Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
972/19.1T8CVL-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: MAIOR ACOMPANHADO
VENDA DE IMÓVEIS
CONSELHO DE FAMÍLIA
Data do Acordão: 10/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA COVILHÃ DO TRIBUNAL DA COMARCA DE CASTELO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 145.º, N.º 4, 1889.º, N.º 1, ALÍNEA A), 1938.º, N.º 1, ALÍNEA A) E N.º 2, E 1971.º, DO CÓDIGO CIVIL.
ARTIGO 1014.º, N.º 3, DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
Sumário: Tendo sido dispensada a constituição do Conselho de Família na sentença que decretou o acompanhamento de maior, não há lugar à constituição do mesmo no processo de autorização judicial de venda de bens imóveis pertencentes ao acompanhado e instaurado pelo acompanhante.
Decisão Texto Integral:







            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... , na qualidade de acompanhante da maior acompanhada, sua filha, B... , já ambas identificadas nos autos, veio requerer autorização judicial para, em representação desta, vender os imóveis identificados no artigo 4º da petição inicial.

Para o efeito, alega que os referidos prédios integram o acervo patrimonial da herança dos falecidos pais da requerente – C... e D... – avós da maior acompanhada, sendo que, por força do falecimento do pai da maior acompanhada – E... – em data posterior ao falecimento do avô materno mas em data anterior ao falecimento da avó materna daquela e face ao regime de bens que regulou o casamento do falecido E... com a requerente, mãe da maior acompanhada (comunhão geral de bens), a maior acompanhada é também herdeira dos avós maternos.

Acrescenta que, colocados à venda os aludidos imóveis, por se tratar de património imobiliário sem rentabilidade e utilização, mas gerador de despesas e encargos, foram encontrados interessados na compra dos mesmos, que a requerente identifica nos artigos 8º a 10º da petição inicial.

Mais acrescenta que todos os demais herdeiros dos falecidos C... e D... estão de acordo na venda dos referidos prédios.

Pelo que conclui requerendo a respetiva autorização para venda da quota-parte dos referidos prédios, detida por B... .

Foram regularmente citados o Ministério Público e F... , enquanto parente sucessível mais próximo da requerida, nos termos do artigo 1014.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

O Ministério Público apresentou contestação onde alegou desconhecer se correspondem à verdade os factos alegados na petição inicial e que não se mostram provados por documento autêntico, mas reconheceu que dos factos alegados parecer resultar justificada a necessidade e utilidade da pretendida alienação dos imóveis (artigo 2.º da contestação que ofereceu).

No entanto, cf. artigo 3.º da contestação, “Com vista à conveniente instrução dos autos”, promoveu a constituição do Conselho de Família, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 1889.º, al. a), 1938.º, n.º 1, al. a) e 2 e 1951.º e seg.s do Código Civil e 1014.º, n.º 3 e 1017.º, do CPC.

Conforme despacho de fl.s 39 e v.º, a M.ma Juiz considerou que em virtude de na sentença que decretou o acompanhamento se ter dispensado a constituição do Conselho de Família, não se mostra necessária a sua constituição para o efeito da presente acção, para emitir parecer, nos termos que se passam a reproduzir:

“A Lei nº49/2018, de 14 de agosto criou o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação.

Dispõe, agora, o artigo 145º, nº4, do Código Civil, na redação introduzida pelo citado diploma legal, que “A representação legal segue o regime da tutela, com as adaptações necessárias, podendo o tribunal dispensar a constituição do conselho de família”. (sublinhado nosso).

Resulta, portanto, desta norma que, ao contrário do que sucedia no instituto da interdição, nem sempre haverá lugar à constituição do conselho de família, podendo a mesma ser dispensada, o que sucedeu no caso em apreço.

Os presentes autos são de autorização judicial para a prática de ato, tendo o Ministério Público, em sede de contestação, requerido a constituição de conselho de família, para os efeitos previstos no artigo 1014º, nº3, do Código de Processo Civil.

