Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1522/05.2TBFIG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: CITAÇÃO POSTAL
NULIDADE
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Data do Acordão: 09/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTºS 198º, 240º E 241º DO CPC.
Sumário: I – Não sendo hoje considerada pela lei uma formalidade essencial, a expedição da carta registada a que se refere o art.º 241º do Código de Processo Civil é, mesmo assim, uma formalidade necessária que cumpre um dever de informação e garantia.
II - Correspondendo a sua omissão a uma nulidade que cabe na previsão do art. 198º do CPC, o seu cumprimento extemporâneo, por referência ao prazo fixado no art. 241º do CPC, impõe que casuisticamente seja feita a apreciação se essa extemporaneidade afecta, em prejuízo, a defesa do citado e impõe a anulação do acto.
III - A omissão e a extemporaneidade do envio da carta a que alude o art. 241º do CPC , como nulidade prevista no art. 198º, não sendo de conhecimento oficioso impõe a sua arguição pelo interessado no prazo estabelecido no nº 2 deste ultimo preceito.
IV - Por ser a citação por afixação de nota, prevista no art.º 240º do Código de Processo Civil, aquela que menos garantias dá da sua efectividade, independentemente da arguição da nulidade, não pode aceitar-se o conhecimento da citação pelo réu quando, comprovadamente, a carta a que se refere o art.º 241º do mesmo código não chega ao seu conhecimento dentro do prazo da contestação, devendo então considerar-se que é com a recepção dessa carta que o citado fica em condições de conhecer o conteúdo da citação, correndo a partir dessa data o prazo da contestação.
V - A arguição da nulidade da citação, ainda que de conhecimento oficioso, se não for realizada pelo interessado perante o tribunal de primeira instância não o pode ser nas alegações de recurso, salvo como mera lembrança/sugestão da existência de uma questão de conhecimento oficioso.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra

Por decisão singular do relator, proferida nos termos do art. 705 do CPC, foi negado provimento ao Agravo interposto por M… e em que é agravada “F…, Lda.”

Desta decisão veio agora reclamar para a conferência a Agravante sustentando que:

- Num recurso de agravo, como o presente, não era legalmente admissível decidir singularmente nos termos do art. 705 do CPC, o que é apenas previsto para os recursos de Apelação;

- A recorrente tem direito a uma decisão colectiva;

- A requerente juntou com as alegações um documento e sobre ele nada se decidiu;

- No domínio do art. 921 do CPC a recorrente podia arguir nas suas alegações de recurso a nulidade da citação do executado e o Tribunal da Relação deve pronunciar-se sobre a aplicabilidade ou não do art. 921 do CPC à citação feita na pessoa da executada e, bem assim, se a todo o tempo pode ser arguida a nulidade da citação, onde se inclui as alegações de recurso de agravo, como reclamação.

Apreciando a primeira questão suscitada, relativa à admissibilidade de ser proferida em recurso de Agravo decisão singular nos termos do art. 705 do CPC, cremos que a resposta emerge do art. 749 do mesmo diploma (na redacção aplicável) porquanto aí se determina que “ao julgamento do agravo são aplicáveis, na parte em que o puder ser, as disposições que regulam o julgamento da apelação, salvo o que vai prescrito nos artigos seguintes”.

Ora, como nos artigos subsequentes nenhuma restrição se faz à aplicação do art. 705 (pertencente à subsecção III – Julgamento do recurso de Apelação), julgamos que fica explicado o fundamento que admitia que tivesse sido proferida decisão singular. E sendo o argumento da recorrente no sentido de essa admissibilidade ser recusada porque o art. 752, nº 1 não previa a possibilidade de ser proferida decisão singular, teremos de observar esse preceito (o art. 752) corresponde ao art. 707, a propósito da preparação da decisão, contendo ambos os prazos de vista aos juízes adjuntos quando devam ter lugar. Ou seja, se no dizer da recorrente não se podia decidir singularmente no agravo porque se previa expressamente a ida do processo a vistos dos juízes adjuntos, então tal significaria, por absurdo, que também na apelação não poderia ser usada essa faculdade, por haver norma referente, também, à remessa do processo a vistos dos adjuntos. E nem cremos que se possa dizer que a diferença reside na circunstância de a decisão singular estar expressamente prevista no regime da Apelação (no art. 705) e não no regime do Agravo, porquanto a remissão do art.749 torna admissível que seja proferida decisão singular inexistindo questões sistemáticas ou funcionais que neguem essa faculdade nos Agravos.

Assim, para lá de não haver, pois, qualquer razão de natureza processual, ou outra, a obstar que num recurso de Agravo se pudesse decidir singularmente, nas mesmas condições em que tal era admitido nas Apelações, sempre se dirá quadro da natureza, finalidade e até hierarquia dos recursos resultaria de todo incompreensível por ilógico (por óbvias razões nas quais figura a expressa remissão das regras do julgamento do agravo para as da apelação) que se permitisse a decisão singular na Apelação e já não no Agravo.

Seja como seja, independentemente da falta de razão da agravante neste argumento, certo é que em face de uma decisão singular do relator (que não seja de mero expediente) pode a recorrente sempre requerer que sobre essa decisão recaia um acórdão – art. 700º, nº 3 do CPC – razão pela qual se passa a conhecer o mérito do recurso, apreciado singularmente, na forma de acórdão.

