Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
446/10.6T4AGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PERÍODO EXPERIMENTAL
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
Data do Acordão: 11/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 111º, Nº 1 E 112º, NºS 2 E 4 DO CT/2009 (LEI Nº 7/2009, DE 12/01); 693º-B DO CPC
Sumário: I – A junção de documentos na fase de recurso só é admissível nos casos excepcionais previstos no artº 693º-B do CPC.

II - Nos termos do nº 4 do artº 112º do CT/2009, o período experimental é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma actividade, ou de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, com o mesmo empregador, tenha sido inferior, igual ou superior à duração daquele.

III – No caso em que um contrato a termo com duração de seis meses foi precedido de um contrato de prestação de serviço, para o mesmo objecto e para o mesmo empregador e que durou mais de trinta dias, deve considerar-se excluído o período experimental naquele contrato.

Decisão Texto Integral:    Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A autora instaurou contra a ré a presente acção declarativa sob a forma de processo comum pedindo que a ré seja condenada: a) a reconhecer que foi admitida ao seu serviço em 26/7/2010, ainda que contratada em regime de prestação de serviços, prestando-lhe serviço desde essa data, de forma regular e continuada; b) a reconhecer que o contrato a termo outorgado com a ré, com início a 20 de Setembro de 2010, não consagra qualquer período experimental, mostrando-se este excluído; c) a reconhecer a ilicitude da declaração da cessação do contrato de trabalho a termo, nos termos em que ocorreu; d) a pagar-lhe a quantia global de € 5.953,91, assim discriminada: € 3.495,62, respeitantes a retribuições até ao termo do contrato; - € 319,294, respeitantes a subsidio de alimentação; € 1.725,00, referentes a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal; € 414,00, de indemnização por caducidade; d) a pagar-lhe juros de mora legais desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou em síntese: que foi admitida ao serviço da R. em 26 de Julho de 2010, para lhe prestar trabalho, procedendo desde então, com carácter diário, regular e continuado, no interesse da ré, ao controle da qualidade dos materiais e dos diversos produtos acabados e a ensaios e misturas dos vários barros e matérias-primas, cedendo aquela as instalações, os equipamentos e os instrumentos de trabalho e tendo recebido da R., pelos serviços prestados, dois pagamentos mensais, um no valor de € 700,00 e outro de € 545,00; com início em 20 de Setembro de 2010, vincularam-se por contrato de trabalho a termo certo de seis meses, onde não fixaram qualquer período experimental, por dele não carecerem; a retribuição mensal acordada era de € 690,00, mais subsídio de alimentação no valor diário de € 3,67; sem que nada o justificasse, a ré verbalmente em 19/10/10 e posteriormente por escrito, através de comunicação recebida a 20/10/10, pôs termo ao contrato de trabalho, denunciando-o, invocando que o fazia no decurso do período experimental; a ré apenas pagou à autora 18 dias de trabalho prestado em Outubro de 2010 e 5 dias de subsídio de alimentação; a denúncia do contrato com invocação do período experimental não tem fundamento, sendo ilícita, porque o referido período mostra-se excluído pela admissão em 26/07/2010; no ano da cessação do contrato de trabalho, não gozou férias.


*

Contestou a ré, dizendo, no essencial, que em meados do mês de Julho de 2010, a autora apresentou-se nos escritórios da empresa, oferecendo-se para trabalhar, informando a que tinha experiência no seu sector de actividade, adquirida na empresa B...S.A., tendo celebrado, a solicitação da autora, um contrato de prestação de serviços, uma vez que ainda se encontrava vinculada à referida empresa; após a cessação da vinculação à B... S.A., celebraram um contrato de trabalho a termo de seis meses, com início em 20 de Setembro de 2010; aquando da celebração do referido contrato, não foi estipulado que o mesmo estaria isento do período experimental, que resulta directamente da lei, não se podendo conceber que a avaliação das capacidades da autora enquanto trabalhadora, seja a mesma no âmbito de um contrato de prestação de serviços; assim, as partes poderiam denunciar o contrato durante os primeiros trinta dias, sem que para tal tivessem de apresentar qualquer justificação, tendo sido isso que a ré fez, devendo o contrato de trabalho considerar-se cessado a partir de 19 de Outubro de 2010, por força da sua denúncia durante o período experimental, tendo sido pagas à autora as quantias a que a mesma tinha direito, tendo sido declarado, no respectivo recibo, que “este recibo dá total quitação pela cessação do contrato nada mais existindo reciprocamente a exigir”.