Prescreve tal disposição legal que “Haja ou não contestação, o juiz só decide depois de produzidas as provas que admitir e de concluídas outras diligencias necessárias, ouvindo o conselho de família, quando o seu parecer for obrigatório”.

Ora, o disposto no artigo 145º, nº4, do Código Civil não afasta, pelo menos em todas as situações, a aplicação do artigo 1014º, nº3, do Código de Processo Civil, tanto mais que o mesmo nem sequer foi alterado pela Lei nº49/2018, de 14 de agosto.

Com efeito, havendo lugar à constituição do conselho de família, esse conselho de família terá as atribuições que a lei lhe confere e, portanto, também deverá ser ouvido em casos de autorização judicial sempre que o seu parecer for obrigatório, pese embora o Tribunal não fique, como é sabido, vinculado ao mesmo.

Sucede que, atendendo a que a lei não exige, agora, a obrigatoriedade de constituição de um conselho de família, urge concluir que, no caso de tal constituição ser dispensada, não se mostra necessária a sua constituição posterior apenas para efeitos de emissão de parecer nos processos de autorização judicial, mesmo nos casos em que tal parecer seja obrigatório.

No nosso entendimento, a não ser assim, ou seja, a concluir-se pela situação inversa – i.e. a verificar-se a necessidade de constituição obrigatória de conselho de família quando se mostra obrigatório o seu parecer para a autorização judicial mesmo que tenha havido dispensa inicial da sua constituição – tal redundaria num coartar da possibilidade de tal constituição ser dispensada ab initio, quando tal dispensa resulta agora expressamente da lei.

Ora, no caso em análise a constituição do conselho de família foi dispensada, nos termos da norma supracitada, por sentença já transitada em julgado, proferida em 17/10/2019 no âmbito dos autos principais a que estes correm por apenso.

Pelo que, não tendo havido lugar à constituição do conselho de família, por tal constituição ter sido dispensada, ao abrigo do disposto no artigo 145º, nº4, do Código Civil, não terá este conselho que ser constituído e ouvido acerca da autorização judicial requerida nestes autos, o que se determina.”.

Cumpriu-se, relativamente a este despacho o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC.

Na sequência do que a requerente veio aderir à fundamentação exposta no ora referido despacho, designadamente que por sentença transitada se dispensou a constituição do Conselho de Família, pelo que não se pode, agora, proceder à sua constituição.

O MP veio reiterar que a constituição do Conselho de Família é um acto obrigatório e inderrogável, sem a qual não se poderia proferir decisão.

Conclusos os autos à M.ma Juiz, foi proferida a sentença de fl.s 40 a 43, na qual se procedeu ao saneamento dos autos, se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:

“Em face do exposto, decido autorizar A... , na qualidade de acompanhante de B... , e no interesse desta, a vender:

a) Parcela de terreno para construção, de natureza urbana, sita em ..., com a área de 7473,7m2, inscrita na matriz da .... sob o artigo provisório 2883 e descrita na conservatória do registo predial de .... sob o n.º 2700/20101012;

b) Parcela de terreno para construção, de natureza urbana, sita em ...., com a área de 7473,7m2, inscrita na matriz da União de Freguesias de .... sob o artigo provisório 2882 e descrita na conservatória do registo predial de .... sob n.º 3582/20210219;

Estas duas parcelas pelo preço total de 45.000,00€ (quarenta e cinco mil euros);

c) Prédio rústico sito na .... – ...., com a área de 6.250m2, inscrito na matriz da .... sob o artigo 637 e descrito na conservatória do registo predial de .... sob o n.º 2699/20101012, pelo preço de 5.500,00€ (cinco mil e quinhentos euros).

*

Oportunamente, após a venda dos aludidos imóveis, deverá a requerente comprovar nos autos que a quota parte do valor proveniente da venda, respeitante à maior acompanhada, foi depositada em conta bancária da titularidade da mesma.

*

Fixo o valor da ação em 30.000,01€ (trinta mil euro e um cêntimo), nos termos do artigo 304º, nº1, do Código de Processo Civil.

