressarcida.
1-2- O R. B contestou, sustentando em síntese, que não tem obrigação de conhecer os factos alegados, pelo que os impugna. São excessivos os valores reclamados a títulos da danos não patrimoniais e dano morte.
Termos em que o pedido deve ser julgado de acordo com a matéria de facto dada como provada.
1-3- O R. D contestou também, alegando, em resumo, que não tem conhecimento sobre a forma como ocorreu o acidente, razão por que impugna os respectivos factos, o mesmo sucedendo em relação aos restantes factos alegados pela A.
Termina pedindo a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.
1-4- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e a base instrutória e se procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento.
1-5- Proferiu-se sentença em que se julgou parcialmente procedente a acção, condenando os RR., solidariamente, a pagar à A., a quantia de 12.469,95 Euros, sendo, porém, a responsabilidade do R. D , apenas até aos limites das forças da herança deixada pelo seu falecido filho.
1-6- Não se conformando com esta sentença, dela vieram recorrer o R., B e a A., recursos que foram admitidos como apelação e com efeito suspensivo.
1-7- O recorrente B alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- Porque o falecido D Neves era casado, à data da sua morte, de acordo com o art. 496º do C.Civil, o direito à indemnização por perda do direito à vida não se poderá transmitir aos ascendentes.
2ª- O direito à indemnização pela perda do direito à vida não se transmite hereditariamente, nos termos do disposto no art. 2132º segs. do C.Civil, mas sim nos termos e segundo a ordem do nº 2 do art. 496º do mesmo diploma.
3ª- Toda a indemnização correspondente aos danos morais ( quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos ) cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio.
4ª- A recorrida, sendo mãe da vítima mortal do acidente e tendo este falecido no estado de casado ( ainda que separado de facto ), não terá direito a ser indemnizada pela perda do direito à vida do filho, uma vez que integra a segunda classe de familiares a chamar, nos termos e segundo a ordem do disposto no nº 2 do art. 496 do C. Civil.
5ª- A sentença recorrida violou o disposto no art. 496º nº 2 do C.Civil.
Termos em que deve ser parcialmente revogada, absolvendo-se o recorrente na parte em que o condena no pagamento à A., da indemnização por perda do direito à vida do filho.
1-8- A recorrente alegou também, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões úteis:
1ª- A A., nos termos do art. 495º nº 3 do C.Civil, tem direito ao pagamento de indemnização por perda de rendimentos/alimentos que o seu filho lhe proporcionava, no cumprimento de uma obrigação natural.
2ª- Já que se viu privada dos mesmos, em virtude da sua morte, constituindo dano indemnizável, nos termos dos arts. 495º, 562º, 566º e 564º do C.Civil, normas que se violaram.
3ª- Assim, a douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que condene os recorrentes a pagar à A. a indemnização peticionada, no valor de 9.976,96 Euros, indemnização que considera adequada, segundo juízos de equidade.
4ª- Conforme dispõe o art. 496º nºs 2 e 3, a A. tem direito a ser indemnizada pelos danos não patrimoniais próprios, por si sofridos, com a morte de seu filho.
5ª- O art. 496º nº2 refere expressamente que “na falta destes” e não “na falta deles” querendo significar que na falta de filhos ou outros descendentes, sucedem os ascendentes, em conjunto com o cônjuge, no direito à indemnização.
6ª- O Mº Juiz, fez uma incorrecta interpretação de tal disposição, norma que foi violada.
7ª- Em face dos factos provados, deve igualmente, a sentença ser revogada e substituída por outra que condene os recorridos a pagar à A., a quantia de 12.469,95 Euros, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais próprios da recorrente, quantia que considera ajustada, segundo juízos de equidade, em consonância com a jurisprudência do STJ
1-9- A apelada A Marques respondeu a estas alegações, sustentando não provimento deste recurso.
Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
II- Fundamentação:
2-1- Dado que a matéria de facto dada como assente na 1ª instância não foi objecto de impugnação, nem vemos que haja qualquer motivo para a alterar, de harmonia com o disposto no art. 713º nº 6 do C.P.Civil, remete-se para os termos da decisão proferida na 1ª instância sobre essa matéria.
A) Apelação do B:
2-2- Como se vê pelo teor das alegações de recurso, o apelante apenas coloca em dúvida a circunstância de a douta sentença recorrida o ter condenado no pagamento à A., de 2.500.000$00 a título de danos não patrimoniais por perda do direito à vida de seu filho, a infeliz vítima mortal do acidente, F D Neves. É que, segundo o recorrente, o falecido era casado à data da sua morte, pelo que o direito à indemnização pela perda do direito à vida, não se poderá transmitir aos ascendentes, hereditariamente, nos termos do disposto no art. 2132º segs. do C.Civil, mas sim aos familiares, nos termos e segundo a ordem do nº 2 do art. 496º do mesmo diploma. Toda a indemnização correspondente aos danos morais ( quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos ) cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio, pelo que, a recorrida, sendo mãe da vítima e tendo este falecido no estado de casado ( ainda que separado de facto ), não terá direito a ser indemnizada pela perda do direito à vida do filho, uma vez que integra a segunda classe de familiares a chamar, nos termos e segundo a ordem do disposto no nº 2 do art. 496 do C. Civil.
Sobre o assunto considerou-se na douta sentença recorrida que a privação do direito à vida é, em si mesma, passível de reparação pecuniária, como aliás decidiu, uniformizando a jurisprudência, o Ac. do STJ de 17-3-71 ( BMJ 205º, 150 ). Mais se entendeu como equilibrado, atendendo à idade da vítima, à sua condição sócio-económica, aos padrões seguidos na jurisprudência, o valor a esse título reclamado pela A. ( 5.000.000$00 ). Considerou-se depois e quanto à transmissão do direito à indemnização pela perda desse direito, que sobre o assunto se debatem duas teorias. Uma segundo a qual a transmissão se deve fazer por via sucessória, aos herdeiros legais e a outra conforme a qual a transmissão se deve efectuar, por via sucessória, mas dentro do quadro definido pelo art. 496º. Entendeu-se então adequado aderir à primeira desses entendimentos, por que se trata “de um direito que nasceu na esfera jurídica da vítima (autónomo daqueles que são reconhecidos pessoalmente às pessoas indicadas no art. 496º ), portanto logicamente hereditável segundo as regras gerais”. Indicou-se várias referências doutrinais e jurisprudenciais, terminando dizendo-se que “no entendimento seguido, transmitindo-se o direito à indemnização por via hereditária, nos termos do art. 2133º al. a) e nº 2, resulta que, tendo o filho da autora falecido sem deixar descendentes e deixar ascendentes, como é o caso, o cônjuge e os ascendentes, integram a mesma classe de sucessíveis. Pelo que, dividindo aquela indemnização global pela mulher e pela autora, cabe a esta a quantia pedida de 2.500.000$00”.
Quer isto dizer que na douta sentença recorrida se entendeu que a indemnização pela privação do direito à vida se deve transmitir, por via sucessória, aos herdeiros legais da vítima, nos termos do art. 2133º al. a) e nº 2 do C.Civil.
É precisamente sobre este aspecto que o apelante mostra o seu inconformismo, sustentando, como se viu, que esse direito à indemnização, se deverá transmitir aos familiares da vítima, nos termos e segundo a ordem do nº 2 do art. 496º do mesmo diploma.
Vejamos:
Estabelece o art. 496º nº 2 do C.Civil ( diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem ) que “por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes aos pais e outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem”.
Estabelece pois a disposição três grupos com o direito à indemnização por morte da vítima: O cônjuge e os descendentes, na falta destes, os pais e outros ascendentes e, por fim, os irmãos ou sobrinhos com direito de representação.
