Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3365/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO PIÇARRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
FOTOCÓPIA
Data do Acordão: 12/14/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TONDELA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 45º, Nº 1, E 46º, AL. C), DO CPC, E 387º, Nº 2, DO C. CIV. .
Sumário: I – O processo executivo baseia-se num título executivo, cuja apresentação é suficiente para iniciar a execução, consistindo o dito título num documento que faz prova documental simples de um acto ou de um negócio jurídico constitutivo ou certificativo de uma relação jurídica de natureza real ou obrigacional e que, só por si, permite que o credor desencadeie a actividade jurisdicional visando a realização coactiva da prestação que lhe é devida .
II – Meras fotocópias desses documentos não se encontram revestidas de idêntico valor probatório e não podem servir de base à execução – só os originais ou cópias autênticas dos documentos constituem títulos executivos .
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível da Relação de Coimbra:

IA..., com sede na Urbanização das Magnólias, Viseu, interpôs o presente agravo, visando a revogação do despacho que, por falta de título executivo, rejeitou a execução sumária para pagamento de quantia certa que instaurou contra B..., residente em parte incerta, mas com última residência conhecida em Vilar de Besteiros, e a sua substituição por outro que ordene o prosseguimento da execução.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
1. Com a redacção da alínea c) do art.º 46º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, constante da reforma processual de 1995 (DL 329-A/95, de 12 de Dezembro), optou-se pela ampliação significativa do elenco dos títulos executivos, conferindo-se força executiva aos documentos particulares, caso das facturas dos autos assinadas pelo devedor, e cuja indicação expressamente constava da anterior redacção do normativo.
2. São requisitos substanciais necessários para ser reconhecida eficácia executiva a um documento particular: representar o título um acto jurídico pelo qual alguém se constitua em obrigação para com outrem ou reconheça essa obrigação para com outrem e traduzir-se essa obrigação no pagamento de quantias determinadas (expressão equivalente à de prestações pecuniárias líquidas) ou determinável nos termos do art.º 805º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto.
3. As facturas dos autos reúnem todos os requisitos substanciais para serem títulos executivos.
4. São documentos particulares que formalizam um contrato de compra e venda existente entre exequente e executado.
5. Contêm, entre outros elementos, as quantidades, qualidades e preços das mercadorias, a identificação da exequente e executado bem como a sua assinatura.
6. São fotocópias, pois os originais das mesmas, por obrigatoriedade legal, foram entregues ao executado, a quem fica sempre aberta a possibilidade de deduzir embargos, para alegar a não autenticidade da sua assinatura, o que confere eficácia suspensiva aos embargos (art.º 818º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil).
7. E, a contrario sensu, admite a desnecessidade de reconhecimento da assinatura nos documentos particulares e cópias.
8. Foi violado o disposto nos art.ºs 387º do Cód. Civil e 46º, n.º 2, alínea c) do Cód. Proc. Civil, que devem ser interpretados e aplicados no sentido de conferirem força executiva às facturas e cópias assinadas pelo devedor.
O Ministério Público, em representação do executado, ausente em parte incerta, ofereceu contra-alegação a pugnar pelo insucesso do recurso.
O Mm.º Juiz a quo manteve, em sede de sustentação, o seu despacho.
Obtidos os vistos legais, há, agora, que apreciar e decidir.
II – Fundamentação de facto
Além do que consta do antecedente relatório, são relevantes para a apreciação e decisão do recurso os seguintes elementos:
1. A agravante deu à execução cinco fotocópias de facturas que emitiu em nome do executado.
2. Nelas consta uma assinatura atribuída ao executado.
3. No requerimento executivo fez-se alusão a facturas, mas foram juntas apenas meras fotocópias, sem a invocação de qualquer motivo justificativo.
III – Fundamentação de Direito
A apreciação e decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação da agravante (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil), passam pela análise e resolução da única questão jurídica por ela colocada a este tribunal e que consiste em determinar se as fotocópias juntas constituem, ou não, títulos executivos.
O processo executivo baseia-se, como se sabe, num título executivo, cuja apresentação é suficiente para iniciar a execução. O título executivo consiste num documento que faz prova documental simples de um acto ou de um negócio jurídico constitutivo ou certificativo de uma relação jurídica de natureza real ou obrigacional e que, só por si, permite que o credor desencadeie a actividade jurisdicional visando a realização coactiva da prestação que lhe é devida. Pode dizer-se que «é o meio legal de demonstração da existência do direito do exequente, ou que estabelece, de forma ilidível, a existência daquele direito, cujo lastro corpóreo ou material é um documento (v.g. sentença, documento particular), que a lei permite que sirva de base à execução» Cfr., a este propósito, J.P. Remédio Marques, in Curso de Processo Executivo Comum, à face do código revisto, 1ª edição, págs. 55/56, e José Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma, 4ª edição, pág. 33..
Trata-se, pois, de um documento escrito constitutivo ou certificativo de obrigações que, mercê da força probatória especial de que está munido, torna dispensável o processo declaratório para certificar a existência do direito do portador Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 6ª edição, pág. 19, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 76, e Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, págs. 63/64.. O título executivo constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites da acção executiva (artº 45º, nº 1 do Cód. Proc. Civil).
No caso, os títulos em que se funda a execução são meras fotocópias de facturas emitidas pela exequente/agravante, que em parte alguma do requerimento inicial da execução avançou qualquer fundamento para a junção das fotocópias em vez dos originais das facturas. Estes (os originais das facturas) são documentos particulares, que apresentam, na verdade, os requisitos necessários enunciados no art.º 46º, n.º 1, alínea c) do Cód. Proc. Civil, para lhes ser conferida força executiva: contêm a assinatura do devedor; importam a constituição ou reconhecimento de obrigações e estas reportam-se ao pagamento de quantia determinada ou determinável por simples cálculo aritmético Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 6ª edição, pág. 32. .
Todavia, as meras fotocópias desses documentos não se encontram revestidas de idêntico valor probatório (art.º 387º, n.º 2 do Cód. Civil) e não podem servir de base à execução. Só os originais ou cópias autênticas das facturas constituem títulos executivos Cfr., neste sentido, José Lebre de Freitas, obra citada, págs. 59 e 74, Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, pág. 64, ac. do STJ de 30/09/99, BMJ 489, pág. 288, e ac. da Relação de Lisboa de 29/10/02, CJ, ano XXVII, Tomo IV, pág. 104. . E tais documentos não juntou a exequente/agravante, que não pode, por isso, socorrer-se da acção executiva. Terá de munir-se desses documentos ou, então, instaurar prévia acção declarativa.
Contrariamente ao que sustenta, a ampliação do elenco dos títulos executivos operada pela reforma processual de 1995 (DL 329-A/95, de 12 de Dezembro) não abrange as meras fotocópias, as quais continuam, em regra, a carecer de força executiva. Só em casos excepcionais referentes a títulos de crédito tal tem sido admitido Cfr., neste sentido, Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 6ª edição, págs. 33/34, Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, pág. 64, bem como a doutrina e jurisprudência aí citadas..
Em suma, a exequente/agravante não juntou documentos com força executiva, o que conduz à manifesta falta de título executivo, pressuposto indispensável da acção executiva, como bem ajuizou a 1ª instância.
Nesta conformidade, não assiste razão à exequente/agravante em se insurgir contra a douta decisão ali proferida, a qual não merece os reparos que lhe aponta nem viola as disposições legais por ela indicadas.
IV – Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao agravo e consequentemente manter a decisão recorrida.
Custas pela agravante.
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Coimbra, 14 de Dezembro de 2005