Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3050/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. BELMIRO ANDRADE
Descritores: RECONHECIMENTO EM AUDIÊNCIA
CONCURSO REAL DOS CRIMES DE RESISTÊNCIA E COAÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO E OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
Data do Acordão: 10/20/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ART.º S 147º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E 347º E 143º, DO CÓDIGO PENAL
Sumário:
I - Disposto no art. 147º do CPP não se aplica ao reconhecimento efectuado pelas testemunhas em audiência, quando acompanhado de outros elementos de prova.
II - Quando a "violência" a que se refere o art. 347º do C. Penal, após a reforma de 1995, ultrapassa a simples ofensa corporal ligeira, existe concurso efectivo de crimes entre aquele crime de cocção sobre funcionário e o crime de ofensa à integridade física.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA – SECÇÃO CRIMINAL

I. RELATÓRIO


O arguido ANTÓNIO M..., melhor identificado no processo, foi julgado e condenado, pelo Tribunal Colectivo da Comarca de Aveiro, como autor material, na forma consumada e em concurso efectivo, dos três crimes a seguir indicados, nas penas referidas em relação a cada um:

- condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3°, n.o 2, do D.L. 2/98, de 03.01, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. nos termos do art. 347° do C. P., na pena de 22 (vinte e dois) meses de prisão;
- ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos termos dos artigos 143º e 146° do C. P., por referência ao disposto no art. 132°, n° 2, alíneas f), g) e j) do mesmo diploma, na pena de 20 (vinte) meses de prisão.
Efectuado o cúmulo jurídico que englobou estas 3 penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs recurso daquela decisão, formulando, a final da respectiva fundamentação, as seguintes conclusões:
A) A decisão recorrida violou os princípios da adequação e da proporcionalidade das penas, ao aplicar ao arguido, em cúmulo jurídico, uma pena de 3 anos de prisão, quando a pena parcelar mais elevada foi de 22 meses de prisão e o somatório de todas as penas parcelares era de 4 anos (48 meses).
B) Violado se mostra também o artigo 77º do Código Penal, sobretudo porque o Acórdão recorrido não seguiu uma regra prática habitualmente seguida na primeira instância, que manda adicionar à pena mais elevada 1/3 de cada uma das outras penas parciais - o que levaria a que a pena a sofrer, em cúmulo, pelo arguido, se fixasse nos 02 anos, 06 meses e 20 dias.
C) O Acórdão recorrido incorre em violação dos artigos 40°, 70°, 71°, 72° e 73° do Código Penal, e do regime especial para jovens delinquentes (D.L. 401/82, de 23 de Setembro - nomeadamente violou os critérios dosimétricos daquele artigo 71°), devendo ser aplicada uma pena mais benévola que a que foi aplicada. Trata-se de um jovem com 19 anos à data dos factos, analfabeto, pobre, inserido socialmente e com passado criminal sem grande relevância.
D) O que deveria ter contribuído também para a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50º do Código Penal, sujeita à observância de regras de conduta ou ao cumprimento de deveres ou ao regime de prova, até porque o arguido merece, apesar de tudo, um verdadeiro juízo de prognose favorável.
E) Violados foram também pelo Acórdão recorrido os princípios basilares do processo penal da livre apreciação da prova e in dubio pro reo. Não poderiam ser valorados, como o foram, os depoimentos do agente Luís Malva e Chefe António Abrantes, atentas as discrepâncias sensíveis entre ambos, e devido ao facto de este ter feito constar do auto de reconhecimento de fls.16, factos que sabia serem falsos, como reconheceu em audiência. Pelo que o arguido deveria ter sido absolvido.
F) A valoração do reconhecimento efectuado em audiência pelo agente Luís Malva, sem obedecer aos formalismos do artigo 147º do Código de Processo Penal, viola a garantias constitucionais do processo criminal, ínsitas no artigo 32º da Constituição.
G) Foi também violado pelo Acórdão recorrido o artigo 30º do C. Penal, já que deveria ter-se considerado que o tipo legal do artigo 347º consumia o do artigo 146º (por referência ao 143°) todos do mesmo Código.

Uma vez que o recurso interposto incide também sobre a decisão da matéria de facto, entendendo-se que o recorrente não deu cumprimento ao disposto no art. 412º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P., foi o mesmo convidado a corrigir tal deficiência, sem o que não poderia ser ordenada a transcrição dos depoimentos prestados em audiência gravados.
Na sequência de tal convite veio o arguido dar cumprimento a tal dispositivo, dizendo que reputa incorrectamente julgados as alíneas b), c), e), g), h), i), j), l) e p) da matéria de facto provada, bem como o Ponto 2 da matéria de facto não provada, na medida em que devia o tribunal ter dado credibilidade a tal alibi, atendendo ao depoimento do arguido e das testemunhas de defesa e também aos documentos de fls. 41 e segs.