Não há dúvida também que a morte, em si mesma, como perda do direito à vida por parte da vítima, é passível de reparação pecuniária, sendo a respectiva obrigação originada pela acção ( ou omissão ) de que a morte é consequência. Segundo cremos, apesar de a doutrina, no começo da vigência do actual C.Civil, não ser uniforme em relação à questão, após o STJ ter uniformizado jurisprudência sobre o assunto, o mesmo tornou-se absolutamente pacífico ( o Ac. do STJ de 17-3-71, acima já mencionado, in BMJ 205º, 150 ). Por isso, o dano pela perda do direito à vida é autonomamente indemnizável.
Por outro lado, morte da vítima implica para esta um dano não patrimonial, sendo que estes se devem definir como “prejuízos de insusceptíveis de avaliação pecuniária porque não se integram no património do lesado ( ex. a vida, a saúde, a liberdade, a beleza” ( in Dano Corporal em Acidente de Viação, Desemb. Sousa Dinis, Col. Jur. 1997, Tomo II, pág. 12 ).
Questão fortemente debatida pela doutrina e jurisprudência e que, no fundo, é o cerne do presente recurso, é o de saber-se se os direitos não patrimoniais derivados da perda do direito à vida por banda da vítima, se radicam na esfera jurídica deste e depois se transmitem, por via sucessória, para os seus herdeiros, de acordo com as regras de sucessão ou se, pelo contrário, esses direitos nascem de iure proprio por direito originário, no património das pessoas a que se refere o nº 2 do art. 496º.
O Ac. do STJ de 9-5-96 ( in BMJ 457, 275 ) tomou posição sobre a questão decidindo-se por este último entendimento, ou seja de que os ditos direitos nascem de iure proprio. Como se menciona neste aresto “a este respeito a doutrina tem-se dividido, defendendo: uns, que tais direitos de indemnização cabem primeiramente ao de cujus e depois se transmitem sucessoriamente para os seus herdeiros legais ou testamentários (Galvão Telles Direito das Sucessões, 1971, págs. 83 a 87); outros, que tais direitos após terem cabido ao de cujus se transmitem sucessoriamente para as pessoas mencionada no nº 2 do artigo 496º do Código Civil (Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 103º, pág. 172; Leite Campos, A Indemnização do Dano da Morte, 1980, pág. 54), e ainda outros que esses direitos de indemnização são adquiridos directa e originariamente pelas pessoas indicadas no nº 2 do artigo 496º do Código, não havendo lugar por isso a transmissão sucessória (Antunes Varela, Direito das Obrigações, vol. I, 6.ª ed., pág. 583; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., pág.500. Nesta polémica doutrinal ( e também jurisprudencial, cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de 16 de Março de 1973, Boletim do Ministério da Justiça nº 225, pág. 216, e de 13 de Novembro de 1974, Boletim do Ministério da Justiça, nº 241, pág. 204), propendemos para a orientação que os danos não patrimoniais sofridos pelo morto nascem, por direito próprio, na titularidade da pessoas designadas no nº 2 do artigo 496º, segundo a ordem e nos termos em que nesta disposição legal são chamadas. Esta adesão radica-se na argumentação utilizada quer por Antunes Varela - ob. cit., pág. 585 - quer por Capelo de Sousa - Lições de Direito das Sucessões, vol. I, 3ª ed., págs. 298 a 304 - argumentação esta sólida no que se refere aos trabalhos preparatórios do Código, os quais revelam, em termos inequívocos, que o artigo 496º, na sua redacção definitiva, tem a intenção de afastar a natureza hereditária do direito a indemnização pelos danos morais sofridos pela própria vítima ( Capelo de Sousa, op. cit., 298, nota 433)”.
