Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3791/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
ALTERAÇÃO PELA RELAÇÃO
CAMINHO PÚBLICO DE INTERESSE LOCAL
SEU RECONHECIMENTO
ATRAVESSADOURO
Data do Acordão: 03/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 712º, Nº 1, DO CPC ; 1383º E 1384º DO C. CIV. .
Sumário: I – Tendo havido lugar à inquirição de testemunhas, com recurso ao registo fonográfico dos seus depoimentos e discordando os apelantes da resposta dada a quatro quesitos, reagindo nos termos do artº 690º-A do CPC, está o Tribunal da Relação munido de todos os elementos indispensáveis à reapreciação da factualidade dada como provada ou não provada, nos pontos postos em crise pelos recorrentes .
II – Os depoimentos testemunhais estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artº 655º do CPC, mediante o qual o julgador aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção, a menos que se verifique a situação específica do nº 2 daquele preceito (prova tarifada) .

III – A lei processual não exige que só perante erros manifestos na apreciação da prova o Tribunal da Relação pode divergir da 1ª instância, posto que a fiscalização do exercício dos poderes a esta conferidos tenha de ter em conta as especiais vantagens que o contacto directo com as testemunhas necessariamente proporciona .

IV – O assento, ora com o valor de acórdão de uniformização de jurisprudência, de 19 de Abril de 1989, considerou como “caminhos públicos” todos aqueles que desde tempos imemoriais estão no uso directo e imediato do público .

V – O requisito da imemorialidade, que se reporta tanto ao seu significado comum como jurídico, define-se como aquela posse ou uso tão antigo que as pessoas novas não sabem quando começou e não o sabem nem por observação directa nem por informação que lhes possa ter chegado por antecessores .

VI – Há que fazer uma clara distinção entre caminho público e meros atravessadouros, porque embora os atravessadouros se encontrem abolidos (nos termos do artº 1383º do C. Civ.), eles são ainda reconhecidos quando se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade – artº 1384º do C. Civ. . .

Decisão Texto Integral:
Acordam na Relação de Coimbra:
I –O Município de C... propôs no tribunal da comarca respectiva uma acção declarativa ordinária contra A... e mulher B... pedindo a condenação destes a reconhecer que o caminho em terra batida que se inicia na estrada inter- municipal que liga Ázere ao Covelo, perto do lugar denominado Quinta do Pisão, com a extensão de cerca de 800mtrs e que dá acesso a uma ponte denominada Ponte do Pisão, junto à qual existem várias casas em ruína e o curso de uma ribeira, continuando nos terrenos que se encontram do lado oposto e várias propriedades rústicas, é público.
Pede, ainda, que os RR sejam condenados a retirar desse caminho pilares que nele colocaram e a absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou dificultam a passagem.
Os RR contestaram dizendo serem donos de um prédio rústico onde passava um caminho estreito, íngreme e pedregoso, vindo de Ázere e que só permitia a passagem de pessoas e animais e que há mais de 60 anos os antecessores e dois vizinhos resolveram abrir um outro que se adequasse à passagem de veículos.
Tal caminho com cerca de 2 mtrs e meio e hoje mais largo, foi fechado com um portão pelo proprietário de um desses prédios, António Pinto, tendo este depois sido obrigado a ceder-lhe uma chave para poderem passar.
Acontece que este dito caminho não é público e que pela sua propriedade não passa nenhum caminho público.
Adiantam que a ponte em causa não é nada romana, tendo sido mandada construir por um antepassado da Rmulher que vivia numa das casa ali existentes e em ruína.
Por sua vez, qualquer passagem que pudesse ser feita pelo caminho construído pelos respectivos antecessores e de outros vizinhos é abusiva e que só após a colocação do portão e há cerca de 3 anos, pessoas que se queriam deslocar para as margens da ribeira, ora fazendo parte da barragem da Aguieira passaram a deslocar-se por um trilho que atravessa o seu prédio e para o seu uso exclusivo, por isso decidindo vedar o mesmo com pilares que parte foram derrubados.
Seguiu o processo os respectivos trâmites e após julgamento com gravação da prova, o Mmo Juiz que a ele presidiu depois de esclarecer em sede de decisão da matéria de facto que o referido trilho com que bifurca, a dado passo o caminho à direita, sentido estrada inter-municipal –ribeira de um outro à esquerda, mais largo e apto à circulação automóvel fechado com o portão e que com ele volta a juntar-se antes da dita ponte, chamada Ponte dos Aréus constituía o “caminho velho”, indicado pelas testemunhas, decidiu considerar na douta sentença o mesmo como “caminho público”, com a inerente condenação dos RR a reconhecerem isso mesmo, a demolirem os pilares nele colocados e a absterem-se de praticar actos impeditivos da passagem de quem quer que seja.