Conclui dizendo que: impõem decisão diversa da recorrida todos os depoimentos produzidos oralmente em audiência, nomeadamente os atrás destacados, os quais se encontram áudio-gravados nas cassetes que suportam os meios de prova, produzido na única sessão de julgamento ocorrida no dia 07.05.2003. Pelo que, no que concerne aos referidos pontos da matéria de facto dada como provada, se deve substituir a referência ao arguido por indivíduo não identificado, devendo em consequência o arguido ser absolvido.

Recebido o recurso, foi ordenada a transcrição de toda a prova gravada, produzida oralmente em audiência.

O Ex.mo Magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido respondeu, concluindo, em síntese que o recurso deve improceder, salvo no que concerne ao crime de ofensa à integridade física qualificado, do qual o arguido deve ser absolvido sob pena de violação do princípio ne bis in idem, dado os interesses jurídicos tutelados pelo referido tipo de crime se encontrarem já protegidos pelo crime de coacção sobre funcionário pelo qual também foi condenado. No entanto as lesões corporais sofridas pelo agente da PSP devem contribuir para a agravação da pena aplicada a este ultimo crime e devendo, a final, ser mantida intacta a pena aplicada em cúmulo jurídico.

O Ex.mo magistrado do MºPº junto deste tribunal emitiu parecer alegando, em complemento da resposta produzida em 1ª instância:
Apesar da nova motivação apresentada, na sequência do convite formulado, o arguido não indicou, por referência ao suportes técnicos, quais os elementos de prova que conduzem a solução diversa da obtida pelo Tribunal recorrido, acarretando o incumprimento desse ónus de especificação a impossibilidade de o Tribunal de recurso modificar a decisão sobre a matéria de facto;
A avaliação de prova encontra-se efectuada de acordo com juízos lógico.dedutivos perfeitamente plausíveis e aceitáveis, sem necessidade de recurso ao auto de reconhecimento;
O que o recorrente pretende é que, sem fundamento válido, o Tribunal de recurso substitua a convicção dos senhores juizes pela convicção do recorrente, esquecendo o disposto no art. 127º do CPP;
Relativamente ao cúmulo refere costumes jurisprudenciais de que não indica um único exemplo, nem indica um único ponto em que a decisão recorrida ofenda o disposto no art. 77º do CPP.
Atentos os antecedentes criminais do arguido e a personalidade demonstrada pela sua conduta em audiência não se justifica a aplicação da atenuação especial da pena.
Conclui no sentido de que o Acórdão recorrido deve ser integralmente confirmado.

Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do C.P.P., não tendo o recorrente respondido.

Corridos os vistos legais, procedeu-se à audiência, com o formalismo previsto na lei de processo, cumprindo agora conhecer e decidir.


II. MATÉRIA DE FACTO relevante
1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
a) No dia 12 de Dezembro de 2002, pelas 09h.30m., o ofendido Luís Augusto Almeida Malva, agente do quadro efectivo da P.S.P. de Aveiro, encontrava-se na estrada de S. Bernardo, em Aveiro, no exercício das suas funções de fiscalização de trânsito, envergando o respectivo uniforme.
b) Nessas circunstâncias, na referida via, no sentido S. Bernardo/Oliveirinha, circulava o arguido, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Fiat, modelo Tipo, cinzento, com matrícula SH-09-31, isto apesar de não estar habilitado para a condução de veículos automóveis na via pública por não ser titular de carta de condução.
c) Ao avistar o dito veículo o agente Luís Malva apercebeu-se que o mesmo não ostentava, na traseira, a respectiva chapa de matrícula.
d) Perante isto foi em perseguição do dito veículo, conduzido pelo arguido, utilizando para tal o motociclo de serviço, com a matrícula 04-25-IN, alcançando-o e colocando-se paralelamente ao automóvel e, após contacto visual com o condutor, ordenou-lhe, gestualmente que encostasse.
e) Nessa altura, cerca das 9h.45m., o arguido reduziu a velocidade, como se se preparasse para encostar à berma, pelo que o agente, no seu motociclo, o ultrapassou, posicionando-se na frente do automóvel.
f) Então o arguido realizou uma aceleração súbita e, com a frente do seu veículo, embateu contra o motociclo, com o intuito de o fazer despistar e lançar o agente que o tripulava em queda, para o solo, o que sucedeu.
g) De imediato, o arguido pôs-se em fuga, tendo, mais tarde, incendiado o seu veículo, por forma a eliminar vestígios da sua conduta.
h) Da forma descrita, o arguido causou ao ofendido fortes dores físicas, designadamente na parede abdominal esquerda e nos pés, bem como escoriações no cotovelo esquerdo, escoriações nos pés e entorse das articulações tíbio-társicas esquerda e direita, lesões estas melhor descritas nos boletins clínicos e autos de exame médico de fls. 58 a 60, 91 e 131 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, as quais demandaram para cura um período de 67 dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho.
i) Com a conduta descrita, o arguido agiu livre e conscientemente, com intenção de, mediante o emprego de violência, impedir que o agente da P.S.P. concretizasse a acção de fiscalização.
j) Agiu, para além disso, com a intenção de usar a sua viatura, meio particularmente perigoso, para causar ao agente da PSP lesões corporais que o impedissem de lhe mover nova perseguição, assim encobrindo que conduzia sem habilitação própria para o efeito.
l) O arguido não se absteve dos comportamentos descritos, apesar de saber que os mesmos eram proibidos e punidos pela lei penal.