Custas a cargo da requerente, nos termos do artigo 535º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código de Processo Civil, uma vez que a mesma se propôs exercer um mero direito potestativo.”.

Inconformado com a mesma e com o despacho proferido a fl.s 39 e v.º, interpôs recurso o Ministério Público, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fl.s 43), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

(…)

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se é, ou não, necessária e obrigatória a constituição e audição do Conselho de Família, que havia sido dispensada na sentença que decretou o acompanhamento, para que possa ser autorizada judicialmente a venda dos imóveis identificados nos autos, relativamente à quota-parte dos mesmos de que é herdeira a maior acompanhada, B... .

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na sentença recorrida (a que acresce o que consta do relatório que antecede, designadamente, quanto ao teor do despacho de fl.s 39 e v.º):

1. Por sentença proferida em 07/02/1996 no âmbito dos autos de interdição nº 972/19.1T8CVL foi decretada a interdição de B... .

2. Nessa sentença foi nomeada para exercer as funções de tutora da interdita A... , requerente nestes autos.

3. Por sentença proferida em 17/10/2019, no âmbito dos autos de interdição nº972/19.1T8CVL, já transitada em julgado, procedeu-se à revisão da interdição de B... tendo-lhe sido aplicadas as seguintes medidas de acompanhamento:

- Representação especial na celebração de quaisquer negócios jurídicos em que seja parte a acompanhada B... ;

- Administração total de bens.

4. Nessa sentença foi designada como acompanhante de B... a sua mãe, A... .

5. Nessa sentença foi dispensada a constituição do conselho de família, ao abrigo do disposto no artigo 145º, nº4, parte final, do Código Civil, na redação introduzida pela Lei nº49/2018, de 14 de agosto.

6. E... , pai da acompanhada B... , faleceu em 02/01/2006, deixando a suceder-lhe como herdeiros o cônjuge A... , aqui requerente e os quatro filhos: B... , aqui requerida; F... ; G... e H... .

7. E... faleceu no estado de casado com a requerente sob o regime de comunhão geral de bens.

8. A requerente é filha de C... (falecido em 22/02/1989) e de D... (falecida em 20/12/2016), casados que foram sob o regime de comunhão geral de bens.

9. Integram o acervo patrimonial da herança de C... e de D... , entre outros, os seguintes imóveis:

a) Parcela de terreno para construção, de natureza urbana, sita em ... – ...., com a área de 7473,7m2, inscrita na matriz da .... sob o artigo provisório 2883 e descrita na conservatória do registo predial de .... sob o n.º 2700/20101012;

b) Parcela de terreno para construção, de natureza urbana, sita em ... – ..., .... sob o artigo provisório 2882 e descrita na conservatória do registo predial de ... sob n.º 3582/20210219;

c) Prédio rústico sito na ... – ...., com a área de 6.250m2, inscrito na matriz da ... sob o artigo 637 e descrito na conservatória do registo predial de .... sob o n.º 2699/20101012.

10. Com vista à venda das parcelas de terreno identificadas nas alíneas a) e b), foi celebrado, em 25/02/2021, um contrato promessa de compra e venda com I... e J..., através do qual lhes foi prometido vender as aludidas parcelas pelo preço total de 45.000,00€, a liquidar no ato de outorga da escritura de compra e venda.

11. Os herdeiros de C... e de D... pretendem vender o prédio rústico identificado na alínea c) pelo preço de 5.500,00€.

Se, é, ou não, necessária e obrigatória a constituição e audição do Conselho de Família, que havia sido dispensada na sentença que decretou o acompanhamento, para que possa ser autorizada judicialmente a venda dos imóveis identificados nos autos, relativamente à quota-parte dos mesmos de que é herdeira a maior acompanhada, B... .