… …

Relatório

No 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, em oposição à execução, a executada M… alegou, entre o mais, que não tinha havido, na execução, citação prévia, pelo que essa mesma execução teria de ser suspensa.

O tribunal recorrido, em 3 - 1- 2011 proferiu o seguinte despacho: “ A executada foi citada em 26.06.2006 (fls. 119 dos autos principais).

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 241.º em 16.10.2010 (cfr. comunicação da SE em 17-10-2010).

Excede, assim, largamente, o prazo de 20 dias previsto no artigo 813.º, n.º 1 do CPC (o qual, aliás, se conta da citação em 2006).

Em face do exposto, nos termos do artigo 817, nº1, al. a) do CPC, indefiro liminarmente a oposição à execução por extemporaneidade.

Notifique.”

 

A executada solicitou então aclaração desse despacho requerendo nos seguintes termos: “notificada do despacho que sentencia a extemporaneidade da oposição à execução que atravessou nos autos, vem muito respeitosamente pedir a V.ª Ex.ª que aclare o supra dito despacho, porquanto a oponente foi notificada por carta expedida sob registo no dia 13 de Janeiro deste ano 2011, com selo branco e tudo, para no prazo de 20 dias deduzir oposição à execução, oposição à penhora ou proceder ao pagamento voluntário, conforme doc. 1 que se junta e cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais.

Assim, posto isto, requer a V.ª Ex.ª que proceda à aclaração do despacho, porquanto a executada foi notificada pela solicitadora de execução nos termos descritos e constantes do documento 1.”

Na sequência deste requerimento o tribunal determinou que fosse notificado o solicitador de execução “com cópia do despacho de 03.02.2011, do requerimento de 14.02.2011 e dos documentos a este anexos para, no prazo de dez dias, esclarecer se procedeu a (nova) citação da executada, na data constante do documento que junto, e, em caso afirmativo, qual o motivo.”.

A solicitadora de execução veio então informar que “A citação da executada foi efectuada por afixação da nota de citação, na porta do apartamento onde, à data, a mesma residia.

Mais tarde, verificou-se ser necessário efectuar a citação nos termos do disposto no artigo 241º do CPC, citação que foi cumprida conforme documentos que se junta, os quais também se encontram junto aos autos principais.

Ao pretender a signatária notificar a executada para a venda do imóvel, verificou na aplicação informática, GPESE/SISAE, que a mesma tinha uma outra morada.

Efectuou então a notificação para essa nova morada.

A Executada, contactou telefonicamente com a Agente de execução, dizendo que nunca tinha recebido nada, mas disse, que na data em que foi afixada a Nota de citação, ainda era ali a sua residência. Solicitou a mesma, caso fosse possível, que lhe fosse enviada toda a documentação. O que foi de imediato efectuado pela signatária.

O certo é que o envio da documentação deveria de ter sido efectuada simplesmente em carta normal e nunca sob a forma de citação, como por lapso foi enviada. Pois, efectivamente a citação já se encontrava efectuada, pelo que desde já se requer que lhe seja relevado o excesso de zelo.”.

Em 31.01.2012 o tribunal ora recorrido decidiu que: “Em 3-02-2011 foi proferido despacho, nos presentes autos, com o seguinte teor: “A executada foi citada em 26.06.2006 (fls. 119 dos autos principais). Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 241.º em 16.10.2010 (cfr. comunicação da SE em 17.10.2010). A oposição à execução deu entrada em 31.01.2011. Excede, assim, largamente, o prazo de 20 dias previsto no artigo 813.º, n.º 1 do CPC (o qual, aliás, se conta da citação, em 2006). Em face do exposto, nos termos do artigo 817.º, n.º 1, al. a) do CPC, indefiro liminarmente a oposição à execução, por extemporaneidade.”

Notificada do despacho supra referido, a executada veio dizer o seguinte (requerimento de 14-2-2011) “M… com NIF …, notificada do despacho que sentencia a extemporaneidade da oposição à execução que atravessou nos autos, vem muito respeitosamente pedir a V.ª Ex.ª que aclare o supra dito despacho, porquanto a oponente foi notificada por carta expedida sob registo no dia 13 de Janeiro deste ano 2011, com selo branco e tudo, para no prazo de 20 dias deduzir oposição à execução, oposição à penhora ou proceder ao pagamento voluntário, conforme doc. 1 que se junta e cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais. Assim, posto isto, requer a V.ª Ex.ª que proceda à aclaração do despacho, porquanto a executada foi notificada pela solicitadora de execução nos termos descritos e constantes do documento 1.”

Na sequência do requerimento da executada, foi proferido o presente despacho em 22-2-2011: “Notifique a ilustre SE, com cópia do despacho de 3-2-2011, do requerimento de 14.02.2011 e dos documentos a ele anexos para, no prazo de dez dias, esclarecer se procedeu a (nova) citação da executada, na data constante do documento que junto, e, em caso afirmativo, qual o motivo.”