Inconformados, os RR recorreram de apelação e no final da sua douta alegação, insurgiram-se contra as respostas que foram dadas aos quesitos 10º, 12º , 30º e 31º por estarem em desacordo com a prova testemunhal e também por dos factos provados não resultar com clareza o preenchimento dos pressupostos da qualificação como público do caminho que atravessa o prédio de que são donos, referindo no essencial, sem deixar de identificar os depoimentos relevantes e situá-los, conforme a acta no registo da gravação :
1 – Conforme o depoimento das testemunhas Isilda Ribeiro Pereira Batista , o marido desta Abel Batista, proprietários de um terreno confinante com o caminho em discussão e Fernando Antunes, indicadas pelo Município, Manuel Jorge Sarmento, este genro dos RR, mas conhecedor dos factos, Alberto Fernandes Gomes, Maria Fernanda Dinis ambos também com ligações ao local e Armando Correia dos Santos que nasceu numa das antigas casas existentes junto à Ponte dos Aréus, o caminho que sai da estrada inter-municipal dá acesso a algumas propriedades rústicas com ele confinantes , usando-o quem o utiliza para acederem às mesmas e sem prosseguir no mesmo
2 – Após isso é que se inicia a propriedade dos RR que juntamente com as do Sr Pinto e Sr Alberto formavam um único prédio em que foi criada uma servidão para permitir o acesso às casa e moinhos hoje em ruínas e que existiam junto à ribeira e na margem oposta e que em tempos recuados, há mais de 60 anos, pertenciam a à mesma família
3 -. Na dita margem oposta apenas habitavam três famílias , a do Trindade , do Franklin e do Agostinho e que tinham caminho que acedia à estrada inter.-municipal, só que sendo mais longo, optavam por percorrer a serventia que onerava o prédio dos RRR e limítrofes
4 – Eram pois poucas as pessoas que nele transitavam, no fundo confinados a esse antigos moradores, a família da quinta do Pisão e as três famílias que ali tinham casas e que só por comodidade percorriam o caminho em causa em vez de prosseguirem opor outros na serra do lado oposto da ribeira
5 – As casa existentes junto ao ribeiro pertenciam na totalidade à família dos antecessores dos RR como o afirmaram as testemunhas que ali viveram.
6 – E todas das elas disseram que o dito caminho não é o único acesso à ribeira que é agora um afluente da barragem, havendo o da Ponte do Pisão e outros locais incluindo na bacia da barragem.
7 –Também as testemunhas disseram que a ponte dos Aréus foi mandada erguer prelos proprietários para aceder às propriedades do outra margem
8 – O trilho que a sentença considerou caminho público servia apenas como disseram as testemunhas para os proprietários e moradores das antigas casas encurtarem distâncias em relação ao caminho de servidão por este ser mais longo embora com melhor piso e traçado.
9 – E mesmo os que aí passavam, faziam-no por mera tolerância
10 – Constituindo, pois, mero atravessadouro, já abolido
11 – E não existe actualmente quem queira passar pela ponte para a outra margem por os terrenos ali pertencerem à Celbi que dispõe de outras estradas florestais a não ser os próprios como proprietários e pescadores desportivos sendo certo que há muitos outros acessos para permitirem o exercício da pesca, sendo certo que estes só começaram a usar o dito trilho, depois de verem fechado com portão o acesso pela serventia.
12 – A sentença viola o assento do STJ de nº 128/89 e mesmo que se considerasse o caminho como servindo por uma generalidade de pessoas, não passa ele de um simples atalho e não existe interesse público com grau de relevância que justifique que possa considerar-se como público
Não houve contra alegação
Neste tribunal, foram corridos os vistos legais .
Cumpre, agora , decidir

II – Delimitando as conclusões da alegação o objecto do recurso, sem prejuízo das questões , cujo conhecimento oficioso se imponha (artºs 660º, nº2, 684º, nº1 e 690º, nº2 12 , todos do CPC) os apelantes colocam a julgamento deste tribunal as seguintes questões :
- Alteração pontual da decisão sobre a matéria de facto ( respostas aos quesitos 10º e 12º, 30ºe 31ºda base instrutória )
- Não verificação dos pressupostos para se declarar como público o caminho identificado.

III – Antes de expormos os factos que foram dados como assentes e provados, vejamos concretamente se a impugnação dos apelantes tem ou não razão de ser.
Como é bem sabido, o artº 712º do CPC refere nas três alíneas do seu nº1 quais os casos em que tal pode ocorrer, indicando-se por seu turno no nº1 do artº 690º-A do mesmo diploma legal quais os procedimentos que o recorrente deve assumir para que tal reapreciação possa verificar-se.
Tendo presente o caso em apreço, há que reconhecer estarmos perante uma situação de aplicabilidade da aln a) do citado artº 712º.
Com efeito, tendo havido lugar à inquirição de testemunhas, com recurso ao registo fonográfico dos seus depoimentos e discordando os apelantes da resposta dada a quatro quesitos, tendo reagido nos termos do artº 690º-A , está, pois , este tribunal de recurso munido de todos os elementos indispensáveis à reapreciação da factualidade dada por provada ou não provada, nos pontos postos em crise pelos recorrentes.
Oras as respostas que foram dadas aos quesitos 10º, 12º, 30º e 31º basearam-se no fundamental senão mesmo exclusivamente nos depoimentos testemunhais, pois que só eles abordaram as respectivas matérias, como de resto foi reconhecido no despacho de fundamentação.
Os depoimentos testemunhais estavam e estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova ínsito no artº 655º.