Como resulta do relatório que antecede, o recorrente, defende a nulidade da sentença proferida nos autos, com o fundamento em que, antes de ser prolatada era obrigatória a constituição e subsequente audição do Conselho de Família, com vista a pronunciar-se sobre o negócio submetido a autorização judicial, com fundamento no disposto nos artigos 1889.º, n.º 1, al. a); 1938.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 e 1971.º, do Código Civil e 1014.º, n.º 3, do CPC, que prevalecem sobre o disposto no artigo 145.º, n.º 4, do Código Civil, que não derrogou aqueles preceitos e, por isso, não obstante, inicialmente, dispensada a constituição do Conselho de Família, a mesma é obrigatória para a decisão da venda de imóveis, sob pena de omissão de um acto que a lei prevê e cuja omissão influi na decisão a proferir, cf. artigo 195.º, n.º 1, do CPC.

Na decisão constante de fl.s 39 e v.º, defende-se que os preceitos legais que o MP invoca como obrigando à constituição do Conselho de Família, foram redigidos numa altura em que a mesma era obrigatória, o que já não se verifica, em face da nova redação que foi dada ao artigo 145.º, n.º 4, do Código Civil, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto.

Assim, defende, que a obrigatoriedade da audição do Conselho de Família se restringe aos casos em que a constituição do Conselho de Família não foi dispensada. Tendo-o sido, não necessita de ser constituído e ouvido acerca do pedido de autorização judiciária.

Como é sabido, a matéria das incapacidades e da representação dos incapazes, anteriormente regulada pelas figuras da interdição e da inabilitação, passou com a publicação da acima citada Lei n.º 49/2018, a ser tratada em moldes completamente diferentes dos anteriores, por apelo à figura do acompanhamento ou da assistência, que põe a tónica não tanto no estado de incapacidade do acompanhado mas mais na sua protecção e respeitando, sempre que possível, a vontade e a autodeterminação do acompanhado.

A representação/acompanhamento/assistência, deixou de ter um carácter abstracto ou geral, para passar a ser vista como a mais adequada ao caso concreto e sempre tendo em consideração a pessoa do acompanhado, no sentido de que o elenco das medidas sujeitas a acompanhamento deve variar consoante a pessoa do acompanhado, limitando-se o acompanhamento ao necessário (cf. artigo 145.º, n.º 1, CC), devendo o acompanhante, no exercício da sua função, privilegiar o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada (cf. artigo 146.º, n.º 1, CC).

Daí ser consensual que por confronto com o anterior regime da inabilitação e da interdição se conclua que “o regime do acompanhamento goza de maior flexibilidade – rejeita o tudo ou nada da interdição –, respeita, sempre que possível a vontade do beneficiário e a sua autodeterminação, limita-se ao necessário e permite ao tribunal escolher e adequar, em cada situação concreta, as medidas que melhor possam contribuir para alcançar o seu objectivo, que é, repete-se, o de assegurar o bem-estar, a recuperação e o pleno exercício da sua capacidade de agir”, podendo, em casos limite atingir “medidas de substituição” – cf. António Pinto Monteiro, Das Incapacidades Ao Maior Acompanhado Breve Apresentação Da Lei N.º 49/2018, CEJ, Fevereiro de 2019, pág.s 35/6.

Nas palavras de Mafalda Miranda Barbosa, in Fundamentos, Conteúdo E Consequências Do Acompanhamento De Maiores, CEJ, Fevereiro de 2019, pág. 67:

“… o acompanhado pode sofrer uma restrição tão ampla da sua capacidade que, na prática, fica equiparado a um interdito. Simplesmente, tal só acontece quando as circunstâncias concretas do sujeito o imponham. O que antes era a regra, hoje é a exceção.

O acompanhante pode, assim, ter de assistir ou representar o acompanhado. E o novo regime acaba por estabelecer limites para a atuação do próprio acompanhante”. Designadamente, carece de autorização judicial específica no que respeita a actos de disposição de bens imóveis (cf. artigo 145.º, n.º 3, do CC). 

Referindo, a mesma autora, na sua obra Maiores Acompanhados, Gestlegal, 2.ª Edição, a pág.s 52/3 que, enquanto a interdição “era decretada de forma generalizante, a representação subjacente ao regime do acompanhamento é determinada em função das necessidades concretamente constatadas do beneficiário, podendo ser geral ou especial”.

