Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4398/11.7T2OVR-A.P1.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: DOCUMENTOS
PROVA
JUNÇÃO
SUPERVENIÊNCIA
Data do Acordão: 03/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA ( EXTINTO ) - OVAR - JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INSTÂNCIA CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.423 CPC
Sumário: 1. Do art.º423º,do CPC de 2013, extrai-se que os documentos podem ser apresentados nos seguintes momentos: a) com o articulado respectivo; b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final; c) até ao encerramento da discussão em 1ª instância, sendo admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.

2. Quando a parte não junta o documento com o articulado respectivo, a par da alegação do facto probando, e só mais tarde o faz, sujeita-se às condições estabelecidas na lei, sendo que, naquela última situação (n.º 3 do referido art.º), deverá demonstrar a impossibilidade da apresentação até então ou que a mesma se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.

3. Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade do requerente, num quadro de normal diligência, ter tido conhecimento anterior da situação ou da existência do documento.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

             I. V (…) e mulher R (…), intentaram, na Comarca do Baixo Vouga/Ovar (Juízo de Média e Pequena Instância Cível), a presente acção com processo sumário contra F (…) e marido J (…) , pedindo a condenação dos Réus a reconhecer que a favor do prédio dos AA., e onerando o prédio daqueles, foi constituída, por destinação do pai de família, uma servidão em que a serventia consiste na existência de um «canal» de derivação da água do rio para a casa do moinho dos AA., atravessando o prédio dos Réus, no sentido nascente-poente, em linha recta, com o comprimento, largura, profundidade e características descritas nos art.ºs 11º a 16º da petição inicial (p. i.) [a)], devendo os Réus reconstruir, no prazo de dois dias, o «canal» de derivação, com as características, o comprimento, a largura e profundidade referidos [b)] e pagar aos AA. uma indemnização mensal de € 130 desde 07.10.2011 até ao dia em que o canal esteja reconstruído [c)][1].

            Alegaram, nomeadamente:

            - Os AA. são donos de um prédio composto de casa térrea com moinhos a água, a confrontar do nascente com os Réus, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...) sob o art.º 360, registado na Conservatória do Registo Predial (CRP) de Ovar com a descrição 41292 do Livro 107;

            - Os Réus são donos de um terreno de cultura, sito no lugar de (...) , em (...) , que confronta de poente e norte com o prédio dos AA., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (...) sob o art.º 901;

            - Tanto o prédio dos AA. como o prédio dos Réus pertenceram ao mesmo dono, (…);

            - O prédio que hoje é dos Réus foi transmitido pelo (…) para vários sobrinhos, em comum e em partes iguais; em acção de divisão de coisa comum ficou a pertencer a (…) e mulher, que por escritura pública de 30.12.1985 venderam esse prédio aos Réus;

            - No tempo em que os prédios pertenciam ao mesmo dono foi feito um «canal», consistente numa pequena derivação do rio para que a água chegasse à casa do moinho, hoje pertença dos AA., canal esse melhor descrito/configurado nos art.ºs 12º a 16º da p. i.;

            - Quando o (…) faleceu, essa situação de facto existia, e em nenhuma das subsequentes transmissões foi posto termo à mesma;

            - No dia 07.10.2011, os Réus arrasaram o aludido “canal” de condução de água, com as consequências descritas nos art.ºs 24º e 28º e seguintes da p. i. .

            Os Réus contestaram, em 09.01.2012, pugnando pela improcedência da acção, tendo aduzido, nomeadamente, que o antecessor dos AA. ((…)) fez constar da relação de bens deixados pelo (…) o art.º urbano a que corresponde o moinho (“art.º 360”) como se ele tivesse legado a propriedade plena desse bem e com base nesses documentos registou um direito que não lhe fora legado, nem legitimamente transmitido, pelo que foi lavrado um registo de aquisição do direito de propriedade (sem título bastante), em vez de um simples averbamento do “direito de utilização do moinho da Ribeira”; reconvindo, pediram que fosse declarado nulo o registo de aquisição inscrito pela Ap. n.º 2 de 20.6.1978, a favor de (…), no prédio urbano, da freguesia de (...) , descrito sob o n.º 1702/20070612, na CRP de Ovar, ordenando-se o cancelamento do registo por ter sido indevidamente lavrado.