Por via de tal princípio , o julgador aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção, a menos que se verifique a situação especfica do nº2 daquele precito ( prova tarifada ) o que não é o caso.
Diremos, no entanto, que o princípio da livre apreciação tem de basear-se em dados objectiváveis e por outro lado não está este tribunal sujeito, ouvidas as gravações dos depoimentos e sem embargo de não beneficiar dos princípios da imediação,, concentração e oralidade, a perfilhar a mesma convicção expressa na decisão e sobre os pontos concretos questionados.
Com efeito a lei processual não exige que só perante erros manifestos na apreciação da prova este tribunal possa divergir da 1ª instância, posto que a fiscalização do exercício dos poderes a esta conferidos tenha de ter em conta as especiais vantagens que o contacto directo com as testemunhas necessariamente proporciona

Os quesitos de cuja resposta os apelantes manifestam discordância, podem ser agrupados em dois blocos distintos , o primeiro ( quesitos 10º e 12º ) decalcados da versão do A e o segundo ( quesitos 30º e 31º) decalcado da versão dos RR, e daí começarmos pelo primeiro bloco
Vejamos a sua redacção e as respectivas respostas
Quesito 10º - Sendo o caminho (referenciado pela autarquia e que liga a estrada inter- municipal à ribeira de Ázere, em parte por uma vereda ou trilho que travessa um prédio dos RR e se junta com outro caminho de que bifurca à direita com acesso de carros e bom piso que dá acesso a um terreno e casa de turismo de habitação da testemunha António Pinto, antes de se atingir a ponte dos Aréus, nota da n/ responsabilidade )usado para todas as pessoas que se pretendam dirigir para as suas propriedades florestais ou para acederem à ribeira de Ázere de que o referido caminho é o único acesso?
Quesito 12º - Sempre por ali tendo passado livremente, desde tempos imemoriais quem se dirigia à referida ponte , às habitações que ali existiram às propriedades florestais e à ribeira ainda hoje existente?
A ambos os quesitos e convém já reportar ser um mero conceito de direito a referência ao “tempo imemorial”, o tribunal respondeu “ provado” e filiou tal convicção no que disseram a generalidade das testemunhas., referindo especificadamente “ que dos depoimentos prestados resultou que a passagem pelo “caminho” sempre foi feita com total liberdade, desde que se lembram (portanto e e atenção à meias idade da maioria delas, não há mais de 50 /60 anos, nota esta da n/responsabilidade ) por qualquer pessoa, quer as que viviam para lá da ponte, na serra, quer pelas que tinham propriedades para além da ponte , quer pelas pessoas que viviam nas casas/moinhos existentes junto à ribeira e de um lado e doutro da ponte e restantes proprietários àquem da mesma ).”
Os recorrentes aduzem que uma parte significativa das testemunhas referiu no tocante à matéria do quesito 10º que as pessoas que se pretendam dirigir para a ribeira tinham já outros acessos e que os proprietários de terrenos florestais em que eles mesmo se incluem tinham terrenos que ficam antes do prédio dos RR, caso das testemunhas Isilda e Fernando Silva.
Por sua vez e no tocante à resposta ao quesito 12º alegam que não resultou da prova que uma generalidade de pessoas se servisse do dito caminho antigo, mas apenas um núcleo restrito de moradores das casas ora em ruína, todos antecessores da R mulher e donos dos prédios de que emergiu por divisão , o que actualmente lhes pertence e mais três famílias que então residiam do lado oposto até ao abandono das mesmas.
Mas necessariamente, enquanto ali viveram, em tempos já muito recuados, pois a única casa agora habitável e reconstruída pela testemunha António Pinto é servida por um caminho particular e com portão e que nada tem que ver com o troço que atravessa o prédio dos RR que dele deriva e que com um traçado sinuoso com ele se volta a juntar perto da ponte dita dos Aréus.
Ora, ouvidas as gravações e sem embargo do cuidado posto na exposição das razões que determinaram o Mmo Juiz a responder nos termos em que o fez, e desde logo por o quesito 12º estar, em si mesmo, contaminado pela absorção do conceito de “tempo imemorial” por decalque do deficientemernte alegado na petição, julgamos que uma e outra resposta não correspondem a nosso ver a todo o circunstancialismo descrito pelas testemunhas, designadamente Isilda Batista e o marido Abel, Fernando Silva, Maria Dinis e Armando Santos, todas reportando a utilização do dito “caminho velho “, e não tanto o troço que atravessa o prédio dos RR, como o agora caminho de serventia que dá acesso a uma das casas desabitadas e reconstruída pela testemunha António Monteiro, por um certo núcleo de pessoas que então moravam na serra do outro lado da ribeira ( especificando três famílias do Pisão, cujas casa foram submergidas com a barragem e os que viviam na “Quinta dos Catrinos “ao cimo da serra) ou nas casas ora em ruínas, mas há já muitos anos, sendo actualmente e de há 15/ 20 anos usado apenas por pescadores desportivos e sobretudo desde que o acesso à única casa reconstruída e afecta a turismo de habitação foi fechado com um portão
Entendemos por isso sem quebra do devido respeito que o conjunto dos depoimentos deixa pairar as mais sérias dúvidas quer quanto ao tempo, âmbito e finalidade da passagem, quer quanto à circunstância de ser tal trilho ou caminho estreito, o único acesso pretérito e actual à ribeira.