Esta incursão pelos objectivos traçados pelo legislador para o designado “Acompanhamento de Maiores”, tem em vista a recolha de elementos que nos ajudem a decidir a questão sub judice que, no fundo, exige a interpretação e conjugação de preceitos, aparentemente, antagónicos, dado que, nos termos do disposto no artigo 9.º do Código Civil, em matéria de interpretação da lei, se exige a reconstituição do pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, com um mínimo de correspondência verbal com o texto da lei e presumindo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Efectivamente, nos termos do disposto no artigo 1889.º, n.º 1, al. a), CC, os pais, como representantes dos filhos, não podem alienar bens, sem autorização do tribunal.

De igual forma, necessita dessa autorização o tutor, devendo ser ouvido o conselho de família, cf. artigo 1938.º, do Código Civil, para cujos termos remete o seu artigo 1971.º.

Especificamente para os autos de autorização para a prática de actos cuja validade dependa de autorização judicial, cf. n.º 3 do artigo 1014.º, do CPC, o juiz só decide, entre o demais, “ouvindo o conselho de família, quando o seu parecer for obrigatório”.

A constituição do conselho de família, como resulta do disposto nos artigos 1951.º a 1960.º, do CC, tem em vista, em primeira linha, “vigiar o modo como são desempenhadas as funções do tutor” – cf. artigo 1954.º, CC. Trata-se, pois, de uma acção de fiscalização dos autos praticados pelo tutor.

A aplicabilidade destas normas, decorre do disposto no artigo 145.º, n.º 4, do CC, na redacção que lhe foi dada pela supra citada Lei n.º 49/2018, de acordo com o qual:

“A representação legal segue o regime da tutela, com as adaptações necessárias, podendo o tribunal dispensar a constituição do conselho de família” (sublinhado nosso).

Por outro lado, preceitua o n.º 3 deste artigo que “Os atos de disposição de bens imóveis carecem de autorização judicial prévia e específica”.

Como acima já se referiu, há que interpretar e adequar as normas ora referidas.

Efectivamente, nos termos do disposto no ora citado artigo 145.º, n.º 4, determina-se que a representação segue o regime da tutela, com as necessárias adaptações, entre as quais logo se refere que o tribunal pode dispensar a constituição do conselho de família.

Ou seja, no caso da representação legal, a constituição do conselho de família passou, desde a entrada em vigor da Lei n.º 49/2018 a ser facultativa, não obstante se determinar que a representação legal, no geral (com as adaptações necessárias), segue o regime da tutela.

Podendo acrescentar-se que, embora a regra da regulamentação da representação sejam as normas que regulam a tutela, assim deixará de suceder quando as especificidades do regime daquela estejam em confronto com estas, como, assim sucede, fora de dúvidas, quanto ao carácter facultativo da constituição do conselho de família (obrigatório na tutela, cf. artigo 1938.º, n.º 2 e facultativo na representação, cf. artigo 145.º, n.º 4, ambos do CC).

A referida Lei n.º 49/2018 alterou a redacção do artigo 145.º do CC, deixando incólume a redacção dos seus artigos 1889.º; 1938.º e 1971.º e o artigo 1014.º do CPC, não harmonizando a aparente contradição.

E dizemos aparente, uma vez que tendo sido dispensada a constituição do conselho de família na sentença que decretou o acompanhamento e respectivos termos, se deverá considerar que, neste caso, não é obrigatória a constituição e audição do conselho de família, nos termos previstos para o regime da tutela. Embora o legislador, para evitar dúvidas e a proposição de acções como a presente devesse clarificar a sua opção.

Mas, apelando ao disposto no artigo 9.º do Código Civil, pensamos ser mais conforme com o pensamento do legislador e com a unidade do sistema jurídico, até porque a Lei n.º 49/2018, é mais recente do que aquela que originou a redacção dos demais preceitos em confronto, a conclusão que mercê do carácter facultativo da constituição do conselho de família, se restringe a audição do conselho de família apenas aos casos em que, inicialmente, a sua constituição não foi dispensada.