            O pedido reconvencional foi liminarmente rejeitado.

            Foi proferido despacho saneador (tabelar) e dispensada a selecção da matéria de facto.

            Iniciada a audiência de discussão e julgamento (em 06.02.2014), os Réus requereram, então, a junção de documentos, referindo, designadamente:

            - Os AA. alegam a legitimidade na presente acção por serem os donos e legítimos proprietários do prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º 360 da freguesia de (...) , actualmente inscrito sob o art.º 2175 da União das freguesias de x(...) , (...) , (...) e (...) (...) ;

            - Resulta da certidão predial junta na p. i. sob os documentos n.º 2 que apenas foi inscrito 3/7 da propriedade do prédio a favor de (…), por legado; seguidamente sob a inscrição 1702, conforme resulta do mesmo documento, a inscrição a favor dos AA. foi feita tendo por base a escritura de partilha outorgada em 03.4.2007, em que os herdeiros de (…) por mera declaração verbal declararam-se donos e legítimos possuidores do remanescente da propriedade do prédio, isto é, 4/7;

            - Na referida escritura de partilha a verba n.º 1 corresponde ao dito art.º 360 urbano, que foi adjudicado ao interessado (…) que regista a propriedade total a seu favor pela AP. n. 4 de 2007/06/12;

            - Por ser relevante para a descoberta da verdade, nomeadamente para a legitimidade invocada pelo A., requer-se a junção aos autos da referida escritura de partilha;

            - Existem documentos autênticos que atestam que a propriedade de 4/7 do referido prédio - declarado pelo A. na escritura de partilha como herdado pelo pai - foi adjudicada por inventário obrigatório e partilha por óbito de (…), homologada por sentença proferida a 05/01/1963, cuja junção da certidão emitida pelo Arquivo Distrital de Aveiro se requerer;

            - No referido inventário foi adjudicado 2/7 para cada uma das interessadas (…);

            - No que se refere à interessada (…) da qual a A. é filha, não foi feita partilha pelos herdeiros desta quota de 2/7 conforme resulta da escritura de habilitação e partilha por óbito de (…) outorgada em 19.5.1980 na Conservatória do concelho de Oliveira de Azeméis;

            - Com base na escritura de habilitação e partilha de (…) e do inventário por óbito de (…) foi efectuado o averbamento à matriz de 2/7 a favor de (…) cabeça de casal da herança de 2/7 a favor de (…), cabeça de casal da herança conforme certidão predial obtida na internet em 03/02/2014;

            - Na sequência da inscrição dos titulares da respectiva matriz foi apresentada pelos Serviços de Finanças de x(...) , relação de bens adicional à partilha de (…) conforme certidão fiscal cuja junção ora se requer, emitida em 05.02.2014;

            - Assim, não corresponde à verdade que o prédio do art.º 901 rústico da freguesia de (...) (...) e art.º 360 urbano tenham pertencido a (…)- apenas era proprietário de 3/7 do art.º 360 urbano da referida freguesia, conforme resulta do doc. 2, junto com a p. i.;

            - Consequentemente nunca os AA. poderiam ter herdado a totalidade do prédio;

            - A razão pela qual só agora se requer a junção dos documentos supra referidos deve-se ao facto de após análise mais detalhada de certidão predial junta com a p. i. ter-se verificado o registo de 3/7 e não a totalidade o que desencadeou consulta e análise de documento no Arquivo Distrital e requisição de certidão recentemente obtida conforme resulta das próprias certidões ora juntas;

            - Não obstante o pedido reconvencional ter sido liminarmente rejeitado por não se enquadrar nas alíneas do ex. art.º 274º, n. 2 do CPC, a verdade é que os Réus no seu articulado de contestação impugnam o direito de propriedade dos AA. - a certidão de registo predial junta constitui presunção ilidível de que o direito existe e pertence ao titular inscrito.