Mais se provou que:
m) O arguido é cesteiro, é pessoa de modesta condição social, analfabeto, aufere ele e a companheira cerca de 350 Euros de rendimento de reinserção, têm uma filha a cargo, tem apoio familiar e habitacional.
n) Tem tido um comportamento prisional sem registo de incidentes.
o) O arguido foi julgado e condenado nos seguintes processos:
- Sumário n.o 304/2001, do 20 Juízo Criminal do Tribuna! de Aveiro, por decisão datada de 22.06.2001, por factos datados de 21.06.2001, pelo crime de condução sem habilitação própria, em 45 dias de pena de multa;
- Comum n.o 308/01.8GBAGD, do 20 Juízo do Tribunal Judicial d Comarca de Águeda, por decisão datada de 13.11.2002, por factos de 06.05.2001, pela prática de um crime de furto, na pena de 220 dias de multa.
Provou-se ainda (da matéria do pedido cível):
p) Com o descrito em f), o arguido partiu a bainha, forqueta, protecção das pernas, guarda-lamas, aranha, o espelho esquerdo, rolamentos de direcção e um farol azul do motociclo com a matrícula 04-25-IN.
q) Tal veículo é pertencente ao Estado/PSP que, por isso, teve um prejuízo global no valor de 1.785,30 Euros com a sua reparação.


2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
O veículo de matrícula SH-09-31 havia sido vendido, uns dias antes do ocorrido, a um tio do arguido, de alcunha “Moca”, residente em Montemor-o-Velho, o qual apresentava grandes semelhanças com o arguido.
No dia e hora em que ocorreram os factos o arguido encontrava-se com a companheira no controle de crescimento da filha de ambos, Filomena Soares, no Centro de Saúde de Aveiro.


III. FUNDAMENTAÇÃO

1. São as questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões que o tribunal de recurso tem que apreciar, sendo o âmbito do recurso definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação – Germano Marques as Silva, Curso de processo Penal, 2ª ed., III, 335 e a jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada, bem como Recursos em Processo Penal, Simas Santos / Leal Henriques, 5ª ed., p. 74 e decisões ali referenciadas). Isto sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente os vícios indicados no art. 410º, n.º2 do CPP, de acordo como o Ac. STJ para fixação de jurisprudência 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95.
O arguido nessas conclusões começa por atacar a medida da pena aplicada em cúmulo jurídico {conclusões A) e B)}, depois a não aplicação da atenuação especial da pena em virtude de o arguido ter menos de 21 anos ao tempo dos factos {conclusão C)}, seguidamente a não suspensão da execução da pena {D)}. Passa depois à decisão da matéria de facto, por violação do princípio in dubio pro reo {E)} e à valoração indevida (por não obedecer ao disposto no art. 147º do C.P.P.) do reconhecimento {F)}. E por ultimo sustenta que o crime de coacção sobre funcionário se encontra em relação de concurso aparente (por consunção) com o de ofensas corporais {G)}.
No entanto, por uma questão metodológica e de precedência lógica, começaremos por apreciar em primeiro lugar as questões suscitadas relativamente à decisão da matéria de facto e só depois as relativas às questões de direito, decidindo, neste âmbito, em primeiro lugar as questões relativas aos elementos típicos dos crimes, depois a relativa ao concurso de crimes e por último as questões da atenuação especial da pena e da suspensão da respectiva execução – em conformidade, aliás, com o disposto no art. 368º do CPP.