Concluiu pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, declarando que a autora foi ilicitamente despedida, condenou a ré a pagar-lhe € 3.769,29, a título de indemnização, correspondente ao valor dos salários e subsídios de alimentação que deixou de auferir, desde a data do despedimento até à data do termo previsto do contrato,  € 1.035,00, correspondentes à retribuição por férias e subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo de duração prevista do contrato e juros de mora à taxa legal sobre as referidas quantias, desde a citação até integral pagamento, no mais absolvendo a ré do pedido.

É desta decisão que, inconformada, a ré vem apelar.

Alegando, conclui:

[…]

Juntou um documento.

A autora apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do julgado.  

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se a Exmª Procuradora-geral Adjunta no sentido de se negar procedência ao recurso interposto pela ré e ser inadmissível a junção do documento.


*

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto           

Do despacho que decidiu a matéria de facto é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

[…]


*

2. De direito

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.

Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se pode equacionar da seguinte forma:

- a admissibilidade da junção documento apresentado pela apelante com o recurso;

- se importa corrigir, na decisão sobre a matéria de facto, a data da admissão da autora referida nos factos 2. e 9., de modo que se considere Julho e não Junho de 2010;

- se a cessação do contrato de trabalho, declarada pela ré como tendo ocorrido no período experimental, se traduziu num despedimento ilícito, dado ser de considerar a exclusão de período experimental, em conformidade com o aludido no n.º 4 do artigo 112º do Código do Trabalho de 2009, por força de vigência de anterior contrato de prestação de serviço entre as partes;

- se a menção referida no facto  19. acima descrito, (“Observações: Este recibo dá total quitação pela cessação do contrato nada mais existindo reciprocamente a exigir”) pode ser interpretada como remissão abdicativa.

Vejamos:

a) a admissibilidade da junção documento apresentado pela apelante com o recurso:

A apelante juntou com as alegações de recurso um documento que pretende ser cópia de original do recibo junto a fls. 17, onde consta alegadamente a assinatura da autora, o que não sucedia no documento equivalente junto aos autos.

A Ex.ma PGA, no seu parecer, sustenta a inadmissibilidade dessa junção.

Analisemos, então, esta questão prévia:

A apelante justifica a junção do documento porque na sentença se referiu que o que estava junto aos autos não estava assinado.

A junção de documentos, na fase de recurso, só é admissível nos casos excepcionais previstos no artigo 693.º-B do C. P. Civil.

Um desses casos é o de a junção do documento apenas se mostrar necessária em virtude do julgamento na 1ª instância.

Ora, para o caso, a necessidade de prova da assinatura da autora ocorreu muito antes do julgamento na 1ª instância. A ré na contestação pronunciou-se sobre o documento junto pela autora, mas nem sequer referiu que se tratava de um documento que por ela tinha sido assinado.

Não se trata de documento para prova de facto posterior aos articulados, nem que tivesse surgido com a sentença impugnada.

Pelo que, por este ângulo, a sua junção não é admissível.

Outro dos casos é o da junção não ter sido antes possível (524.º n.º 1 do CPC). Ora, tal impossibilidade não vem alegada, nem se descortina existir.

Por isso, a junção do documento é extemporânea, pelo que não pode ser atendido, devendo ser mandado desentranhar e restituir, nos termos previstos no artigo 543.º n.º 1 do CPC.

 

b) A questão da correcção da decisão sobre a matéria de facto:

[…]

c) a questão do período experimental:

Escreveu-se na sentença recorrida:

Como resulta da factualidade apurada, a A. foi admitida ao serviço da R. em Junho de 2010, procedendo a partir daí, diariamente, de forma regular e continuada, fazendo uso das instalações e instrumentos de trabalho da R., ao controle da qualidade dos materiais e dos diversos produtos acabados e a ensaios e misturas dos vários barros e matérias-primas.

Quando começou a trabalhar para a R., a A. ainda se encontrava vinculada, por contrato de trabalho, a uma outra sociedade ( B... – Fábrica de Artigos Cerâmicos S.A.), onde exercia idênticas funções às que desempenhava para a R..