            Opondo-se os AA. à junção de tais documentos, o Mm.º Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:

            “Vieram os Réus requerer a junção de vários documentos, referindo que a oportunidade da sua junção, neste momento, nasceu de uma análise mais atenta dos documentos juntos com a petição inicial, que levou a um estudo mais pormenorizado da questão da legitimidade dos AA..

            Ora, tendo a presente acção dado entrada em Juízo em 25.11.2011 e os Réus sido citados a 28 do mesmo mês e ano, não é aceitável a invocação de tal causa para a junção tardia de documentos.

            Assim e por não se mostrar preenchido o circunstancialismo previsto no n.º 3 do art.º 423º do CPC, indefere-se a requerida junção.

            Inconformados, os Réus interpuseram a presente apelação formulando as seguintes conclusões[2]:

            1ª - O presente recurso vem interposto do despacho de indeferimento da junção de documentos requerida pelos Réus, no início da audiência de julgamento do dia 06.02.2014.

            2ª - O indeferimento dos documentos apresentados impossibilitou que o Tribunal a quo considerasse na sentença a proferir documentos relevantes que a serem levados em consideração conduziriam necessariamente à absolvição dos RR. da instância por verificação da ilegitimidade dos Autores/Recorridos.

            3ª - Ainda que assim não se entendesse, sempre seria NECESSÁRIO para assim se ALCANÇAR A JUSTA DECISÃO DA CAUSA, atingir a verdade material dos factos.

            4ª - O Mmº. Juiz a quo decidiu não admitir a junção aos autos dos documentos, por não se mostrar preenchido o circunstancialismo previsto no n.º 3 do Art.º 423 do CPC.

            5ª - Sucede que o n.º 3 do Art. 423 do CPC dispõe que “Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”

            6ª - Constam do requerimento de junção da prova documental os fundamentos pelos quais os Réus pugnaram pela junção naquele momento e não antes por impossibilidade legal, tornando-se necessária a sua apresentação em virtude de ocorrência posterior, por constituírem prova plena contrária aos factos alegados pelos Autores/Recorridos.

            7ª - Por outro lado, os documentos cuja junção foi requerida provam por si mesmos que os factos articulados pelos Recorrentes/Réus encontram-se titulados por documentos autênticos que colocam em causa o direito de propriedade do prédio urbano registado a favor dos Autores.

            8ª - Com efeito, é fundamento da presente acção o direito de propriedade exclusivo dos Autores que não sendo únicos donos e legítimos proprietários do prédio em causa, torna-os parte ilegítima na acção, o que constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso.

            9ª - Acresce que os Recorrentes/Réus apenas tiveram conhecimento da certidão de inventário em 31/01/2014, facto que impôs obrigatória e necessariamente a junção dos restantes quatro documentos que conjugados entre si, evidenciam de forma clara e inequívoca, as sucessivas transmissões das quotas-partes do direito de propriedade sobre o prédio urbano objecto dos autos.

            10ª - Pelo que da prova documental indeferida resulta que não só os Autores mas também os Réus e outros herdeiros são igualmente comproprietários do direito de propriedade sobre o referido prédio urbano, sem determinação de parte ou direito.

            11ª - A presunção ilidível estabelecida no Art.º 7 do CRP que decorre do documento n.º 2 junto com a P.I., não vale no caso dos autos, por o registo a favor dos Recorridos/Autores não estar em conformidade com a situação jurídica substantiva da propriedade do prédio, o que afecta o direito inscrito a favor destes e a fé pública desse mesmo registo.

            12ª - Assim, consideram-se verificados os requisitos previstos no Art.º 423, n.º 3, do CPC, que justificariam admissão dos 5 documentos apresentados na audiência de 06/02/2014 e não antes dado que o conhecimento da sua existência e obtenção por parte dos Réus apenas ocorreu em 31/01/2014.

            13ª - Na verdade, os Recorrentes/Réus na contestação impugnaram o direito de propriedade de que os Autores se arrogam donos e legítimos proprietários do prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º 360, actualmente art.º 2175, da União das freguesias de x(...) , (...) , (...) e (...) (...) , descrito na CRP x(...) sob o n.º 1702/20070612.