2. Relativamente à questão de facto
Apesar da forma pouco rigorosa como o arguido cumpriu o convite que lhe foi feito, como bem refere o Ex.mo Magistrado do MºPº junto deste Tribunal, indicando de forma genérica os pontos de discordância e as provas que na sua perspectiva deveriam levar a decisão diferente, remetendo genericamente para “o depoimento do arguido a das testemunhas de defesa e documentos de fls. 41 e segs.”, dado que toda a prova produzida em audiência foi transcrita e o arguido questiona, afinal, que o Tribunal Colectivo tenha dado como provado ter sido o arguido o autor dos factos descritos na acusação, conhece-se do recurso, neste âmbito, por perceptível, ainda assim, a pretensão do recorrente.
O arguido aponta essencialmente à decisão recorrida a valoração indevida:
- do meio de prova reconhecimento efectuado a fls. 16 dos autos, por não ter obedecido aos requisitos do art. 147º do C.P.P.; e
- dos depoimentos das testemunhas Luís Malva e António Abrantes, tendo ter ignorado o depoimento do próprio arguido e o das testemunhas de defesa que apresentaram um “alibi” que demonstraria que não pode ser ele o autor do crime por se encontrar em outro local, àquela hora.
Cumpre salientar liminarmente, quanto à primeira questão, que a decisão recorrida se pronunciou expressamente sobre a questão do reconhecimento, tratando-a como questão prévia, por sido levantada expressamente durante as alegações produzidas em audiência.
Ora, por um lado, na fundamentação da decisão da matéria de facto em si, a decisão recorrida não faz qualquer referência ao reconhecimento, pura e simplesmente não procede à sua valoração como meio de prova ou como suporte da decisão. Pelo que o reconhecimento surge como irrelevante.
Por outro lado a decisão trata a questão do reconhecimento como questão prévia – v. página 2 do acórdão, concluindo expressamente (v. 3 primeiras linhas da página 3). E, a este respeito, conclui: “pelo que tal reconhecimento não poderá ser valorado como meio de prova”.
É assim claro que não pode o acórdão recorrido ser censurado por ter valorado um meio de prova que não só não valorou, como pelo contrário afastou expressamente.
Pelo que mal se compreende a alegação de recurso, nesta parte, criticando uma decisão que lhe foi favorável.