Pela ilustre Solicitadora de Execução foi apresentada a seguinte explicação: (requerimento de 02.04.2011): “A citação da executada foi efectuada por afixação da nota de citação, na porta do apartamento onde, à data a mesma residia. Mais tarde, verificou-se ser necessário efectuar a citação nos termos do disposto no artigo 241º do CPC, citação que foi cumprida conforme documentos que se junta, os quais também se encontram junto aos autos principais. Ao pretender a signatária notificar a executada para a venda do imóvel, verificou na aplicação informática, GPESE/SISAE, que a mesma tinha uma outra morada. Efectuou então a notificação para essa nova morada. A Executada, contactou telefonicamente com a Agente de execução, dizendo que nunca tinha recebido nada, mas disse, que na data em que foi afixada a Nota de citação, ainda era ali a sua residência. Solicitou a mesma, caso fosse possível, que lhe fosse enviada toda a documentação. O que foi de imediato efectuado pela signatária. O certo é que o envio da documentação deveria de ter sido efectuada simplesmente em carta normal e nunca sob a forma de citação, como por lapso foi enviada. Pois, efectivamente a citação já se encontrava efectuada, pelo que desde já se requer que lhe seja relevado o excesso de zelo.”

Cumpre apreciar e decidir.

A citação, nos autos principais de execução, foi realizada em 26.06.2006 (fls. 118 verso dos autos principais), na modalidade de citação com hora certa. Resulta de fls. 118 verso que foram observadas todas as formalidades previstas no artigo 240º do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 241.º (cfr. comunicação da SE em 17.10.2010).

A exequente não arguiu a falsidade do acto processual nem tão pouco a nulidade da citação, em qualquer das suas intervenções nos autos.

Não estando posta em causa a regularidade formal da citação realizada em 26.06.2006 (nem havendo razões para pô-la em causa), nada mais resta se não admitir que produziu os seus efeitos processuais normais, neles incluindo o início do prazo para deduzir oposição à execução. Tais efeitos estabilizaram, face à preclusão, entretanto verificada, dos direitos a arguir eventuais nulidades e falsidade de actos (cfr. artigos 198.º, n.º 2, 205.º, n.º 1 e n.º 2 e 551.º-A, n.º 2 do CPC).

Como refere a Ilustre S. E., quando foi realizada a notificação que, por lapso, obedeceu às formalidades da citação, já a “verdadeira” citação tinha sido (correctamente) realizada nos autos. Como tal, não pode reconhecer-se àquele acto a faculdade de fazer renascer um prazo processual peremptório já decorrido e esgotado. Sendo certo que as partes não podem ser prejudicadas pelos erros das secretarias (e, por identidade de razão, do Solicitador de Execução), nos termos do artigo 161.º, n.º 6 do CPC, não é menos verdade que, neste caso, não se estaria a prejudicar a opoente (que teve já o benefício do prazo para deduzir oposição), mas sim a beneficiá-la injustificadamente, e em prejuízo do exequente e credores (estes sim, poderiam afirmar que teriam sido prejudicados caso se concedesse à executada uma segunda oportunidade para deduzir oposição).

Note-se, por fim, que a situação dos autos não é análoga à do n.º 3 do artigo 198.º do CPC (indicação de prazo de defesa superior ao legalmente previsto), porquanto este pressupõe que o prazo inicial foi incorrectamente assinalado, em benefício do citando, que assim pode contar à partida com o prazo mais longo. Diferente é o caso dos autos em que o prazo inicial foi correctamente indicado, a executada pôde contar com ele, que conheceu o seu termo sem que o direito processual em causa tenha sido efectivamente exercido.

Em face do exposto, mantém-se o decidido em despacho de 3-2-2011 que se tem por aclarado.

Notifique”

… …

Inconformada com esta decisão a executada veio interpor o presente recurso no qual conclui que:

...

Não houve contra alegações

Cumpre decidir

… …

Da inadmissibilidade da junção de documento com as alegações

A recorrente com as suas alegações de recurso juntou um documento (vd. fls.34) dizendo que este prova que nunca lhe foi enviada a carta que se diz ter-lhe sido remetida em 18-10-2010.

Ora, a junção de documentos na instância de recurso obedece, compreensivelmente, a regras particularmente restritivas.

Com as suas alegações do recurso, as partes só podem juntar documentos, objectiva ou subjectivamente, supervenientes – i.e., cuja apresentação foi impossível até à apresentação dessas alegações - ou cuja junção se torne necessária em virtude da decisão proferida na 1ª instância (artº 524 nºs 1 e 2 e 706 CPC). Mas é claro que esta faculdade não compreende o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia – e deveria – ter oferecido naquela instância[1].

A parte que pretenda, nas condições apontadas, oferecer o documento deve, portanto, demonstrar a impossibilidade da junção do documento no momento normal, i.e., alegando e demonstrando o carácter objectiva ou subjectivamente superveniente desse mesmo documento, ou, numa outra hipóteses, a surpresa de uma fundamentação ou dum objecto da decisão com o qual não podia razoavelmente contar e que torne necessária a apresentação do documento.

Em qualquer caso, a parte deve alegar e demonstrar que o desconhecimento do documento não ficou a dever-se uma negligência sua, já que só desse modo o documento pode ter-se por subjectivamente superveniente.

No caso em decisão a junção do documento é feita de forma avulsa, isto é, no meio das alegações e sem qualquer autonomia mas, mais importante, sem qualquer alegação adicional das razões da sua não junção anterior.

Assim, deveria ser recusada a sua junção.

