Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3775/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: RECUSA DE JUÍZ
Data do Acordão: 12/14/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SANTA COMBA DÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: PEDIDO DE ESCUSA
Decisão: DEFERIDO
Legislação Nacional: ART.ºS 40º E 43º DO C. P. PENAL
Sumário: Justifica-se o pedido de escusa quando o juiz, em anterior processo, formou convencimento através de um pré-juízo acerca do thema decidendum do novo processo que lhe é distribuído.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
O Ex.mº colega, Dr. A..., Juiz de Direito a exercer funções no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Comba Dão vem requerer a sua escusa para deixar de intervir no Processo Comum Singular nº 145/05.7TASCD.
Alega, para tanto:
“A..., Juiz de Direito, vem, por este meio, expor e requerer a Vossas Excelências o seguinte:
Compulsada a acusação pública, verifico que a alegada responsabilidade criminal das arguidas no presente processo deriva directamente das declarações por si prestadas no âmbito da realização do julgamento no processo n.º 44/03.0GCSCD deste 2° juízo, o qual foi presidido pelo ora subscritor.
Ora, atendendo aos pressupostos que originaram a instauração do processo crime, é meu entendimento que não se mostram reunidas as necessárias condições para presidir à audiência de discussão e julgamento neste processo, até porque a minha intervenção poderia desde logo ser considerada suspeita, gerando pois desconfiança sobre a minha imparcialidade.
Assim e pese embora se defender que estas situações necessitam de ponderação individual de cada caso concreto, a situação que presentemente nos ocupa é precisamente, a meu ver, uma das hipóteses em que a apreciação dos factos descritos no libelo acusatório deverá ser feita por uma terceira pessoa. Com efeito, discutia-se naquele processo a existência de agressões perpetradas pela ali arguida B... contra a queixosa C..., sendo certo que, como se poderá verificar através da análise da sentença cuja cópia foi junta a fls. 23 a 31, culminou o mesmo com a condenação da arguida em 1ª instância numa pena de 200 dias de multa.
Até aqui, nada de mais. Porém, quando se analisa a convicção do julgador, rapidamente se conclui que não se deu qualquer credibilidade ao depoimento das testemunhas arroladas pela defesa (ora arguidas), pela simples razão de se entender estarem as mesmas a faltar intencionalmente à verdade.
Ali se poderá ler:
«Assim, como pode alguém sustentar ter visto a assistente a dirigir-se para a arguida com um pau na mão, de dentro para fora do seu quintal, para tentar agredi-la? Como pode alguém limitar-se a dizer em tribunal que apenas viu este momento e nada mais observou? Como pode alguém ousar dizer que teve de sair de junto da janela ou exterior de sua casa para ir para dentro por uma ou outra razão (como seja ter de ir cuidar do neto ou de outros afazeres) e não mais regressou sequer à janela para ver o que tinha acontecido, nem mesmo quando ouviu o barulho de uma ambulância!?
Esse alguém só pode estar a faltar manifesta e deliberadamente à verdade, com o único propósito de defender a arguida, seja porque diz que viu o que não viu e que efectivamente se não passou, seja porque diz que viu algo quando nem sequer estava por perto para observar seja o que for. Refiro-me, claro está, aos depoimentos das três testemunhas de defesa arroladas pela arguida: D..., E... e F....
Essas pessoas, mesmo depois de advertidas das consequências penais a que se expunham se prestassem falsas declarações, não hesitaram em prestar-se a um papel verdadeiramente lamentável e que urge combater, sob pena de se premiarem quaisquer artifícios utilizados que mais não pretendem do que entorpecer e mesmo obstar à realização da justiça. Oportunamente, serão estas pessoas seguramente confrontadas com a sua conduta e daí retiradas as necessárias ilações. . .".
Perante estas considerações escritas, pouco mais haverá a acrescentar, resultando bem patente o motivo do presente requerimento”.
*
Nesta instância, o Exmº Procurador Geral Adjunto entende como justificado o pedido, e que deve ser deferida a escusa, por se verificarem as condições a que aludem os nºs 1 e 2 do art. 43 do CPP.
Não se nos afigura haver diligências de prova necessárias á decisão.
Colhidos os Vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
***
A lei adjectiva vigente, Código de Processo Penal, no Título I, Capítulo VI, sob a epígrafe "Dos Impedimentos, Recusas e Escusas", contem a matéria atinente à capacidade subjectiva do juiz, tendo em vista, por um lado, a obtenção das máximas garantias de objectiva imparcialidade da jurisdição e, por outro lado, assegurar a confiança da comunidade relativamente à administração da justiça.
A questão é, existe algum motivo particular e especial que iniba, o senhor juiz requerente da escusa, de exercer o seu "munus" no caso concreto que lhe foi colocado para julgar?
Vem-se entendendo que o impedimento afecta sempre a imparcialidade e independência do juiz, mas a suspeição pode afectar, ou não, essa imparcialidade e independência.
O Ac. do STJ de 5-4-2000, in Col. Jurisp. (Acs do STJ), tomo II, pág. 244, decidiu que, "só deve ser deferida escusa ou recusado o juiz natural quando se verifiquem circunstâncias muito rígidas e bem definidas, tidas por sérias, graves e irrefutavelmente denunciadoras de que ele deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção".
No âmbito da jurisdição penal, o legislador foi escrupuloso no respeito pelos direitos dos arguidos e consagrou o princípio sagrado e inalienável o do juiz natural, pressupondo tal princípio que intervirá na causa o juiz que deva ser segundo as regras de competência legalmente estabelecidas para o efeito.
Este princípio só é de remover em situações limite, ou seja, unicamente e apenas quando outros princípios ou regras, porventura de maior dignidade, o ponham em causa, como sucede, por exemplo, quando o juiz natural não oferece garantias de imparcialidade e isenção no exercício do seu munus, e teoricamente, só se pode afirmar que o juiz deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção, havendo motivo de escusa, quando o seu posicionamento revela, de forma insofismável, algum comprometimento com um pré-juízo acerca do thema decidendum.
O Ac. da Rel. de Co. de 10-07-1996, in Col. Tomo IV, pág. 62, refere que "o princípio norteador do instituto da suspeição é o de que a intervenção do juiz só corre o risco de ser considerada suspeita, caso ocorra motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade".
No caso presente, entendemos não se verificar qualquer motivo gerador de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, e muito menos motivo grave e sério, como a lei impõe.
Porem, entendemos que a situação se enquadra num quase impedimento e se aproxima das situações previstas no art. 40 do CPP.
O senhor juiz requerente teve intervenção noutro processo, em que depoimentos de testemunhas, prestados em audiência a que presidiu, originaram o presente em que as mesmas são arguidas.
Nesse outro processo o requerente formulou juízos de valor, expressos na convicção e motivação da sentença, juízos esses que poderiam interferir nos que agora viesse a formular e caso o requerimento fosse indeferido.
Face ao conteúdo daquela motivação, transcrita no requerimento, pode-se afirmar que o senhor juiz revela um posicionamento no qual, de forma insofismável, formou convencimento através de um pré-juízo acerca do thema decidendum no processo que ora lhe foi distribuído.
Tal situação que se aproxima do impedimento, pode perante terceiros, nomeadamente as arguidas, levantar dúvidas acerca das garantias de imparcialidade e isenção que um juiz sempre deve oferecer, havendo por conseguinte motivo de escusa.
Entendemos que se verificam, in casu, os requisitos legitimadores do pedido formulado.
Decisão:
Em face do exposto, acordam em deferir o requerimento de escusa formulado.
Sem custas.
Coimbra,