No que toca aos depoimentos das testemunhas Luís Malva e António Abrantes a decisão procedeu à respectiva valoração, mas fê-lo depois de ter efectuado um exame crítico minucioso e cuidado dos mesmos, procedendo ainda à sua articulação com os demais elementos de prova.
Do mesmo modo tratou criticamente a questão do invocado “alibi”, enfrentado-a de forma objectiva e racional. Com efeito tendo o arguido sustentado que aquela hora se encontrava no Centro de Saúde com a filha, a decisão pondera que “a circunstância de a filha do arguido ter sido vista pela manhã no Centro de Saúde, aí tendo comparecido o arguido (sendo certo que existe contradição no horário declarado pelo arguido e pela companheira de um lado e pela testemunha António Soares Robalo de outro) segundo a declaração do próprio arguido e da companheira já estariam de volta ao acampamento antes das 9h.30m., tendo por isso tempo de voltar a sair com o veículo e de se encontrar no local à hora referida na acusação” (destaque nosso).
Por outro lado a valoração destes dois testemunhos efectuada pelo tribunal não foi efectuada isoladamente, tendo antes sido conjugada com outros elementos de prova.
Na verdade, tendo o condutor do veículo logrado pôr-se em fuga, o agente conseguiu identificar as letras e um dos números da matrícula inscrito na chapa da frente, marca, modelo e cor do veículo. E com base nesses elementos foi efectuada pesquisa informática, mediante a qual a PSP “isolou” a matrícula SH-09-31, verificando que o veículo a que correspondia estava registado em nome de Samuel Monteiro. Em face dessa informação a testemunha António Abrantes, no exercício das suas funções de Chefe da P.S.P. “seguiu o rasto do veículo”, contactando o proprietário inscrito no registo que por sua vez informou que havia vendido o veículo ao arguido.
Aliás o próprio arguido não põe em causa que tivesse adquirido o veículo e o facto foi confirmado pelo irmão (testemunha Afonso Robalo). Apenas contrapõe que entretanto já o tinha vendido – por quantia que diz nunca ter recebido - a um seu tio de apelido “Moca” que também nunca identificou devidamente.
Por outro lado o veículo apareceu queimado nas proximidades do acampamento do arguido – e não na região onde o arguido disse movimentar-se o tio.
Mas, mais do que isso, pela identificação do tal tio dada pelo arguido, seria pessoa de cerca 35 anos. E desde a primeira hora o agente interveniente sempre identificou o condutor do veículo como tendo barba de alguns dias e aparentando vinte, vinte e poucos anos.
A testemunha Luís Malva teve por outro lado intervenção directa nos factos, observando primeiro o veículo sem chapa de matrícula atrás, seguindo-o depois, colocando o motociclo lado a lado com o veículo (precisamente do lado do condutor, a uma distância muito curta), fazendo-lhe sinal para parar e ultrapassando-o de seguida, quando tudo levava a crer que o condutor do veículo ia parar. Daí ter todas as condições para identificar o referido condutor que, para fugir, atirou o veículo automóvel sobre o motociclo, derrubando-o.
No que toca ao “reconhecimento” do arguido efectuado por esta testemunha, para além dos elementos a que já se referiu e que levaram à identificação do arguido através da identificação do automóvel, é de referir ainda que, tal como tem vindo a decidir o STJ, o disposto no art. 147º do CPP não se aplica ao reconhecimento efectuado pelas testemunhas em audiência – neste sentido v. Ac. STJ de 01.02.1996, na CJ/STJ, ano de 1996, t. 1, p. 198, bem como vários outros citados em Anotação ao artigo em referência no Código de Processo Penal Anotado de Simas Santos / Leal Henriques, 2ª edição, bem como no Código de Processo Penal Anotado de Código de Processo Penal Anotado de Maia Gonçalves, 13ª ed.
Ainda quanto à suposta venda do automóvel pelo arguido ao tio, que o arguido, apesar de sucessivas insistências por parte do Mº Juiz Presidente do T. Colectivo, nunca disse onde podia ser encontrado esse tal “Moca”. Isto apesar dos laços de família existentes e facilidade de contacto implícita na agilidade do suposto negócio, e crédito, concedido sem receber dinheiro algum e sem saber onde o havia de procurar para o efeito!
Diga-se ainda que a fundamentação é corroborada, ponto por ponto, pelo teor da transcrição dos depoimentos prestados em audiência, transcritos no apenso respectivo.
A fundamentação, de acordo com os princípios informadores do Estado de Direito Democrático e no respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado nos arts. 320º, n.º1 e 210º, n.º da Constituição, exige que se indiquem os elementos que, em razão das regras da experiência ou dos critérios lógicos que constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência. A fundamentação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico e racional que lhe subjaz. E extraprocessualmente deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatárioa não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade – v. síntese de Marques Ferreira in Jornadas de Direito Processual Penal do C.E.J., O Novo Código de Processo Penal, ed. Almedina, p. 229-230.
Por outro lado, apesar da transcrição da prova produzida e gravada em audiência, o tribunal de recurso deve ter sempre presente que o tribunal que julgou os factos, em primeira instância – no caso o Tribunal Colectivo, que pela democraticidade inerente à sua colegialidade constitui a melhor garantia do sistema – o fez tendo presentes as pessoas que testemunham, com base na imediação, dispondo de toda a riqueza proporcionada por esse contacto directo com as provas e o comportamento humano - não só as declarações em si que a gravação documenta, ainda o tempo e o modo das mesmas, as hesitações, olhares, suores, enfim, toda a riqueza da oralidade e da imediação.
Como decidiu o Acórdão desta Relação de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44, (no mesmo sentido v. designadamente as decisões dos tribunais superiores citadas no douto parecer do MºPº junto deste Tribunal) “quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum”.
Ora no caso em apreço, a fundamentação da decisão recorrida analisa, ponto por ponto, todos os aspectos relevantes da prova produzida, de forma lógica e racional, cumprindo todos os ditames enunciados.
Por outro lado também não foi violado o princípio in dubio pro reo.
Tal princípio, relativo à decisão da questão de facto, significa que, após a produção de todas as provas, persistindo uma dúvida razoável, tal dúvida tem de actuar em sentido favorável ao arguido – cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Ed., p. 215.
Ora no caso tal não se verifica, pela simples razão de que, produzidas as provas pertinentes, o tribunal não ficou em situação de dúvida razoável e inultrapassável. Pelo contrário, de acordo com tais provas, pelas razões que expôs em promenor ao longo de várias páginas, a que se fez referência sintética, o tribunal colectivo ficou convencido, para além da dúvida razoável, da autoria dos factos, por parte do arguido.
Aliás as provas foram produzidas em julgamento público, com todas as garantias de defesa do arguido impostas pelo o art. 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e pelo art. 6º da Convenção do Conselho da Europa.

Conclui-se assim que a prova – testemunhal - foi devidamente valorada, dentro do critério estabelecido no art. 127º do C.P.P., tendo o tribunal colectivo apreciado criticamente todos os elementos de prova e objectivado a sua convicção, até onde é possível, explicitando o percurso lógico e racional que lhe esteve subjacente.
Pelo que não merece censura.