Sublinhe-se ainda que outra razão existe para desconsiderar essa junção e que resulta da circunstância de esse protestado documento se consubstanciar no suporte em papel de uma consulta realizada através de internet ao site dos CTT para localização dos objectos expedidos por correio registado. E perante o facto de se ler nessa consulta que o objecto com nº RP851889912PT não foi encontrado, pretende a recorrente retirar a evidência probatória de a carta discutida nos autos para cumprimento do art. 241 não ter sido enviada. Contudo, a fls. 44 destes autos de recurso encontra-se um documento correspondente à consulta feita ao mesmo site dos CTT e de onde se extrai que esse objecto RP851889912PT foi enviado às 10.00 h do dia 19-10-2010 e foi entregue, constando deste documento os demais informes dessa entrega e aceitação (em Pombal).

Percebe-se obviamente a razão e o porquê de na consulta realizada pela recorrente o objecto não ter sido encontrado. É que os elementos activos dessa consulta ao fim de determinado tempo (dependendo das estações, entre um ano e um ano e meio) deixam de poder ser encontrados por deixarem de estar activos para consulta, apenas podendo ser obtidos através de solicitação directa aos CTT na forma de reclamação, o que a recorrente não fez. Por isso, o dizer-se “objecto não encontrado” nunca poderia significa que esse mesmo objecto não tenha sido enviado, entregue e aceite, contrariamente ao que a recorrente pretende, estando nos autos desmentida esta pretensão pela evidência do documento de fls. 44 que em parte alguma a agravante impugnou, seja na acção seja no recurso, pois que para dizer que não tinha sido enviada aquela carta não bastava, nunca, dizer que no site dos CTT não conseguia encontrar esse objecto mas seria antes necessário que alegasse (o que não fez) que esse objecto não existia por não ter sido enviado, juntando documento necessário e bem diferente do que junta, ou seja, reclamação junto dos CTT que certificasse essa não existência e envio.

Em síntese, por todas estas razões é de indeferir a junção desse documento que para lá da sua inadmissibilidade é também de todo, e no mínimo, irrelevante 

… …

Fundamentação

Os factos que interessam à decisão são os que constam do relatório, nomeadamente os que certificam os despachos e requerimentos referidos e os factos que neles constam, nomeadamente o teor dos documentos de fls. 42 deste recurso, com a epígrafe “citação de executado” e o de fls. 44 que se dão por reproduzidos nos seus termos e dizeres.

Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), nem criar decisões sobre matéria nova, o que importa decidir no Agravo é saber se a citação foi realizada no processo de execução e, na afirmativa, em que data o foi.

A decisão recorrida entendeu que a citação da executada, aqui agravante, foi realizada regularmente na execução em 26.06.2006 (fls. 118 verso dos autos principais, 42 dos autos de recurso), na modalidade de citação com hora certa, entendendo ainda que foram observadas todas as formalidades previstas no artigo 240º do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março e dado cumprimento ao disposto no artigo 241.º (cfr. comunicação da SE em 18.10.2010).

Na compreensão total deste despacho e dos factos para que remete obtemos que, segundo o art. 240º, nº 1 do CPC, na redacção aplicável à data, se o solicitador de execução ou funcionário judicial apurar que o citando reside ou trabalha efectivamente no local indicado, não podendo, todavia proceder à citação por não o encontrar, deixará nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhor condições de a transmitir ao citando, ou, quando tal for impossível, afixará o respectivo aviso no local mais indicado na pessoa capaz. 

Os números seguintes desse preceito explicam, detalhadamente, os procedimentos a cumprir por parte de quem realiza a citação nessa modalidade e o art. 241º conclui determinando que “sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em consequência do preceituado nos arts. 236 nº2 e 240 nº2, ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do art. 240 nº3, será ainda enviada, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada”.

Este dispositivo, considerado por Alberto dos Reis como uma “diligência complementar e cautelar: a expedição de carta a dar conhecimento da citação”[2] constitui um acréscimo de garantia do direito de defesa mas não é em bom rigor um procedimento da citação, que se encontra já realizada, sendo por isso mesmo que a carta que se envia em obediência a esse dispositivo legal informa a data e o modo como foi (e não como está a ser) realizada a citação.

Por sua vez, conforme entende Lebre de Freitas, a exigência de o envio a carta pertencer à secretaria, deixa claro que tal incumbência não cabe já ao solicitador da execução e o prazo estabelecido pretende evitar delongas injustificáveis[3].

Seja como seja, uma primeira conclusão que retiramos é a de que quando a expedição desta carta é realizada já a citação se encontra feita e já o prazo de contestação foi fixado, começando a correr a partir da data da dilação, não se destinado esse envio à contagem de qualquer prazo de contestação mas simplesmente a garantir pela aparência formal, um conhecimento como acréscimo de garantia. Ou dito de outra forma, a carta a que se refere o art. 241 do CPC faz à pessoa que se citou nos termos do art. 240, o resumo das diligências que se fizeram nesse sentido sendo em termos informativos uma repetição de tudo o que já antes se lhe tinha dado conhecimento.

A garantia pretendida por essa aparência formal em que se traduz o envio da carta e a alusão a que a remessa seja feita pela secretaria e no prazo de 2 dias constitui uma revelação do reforço dessa garantia, querendo-se que seja o próprio tribunal a assumir a última diligência e que esta seja feita de forma útil, bastando questionar que utilidade terá a remessa da carta se esta for feita num momento em que o prazo da contestação já tenha decorrido, ficando então sem sentido a informação que aí se presta de quais as cominações aplicáveis à falta de contestação e o prazo para o oferecimento da defesa. Se por um lado a carta não constitui um elemento essencial à citação, que se consuma antes do seu envio, por outro aspecto o legislador desejou que essa carta tenha em termos informativos um efeito útil que só ocorre se ela for feita enquanto o prazo de defesa está a correr.