Na verdade, o que decorre fundamentalmente da conjugação dos depoimentos das testemunhas indicadas pelos RR, em especial Fernando Gomes que conhece o local, por lá ir fazer recados há uns 40 anos a uma das casa ainda habitadas e tem uma propriedade confinante com o caminho mas antes da bifurcação dos troços, Maria Fernanda Dinis e Armando Santos, que ali viveram alguns anos e nasceram nas casas /moinhos em ruínas junto à ponte ( a primeira nasceu em 1943 e o segundo em 1936) é que foi sempre um número restrito de pessoas que utilizavam o dito caminho e predominantemente pelo troço que ora vai ter a um prédio onde existe uma casa reconstruída afecta a turismo de habitação, não se sabe se autorizados pelos demais proprietários, a mas aparentemente sem entraves, para se deslocarem para a estrada de ligação a Ázere,
Ora nenhum destes depoimentos foram abertamente contraditados pelas testemunhas indicadas pelo A, algumas delas nem conheciam o dito trilho até á ponte, caso da testemunha Isilda Batista, outros por as circunstâncias de tal passagem e tempo a que remonta, por sómente hà 15 anos ali terem adquirido um dos prédios confinantes com o dos RR, caso da testemunha António Monteiro, que reconstruiu uma das casas em ruína e a adaptou para “turismo de habitação” e outros ainda por demonstrarem ideias feitas quanto a ter natureza pública o trilho que atravessa o prédio dos RR por terem ou já exercido ou ainda exercerem funções na Junta de Freguesia e não fornecerem pistas que lhes permitissem afirmar de forma peremptória desde quando passou a ser tal caminho livremente percorrido por quem quer que fosse, caso das testemunhas Amílcar Luiz e Isabel Maria Lourenço, confirmando um e outra que o uso actual e de há alguns anos do caminho se restringir a pescadores desportivos e a proprietários confinantes.
Mais, foi reconhecido também pela mesma testemunha Amílcar Luiz que no presente grande parte de tais terrenos florestais, da outra margem onde lavrou um incêndio, está nas mãos da empresas Celbi ( pormenor também referido pela testemunha Fernando Silva ) e que dispõe de acessos próprios e adequados ao trânsito automóvel, pelo menos há 15 anos
Ficou assim e de certo modo a pairar a ideia que a desertificação dos ditos lugares e quintas habitadas ocorrida há mais de 20, 30 e até mais anos, restringiu, senão mesmo fez cessar a circulação de pessoas do lugar por tal caminho estreito, pedregoso e íngreme que atravessa o prédio dos RR, ( apelidado de “carreiro” por várias testemunhas) sempre estes se opondo a que fossem feitas obras para o seu alargamento e melhoria do respectivo piso ou traçado.
E igualmente ficou adquirido que desde há bastantes anos até ao fecho da serventia, era pelo caminho respectivo que dispunha de melhor piso e era mais largo, que as pessoas, em tempos mais recentes. designadamente pescadores desportivos, no fim de contas estranhos às propriedades florestais ali existentes, transitavam de carro para aceder á ribeira e junto da ponte, não obstante o trilho encurtar a distância para esta a partir da estrada.
Afirmaram-no várias testemunhnas , e com mais veemência as indicadas Maria Fernanda Dinis, Armando Santos e Fernando e Alberto Gomes e está isso de acordo com as razões invocadas pela 1ª testemunha do A para proceder ao fecho do respectivo caminho, evitar actuações abusivas de pescadores desportivos
Desta feita, entendemos dever alterar as ditas respostas ao quesito para em lugar das que ficaram consignadas, passar a constar como provado, o seguinte :
- Sendo usado pelas pessoas que tinham propriedades confinantes com o caminho antes de atravessar o prédio dos RR e há alguns anos por pescadores desportivos, sobretudo desde que foi fechado, o caminho de serventia que com ele bifurca há 15 anos e, em tempos antigos, pelos então moradores das casas em ruína junto à ponte e de uma quinta no cimo da encosta da serra por onde continuava, no seguimento da ponte.
- Passando este últimos, desde há mais de 50/60 anos e sem entraves tanto pelo trilho que atravessa o prédio dos RR como pelo caminho de serventia mais largo e de melhor piso que com ele bifurca, aquele somente a pé e para encurtar distâncias quando se dirigiam ou vinham da estrada pública para Ázere.
Vejamos agora os quesitos 30º e 31º
30 º - A ponte que existe a sul do prédios com a ribeira , denominada ponte dos Aréus foi mandada construir há mais de 70 anos pelo avô dos RR que era tecelão e vendia de porta em porta , pelo que tal ponte facilitava-lhe a ele , o acesso a outros prédios rústicos existentes do outro lado da encosta ?
31 º - Todas as casas existentes junto à ponte e na encosta pertencem aos três proprietários dos três prédios descritos tendo sido construídas pelos seus antecessores comuns e actualmente em ruínas e uma delas recuperada para turismo pelo Sr Pinto?