4. Concurso efectivo / concurso aparente entre os crimes de coacção a funcionário e ofensa à integridade física
Como ensina EDUARDO CORREIA, in Direito Criminal, II vol., p. 202, quando diversas condutas violam o mesmo tipo de crime, o número de crimes define-se pelo número de resoluções, sendo o critério temporal fundamental para se apurar se existiu uma ou mais resoluções a presidir aos vários actos.
No entanto tal não se verifica quando a disposição legal violada protege bens jurídicos eminentemente pessoais, como a vida, a honra, a integridade física, que não se podem desligar da personalidade e apenas podem ser violados na pessoa que os cria com o só existir – cfr. EDUARDO CORREIA, Unidade e Pluralidade de Infracções, Almedina, ed. de 1983, p. 123.
Em tal caso, os tipos legais desdobram-se em tantos outros quantos os possíveis indivíduos aos quais se estende a protecção da lei – cfr. ob. cit., p. 123.
Esta doutrina foi consagrada no anteprojecto elaborado pelo citado mestre e foi plasmada no art. 30º do C. Penal: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
Em face deste enunciado e das suas fontes históricas é pacífico que o concurso efectivo de crimes pode abranger várias acções ou omissões distintas (concurso real) ou uma única acção ou omissão que lesa bens jurídicos eminentemente pessoais de vários ofendidos (concurso ideal).
Da letra do preceito resulta ainda que o concurso efectivo (real ou ideal) tanto pode envolver a aplicação de uma única norma incriminadora (concurso homogéneo) como a aplicação de várias normas incriminadoras (concurso heterogéneo).
No concurso aparente é punido apenas o crime mais grave que “absorve” aquelas que com ele se encontram numa relação de circulo concêntrico em que o de maior âmbito abrange ou cobre, na totalidade, a previsão do círculo de menor âmbito, distinguindo a doutrina 3 situações: especialidade, subsidiariedade e consunção.
Portanto a questão passa por definir se o bem jurídico protegido pelo crime de ofensas corporais está já protegido, com a mesma amplitude pelo crime de coacção.
Relativamente ao crime de coacção a funcionário, estabelece o art. 347º “quem empregar violência ou ameaça grave contra membro das forças militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções ... é punido com prisão até 5 anos”.
Constitui elemento descritivo do tipo de crime a utilização de violência conta membro das forças de segurança para se opor ao exercício das funções. Não basta a violência, esta tem que ser pré-ordenada como forma de oposição ao exercício das funções o agente da autoridade. E tem que ser idónea, em termos de causalidade adequada, a obter o resultado pretendido pelo agente.
Como escrevem SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, no seu Código Penal Anotado, anotação ao art. 347º, citando NELSON HUNGRIA a simples desobediência ou resistência ... poderá considerar-se outra figura criminal ... mas, limitando-se o indivíduo a um processo de recalcitrância verbal, tal não se integra no crime de resistência.
A previsão legal não refere qualquer ofensa é integridade física do agente. E ainda que se possa dizer que não pode haver violência sem ofensa, tal não corresponde rigorosamente à verdade, uma vez que pode haver violência física sem lesões (v.g. empurrões, puxões).
Sendo produzidas ofensas à integridade física ou à honra o crime do art. 347º pode formar concurso real com os crimes contra a integridade física ou contra a honra, e acordo com os princípios gerais - Cfr. JOSÉ LUÍS LOPES DA MOTA, Crimes Contra a Autoridade Pública”, in Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, Centro de Estudos Judiciários, 1998, Vol. II, p. 422.
Da inserção sistemática do art. 347º do C. Penal (no Capítulo II - Dos crimes contra a autoridade pública e na Secção I - Da resistência e desobediência à autoridade pública), conjugada com o respectivo teor literal, resulta que o bem jurídico que o legislador quis proteger especialmente com esta incriminação é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade, manifestada na liberdade de actuação do seu funcionário ou agente.
