Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2790/07.0TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: MÁQUINAS DE DIVERSÃO
FALTA DE LICENÇA
RESPONSABILIDADE
Data do Acordão: 10/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 20.º, N.º 1, 43.º, N.ºS 1 E 2 E 48.º, N.º 1, ALÍNEA A), 82.º, N.º 3, ALÍNEA A)AMBOS DO DL N.º 310/2002, DE 18 DE DEZEMBRO
Sumário: Em matéria de licença de exploração da máquina, pese embora caiba ao seu proprietário requerê-la já a sua falta está directamente relacionada com a sua rentabilização, colocando-a ao dispor do público em espaço ou estabelecimento, pelo que o seu desrespeito há-de responsabilizar o proprietário ou explorador desse local.
Decisão Texto Integral: Em processo de contra-ordenação da Câmara Municipal de Viseu, foi a arguida BD – , Ldª, condenada na coima de € 1.000,00, pela prática da contra-ordenação, p. e p. nos termos dos artºs 23º nº 1 e 48º nº 1 f), ambos do Dec. Lei 310/02, de 18/12, por falta de licença de exploração de uma máquina de diversão que se encontrava no interior do estabelecimento denominado “S...”.
Não se conformando com esta decisão, dela a arguida interpôs recurso de impugnação para o Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, o qual foi distribuído ao 2º Juízo Criminal, tendo o mesmo sido julgado improcedente.

Inconformada, com tal decisão, traz a arguida o presente recurso para este Tribunal da Relação:

Na sua motivação conclui:
“ A) Infere a entidade administrativa que decidiu pela condenação da imprecante, que se justifica a condenação da arguida por aplicação dos preceitos legais a saber: artº 23º nº 1, do D.L. 310/02, de 18 de Dezembro.
B) O tribunal ad quo não descortinando a questão da falta de licença de exploração decidiu condenar a arguida pela desconformidade com os elementos constantes do título de registo por falta de averbamento de novo proprietário.
C) Tal decisão é não só ilegal como provida de constitucionalidade duvidosa, atentatório do princípio nulla poena sine lege, face à absoluta inexistência de cominação legal que atribua à arguida qualquer responsabilidade contra-ordenacional no processo em epígrafe, nos termos dó diploma em análise - D.L. 310/02 de 18 de Dezembro, mormente artº 26 nº 1.
D) Ao contrário, do que é previsto para outras situações como por exemplo, a falta de registo que é imputado ao proprietário da máquina - do mesmo diploma, artº 26º nº 1, al. a).
E) Não sendo, outrossim, de todo possível qualquer interpretação extensiva ou analógica dos preceitos em causa, como discorreu o tribunal ad quo.
F) Escalpelizado o facto, típico, ilícito, culposo e alvo de uma sanção que aqui foi reportado em sede de acusação, ou seja, falta de licença de exploração, está a arguida manifestamente fora do âmbito desta previsão legal.
G) A desconformidade com os elementos constantes do título de registo por falta de averbamento de novo proprietário como novo elemento factual de condenação não foi apreciado, analisado e controvertido em sede de acusação, nem foi matéria pela qual a arguida foi condenada.
H) Logo nos termos do artº 359 nº 1 do CPP "Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância."
I) A licença foi já emitida e colocada na máquina.
J) Pelo que, na actuação da arguida não houve dolo ou qualquer intenção de prejudicar terceiros ou o Estado.”.
Respondeu o MP junto do tribunal recorrido, concluindo pelo infundado do recurso.
O Exmº Procurador - Geral Adjunto nesta Relação conclui pelo improvimento do recurso.
Foi dado cumprimento ao disposto no artº 417º nº 2 CPP.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

Com relevância para a decisão do presente recurso, vejamos desde já a matéria de facto dada como provada na 1ª instância:
“1. No dia 3 de Junho de 2006, entre as 22h55m e as 23hl0m, no estabelecimento de restauração e bebidas, denominado "S...", sito em Edifício …, em Repeses, concelho de Viseu, propriedade de …., encontrava-se uma máquina de diversão Tipo - Grua, marca Crame Saurus, nº de série 9347780, fabricada em 1997, pelo fabricante Recreativos presas S.L., com diversas cores.
2. A máquina descrita em 1. estava a ser explorada pelo proprietário do estabelecimento, não possuindo o mesmo licença de exploração emitido pela Câmara Municipal de Viseu.
3. Na data referida em 1., a máquina de diversão era propriedade de "BD, Lda”.
4. A máquina encontra-se registada em nome de "R…..- Máquinas de Diversão, Lda."”.