            14ª - Com efeito, o Autor herdou a quota-parte de 3/7 e declarou na escritura de partilha que era legítimo possuidor da restante quota-parte de 4/7 da propriedade do prédio, o que é contrário à prova documental cuja junção foi requerida mas indeferida.

            15ª - Sucede que contrariamente às declarações prestadas na referida escritura de partilha, a propriedade desses 4/7 tinha sido adjudicada em inventário judicial a outros herdeiros, nomeadamente à mãe da Ré, no ano de 1962 por inventário obrigatório que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Ovar.

            16ª - Factos que os Réus desconheciam até 31/01/2014, nomeadamente que foi relacionado e partilhado o referido prédio na proporção de 3/7 para I (...) e de 2/7 para cada uma das interessadas G (...) e E (...) .

            17ª - Assim, nunca os Autores poderiam ser donos e legítimos proprietários do referido prédio, excepto se lhes tivesses sido transmitida por qualquer título a restante quota-parte do prédio, o que não sucedeu por nenhuma das formas legais previstas para o efeito até à presente data.

            18ª - Os Recorrentes/Réus possuíam o “saber intuitivo” de que os Recorridos/Autores não eram verdadeiramente donos do prédio mas não tinham prova documental que abalasse a presunção de que estes beneficiavam até ao dia 31.01.2014, além da prova testemunhal que arrolaram nos autos.

            19ª - Com base na certidão de inventário e a escritura de partilha, o cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de (…), inscreveu no respectivo serviço de finanças do concelho de x(...) , no dia 04/02/2014, os titulares respectivos do prédio, uma vez mais e como decorre da própria certidão da relação de bens adicional emitida em 04.02.2014 pelo respectivo serviço de finanças, a junção desse documento não tinha sido possível até ao dia 04.02.2014, tendo sido apresentada na audiência de 06.02.2014 e requerida a sua junção.

            20ª - O despacho recorrido rejeitou prova de natureza documental que impunha ser admitida, quer pelos fundamentos aduzidos, quer pela prova plena que encerram em si mesmos, sem necessidade de outras considerações ou prova testemunhal, com excepção de alegação da sua falsidade.

            21ª - Sucede que o Mm.º Juiz a quo no despacho que indefere a junção dos documentos, não indica, nem fundamenta qual o circunstancialismo previsto no n.º 3 do Art.º 423 do CPC que motivou o indeferimento da sua junção.

            22ª - O despacho ficou aquém do que a lei lhe impunha, por contender com o princípio da igualdade e do contraditório, com a aquisição processual de factos e sobretudo por contender com meios probatórios relevantes para a descoberta da verdade material, pelo que é nulo por violação do disposto no Art.º 423, n.º 3 do NCPC que conjugado com o disposto no Art.º 615, nº 1, al. b), do NCPC, estatui a nulidade do despacho, “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”

            23ª - O juiz ao pronunciar-se sobre a junção de documentos, em tais circunstâncias, não profere um despacho de mero expediente, nem despacho no uso de um poder discricionário - será um poder-dever do Juiz que decide da oportunidade, necessidade da prova e da descoberta da verdade, o que o Mm.º Juiz a quo não fez, e o Art.º 195 do CPC estipula as regras gerais sobre a nulidade dos actos, onde pode ler-se que é nula «…a prática de um acto que a lei não admita, bem com a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva… quando a lei assim o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».

            24ª - O despacho recorrido é nulo por violação do disposto nos Art.ºs 152º, 154º, 195º, 423º e 615º, al. b), do NCPC.

            Rematam pedindo a revogação do despacho recorrido e consequente admissão da junção dos 5 (cinco) documentos em causa.

            Os AA. responderam concluindo pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo (delimitativo do objecto do recurso), coloca-se, sobretudo, a questão da admissibilidade legal da junção dos referidos documentos no início da audiência de julgamento.

*

II. 1. Para a decisão do recurso releva apenas o que decorre do precedente “relatório”.[3]

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            A situação dos autos é regulada pelo Código de Processo Civil de 2013[4] (cf. art.º 5º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26.6).

            Preceitua o art.º 423º que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (n.º 1); se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado (n.º 2); após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (n.º 3).