Somos em crer que a razão está do lado destes Professores. Com efeito, para além das razões que o Prof. Antunes Varela aduziu na RLJ 123º, 191 e 192 ( em que defendeu, sem tibieza, a sua posição através do elemento histórico que levou o legislador a elaborar a versão final do nº 2 do art. 496º ), acrescentaremos que o cônjuge aparece na disposição como beneficiário da indemnização, em paridade com os filhos e outros descendentes, quando na altura da sua elaboração, como se sabe, o cônjuge não se encontrava no 1º grau de sucessão, posição a que só chegou, com a reforma do C.Civil de 1977. Quer isto dizer que aquando da elaboração da disposição em análise, o legislador entendeu por bem colocar, ao lado dos descendentes do falecido, o cônjuge, isto apesar de não estar, na altura, no mesmo grau de sucessão dos descendentes. Isto com a atribuição do direito à indemnização, à margem da sucessão legítima “o legislador quis manifestamente chamar estas pessoas, por direito próprio, a receberem, como titulares originários do direito, a indemnização dos danos não patrimoniais causados à vítima da lesão mortal –e que esta competiria- se viva fosse” ( Prof. Antunes Varela na já dita RLJ 123º, 191 e 192 ).
Significa isto que, aderindo-se a esta tese, o grupo de familiares a que se refere o nº 2 do art. 496º, devem ser considerados como titulares originários do direito à indemnização. Assim, nos termos da disposição e como acima já salientámos, a indemnização deve sucessivamente atribuir-se ao cônjuge e descendentes, na falta destes, aos pais e outros ascendentes e, por fim, os irmãos ou sobrinhos com direito de representação ( neste sentido também Ac. do STJ de 7-10-03 proferido no proc. 030A2692, base jurídica da D.G.S.I.).
No caso vertente, provou-se que a vítima faleceu no estado de casado (doc. de fls.14 ), mas sem filhos. Tendo-lhe sobrevivido o cônjuge, é evidente que será este o titular do direito à indemnização pela perda do direito à vida do ofendido de que vimos tratando, afastando a possibilidade de a A., mãe, poder vir a receber qualquer indemnização a este título. Esta só poderia vir a receber a indemnização neste âmbito, na falta do cônjuge ( e descendentes ).
A apelação terá pois provimento, revogando-se a decisão na parte em que se atribuiu à A. uma indemnização pela perda do direito à vida por banda da vítima, seu filho.
B) Apelação da A.:
2-3- No seu recurso a apelante sustenta que ela, A., nos termos do art. 495º nº 3 do C.Civil, tem direito ao pagamento de indemnização por perda de rendimentos/alimentos que o seu filho lhe proporcionava, no cumprimento de uma obrigação natural, visto que se viu privada dos mesmos, em virtude da sua morte, constituindo tal dano indemnizável, nos termos dos arts. 495º, 562º, 566º e 564º do C.Civil, razão por que a douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que condene os recorrentes a pagar à A. a indemnização peticionada, no valor de 9.976,96 Euros, indemnização que considera adequada, segundo juízos de equidade. Sobre o assunto na douta sentença recorrida, referiu-se que a A. não alegou que o filho lhe prestasse alimentos, que carecesse dessa prestação por falta de meios ou incapacidade ou sequer que houvesse probabilidade de lhos prestar no futuro. Mencionou-se depois que “apenas alega que o filho ajudava nas despesas domésticas. E do quadro de matéria de facto provada - até da alegada – parece mais próximo da realidade que era a A. que fornecia habitação e alimentação ao falecido filho e não o contrário. Isto porque, tendo o casamento fracassado, tinha regressado à casa materna, sendo que o trabalho que este exercia no estabelecimento era dentro da economia familiar dirigida pela autora, com melhores condições económicas que o falecido filho. Além de que resulta da matéria provada que a autora tinha outros filhos, que, em caso de carência de alimentos por parte da autora também estariam vinculados ao direito de alimentos ( cfr. art. 2009º nº 2 do C.Civil), surgindo o dever do falecido esbatido no quadro geral de todos eles”. Assim, concluiu-se que “não tendo a autor nem provado de um lado a carência de alimentos e de outro, factos de onde pudesse concluir-se, com rozoabilidade ou verosimilhança de o filho lhe pudesse a vir prestar alimentos, entende-se que não se mostram preenchidos os pressupostos de indemnização com este fundamento”. Daí que não tenha sido atribuída qualquer indemnização à A.