*
Como é sabido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.
Assim as questões que cumpre conhecer são as seguintes:
- Saber se a arguida, como proprietária da máquina de diversão pode ser responsabilizada pela falta da respectiva licença de exploração;
- saber se houve alteração substancial dos factos.
Comecemos pela primeira questão.
Antes de mais convém precisar que a contra-ordenação imputada à arguida, conforme resulta do auto de notícia de fls. 6, consistiu na falta de licença de exploração da máquina de diversão que estava a ser explorada pelo proprietário do estabelecimento comercial, (artº 23º nº 1 e 48º nº 1 f) do Dec. Lei 310/02 de 18/12) e não por desconformidade entre os elementos do registo por falta de averbamento de novo proprietário, como erradamente foi entendido pelo Mmº juiz na decisão proferida, a qual se assim fosse integraria contra-ordenação diferente (artº 23º nº 1 e 48º nº 1 d) do mesmo diploma).
Pois bem o Dec. Lei nº 310/2002, de 18 de Dezembro contém o regime jurídico do licenciamento do exercício e da fiscalização da actividade, além de outras, de exploração de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas e electrónicas de diversão.

O exercício da actividade de exploração de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas e electrónicas de diversão carece de licenciamento municipal (arts. 1º, e) e 2º) O licenciamento municipal destas máquinas passa pela obtenção de dois distintos títulos, sem os quais não podem ser colocadas em exploração, e que são, o registo e a licença de exploração (art. 20º, nº 1).
E em matéria de licença de exploração, que é aquilo que agora nos interessa, estabelece-se no artº 23º nº 1 do referido diploma que:
“1 - A máquina só pode ser posta em exploração desde que disponha da correspondente licença de exploração atribuída pela câmara municipal e seja acompanhada desse documento.
2 - A licença de exploração é requerida por períodos anuais ou semestrais pelo proprietário da máquina, devendo o pedido ser instruído com os seguintes documentos;
a) Título de registo da máquina, que será devolvido;
b) Documento comprovativo do pagamento do imposto sobre o rendimento respeitante ao ano anterior;
c) Documento comprovativo do pagamento dos encargos devidos a instituições de segurança social;
d) Licença de recinto, emitida pela Direcção-Geral dos Espectáculos, quando devida.· 3 - ………
4 - ……..”
Por sua vez em matéria de responsabilidade contra-ordenacional, dispõe o artº 26º que:
“1. Para efeitos do presente capitulo, consideram-se responsáveis, relativamente às contra-ordenações verificadas:
a) O proprietário da máquina, nos casos de exploração de máquinas sem registo ou quando em desconformidade com os elementos constantes do título de registo por falta de averbamento de novo proprietário;
b) O proprietário ou explorador do estabelecimento, nas demais situações.· 2- Quando por qualquer circunstância, se mostre impossível a identificação do proprietário de máquinas em exploração, considera-se responsável pelas contra-ordenações o proprietário ou explorador do estabelecimento onde as mesmas se encontrem.”.
E o artº 48º nº 1 do mesmo diploma, estabelece que:
“1- As infracções do capítulo VI do presente diploma constituem contra-ordenação punida nos termos seguintes:
a) Exploração de máquinas sem registo, com a coima de (...) por cada máquina;
…/…
d) Desconformidade com os elementos constantes de registo por falta de averbamento de novo proprietário, com a coima de…;
f) Exploração de máquina sem licença ou com licença de exploração caduca, com coima de (...) por cada máquina;
…/…”.
Decorre assim claramente da letra da lei que o proprietário da máquina é responsabilizado pela exploração desta se a mesma não estiver registada ou tiver o respectivo registo desactualizado (artº 26º nº 1 a)) e o proprietário ou o explorador do estabelecimento comercial pelas demais situações contra-ordenacionais (artº 26º nº 1 b)).
E se for impossível identificar o dono da máquina, então o dono do estabelecimento responderá também pelas infracções que em primeira lugar caberiam ao dono da máquina (artº 26º nº 2)
Assim em matéria de licença de exploração da máquina, pese embora caiba ao seu proprietário requerê-la (artº 23º nº 2), já a sua falta está directamente relacionada com a sua rentabilização, colocando-a ao dispor do público em espaço ou estabelecimento, pelo que o seu desrespeito há-de responsabilizar o proprietário ou explorador desse local.
E compreende-se que assim seja, pois não faria qualquer sentido, que explorando o dono do estabelecimento a máquina, não lhe incumbisse a obrigação de verificar e de respeitar as imposições legais a que essa exploração o obriga.
Quer isto dizer que sobre ele impende a obrigação de verificar se a máquina que nele se explora obedece a todo o condicionalismo legal.
Por isso ao explorar a máquina no seu estabelecimento ele passa também a ser responsabilizado pelas infracções que nele se verifiquem com a utilização da máquina.
Se assim não fizer é responsável pela respectiva contra-ordenação.
Assim a falta de licença de exploração não é imputável à arguida, na qualidade de proprietária da máquina, mas sim ao dono do estabelecimento que a tinha em exploração.
Procede por isso o recurso neste ponto, ficando prejudicada a apreciação da outra questão.


DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, consequentemente, absolvem a arguida
Sem tributação.
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP).
Tribunal da Relação de Coimbra, 15 de Outubro de 2008.