A estes quesitos respondeu o Tribunal nos termos seguintes :
30 – Provado apenas que tal ponte facilitava o acesso a outros prédios rústicos existentes do outro lado da encosta
31 – Provado apenas que uma das casas em ruína foi recuperada para turismo pelo Sr Pinto
Pretendem os RR haver elementos nos autos que permitiam dar por provado a construção da ponte pelos antecessores da R mulher, mas o certo é que nesta parte , o Mmo Juiz tem razão na respostas restritivas, apenas a testemunha Manuel Sarmento a tal se referiu, sendo o mesmo genro dos RR e por vaga informação colhida pela família da mulher
Por sua vez, nenhuma das testemunhas inquiridas sobre tal matéria deu nota sobre quem de facto habitava nas antigas casa em ruína, por forma a poder concluir-se pertencerem eles à mesma e única família.


IV - Com as apontadas alterações, temos pois como factos definitivamente apurados os seguintes factos, indicando-se entre parentesis as letras das alíneas dos factos assentes e os números dos quesitos ou pontos da base instrutória:
1 – Na Conservatória de Registo Predial de Tábua encontra-se registado a favor dos RR sob o nº (...) com a inscrição G-1 um prédio rústico , composto de terra de pastagem, pinhal , oliveiras e videiras , com 4.032 mº2 de área sito ao Touquinho ou Aréus , freguesia de Ázere , Tábua inscrito na matriz (...) e que confronta do norte com Manuel Fidalgo, nascente como Viso e sul e poente com Alberto dosa Santos (A)
2 – Confinante a sul e poente com este prédio, existe um outro rústico, inscrito na matriz sob o artº 226º, com 4110m2 de área , composto de cultura, oliveiras , c videiras e o pinhal a confrontar do norte com Francisco Macedo, nascente com o vizo, sul com Alberto dos Santos e poente com ribeira , inscrito na matriz sob o artº 227º , a favor do mesmo Alberto dos santos (C ).
3 – Confina com este ultimo do sul outro prédio rústico inscrito na matriz sob o art 225º, a favor de António Correia Pinto, com 9.000m2 de área , composto de terra de cultura com videiras, oliveiras , pinhal e mato , a confrontar do norte com o vizo, nascente com Manuel da Fonseca e do sul com ribeira e do poente com António Costa (D):
4 – Por sentença proferida em 7/12/2003 e nos autos nº 76/93 que correram no mesmo tribunal, soba a forma sumária, os ditos António Correia Pinto e mulher foram condenados :
A reconhecer os ora RR como donos e legítimos possuidores do prédio supra identificado
E a reconhecer que em proveito desse prédio está constituído por usucapião um encargo a favor do prédio da aln d) traduzido numa servidão de passagem de pessoas , animais e veículos de tracção animal e com motor ( E)
5 – A referida acção foi intentada pelos ora RR para reconhecimento dos aí RR da dita servidão segundo o trajecto descrito na petição (F)
6 – Junto à estrada inter-municipal que liga Ázere a Covelo tem início perto do lugar denominado Quinta do Pisão, um caminho de terra batida com uma extensão de 800 mtrs que dá acesso a uma ponte denominada Ponte de Aréus, junto à qual existem várias casas em ruína e o curso de uma ribeira , continuando o caminho para terrenos que se encontram no lado oposto da ribeira e a várias propriedades florestais (resp aos q.s 1 a 5 e 7).
7 – Este caminho a dada altura divide-se em dois troços, dando os respectivos leitos, acesso a uma unidade de turismo de habitação (6º)
8 – E permite um rápido acesso à albufeira da barragem da Aguieira , a partir da zona em questão (8º)
8 – Tal caminho pode ser usado por veículos da Guarda Florestal em missões de fiscalização mas apenas em parte até ao ponto em que podem fazer inversão de marcha , próximo da bifurcação de troços
9 – Sendo usado por pessoas que têm ali propriedades antes de atingir o prédio dos RR e de há alguns anos por pescadores desportivos sobretudo desde que foi fechado o caminho de serventia que com ele bifurca e em tempos antigos, pelos moradores das casas em ruína junto à ponte dos Aréus e moradores numa quinta ora desabitada na serra do lado oposto à ribeira (10)
10 – Passando estes últimos, desde há mais de 50 /60 anos e sem entraves tanto pelo trilho que atravessa o prédio dos RR como pelo caminho de melhor piso e mais largo de serventia em que ele se bifurca, aquele somente a pé e para encurtar distâncias, vindos ou dirigindo-se para o caminho público, hoje estrada inter-municipal entre Ázere e Covelo (12)
11 - No caminho já foram realizadas, pelo menos uma prova de “motocross” e uma automobilística de todo o terreno, esta última apenas até à casa de turismo de habitação (11)
12 – A Junta de Freguesia já fez pelo menos uma limpeza a alargamento no caminho até ao terreno dos RR (13º)
13 – Os RR instalaram no caminho em causa vários pilares procurando dessa forma delimitar a sua propriedade ( aln a)
14 . – Em tal caminho os RR implantaram, sem prévio licenciamento os pilares referidos em A) de dimensão considerável para suporte de muros ou para instalação de um portão ( 14º)