            O referido art.º estabelece o princípio geral relativamente ao momento da apresentação de prova por documentos, adoptando regime mais restritivo que o anteriormente definido.[5]

            3. Assim, partindo da regra geral da apresentação dos documentos com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (n.º 1), refere-se, depois, que a apresentação poderá ter lugar até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final [fixando-se um termo final para o efeito, em paralelismo com o limite temporal traçado, no n.º 2 do art.º 598º, para a apresentação do rol de testemunhas][6] mas, neste caso, a parte é condenada em multa, excepto se provar que não os pôde oferecer com o articulado respectivo (n.º 2); a junção poderá ocorrer posteriormente (aos mencionados 20 dias), até ao encerramento da discussão em 1ª instância mas, neste caso, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento (e os que provem factos posteriores a ele ou que, provando factos anteriores, se formem posteriormente) ou se tornem necessários em virtude de ocorrência posterior (n.º 3).[7]

            4. O ónus de provar os factos alegados em fundamento da acção e da defesa e o dever de apresentar ab initio os documentos que os provem com o articulado em que a alegação seja feita, não colidem com a liberdade que a parte mantém de observar ulteriormente aquele ónus probatório que sobre ela impende, sujeitando-se, contudo, às limitações e sanções pecuniárias que emergem do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 423º[8], a saber: até ao vigésimo dia que antecede a data da realização da audiência final, pode juntar o documento livremente, sujeitando-se ao pagamento de uma multa, a não ser que demonstre não ter podido oferecer o documento com o articulado; ulteriormente, é necessário demonstrar a impossibilidade da apresentação até então ou que a apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.[9]

            5. A recorrente justificou a apresentação dos referidos documentos, no início da audiência de discussão e julgamento, em virtude da “análise mais detalhada de certidão predial junta com a p. i.” e da subsequente e consequente “consulta e análise de documento no Arquivo Distrital e requisição de certidão recentemente obtida” (cf. ponto I, supra).

            6. No caso em análise, dúvidas não restam de que a admissibilidade da junção deverá ser apreciada nos termos do n.º 3 do art.º 423º.

            Para a junção dos documentos ao abrigo do referido normativo, incumbia aos recorrentes/demandados alegar e provar que a sua apresentação não foi possível até ao momento temporal a que alude o n.º 2 do mesmo artigo.[10]

            Porém, não o fizeram.

            Na verdade, e independentemente da pertinência ou necessidade desses elementos probatórios (art.º 443º), os próprios Réus admitiram que o circunstancialismo (e pretensa justificação) da junção se deveu a uma menos atenta leitura e análise dos documentos juntos com a p. i., não tendo ocorrido, sequer, qualquer (declarado) enviesamento ou modificação da posição assumida na contestação (atenta a realidade/factualidade levada à p. i. e que em nada se terá modificado).

            Ora, sem quebra do respeito sempre devido por opinião em contrário, tais razões, não se prefiguram como atendíveis, no sentido de serem aptas/adequadas a demonstrar a impossibilidade daquela pessoa [os art.º 423º, n.º 3 e 425º falam em “não (ter) sido possível”], num quadro de normal diligência, ter tido conhecimento anterior da situação e/ou da existência do documento [rectius, dos autos de inventário de onde provirão, pelo menos, parte dos documentos em causa].[11]

            Por outro lado, não vemos qual tenha sido a “ocorrência posterior”, suficientemente consistente e atendível, que tornou necessária a apresentação dos mesmos documentos.

            7. De resto, e, reafirma-se, não se tratando, agora, de ajuizar da pertinência/relevância ou necessidade da prova documental pretendida juntar, nem de quaisquer outras incidências processuais[12], sempre se dirá que os documentos apresentados com a p. i. (reproduzidos a fls. 115 a 120) e com a contestação (designadamente, os reproduzidos a fls. 141, 147 e 149) já conteriam alguns elementos a respeito da problemática da propriedade do mencionado “art.º 360º/urbano”.