A autoridade pública é vista numa acepção funcional que abstrai dos órgãos e agentes que a exercem ... ligada à ideia de poder legal (funcional) de impor um determinado comportamento – Cfr. JOSÉ LUÍS LOPES DA MOTA, ob. cit. p. 413 e 426.
Por outro lado o bem jurídico da integridade física do funcionário, enquanto bem jurídico de natureza pessoal, nomeadamente no sentido de essa qualidade agravar a moldura penal de respectiva ofensa, não encontra protecção especial neste tipo legal de crime – nem em qualquer outro inserido no mesmo capítulo.
A este respeito merece ser lembrado que na Revisão de 1995 foi eliminada a norma correspondente ao art. 385º da versão originária de 1982.
Com efeito, a seguir ao art. 484º, com redacção idêntica ao actual 347º, o art. 385º estabelecia então “quem praticar ofensa corporal ... sobre qualquer das pessoas referidas no artigo anterior no exercício das suas funções ou por causa delas será punido com a pena que couber ao respectivo crime agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo”.
Ora a eliminação do citado art. 385º na Reforma de 1995 teve em vista evitar, na medida do possível, que apareçam qualificativas que ponham em causa a parificação de base do cidadão – cfr. Actas e Projecto da Comissão de Revisão do Código Penal, Ministério da Justiça, 1993, 407 e 408.
A este respeito, repare-se que o Acórdão do STJ citado na resposta ao recurso apresentada na 1ª instância teve em vista precisamente o art. 384º do C. Penal de 82, fazendo referência expressa ao art. 385º, o qual, como se disse, deixou de ter correspondência na Reforma de 95.
Assim após a mencionada Reforma, a protecção do bem jurídico da integridade física do funcionário ou agente da autoridade passou a ser protegida nos termos do art. 143º do C. Penal e qualificação prevista no art. 146º, n.º2, por referência ao art. 132º, n.º2, al. j).
Neste sentido, versando expressamente sobre a questão do concurso efectivo ou aparente entre estes dois crimes, concluiu o STJ – Acórdão de 28.04.1999, publicado na CJ/STJ, ano de 1999, II, 193 e segs. – proferido já no domínio da aplicação do actual art. 347º: de acordo com o critério teleológico consagrado na lei para a definição da unidade e pluralidade de infracções, a ofensa à integridade física do funcionário não possa considerar-se consumida, em termos de concurso aparente, pela incriminação do art. 347º, concorrendo com esta em termos de concurso efectivo, de acordo com as regras gerais.
Tal doutrina afigura-se-nos perfeitamente ajustada ao texto legal ora em vigor, aplicável ao caso, quando, como ora sucede, a violência ultrapassa a simples ofensa ligeira (vg., para além de tudo o que pode subsumir-se ao conceito de ameaça grave, o uso da força física em puxões, empurrões, ou até ofensas corporais ligeiras sem causar lesões designadamente se provocadas sem intenção específica de causar lesões ao funcionário). Isto naturalmente no pressuposto de que a ofensa corporal é praticada dolosamente, o que em muitos casos pode não acontecer.
No sentido do concurso aparente entre o crime de coacção e o de ofensas corporais ligeiras (apenas) v. TAIPA DE CARVALHO, in Comentário Conimbricence ao C. Penal, Tomo I, 368, em anotação ao art. 154º.
Ora, no caso vertente o arguido dirigiu o veículo automóvel, meio considerado particularmente perigoso no acórdão recorrido, em argumentação que não merece censura, contra o motociclo de serviço, veículo de apenas duas rodas no qual seguia o ofendido, devidamente uniformizado, no exercício das suas funções, com a finalidade de o abalroar e fazer cair o condutor, evitando assim que o pudesse fiscalizar.
Além disso a conduta do arguido é punida ainda por mais duas agravantes qualificativas do crime de ofensa à integridade física – al. j) e al. f) do art. 131º, n.º2.
Por outro lado, tem termos do tipo subjectivo do ilícito resulta da matéria provada que o arguido actuou “com intenção de usar a viatura, meio particularmente perigoso, para causar ao gente ofensas corporais que o impedissem de lhe mover nova perseguição”.
Assim, protegendo os dois tipos de crime bens jurídicos diferentes, e verificando-se os elementos do tipo de culpa dolosa em relação a ambos, conclui-se pela existência de concurso efectivo e também neste particular a decisão recorrida não merece censura.