15 – A existência dos pilares dificulta o acesso quer à ponte, quer à ribeira quer às demais propriedades florestais, porque alguns dos pilares estavam derrubados ao longo do caminho e outros pela sua dimensão impedem a passagem de um veiculo (15º)
16 – O prédio dos RR, o do Alberto dos Santos e do António Pinto pertenceram a António dos Santos e mulher , avós da R , constituindo um único prédio (16 )
17 – E por sua sucessão ele foi dividido e demarcado entre os seus filhos Maria do Carmo, mãe da R, Francisco dos Santos e Manuel dos Santos e que correspondem aos ditos artºs matriciais 227º, 226º e 225º e os que se sucedem em declive acentuado de norte para sul ( 17º )
18 – O acesso a pé ao prédio primitivo e depois aos três resultantes da divisão antes referida era feita pelo caminho referido nos q.s 1º e 3º (18º)
19 – O caminho em alguns troços era e é estreito íngreme , com leito de pedras e covas e com curvas ( 18 9º )
20 – Hà mais de 60 anos, os três irmãos resolveram em comum abrir um caminho que se adequasse ao trânsito , incluindo de carros , o que fizeram , com cerca de 2mtrs e meio de largura e actualmente mais largo, permitindo o trânsito de carros tractores e outras máquinas e que entronca no caminho referido em 1º e 3º , seguindo pelo prédio dos RR no sentido nascente –poente , continua pelo de Alberto dos Santos e acede ao de António Pinto , voltando depois a entroncar no caminho antes referido (20º, a 23º )
21 - O leito desse caminho é todo ele de terra batida, sem vegetação, bem delimitado dos terrenos de mata que o marginam e bem calcado pelos rodados dos carros (q24º)
22 – Sendo esse caminho ininterruptamente que há mais de 60 anosa que os antecessores do prédio dos RR e dos demais confinantes têm acedido aos seus prédios, curando da sua conservação, aplanando-o desviando as águas das chuvas através de agueiros devidamente executados (25º9
23 – Há mais de 20, 30 , 40 e até 60 anos que actualmente os RR e demais proprietários confinantes do seu prédio acima identificados e antes os seus antecessores comuns, de boa fé e ignorando que estavam a lesar direitos alheios , de forma pacífica vêm utilizando tal caminho para acederem às suas propriedades , passando pessoalmente ou com trabalhadores ao seu serviço , com alfaias , animais e carros , tractores e automóveis para exploração dos seus prédios (26º)
24 – Tais actos são praticados de forma descrita e na convicção de exercer um direito de passagem ( 27º)
25 – Os RR na anterior acção colocaram um portão de ferro na serventia no início da sua propriedade, dando umas chave aos ora RR e aos demais proprietários confinantes , sendo que com tal portão o Sr António Pinto pretendia proteger a suas propriedade de “passagens abusivas” que terceiros estavam a fazer da serventia , designadamente pescadores e desportistas que se dirigiam para a albufeira , a sul dos prédios em causa (q. 298º)
26 – Em 1993, os RR na acção anterior mudaram a fechadura do portão para impedir os ora RR (e aí AA) de passar , o que motivou a a dita acção ( 29º )
27 – A ponte que existe a sul dos prédios sobre a ribeira denominada Ponte dos Aréus foi construía da há mais de 60 anos e facilitava o acesso aos outros prédio rústicos existentes no outro lado na encosta
28 – Uma das casa existentes junto à ponte foi recuperada para turismo pelo proprietário Sr Pinto (31º )
29- Na década de 90 havia quem passasse na dita serventia que atravessa os três prédios para aceder à ribeira e aí pescar ou aceder à barragem da Aguieira de barco, contudo dessa passagem levou o proprietário do prédio dio artº 25º a colocar portões na servidão e a motivar a acção supra (32º )
30 -á dois ou três anos houve uma prova automobilística cujo troço incluiu o caminho referido em 1º e 3º e o troço que entrona neste, referido no anterior quesito., passando neste por tolerância dos proprietários , o qual integrava inclusivamente uma prova de vinho do porto na casa do proprietário do terreno do artº 225º, certamente para divulgação e promoção da casa restaurada para turismo de habitação (q. 33º)
31 - A manutenção , limpeza e melhoramento do troço do caminho que entronca no aludido em 1º e 3º pela esquerda para quem segue no sentido descendente sempre foi executada pelos três proprietários (q. 34º)
32– Depois da colocação do portão pelo proprietário Sr António Pinto, em 1992 tem havido devassa do prédio dos RR por terceiros estranhos aos três proprietários e que apenas querem aceder ao ribeiro que actualmente constitui um afluente da própria barragem com a subida das águas ( q. 35º)
33– Os RR decidiram vedar a sua propriedade , o que iniciaram com a colocação de pilares em cimento para suporte de uma rede (38º)
34 -pós o que os pilares foram derrubados por desconhecidos há uns meses atrás ( 39º)
35– O caminho referido nos quesitos 1º e 3º passa no terreno dos RR e tem cerca de 2mtrs de leito, permitindo a passagem a pé e de veículos motorizados de duas rodas.( q. 40º)

V -Tendo em conta este novo elenco factual, importa dizer que a acção não reúne, de facto, condições para proceder.