A questão que se coloca, então, é a de saber quais as consequências quando esse envio da carta não é realizado ou não o é no prazo de dois dias fixado mas posteriormente.

O art. 194 al. a) do CPC estabelece (e estabelecia na altura com a redacção do DL 38/2003) que é nulo todo o processo quando o réu não tenha sido citado, explicitando o art. 195 os casos em que se considera inexistir a citação, e de onde resulta que nenhum desses casos alude à falta do envio da carta a que se refere o art. 241 ou o deste envio ser posterior ao prazo fixado neste preceito.

Por outro lado, e quanto à nulidade da citação, o art. 198 refere que sem prejuízo do disposto no art. 195 a citação é nula quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.

O prazo de arguição desta nulidade, que não é de conhecimento oficioso, é o indicado para a contestação - art. 198 nº2 (salvo nos casos de citação edital ou não indicação do prazo de defesa que no caso não relevam) sendo a arguição só atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado - art. 198 nº4.     

Em todas as situações cominadas de nulidade, a omissão ou não observância dos procedimentos/formalidades prescritas para realizar a citação coloca-se no círculo daquelas diligências que conduzem à citação e como modo de concluir pelo conhecimento dado ao citando. Porém, como observámos e repetimos, a formalidade prescrita no art. 241 do CPC não se situa antes da realização da citação mas sim, diferentemente, como forma de comunicar que a citação já foi realizada e, inclusivamente, a partir de quando o prazo de contestação começa a correr.

Deste modo, cremos que o não envio da carta, a sua extemporaneidade, por referência ao prazo estabelecido no preceito, ou mesmo o seu envio pelo solicitador da execução e não pela secretaria, não conduzem à conclusão da inexistência da citação. Porém, quanto à sua nulidade importa ter presente que, na origem, o CPC de 1939 no seu art. 195 nº4 al.c) e na redacção do art.º 195º, nº 1, al. d) e nº 2, al. c), (do CPC de 1961) cominava-se com a falta de citação a falta do envio da carta por omissão de uma formalidade essencial, explicando Alberto dos Reis, in Comentário, vol. 2º, pág. 331, que «esta forma de citação oferece menos segurança do que a citação feita numa pessoa. Bem se compreende que, quanto mais precária seja a forma da citação, maior seja a soma de formalidades essenciais».

Assim, na origem do preceito, a exigência do envio da carta como acto posterior à citação por hora certa, era entendida como formalidade essencial cuja omissão determinava que se considerasse a citação como inexistente, num entendimento que não desacreditando a afirmação de que a citação ocorre em momento anterior, fazia depender a existência dessa citação e os seus efeitos, de uma formalidade posterior.

Perante a pacífica evidência de a lei ter retirado o envio da carta em discussão do elenco das causas de falta de citação, o que nos importa é saber qual a disciplina a observar quando essa formalidade não tenha sido cumprida ou o tenha sido quando o prazo da contestação já tenha decorrido.

Como observou o Tribunal da Relação do Porto[4] “Não sendo hoje considerada pela lei uma formalidade essencial, a expedição da carta registada a que se refere o art.º 241º está longe de ser uma inutilidade; se o fosse não teria consagração legal nem se justificava o reforço da exigência de envio de carta em dois dias úteis após a citação (na redacção do Decreto-lei nº 38/2003, de 8 de Março, aqui aplicável).”. Porém, saber se a sua preterição ou cumprimento extemporâneo cabe na previsão no art. 201º ou pode ser fonte de nulidade nos termos do art.º 198º, nº 1, como defende o acórdão citado, é matéria que se nos impõe decidir.

Considerando que a expedição de carta registada constitui uma forma de reforçar a probabilidade do réu tomar conhecimento cabal de que foi proposta contra ele determinada acção, das condições em que deve intervir no processo, assim como das consequências mais prementes da sua inércia e na conclusão que todos estes imperativos a tornam essencial ao direito de defesa na acção judicial, o acórdão citado sustenta que a sua preterição pode ser fonte de nulidade nos termos do art.º 198º, nº 1, e deve ser atendida se puder prejudicar a defesa do citado (nº 3) o que se deve no entanto apreciar caso a caso, sem embargo de bastar a mera possibilidade de causar aquele prejuízo sem que seja necessário que se demonstre prejuízo efectivo para a defesa do réu, nem nexo causal entre este e a preterição da formalidade.

Haveria assim, no entender desse acórdão citado, relevante preterição de formalidades quando a secretaria nem sequer envia a carta registada a que se refere o art.º 241º, omitindo completamente o acto com prejuízo da segurança destinada a garantir os direitos de defesa que, por várias razões, pode não ter observado a nota de citação no local onde foi afixada, não bastando que o dito reforço de citação ocorra com referência à generalidade das indicações que ficaram a constar da nota de citação afixada (art.º 240º, nº 3), sendo também importante que, tanto quanto possível, a carta registada que o comporta seja expedida pela secretaria no prazo de dois dias úteis a contar daquela afixação, assim reforçando a possibilidade de exercício do contraditório e de uma defesa preparada, efectiva e fundamentada.