Para decisão da questão, haverá a salientar que se provaram os seguintes factos:
- O falecido vivia com A., que contava com a ajuda diária do filho na exploração de um estabelecimento de café, para o sustento de ambos.
- O produto da exploração do café revertia para o agregado familiar – onde se integravam, além da A. e do falecido outros filhos da A., viúva, quatro deles ainda sem exercerem qualquer actividade – não se tendo apurado qual o valor mensal resultante da exploração do dito café.
Está em causa aqui a fixação de uma indemnização no tocante a danos pela privação do direito a alimentos de seu filho, por banda da A.
Estabelece o art. 495º nº 3 que “têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.
Por alimentos, deve entender-se como “tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário” ( art. 2003º nº 1 ), sendo que estão vinculados à obrigação de prestarem alimentos, não estando em causa o cônjuge ou ex-cônjuge, os descendentes ( a favor dos ascendentes ), nos termos do art. 2009º al.b).
Por obrigação natural deve entender-se a obrigação que se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça ( art. 402º ). Como refere o Prof. Almeida Costa ( in Obrigações, 4ª edição, 143 ) “ as obrigações naturais constituem casos intermédios entre os puros deveres de ordem moral ou social e os deveres jurídicos. Os primeiros fundamentam liberalidades, os últimos consubstanciam obrigações civis munidas de acção”.
Claro que existindo dever jurídico de os descendentes contribuírem com alimentos para os ascendentes, a respectiva prestação não será devida a uma qualquer obrigação natural, mas sim a essa obrigação jurídica. Daí que, a nosso ver, seja incorrecto falar-se aqui, como faz a apelante, em obrigação natural. De qualquer forma, face à 1ª parte da disposição legal salientada ( art. 495º nº 3 ), teoricamente, a indemnização neste âmbito é possível, porque, como se viu, têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado.
Mas será que a indemnização com este fundamento se justifica no caso dos autos ?
Temos para nós que o nº 3 do art. 495º não concede às pessoas que podem exigir alimentos ao lesado, o direito de indemnização de todos os danos patrimoniais que lhes haja sido causados, mas apenas o direito de indemnização do dano da perda de alimentos que o lesado se fosse vivo teria que lhes prestar. Isto é, a indemnização com este fundamento, está dependente da alegação e prova da necessidade de alimentos, presente ou futura, por banda daquele que invoca esse direito, como iremos ver melhor à frente. A indemnização neste âmbito visa, precisamente, ressarcir o interessado pela perda dos proventos que a fonte de rendimentos que cessou ( pela morte do obrigado ) lhe proporcionaria. A medida da indemnização será determinada (tendencialmente ) pelo cômputo da perda do montante global de alimentos que o interessado poderia receber do lesado. Está igualmente dependente a atribuição da indemnização, da alegação e prova da possibilidade do obrigado/lesado em contribuir com alimentos para com o interessado, como também iremos ver melhor à frente.
Provou-se, como se viu, que o falecido vivia com A., e que esta contava com a ajuda dele na exploração de um estabelecimento de café, para o sustento de ambos. O produto da exploração do café revertia para o agregado familiar – onde se integravam, além da A. e do falecido outros filhos da A., viúva, quatro deles ainda sem exercerem qualquer actividade – não se tendo apurado qual o valor mensal resultante da exploração do dito café.
Desta factualidade resulta que o falecido ajudava a mãe na exploração de um café. Era desta actividade que a A. se sustentava, assim como era dessa exploração que mantinha o seu agregado familiar, onde se inseria a vítima.
Tinha necessidade a A. que o falecido lhe prestasse alimentos ?
Tinha este capacidade para lhos prestar ?