Mas vejamos, antes de mais, o enquadramento geral de toda esta problemática dos chamados caminhos públicos da interesse local e da sua destrinça dos chamados atravessadouros e das meras serventias particulares.
Como é bem sabido a aliás se sublinhou na sentença, o Assento , ora com o valor de Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, de 19 de Abril de 1989 ( v. o Ac do Tribunal Constitucional nº743/96 de 28/05/96, DR ;I_A de 18/07/1996) considerou como “caminhos públicos “ todos aqueles que desde tempos imemoriais estão no uso directo e imediato do público.
Com tal acórdão pretendeu-se ultrapassar a divergência que se verificava entre duas correntes jurisprudenciais, uma delas exigindo que a dominialidade do caminho teria de advir de ele ter sido construido ou legítimamente apropriado por uma pessoa colectiva de direito público, em face do conceito de “ coisa pública “ vazado no artº 380º do Código de Seabra e outra que fazia como que presumir a sua apropriação por entidades de direito público, “maxime” pelas autarquias locais com especiais responsabilidades de administração das vias ou caminho de interesse local desde que provado ficasse o uso imemorial pelo público, sendo esta ultima que veio a ser a eleita como a mais ajustada às realidades, pela dificuldade de se poderem encontrar registos ou documentos que comprovassem a construção, a aquisição, designadamente por usucapião, a conservação e a administração dos mesmos.
E a este propósito tem assinalável interesse respigar os considerandos tecidos no Acórdão do mesmo Supremo de 10/11/1993, em que se diz o seguinte a dado passo:
Mesmo que se tenha como revogado o artº 380º do CCivil de 1967 (... ) por motivo do novo Código não regular, nem definir a matéria de domínio público, o conceito de coisas públicas aí definidas como « as produzidas ou apropriadas pelo Estado e corporações públicas e mantidas debaixo da sua administração ...» deve ter-se ainda como relevante .
As leis posteriores não são elucidativas e a própria Constituição , no artº 84º limita-se a indicar certos bens que pertencem ao domínio público e a determinar que a “a lei define quais os bens que integram o domijnio público )(...) bem como o seu regime , condições de utilização e limites. “
Em particular , o Dec. Lei nº 34.593 de 11/o5/1945, classifica os caminhos públicos em municipais, destinados ao trânsito automóvel e vicinais , para o trânsito rural , a cargo das câmaras e juntas de freguesia (artºs 1º e 6º)
E segundo a doutrina , a aquisição da dominialiidade depende, em suma de dois requisitos : pertencer a coisa a entidade de direito público, podendo esta afectação resultar de um acto administrativo ou de « uma prática consentida pela Administração em termos de manifestar a intenção de consagração ao uso público (...) » e aquela utilidade pública que consiste na aptidão da coisas para satisfazer traduz « o verdadeiro fundamento da sua publicidade ( Marcello Caetano, Manual, IIVol., 9ªed., 880 e ss)
Entende –se, assim, que o assento de 19 de Abril de 1989 para além de admitir o afastamento da presunção que está na sua base , deve ser interpretado no sentido de que o uso do caminho visar a satisfação de interesses colectivos de certo grau e relevância, sem o qual não é lícito o reconhecimento da dominialidade pública (... )
Esta posição é de resto já consensual na jurisprudência, de que são exemplo , entre outros os Acs da RP de 14/03/2000, CJ 2000, Tº 2º, 203 e do mesmo Supremo de 15/06/2000, CJ/S, 2000, Tº 2º, 117 e de 19/11/2002, CJ/S, 2002, Tº 3º, 139)
Por sua vez, há que fazer uma clara distinção entre caminho público e meros atravessadouros, isto porque embora os atravessadouros se encontrem abolidos , nos termos do disposto no artº 1383º do CCivil, são, ainda reconhecidos aqueles que se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade.
No entanto os “atravessadouros” cuja finalidade é o de encurtar distâncias entre determinados locais entrando em prédios particulares para como tal serem reconhecidos, carecem os respectivos interessados de demonstrar o seu uso imemorial, pois é isso uma condição essencial nos termos do artº 1384º, o quel estabelece :
São porém reconhecidos os atravessadouros com posse imemorial que se dirijam a fonte ou ponte de manifesta utilidade, enquanto não existirem vias públicas destinados à utilização e aproveitamento de uma e outra , bem como admitidos em legislação especial”

Esmiuçados os ditos conceitos de caminho público e de mero atravessadouro, em princípio abolidos e unicamente podendo ser tratados como simples servidões ( de passagem) preenchidos que se mostrem os seus requisitos, tarefa do direito privado e não do direito público e descendo ao caso presente , logo se vê que o A ou a autarquia A como se queira não logrou, desde logo, como lhe cumpria, demonstrar o requisito temporal do invocado uso público livre, directo e imediato do caminho em causa.