E se assim é, não existiriam razões para distinguir esses casos daqueles outros em que a carta foi enviada mas de tal modo tarde que quando recepcionada já tenham decorrido todos os prazos de que poderia dispor para exercer a sua oposição à acção.

No caso em decisão é manifesto que quando a carta a que se alude no art. 241º do CPC foi enviada ao executado há muito que tudo o que era informação útil que nela se continha se tinha exaurido, pela circunstância de a remessa da carta ter sido realizada em 18-10-2010, mais de 4 anos após a fixação da nota de citação, em 26-6-2006.

Perante esta situação, uma das soluções pode ser a de a reconduzir ao regime das nulidades previsto no art. 201º do CPC que rege que “ 1- fora dos casos previstos nos artigos anteriores a prática de um acto que a lei não admita ou a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produz a nulidade quando a  lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

Note-se que o nº 3 deste diploma ao estabelecer que “se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o acto seja idóneo” deixaria mesmo assim em aberto a discussão sobre se seria admitir que, no caso, os efeitos da citação sempre se teriam por produzidos porquanto o envio da carta só surge em momento posterior ao da citação e de forma complementar e os efeitos daquela citação não dependeriam do envio da carta mas sim o contrário, ou seja, esta remessa é que dependeria da circunstância de a citação já estar realizada.               

Assim, a arguição da nulidade em que se traduziria o envio da carta por parte do solicitador da execução (e não pela secretaria) ou o seu envio para lá dos dois dias determinados legalmente, teria de ser arguida pelo agravado (vd. art. 202 CPC parte final) no prazo legal, contado a partir do momento em que depois de cometida a nulidade interveio em algum acto praticado no processo ou tenha sido notificado para qualquer termo dele, neste último caso, só quando se deva presumir que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer agindo com a devida diligência – art. 205 CPC nº1 parte final.

Outra solução seria, como já vimos, a de configurar a extemporaneidade do envio da carta como uma nulidade da citação enquadrável no art. 198, configurando ainda essa omissão como uma formalidade necessária à própria citação, podendo argui-la na primeira intervenção do citado no processo, por ter de se considerar que a carta enviada depois de decorrido o prazo da contestação equivaleria a uma situação semelhante à prevista no art. 198 nº2 parte final, ou seja, à falta de indicação do prazo de contestação.

Por tudo o exposto, propendemos também nós a aceitar como mais razoável este entendimento na convicção interpretativa de que o legislador quis considerar insuficiente aquela citação quando não seguida da advertência registada posterior em tempo útil e sempre que o envio da carta registada se faça quando se deva considerar prejudicada a defesa do citado.

Neste abono, como assinala no ac. da RP citado anteriormente, “O nº 4 do art.º 233º refere-se à presunção de citação para o caso desta ser efectuada em pessoa diversa do citando. A lei faz presumir que o terceiro que está encarregue de transmitir o conteúdo do acto ao citando lhe deu oportuno conhecimento, considerando-se este citado se não ilidir aquela presunção. Não há, contudo, norma expressa que preveja a presunção de citação para os casos de citação com afixação de nota por falta de colaboração de terceiros (art.º 240º, nº 3). E mesmo admitindo a interpretação extensiva daquela norma a esta última forma de citação, defendida por Lebre de Freitas (Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, 1999, vol. 1º, pág.s 390 e 391), não podemos olvidar a prova diabólica que o réu tem que fazer para demonstrar o facto negativo de que a nota de citação não foi afixada, ou o foi em determinado local onde não a poderia ter observado, ou ainda que, por qualquer razão, não estava em condições de poder ter dela conhecimento. (…)

Justamente, por ser a citação por afixação de nota aquela que menos garantias dá da sua efectividade, com ela devemos ser especialmente exigentes, não podendo aceitar-se o conhecimento da citação pelo réu quando, comprovadamente, a carta a que se refere o art.º 241º não chega ao seu conhecimento dentro do prazo da contestação, devendo então considerar-se que é com a recepção dessa carta registada que o citado fica em condições de conhecer o conteúdo da citação, correndo a partir dessa.”

Podemos até acrescentar que a exigência do envio da carta se realizar no prazo de dois dias se conjuga com o estatuído no art. 252 –A nº1 al.) do CPC quando estabelece uma dilação de dias para o prazo de defesa quando a modalidade a citação seja a do art. 240 nº2 e 3, concluindo-se que se desejou que o envio da carta se faça em termos tais que chegue ao conhecimento do citado antes de o prazo da defesa , sem a dilação, ter começado a correr.

No seguimento do entendimento de Lebre de Freitas[5], o conhecimento, pelo citando, ainda que imperfeito, do acto da citação sem que todos os elementos referidos no art.º 235º estejam em seu poder impede a falta de citação do art.º 195º, al. e), mas constitui, a menos que esse conhecimento seja perfeito (cf. art.º 224º, nº 1, do Código Civil), nulidade da citação, nos termos do art.º 198º. Contudo, a partir da entrada destes elementos na posse do citando, é irrelevante que este não tome deles conhecimento efectivo, pois estão já na sua esfera de controlo.