De futuro a A. iria ter precisão de alimentos ?
De futuro seria previsível que a vítima lhe prestasse alimentos?
E será que este teria possibilidade de os prestar, então ?
Tudo isto constituem perguntas a que os factos provados não respondem. Aliás se bem observarmos a petição inicial, também ela não dá resposta cabal a tais questões. De concreto, a A. alegou somente que o seu falecido filho contribuía mensalmente, para as despesas domésticas, com a quantia de 30.000$00, facto que não logrou demonstrar, sendo certo também que mesmo que tal provasse, isso não denunciava que tal prestação derivasse de qualquer prestação alimentícia a seu favor e muito menos que a A. necessitasse dessa contribuição.
Não se desconhece que, em termos teóricos, têm direito à indemnização a que se refere a disposição, não só as pessoas que no momento da lesão podiam exigir alimentos ao falecido, mas também os que só mais tarde poderiam vir a ter esse direito (neste sentido Ac. do STJ de 29-2-96, in Col. Jur. Acs. STJ, 1996, Tomo I, pág. 104 ). Porém esta possibilidade deve relacionar-se com uma necessidade previsível de alimentos no futuro. Neste sentido sustenta o Prof. Antunes Varela ( ob. citada, págs. 501 e 502 ) “se a necessidade de alimentos, embora futura, for previsível …, nenhuma razão há para que o tribunal não aplique a doutrina geral do nº 2 do artigo 564º. Mas ainda que a necessidade não seja previsível, nenhuma razão há para isentar o lesante da obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo que para ela advém da falta da pessoa lesada contanto que não haja prescrição nos termos gerais da parte final do nº 1 do art. 498º”. Esta última parte, deve, a nosso ver, ser interpretada em termos teóricos. Evidentemente que no futuro, mesmo que a necessidade de alimentos do interessado surja para além de qualquer previsibilidade, nem por isso se poderá negar ao carecido de alimentos, o direito de pedir uma indemnização neste âmbito, desde que, claro, não tenha surgido entretanto a prescrição a que alude a dita disposição legal.
Disto tudo resulta que, para se poder ( agora ) atribuir uma indemnização ao interessado com o fundamento em análise, no nosso entender, é preciso provar-se, que ocorra uma necessidade previsível de alimentos no futuro.
Por outro lado é necessário relacionar-se ( sempre ) a disposição em análise com o disposto no art. 2004º, isto é, que os alimentos devem ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los. Ou por outras palavras, na fixação de uma pensão alimentícia ( e concominantemente na atribuição da indemnização de que vimos falando ), deve atender-se às possibilidades daquele que os presta e às precisões daquele que os recebe, pelo que fundamentando o pedido de indemnização em causa, esses elementos, ainda que de forma linear e sucinta, deveriam ser alegados e demonstrados. A própria medida dos alimentos ( e consequente montante da indemnização ), dependeriam da verificação desses elementos factuais.
Ora não se tendo alegado e provado os ditos elementos, parece-nos evidente que também por este prisma a pretensão da apelante naufraga.
É certo que se provou que o falecido ajudava a mãe no café. É claro também que, em virtude de ter falecido, a vítima deixou de ajudar a A. nas tarefas em que a antes a auxiliava. A ausência desta ajuda pode causar prejuízos à A., mas estes não derivam, como é notório, do dano da perda de alimentos que o lesado se fosse vivo teria que lhe prestar.
Significa isto que não vemos que se justifique a atribuição, neste âmbito, de qualquer indemnização à A.
Nesta parte a douta sentença recorrida merece confirmação.
2-4- Sustenta depois a apelante que conforme dispõe o art. 496º nºs 2 e 3, a A. tem direito a ser indemnizada pelos danos não patrimoniais próprios, por si sofridos, com a morte de seu filho. O art. 496º nº 2 refere expressamente que “na falta destes” e não “na falta deles” querendo significar que na falta de filhos ou outros descendentes, sucedem os ascendentes, em conjunto com o cônjuge, no direito à indemnização.