5. Relativamente à atenuação especial da pena pelo facto de o arguido Ter menos de 21 anos á data dos factos, não é a mesma de funcionamento “automático”.
Com efeito resulta expressamente do teor do art. 4º do DL 401/82 de 23.09 deve o juiz atenuar especialmente a pena (apenas) “quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultarem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
E para além de o próprio recorrente não explicitar tais razões, como bem salienta o acórdão recorrido, tal não se verifica no caso em apreço, quer pelas condenações já sofridas anteriormente pelo arguido e revelada insensibilidade perante as mesmas, bem como pela personalidade violenta demonstrada pela sua conduta ora em apreço, quer pela falta de assunção da sua responsabilidade e arrependimento.
Aliás não se vê como poderia a atenuação da pena facilitar a ressocialização do arguido quando a verdadeira ressocialização supõe, antes de mais, uma atitude crítica e de arrependimento em relação à conduta criminosa. E no caso o arguido nem admite nem a prática dos factos nem assume qualquer atitude crítica em relação aos mesmos.
Pelo que nesta perspectiva a atenuação acabaria por contribuir, de alguma forma, para uma sensação de impunidade e incentivo à actuação à margem da lei e dos bons princípios.


6. Medida da pena aplicada em cúmulo / suspensão
Alega o recorrente que a realização do cúmulo jurídico não observou o critério jurisprudencial de somar à pena concreta mais grave 1/3 de cada uma das restantes que entram no cúmulo. No entanto, tal critério, a existir, não pode ter outro significado que não seja o de simples critério de orientação, ajustável a cada caso concreto. Com efeito, o critério legal para a determinação da pena única, dentro dos limites máximo e mínimo o definido no art. 77º, n.º2 do C. Penal, é o definido pelo n.º1 do mesmo preceito: “na medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
Ora, abreviando razões, afigura-se que também aqui o acórdão recorrido faz uma correcta avaliação da personalidade do arguido e da gravidade dos factos no seu conjunto para efeito de determinação da pena única.
Desde logo destaca-se a gravidade dos factos – utilização de um veículo automóvel contra um agente da força policial transportado em veiculo de 2 rodas – fazendo lembrar modos de actuação pouco frequentes no nosso país, de que resultou aliás o efectivo impedimento do exercício das funções pelo agente da autoridade, criando um risco acrescido para a integridade física do agente, face às consequências sempre imprevisíveis da queda de um motociclo em movimento.
No mesmo sentido aponta a variedade de infracções e bens jurídicos violados, a gravidade das lesões causadas ao agente que determinaram 67 dias de doença com incapacidade para o trabalho, bem como os estragos causados em bem do Estado, cuja reparação importou em € 1785,30.
Do mesmo modo, no que concerne à personalidade do arguido, para além de antecedentes criminais, há que ponderar que o arguido sofreu já anteriormente duas condenações, uma delas por crime de furto e outra por condução sem habilitação, crime este praticado pela 2ª vez no caso dos autos. Bem como o grau de falta de determinação de acordo com os parâmetros legais revelada na actuação subsequente do arguido destruindo pelo fogo o automóvel, por forma a inviabilizar a sua identificação. Identificação que nunca seria conseguida não fossem os meios informáticos à disposição da Polícia, utilizados a partir das referências dadas pelo agente envolvido.
Para além da falta de assunção dos seus actos e a total falta de arrependimento ou de outras circunstâncias atenuantes.
Assim, tudo ponderado, aceitando as demais razões aduzidas pelo tribunal colectivo, afigura-se bem doseada a pena aplicada em cúmulo jurídico.



7. Suspensão da execução da pena
Nos termos do art. 50º do C. Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão não superior a 3 anos de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Como escreve FIGUEIREDO DIAS, Consequências Jurídicas Do Crime, Ed. Aequitas, p. 342, para além do pressuposto formal (pena inferior a 3 anos de prisão), lei exige um pressuposto e ordem material, ou seja a verificação, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do caso, de um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido no futuro.
Ora no caso nem o próprio recorrente explica em que fundamenta o falado juízo de prognose favorável que serviria de suporte à suspensão.
Pelo contrário, tal juízo de prognose favorável é liminarmente afastado pela sua atitude perante os factos a que já se fez referência.
Nem ficaria satisfeito o pressuposto da protecção dos bens jurídicos violados, que o art. 40º, n.º1 do C. Penal, após a Reforma de 95, pôs em destaque como primeira finalidade das penas.
Com efeito dispõe o art. 40º do C. Penal, no seu nº1 que “a aplicação da pena ... visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. E acrescenta o nº2: “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
A pena há-de ser eficaz por forma a proteger o bem jurídico violado servindo como elemento dissuasor da prática de novos crimes, constituindo a retribuição justa do mal praticado, dando satisfação ao sentimento de justiça e segurança da comunidade, devendo contribuir, na medida do possível, para a reinserção social do delinquente.
Como sustenta ROBALO CORDEIO, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal – CEJ - p. 48 as exigências geral positiva e de prevenção especial de socialização dominam agora a operação de escolha da pena, a culpa esgotou as suas virtualidades na determinação da pena principal.
Ora nem o sentimento de justiça e segurança da comunidade, atendendo à gravidade dos factos, ao grau de violência dos mesmos, à ostensiva falta de assunção, por parte do arguido, da responsabilidade dos seus actos, ficaria de modo algum acautelado com a suspensão da pena. Nem a prevenção especial, pela falta de arrependimento e de atitude crítica em relação aos factos, bem como pelos antecedentes criminais do arguido.
Pelo que, concluindo, falecem de todo os fundamentos para a pretendida suspensão da pena.



IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.