Por outro aspecto, o conteúdo da carta registada, dando integral cumprimento ao disposto no art.º 241º, deixa o R. em condições de tomar perfeito conhecimento da citação e das suas consequências, relevando apenas o atraso do seu envio para efeito de início do prazo de contestação.

Ora, sabendo-se nestes autos que o julgador em primeira instância considerou não existir nulidade da citação mas, ao invés, julgou-a validamente realizada em 19-10-2010 e considerando ainda que a ora agravante ao deduziu oposição não arguiu a nulidade da citação nos termos do art. 198º, nº 2 do CPC, tudo o que nos importa observar, na evidência de essa eventual nulidade da citação estar sanada[6], é a partir de que momento começou a contar o prazo da oposição e a resposta não poderá ser outra que não a de considerar que é partir de quando se deve considerar o conhecimento da citação, na data da recepção da carta que lhe foi enviada em 18 -10-2010.

Concretizando os argumentos da agravante, o pedido de aclaração foi indeferido e, como assim, no essencial, o que foi aí decidido é que não havia fundamento legal para aclarar a decisão que indeferiu liminarmente a oposição por ela não ser ambígua nem contraditória, tendo-se presente que os pedidos de aclaração não são uma forma de permitir ao julgador que altere a decisão que proferiu mas tão só que a clarifique no caso de ela padecer dos vícios e clareza enunciados.

Bastaria pois ao tribunal recorrido indeferir o pedido de aclaração, e reiterar o despacho reclamado, com base na inexistência de ambiguidade ou contradição. Contudo porque a argumentação da agravante não era, apenas, no sentido da aclaração, o tribunal recorrido respondeu à argumentação daquela esclarecendo que a extemporaneidade decidida como causa/fundamento da decisão de indeferimento liminar da oposição se havia contado a partir do momento em que o tribunal considerava citada a executada na execução, tendo sido sobre esta argumentação que a agravante construiu as suas alegações de recurso.

Deste modo carece de fundamento legal o afirmar a recorrente que a decisão recorrida extravasou a solicitada aclaração até porque, depois de mantido o despacho reclamado ela poderia argumentar, como argumentou, que o tribunal recorrido havia contado mal o prazo da contestação. É que, obviamente, se o tribunal de 1ª instância apenas se tivesse limitado a afirmar que mantinha a decisão que se pretendia ver aclarada por não existir ambiguidade nem contradição e nada tivesse referido quanto à citação e em que data ela se teria realizado, tal não significaria para a embargante que a sua oposição se considerasse tempestiva e aceite e que lhe evitasse ter de recorrer alegando, como o fez, que a oposição deveria ser aceite por estar em tempo.

Tendo-se entendido que a citação da executada foi realizada com hora certa e que o prazo da oposição se começou a contar a partir do momento em que se tem por recebida a carta enviada em cumprimento do art. 241º do CPC, reconhecendo-se também que esta carta pôde ser enviada pelo solicitador da execução porque a competência lhe está deferida pelo art. 808º, nº 1 do CPC, fica prejudicada a problemática de saber se existiram outras citações, “verdadeiras” ou não porquanto a determinação de qual o acto que realizou a citação na execução, torna inútil questionar que valor podem ter outro actos formalmente denominados de notificação ou de citação perante a declaração judicial de qual o acto que realizou essa citação e qual a data em que esta se realizou.

Todas estas observações respondem ainda às conclusões de recurso da agravante quando protesta, ao abrigo do art. 921º do CPC, que a nulidade da citação pode ser arguida a todo o tempo e mesmo nas alegações de recurso.

O art. 921º do CPC, tendo por âmbito de previsão a execução que corre à revelia do executado, se por um lado condiciona a sua aplicação à existência de revelia, por outro mantém tudo o que no capítulo sobre a nulidade dos actos se afirmou, nomeadamente o regime da sua invocação e conhecimento, de onde decorre, obviamente, que ela, se for invocável, o tenha de ser perante o tribunal onde foi cometida.

No caso em decisão, o envio tardio da carta a que alude o art. 241º do CPC não constitui uma nulidade de conhecimento oficioso porque, como dissemos, traduz apenas a não observância de uma formalidade mas, mesmo que considerássemos que esta inobservância se reconduzia ao regime dos casos previstos na segunda parte do nº 2 do art. 198º (que é de conhecimento oficioso), ainda assim, perante o objecto do conhecimento da decisão recorrida, em nada seria de alterar essa decisão.

Veja-se que o tribunal recorrido não declarou nenhuma nulidade da citação precisamente porque considerou esta (a citação) válida, fixando até o momento em que a mesma foi realizada e em que o prazo de oposição começou a contar-se, isto é, produziu uma decisão que resumiu em si mesma um “conhecimento oficioso” sobre a inexistência de qualquer nulidade da citação em causa. Por outro aspecto, na oposição, a recorrente não arguiu qualquer nulidade da citação e por isso não pode vir fazê-lo em sede de recurso uma vez que nenhuma disposição legal lho permite, nem mesmo o art. 921º do CPC onde a expressão “a todo o tempo” não exime que o requerimento contendo a invocação da nulidade tenha de ser feito no tribunal de primeira instância, até pela singela razão de que sendo os tribunais de recurso, isso mesmo, ou seja, instâncias de conhecimento e reapreciação de decisões proferidas, está-lhes vedado conhecer de questões que antes não tenham sido apreciadas, a não ser, como dissemos, que sejam de conhecimento oficioso e, neste caso, o seu conhecimento não depende da alegação das partes que lhe é, assim, irrelevante.