            Por conseguinte, existirá porventura alguma incongruência quando se diz que foi a leitura mais atenta da p. i. que levou os Réus à requerida junção de (novos) documentos, pois, ao oferecerem a contestação e ao deduzirem o dito pedido reconvencional (ou seja, mais de dois anos antes do “marco temporal” previsto no n.º 2 do art.º 423º) - e, assim, necessariamente, depois de analisados os documentos dos autos e o articulado inicial -, os Réus já conheciam, ou deviam conhecer, a realidade/factualidade invocada no início da audiência de discussão e julgamento, bem como a existência (real ou potencial) de outros meios probatórios que poderiam interessar ao desfecho da lide…

            8. No apontado contexto processual/adjectivo - e sabendo-se que a apelação tem como limite objectivo a reapreciação das questões julgadas em 1ª instância, e não a introdução de questões novas subtraídas ao conhecimento do Tribunal a quo - é evidente que não se verificam quaisquer nulidades processuais (art.º 195º), nem a decisão recorrida padece de irregularidades ou de qualquer insuficiência no tocante à respectiva fundamentação (art.º 615º, n.º 1, alínea b)), porquanto veio a dar, e a justificar, ainda que sumariamente, a resposta reclamada pela concreta questão (adjectiva) colocada ao Tribunal recorrido, concluindo, com acerto, pela inadmissibilidade legal da junção de tais documentos.

            9. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.

*

            III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se o despacho que indeferiu a junção dos documentos.

            Custas pelos Réus/apelantes.

*

24.3.2015

                                  

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Fernando Monteiro

:


[1] A última alínea com a rectificação e a redução (do pedido) admitidas por despacho de 06.02.2014.
[2] Simplificadas na sequência do despacho de fls. 283, sendo que a recusa de simplificação das “conclusões” do recurso interposto a 07.3.2014 (tendo por objecto o despacho que não admitiu o articulado superveniente apresentado pelos Réus) determinou o não conhecimento desse recurso (cf. fls. 35 e despacho de fls. 302).
[3] Nenhum relevo se deverá dar, designadamente, ao teor do “articulado superveniente” apresentado pelos Réus (reproduzido a fls. 192 e seguintes), rejeitado liminarmente (por despacho de 19.02.2014), ou, por exemplo, aos articulados e ao desfecho da acção n.º 1326/09.3T2OVR (a que se reportará a cópia da “certidão” de fls. 170 a 184).
[4] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.

[5] Preceituava o art.º 523º, do CPC de 1961 (revisão de 1967): Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (n.º 1). Se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas a parte será condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado (n.º 2)

  Comparando esta norma com o regime actual, ressalta a inovação constante dos n.ºs 2 e 3 do art.º 423º do CPC de 2013.
[6] Densificando-se, assim, “uma regra de estabilização dos meios de instrução a partir do vigésimo dia que antecede a data em que se realize a audiência final” - vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Código de Processo Civil, Os artigos da reforma, Vol. I, Almedina, 2013, pág. 340.

[7] Vide J. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, pág. 250 e Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, Ediforum, Lisboa, 2013, pág. 158, este, salientando que os actuais n.ºs 2 e 3 correspondem, com um grau de exigência bastante superior, ao n.º 2 do art.º 523º, do CPC de 1961.    
[8]  E também nos art.ºs 424º e 425º do CPC, sendo caso disso.
[9] Neste sentido, vide Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 2.º, Coimbra, 2001, pág. 423, à luz do art.º 523º do CPC de 1961, reportando-se ao momento preclusivo do encerramento da discussão de facto em lª instância (art. 652º, n.º 1) a que agora o legislador deixou de aludir no art.º 423º, embora se lhe refira o art.º 425º, ao estabelecer que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
   Cf., ainda, o acórdão da RP de 17.12.2014-processo 436/13.7TTVNG-A.P1, publicado no “site” da dgsi.
[10] Cf., neste sentido, entre outros, o acórdão da RL de 22.10.2014-processo 681/13.5TTLSB.L1-4, publicado no “site” da dgsi.
[11] Cf. o acórdão da RC de 18.11.2014-processo 628/13.9TBGRD.C1, publicado no “site” da dgsi.
[12] Por exemplo, ligadas à reconvenção, ao insucesso da apresentação do articulado superveniente e às vicissitudes de outros (e de algum modo “conexos”) pleitos das partes…/cf., a propósito, a “nota 3”, supra.