Tendo por essa razão solicitado à R. a sua admissão como mera prestadora de serviços, concordando as partes, nos respectivos articulados, em qualificar como de prestação de serviço o contrato que inicialmente vigorou entre ambas.

Após a cessação do contrato de trabalho com a B... S.A., A. e R. outorgaram um contrato de trabalho de trabalho a termo certo de seis meses, com início em 20 de Setembro de 2010 – contrato esse junto em cópia a fls. 12 a 14 dos autos.

Nesse contrato, não se encontra previsto qualquer período experimental.

Não é porém necessário que o contrato o preveja, já que a sua existência decorre directamente da lei laboral, apesar das partes poderem reduzi-lo ou mesmo excluí-lo, por acordo escrito nesse sentido, como decorre dos arts. 111º n.º 3 e 112º n.º 5 do Cód. Do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/01 (a que se reportam os normativos que se vierem a citar, sem indicação da origem).

Como resulta do disposto no n.º 1 do citado art. 111º, o período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção, podendo denunciá-lo, sem aviso prévio – excepto nos casos em que o contrato tenha durado mais de 60 dias ou de 120 dias, em que se exige ao empregador um aviso prévio de, respectivamente, 7 e 15 dias – nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a indemnização, salvo acordo escrito em contrário – cfr. art. 114º n.ºs 1, 2 e 3.

No âmbito dos contratos a termo, o período experimental tem a duração de 30 dias, nos contratos de duração igual ou superior a 6 meses; e de 15 dias, nos contratos de duração inferior a 6 meses e nos contratos a termo incerto cuja duração se preveja não vir a ser superior àquele limite – cfr. art. 112º, n.º 2, als. a) e b).

(…) No caso em apreço, tratando-se de um contrato a termo certo de 6 meses, haveria em princípio lugar a um período experimental de 30 dias, a partir de 20/09/2010, data do início da execução da prestação laboral.

Estabelece todavia o n.º 4 do art. 112º que o período experimental é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma actividade, ou de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, com o mesmo empregador, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele.

Ora no caso concreto, como se viu, a A. começou a trabalhar para a R. em Junho de 2010, em regime de prestação de serviços, desempenhando as mesmas funções que continuou a executar após a formalização do contrato de trabalho a termo, em Setembro do mesmo ano (cfr. cláusula 2ª do contrato), ou seja, mais de 30 dias depois.

Sendo por isso de concluir pela inexistência in casu de qualquer período experimental, em conformidade com o aludido n.º 4 do art. 112º.

O que significa que a denúncia contratual comunicada pela R. à A., por esta recebida em 20/10/2010, para produzir efeitos nesse mesmo dia, redunda em despedimento ilícito, na medida em que não foi precedido de procedimento disciplinar – cfr. art. 381º, al. c), ex vi do art. 393º n.º 1.

A fundamentação descrita é clara.

A circunstância da autora ter sido admitida em Junho e não em Julho, num primeiro momento de contrato de prestação de serviço, não altera a análise feita.

De Julho a 20/09/2010, data em que foi celebrado o contrato a termo, decorrerem mais de trinta dias, correspondentes à duração do período experimental a que alude o artigo 112.º n.º 2 al. a) do CT/2009. Por isso deveria considerar-se excluído nos termos do n.º 4 deste artigo.

A apelante defende que a autora bem sabia que o seu primeiro vínculo era de prestação de serviço e não de contrato de trabalho e que, correspondendo o período experimental ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção, não pode considerar-se que o contrato de prestação de serviço num momento em que a autora/prestadora se encontrava vinculada, por contrato de trabalho, a uma outra sociedade, logo sem exclusividade, releve para excluir o período experimental, já que “não se pode conceber que a avaliação das capacidades da trabalhadora sejam as mesmas enquanto trabalhadora e enquanto prestadora de serviços”.

Ou seja, defende que “a equiparação de efeitos por anterior contrato de prestação de serviços constante do artigo 112º, n.º 4, do Código do Trabalho, face ao disposto no artigo 111º do mesmo diploma, salvo melhor opinião, apenas deve considerar no caso de contrato de prestação de serviços com todas as características de um contrato de trabalho, isto é, que se considera um contrato de trabalho nos termos das disposições constantes do Código de Trabalho”.