Diga-se também que não sendo o objecto dos recursos o de afirmar, em tese, o sentido da interpretação dos preceitos mas antes o de interpretar as normas aplicáveis à decisão, em vez de no caso em decisão se ter de decidir sobre a aplicabilidade abstracta do art. 921º do CPC e se essa arguida a todo o tempo, inclusive nas alegações de recurso, mesmo que o não tenha sido em primeira instância, o importante é (e foi) decidir se a recorrente tinha ou não sido citada e tal foi feito pelo tribunal recorrido.  

Ora, fazendo reverter tudo isto à situação em litígio, considerando que o tribunal de primeira instância entendeu como válida a citação realizada em 2006 e concluída pela carta enviada em 18-10-2010 e sublinhando que a decisão deste Tribunal da Relação é a de confirmar o seu acerto, não só esta decisão responde à questão suscitada pela recorrente de saber se a sua oposição é ou não extemporânea como também, implicitamente, esta mesma decisão se pronuncia sobre a validade da citação afastando a sua nulidade, deixando claro que a arguição da mesma, quando não tenha sido realizada perante o tribunal de primeira instância, não o pode ser nas alegações de recurso, salvo como mera lembrança/sugestão ao conhecimento oficioso do tribunal de recurso mas não como objecto do próprio recurso, nunca podendo a recorrente com razão sustentar que o tribunal de recurso devia ter conhecido e apreciado matéria por si apenas alegada no agravo e nunca antes suscitada em primeira instância.

É evidente que sendo uma questão de conhecimento oficioso, dentro do prazo em que tal conhecimento seja admissível, pode em recurso suscitar-se a questão de o tribunal recorrido não ter apreciado essa matéria, mesmo que não tenha sido invocada em primeira instância. Contudo no caso em decisão a questão que a recorrente queria ver suscitada, a existência/nulidade da citação, independentemente de ser de conhecimento oficioso ou não, foi apreciada pela decisão recorrida e também nesta decisão de recurso.

Confirmando-se a decisão da primeira instância, nesta decisão está contido o conhecimento de tudo o que é juridicamente relevante (em termos de aplicação e interpretação dos preceitos) e interessava para se afirmar a inexistência de qualquer nulidade da citação e que esta que foi concluída com a carta de notificação enviada em 18-10-2010.

     

Síntese conclusiva:

- Não sendo hoje considerada pela lei uma formalidade essencial, a expedição da carta registada a que se refere o art.º 241º do Código de Processo Civil é, mesmo assim, uma formalidade necessária que cumpre um dever de informação e garantia.

- Correspondendo a sua omissão a uma nulidade que cabe na previsão do art. 198 do CPC, o seu cumprimento extemporâneo, por referência ao prazo fixado no art. 241 do CPC, impõe que casuisticamente seja feita a apreciação se essa extemporaneidade afecta, em prejuízo, a defesa do citado e impõe a anulação do acto.

- a omissão e a extemporaneidade do envio da carta a que alude o art. 241 do CPC , como nulidade prevista no art. 198 não sendo de conhecimento oficioso impõe a sua arguição pelo interessado no prazo estabelecido no nº2 deste  ultimo preceito.

- Por ser a citação por afixação de nota, prevista no art.º 240º do Código de Processo Civil, aquela que menos garantias dá da sua efectividade, independentemente da arguição da nulidade, não pode aceitar-se o conhecimento da citação pelo réu quando, comprovadamente, a carta a que se refere o art.º 241º do mesmo código não chega ao seu conhecimento dentro do prazo da contestação, devendo então considerar-se que é com a recepção dessa carta que o citado fica em condições de conhecer o conteúdo da citação, correndo a partir dessa data o prazo da contestação.

- A arguição da nulidade da citação, ainda que de conhecimento oficioso, se não for realizada pelo interessado perante o tribunal de primeira instância não o pode ser nas alegações de recurso, salvo como mera lembrança/sugestão da existência de uma questão de conhecimento oficioso.

… …

Decisão

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao agravo e, em consequência, manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.

Custas pela Agravante.

Coimbra, 25 de Setembro de 2012


[1] Ac. do STJ de 03.03.89, BMJ nº 385, pág. 545 e João Espírito Santo, O Documento Superveniente para Efeitos de Recurso Ordinário e Extraordinário, Almedina, Coimbra, 2001, págs. 47 a 53.
[2] In Comentários ao CPC vol. II p. 648
[3] In CPC. Anotado, Vol. I p. 451

[4] Ac. de 15-4-2010 no proc. 2544/08.7TJPRT.P1, in dgsi.pt

[5] Op.ci. pa. 416
[6] Vd. Prof. Alberto dos Reis, in Processo de Execução, vol.II , p.442 a 444 onde este sustenta que se “ o executado não foi citado ou foi citado com preterição de formalidades mas interveio em certa altura do processo, também nesta hipótese estamos fora do alcance do art. 921; cometeu-se uma nulidade (falta de citação ou irregularidade da citação) mas a nulidade está longe de ter a consequência extrema definida neste artigo. É que tendo o executado intervindo no processo se queria tirar partido da falta ou da nulidade da sua citação cumpria-lhe arguir imediatamente a falta ou a nulidade (art. 196 e 198)