Ou seja, constando do quesito 12º o conceito de direito por indevidamente não concretizado de “uso imemorial” e entendendo-se pelo que as testemunhas com mais conhecimento dos factos puderam adiantar sobre tal uso remontar a uns 50/60 anos e de que se lembrem, desconhecendo mesmo por pessoas mais velhas quando e de que modo começou a ser utilizado, logo se vê que este alargado espaço de tempo não preenche os requisito da dita imemorialidade, a qual reporta tanto no seu significado comum ( de harmonia com dicionaristas eminentes como Cândido de Figueiredo, Morais e outros, objecto de detalhado recenseamento no Ac. do Supremo de 19 /11/2002, CJ /S , 2002, Tº3º, 139 ) como jurídico ( conforme a lição de A Varela e P de Lima , Anotado, III Vol, 283 com vasta citação de jurisconsultos dos primórdios do século findo e anterior )com aquela posse ou uso tão antiga que os novos não sabem quando começou e não o sabem, nem por observação directa, nem por informação que lhes possa ter chegado por antecessores.
E isso anda longe do período de 50/60 anos que ficou demonstrado exercer-se tal passagem a pé pelo caminho em questão e que em parte do seu percurso atravessa o prédio dos RR, antes de confluir como um outro troço que dele deriva ,junto à ponte dos Aréus que constitui uma típica e aliás reconhecida serventia ( por sentença devidamente transitada em julgado, cfr os pontos 4 e 5)) por isso fechada com um portão em 1992, tudo conforme o explanado nos pontos 23 a 29 da matéria de facto apurada.
Com efeito, o período de mais de 50/60 anos de existência do caminho, no fundamental ao longo do troço que penetra em traçado íngreme, pedregoso e com curvas acentuadas ( v. ponto 21 da matéria de facto) no prédio dos RR devidamente identificado não apresenta antiguidade que se perca ainda na memória dos homens.
Mas ainda que não fosse pela não verificação do requisito do uso por tempo imemorial pelas pessoas que nele transitavam, também com o desaparecimento dos antigos moradores das casas em ruína e quinta desabitada existente na outra margem e por onde o mesmo prosseguia e a sua utilização apenas e de forma não ostensiva por pescadores e desportistas que pretendiam aceder à ribeira e à ponte ( que não apresenta de momento qualquer utilidade, como tal, nem foi demonstrada sequer a sua alegada origem histórica ) ou por meros proprietários de terrenos com ele marginantes, sempre teria já operado a sua desafectação tácita a qualquer utilidade pública relevante.
Com efeito já não existindo e de há bastantes anos, moradores nas casas junto à ponte de um e outro lado ou quintas habitadas na encosta da serra, com matas agora exploradas pela Celbi, índice da desertificação de todo essa zona com a morte dos mais velhos e a saída dos mais novos para outras localidades, obviamente que foi ele despojado da sua anterior e suposta utilidade pública ( e dizemos suposta, por se ignorar a dimensão exacta e o números de moradores nas casas em ruína) não o justificando o trânsito ulterior pelo mesmo, de pescadores desportistas, em passeio e seguramente iludindo a vigilância dos proprietários dos prédios por ele atravessados.
E certo é ainda que se não operou qualquer acto administrativo que revelasse a intenção de adquirir em prol em benefício do A ou da Junta de Freguesia de Ázere por usucapião tal trilho ou carreiro como algumas testemunhas o apelidaram, até se provando que nunca senão na parte anterior à bifurcação do mesmo com o actual caminho de serventia por lá passaram jeeps da Guarda Florestal ou foram executadas quaisquer obras de limpeza, manutenção ou conservação seja pela Junta, seja pelos serviços da A .
Ou seja, o referido trilho perdeu se é que alguma vez adquiriu o estatuto de caminho público por já deixar de assegurar a comunicação de quem quer que morasse junto à antiga ponte ou mais adiante na encosta da serra, com a estrada de ligação com a sede de freguesia também não tendo ficado provado constituir a única via de acesso às margens da ribeira e da albufeira, a partir da dita estrada inter-municipal, não passando assim de um mero caminho particular, sempre se opondo os RR a quaisquer pretensões da Junta de Freguesia e sendo manifesto que o trânsito automóvel que nele se desenvolve até à bifurcação dos troços tem como único destino a casa afecta a “turismo de habitação” junto à ponte e insere-se num caminho de serventia como ambas as partes reconhecem e ficou definido por sentença transitada.
Logo, a tentativa dos RR de prevenir a entrada por ali e para a respectiva mata de estranhos, no caso pescadores desportivos, vedando a propriedade, não constitui acto ilícito, no fundo e sem embargo de o terem feito sem o devido licenciamento, como foi articulado, questão que não está em causa no pleito, os RR limitaram-se a adoptar medidas idênticas às adoptadas pelos RR da anterior acção, donos da casa de turismo de habitação que colocaram um portão justamente para defender o seu terreno da intrusão de tais pescadores ou simples turistas, os quais, conforme o admitiram várias testemunhas dispõem de outros acessos para a ribeira e à albufeira, criada com a barragem em que ela actualmente se insere.
Procedem , assim, as conclusões do recurso, também no tocante à decisão de fundo.

VI – Em consequência e com procedência da apelação, decidimos revogar a douta decisão e julgar improcedente a acção, absolvendo-se os RR da globalidade dos pedidos.
As custas serão pagas pelo A numa e noutra das instâncias.
Coimbra , 14 de Março de 2006