Sobre o assunto na douta sentença recorrida considerou-se que sendo a vítima casada, não assiste à A. o direito à indemnização por danos patrimoniais próprios, no quadro do art. 496º nº 2.
Já acima nos referimos ao que estabelece esta disposição legal. Acrescenta o nº 3 do artigo que “…no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito à indemnização nos termos do número anterior”.
Resulta pois desta disposição e para o que aqui interessa que, em caso de morte da vítima, os danos não patrimoniais sofridas pelas pessoas com direito à indemnização nos termos do número anterior, poderão ser considerados. O direito à indemnização ( por morte da vítima ) definido no número anterior estabelece-se por três grupos, como já se viu: O cônjuge e os descendentes, na falta destes os pais e outros ascendentes e, por fim, os irmãos ou sobrinhos com direito de representação. Quer isto dizer que, como já acima se disse, que só não existindo cônjuge e descendentes, é que o ascendente pode exercer o direito à indemnização por danos não patrimoniais. Como dizem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela em referência ao nº 2 do art. 496º “a referência especial ao caso de o facto ilícito ter provocado a morte da vítima tem por objectivo designar o titular do direito à indemnização e as pessoas cujos danos ( não patrimoniais ) devem então ser tomados em linha de conta. Distribuem-se por três grupos, nos termos do nº 2, as pessoas com direito a indemnização: o cônjuge e os descendentes; na falta deles, os pais e outros ascendentes; por fim os irmãos ou sobrinhos com direito de representação”. Neste sentido refere ainda o Prof. Antunes Varela ( in Das Obrigações em Geral, pág. 502 ) que “relativamente aos danos não patrimoniais, é líquido que apenas têm direito a indemnização os familiares destacados no nº 2 do artigo 496º, como líquido é também que os familiares do 2º grupo ( os ascendentes ) só terão direito a essa indemnização se não houver cônjuge nem descendentes da vítima, e que os do 3º grupo ( irmãos ou sobrinhos ) só serão chamados na falta de qualquer familiar dos grupos anteriores”.
Significa isto e para o que aqui importa que, são titulares do direito à indemnização por danos não patrimoniais ( próprios e da vítima ), os três grupos de familiares indicados na disposição. Claro que atribuição da indemnização a um desses grupos, exclui a possibilidade de os restantes ( posteriores ) serem ressarcidos nesse âmbito.
Defende a apelante que a disposição em análise refere que “na falta destes” e não “na falta deles” querendo significar que na falta de filhos ou outros descendentes, sucedem os ascendentes, em conjunto com o cônjuge, no direito à indemnização.
É de repudiar esta interpretação da lei. É que, a nosso ver, é claro que ao dizer a lei “na falta destes” se quer referir aos parentes indicados na anterior rubrica ou grupo, isto é, ao cônjuge, filhos ou outros descendentes. Se o legislador quisesse dar o alcance à disposição que a apelante pretende, não deixaria, certamente, de se referir claramente à opção, usando, por exemplo, a expressão “na faltas destes últimos”.
Por outro lado, a expressão “na falta deles” que a apelante defende como a que se deveria usar para se poder dar o alcance que preconizámos à disposição, é, a nosso ver, equivalente à usada pelo legislador, porém, com o defeito de ser menos precisa.
Aliás a interpretação que a apelante sustenta, rigorosamente, levaria a que se considerasse apenas “outros descendentes” ( que é a expressão mais próxima de “na falta destes” ) deixando de fora “os filhos”, resultado não querido e não defendido pela apelante.
Também aqui a pretensão da apelante é insubsistente.
A sua apelação improcede in totum.
III- Decisão:
Por tudo o exposto dá-se provimento ao recurso interposto pelo R. B, absolvendo-se os RR. da quantia em que foram condenados na 1ª instância.
No resto, confirma-se o douto aresto recorrido.
Custas na acção e nas apelações pela A., A.