Não podemos, contudo, acompanhar a posição da apelante.

Nada autoriza que se interprete o artigo 112º, n.º 4, do CT/2009 em conformidade com ela. Esta norma exclui ou reduz o período experimental nos contratos de trabalho precedidos de prestação de actividade mediante contrato de prestação de serviço para o mesmo objecto.

Ora a actividade que a autora prestou à ré desde Julho de 2010, quando foi admitida “a fim de lhe prestar trabalho” como se indica no facto 2. era a de “controle da qualidade dos materiais e dos diversos produtos acabados, procedendo a ensaios e misturas dos vários barros e matérias-primas, dando a conhecer à R. os resultados obtidos” (facto 3.). Manteve essa actividade para a ré, quer sob a capa de contrato de prestação de serviço, quer sob a capa de contrato de trabalho.

Não se vê, portanto, que a ré não pudesse avaliar o desempenho da autora, aquilatando do interesse na manutenção ao seu serviço, ainda que num primeiro momento esta não o assumisse em exclusividade. De resto, a exclusividade não é inerente, obrigatória, ao contrato de trabalho.

Por isso, concordando nós com a fundamentação da 1ª instância, terá de improceder a apelação nesta parte.

d) a questão da declaração abdicativa:

Entende a apelante que provando-se que (facto 19.) no “recibo onde surgem referidas as quantias pagas à A., consta a seguinte menção: “Observações: Este recibo dá total quitação pela cessação do contrato nada mais existindo reciprocamente a exigir”, deve considerar-se que existiu uma declaração negocial abdicativa atribuída à autora.

Na sentença considerou-se não ser de a aceitar como tal porque o dito recibo não estava assinado pela autora.

Perante isto, como já dissemos, a apelante veio juntar um documento com o recurso onde, segundo alega, consta a assinatura da autora.

Mas já dissemos que a junção desse documento é inadmissível.

Por outro lado, o facto provado em questão corresponde ao alegado pela ré na contestação, alegação que não refere a assinatura da autora nesse documento, nem que ela, de algum modo, declarou o que nele consta.

Por outro lado, o “recibo” em causa (a fls. 17 dos autos) tem a data de 18-10-2010 e é anterior à data da cessação do contrato de trabalho (esta resulta do facto provado 16. onde se lê «sem que nada o justificasse, a R., verbalmente, em 19/10/10 e posteriormente por comunicação escrita, recebida pela A. em 20/10/2010, pôs termo ao dito contrato declarando “denunciar o contrato de trabalho celebrado entre esta empresa e V.ª Ex.ª em 20 de Setembro de 2010, denuncia essa que produzirá efeitos a partir da recepção desta carta, data a partir da qual o contrato deixará de produzir quaisquer efeitos”»).

Situamo-nos no domínio do contrato de remissão previsto no art. 863.º do Código Civil. Mas a remissão abdicativa por parte dos trabalhadores é apenas possível após a ruptura do vínculo laboral, como temos entendido, por decorrência princípio da irrenunciabilidade do direito aos créditos salariais

Por isso, mesmo que estivesse provada – e não está – uma declaração de remissão abdicativa da autora, ainda assim não a poderíamos considerar válida.

Por isso, no nosso entender, a solução dada na 1ª instância está correcta e não merece censura.

Sumário (a que alude o artigo 713º nº 7 do C.P.C.):

- Nos termos do n.º 4 do art. 112º do CT/2009, o período experimental é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma actividade, ou de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, com o mesmo empregador, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele;

- No caso em que um contrato a termo com duração de seis meses foi precedido de um contrato de prestação de serviço, para o mesmo objecto e para o mesmo empregador e que durou mais de trinta dias, deve considerar-se excluído o período experimental naquele contrato.


*


III- DECISÃO

Termos em que se delibera:

a) Ordenar o desentranhamento do documento junto pela apelante com o recurso e a sua restituição à mesma;

b) Confirmar inteiramente a sentença impugnada, julgando improcedente a apelação.

 Custas a cargo da apelante.


*


 Azevedo Mendes (Relator)

 Felizardo Paiva

 Manuela Fialho