Não fazendo sentido, contrariamente ao inicialmente considerado, que para um concreto acto, que embora se reconheça dever ser rodeado de cautelas, porque se trata da venda de bens imóveis, se constitua o conselho de família, até porque o acto só pode ser praticado pelo acompanhante depois de autorização judicial para tal.

No caso em apreço, como resulta do item 5.º dos factos provados, na sentença que determinou as medidas de acompanhamento adequadas ao caso, foi dispensada a constituição do conselho de família.

O legislador deixou nas mãos do juiz a opção de constituir ou não o conselho de família, naturalmente depois de sopesar as vantagens e inconvenientes de tal decisão, designadamente a personalidade do acompanhado e do acompanhante, laços que os unem e as garantias de que o acompanhante exercerá as suas funções nos moldes previstos no artigo 146.º do CC.

Pelo que, com o devido respeito por contrário entendimento, não faz sentido que depois de decidido que não é constituído o conselho de família, o mesmo se tenha de constituir no caso de ser pedida autorização judicial para a venda de imóveis, apenas com o argumento de que não foram derrogados os artigos em referência que se referem à audição do conselho de família, em tais casos.

Como acima já referiu, nos termos do artigo 145.º, n.º 4, do Código Civil, a representação legal não segue, em termos rigorosos, o regime da tutela, que lhe é aplicável com as necessárias adaptações, surgindo, à cabeça, como desvio a tal regime, a possibilidade de o tribunal dispensar a constituição do conselho de família.

Como refere Miguel Teixeira de Sousa, in O Regime Do Acompanhamento De Maiores: Alguns Aspectos Processuais, CEJ, Fevereiro de 2019, pág.s 56/7:

“O art.º 145.º, n.º 4, CC estabelece que a representação legal do acompanhado segue, com as necessárias adaptações, o regime da tutela.

(…)

Isto não significa, no entanto, que se considere desejável a equiparação do acompanhamento de maiores à tutela (e do acompanhante ao tutor). A solução decorre tão-somente da necessidade de proteger o património do acompanhado e de não criar antinomias normativas no sistema jurídico”.

A acompanhante é mãe da acompanhada. Quem melhor do que a mãe para procurar salvaguardar os interesses dos filhos?

Trata-se de bens que constituem as heranças abertas por óbito dos avós e pai da acompanhada, a que concorre com a mãe e seus irmãos, reconhecendo o próprio recorrente (artigo 2.º da contestação) que “parece resultar justificada a necessidade e utilidade da pretendida alienação de imóveis”.

Do que resulta ser a solução a que se adere, a mais consentânea com a salvaguarda e protecção dos interesses da acompanhada.

Decisivo, reitera-se, a opção, mais recente, do legislador em considerar facultativa a constituição do conselho de família, no caso de representação, em claro desvio ao regime previsto para a tutela, para que remete, mas com as necessárias adaptações (artigo 145.º, n.º 4), CC) e logo após no número anterior ter fixado a regra de que os actos de disposição de bens imóveis carecem de autorização prévia e específica.

Se fosse intenção do legislador restringir o carácter facultativo da constituição do conselho de família na hipótese de autorização judicial para venda de imóveis, bastava determinar que assim não sucedia para a hipótese prevista no número anterior.

Não padece, por isso, a decisão de fl.s 39 e v.º, da nulidade que lhe assaca o recorrente e, consequentemente, a dispensa de audição do conselho de família não acarreta qualquer vício com influência na sentença que se lhe seguiu. Sendo, assim, de manter ambas as decisões em apreço.

Consequentemente, tem o presente recurso tem de improceder.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, mantendo-se o despacho recorrido, constante de fl.s 39 e v.º, bem como a sentença que se lhe seguiu, constante de fl.s 40 a 43.

Sem custas, o presente recurso, por delas estar isento o MP.

Coimbra, 26 de Outubro de 2021.