Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1461/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: COMPRA E VENDA
COISA DEFEITUOSA
CONSEQUÊNCIAS
REGIME LEGAL DE DEFESA DOS CONSUMIDORES: LEI Nº 24/96
DE 31 DE JULHO.
Data do Acordão: 10/04/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 12º DA LEI Nº 24/96, DE 31 DE JULHO (COM A REDACÇÃO ANTERIOR ÀS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DECRETO-LEI Nº 67/2003, DE 8 DE ABRIL)
Sumário: I - Os diversos meios jurídicos facultados ao comprador, no caso de defeito da coisa vendida, obedecem a uma sequência lógica: em primeiro lugar, o vendedor está adstrito a eliminar o defeito da coisa e, não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação do defeito, a substituir a coisa vendida. Frustrando-se essas pretensões, pode ser exigida a redução do preço. Mas, não sendo este satisfatório, cabe ao comprador pedir a resolução do contrato. A indemnização cumula-se com qualquer das pretensões com vista a cobrir os danos não ressarcíveis por estes meios.
II – Regime idêntico veio estabelecer a Lei nº 24/96, de 31 de Julho (com a redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril), ao estatuir, no artº 12º, que o consumidor a quem seja fornecida coisa com defeito, pode exigir a reparação da coisa, a sua substituição, a redução do preço ou a resolução do contrato, tendo, além disso, direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


A..., propôs, em 19/09/2003, pelo Tribunal da comarca da Covilhã, acção com processo ordinário, contra B..., pedindo a condenação deste a:
a) reconhecer que o contrato celebrado entre autora e réu, em 30 de Junho de 2002, foi validamente celebrado;
b) reconhecer que esse mesmo contrato foi válida e eficazmente cumprido pelas partes, correspondendo, na íntegra, às suas vontades;
c) reconhecer como ilegítimas as reclamações do réu;
d) retirar o carro do local em que se encontra, declarando que não lhe assiste o direito de o colocar em instalações da autora, nem perturbar o direito de propriedade da mesma;
e) indemnizar a autora na quantia de € 22.197,50.
Para tanto, alega, em resumo, que vendeu um veículo automóvel ao réu; que este veio posteriormente a reclamar da qualidade e acabamento dos assentos, tendo a C... proposto atender tal reclamação, o que o réu não aceitou e apresentou outras reclamações e uma indemnização pela paralisação, não aceitando a autora que o veículo, novo, apresente as reclamações agora apresentadas, na sequência do que o réu acabou por

depositar o veiculo em frente do stand da autora, não sem antes haver ameaçado os funcionários e vendedores da autora, ter apresentado queixas crimes, que foram arquivadas, e feito e divulgado prospectos difamatórios e ofensivos do bom nome da autora, tendo o veículo sido retirado daquele local, apenas na sequência de um providência cautelar, o que tudo causou danos e prejuízos à autora.
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Na contestação o réu defende-se por impugnação, quanto à utilização do parqueamento, já que o local é utilizado, sem oposição da autora, a maior parte das vezes, pelas visitas do Hospital que fica nas imediações, tendo, de resto, o veículo ali ficado, com a aceitação da autora, no entendimento, de ambos, que o carro seria substituído por outro, alegando que foi burlado, pois pagou um preço mais elevado do que o que era praticado no mercado da marca, alegando, ainda, a existência de defeitos, que levaram à denúncia do contrato.
Deduziu pedido reconvencional, pedindo que se declare:
a) que era condição essencial imposta por si que o veiculo marca Saab, modelo 93 SE, de matricula 90-80-TR, fosse equipado com assentos e encostos totalmente forrados em pele genuína ou couro;
b) que o veiculo não tinha aquele equipamento e sofria também das deficiências alegadas no artº 23, que a vendedora não supriu em tempo normal para o fim que o réu o pretendia oferecer ao filho;
c) que pelos defeitos e deficiências e condições referidas em b), o réu perdeu interesse no negócio, sendo culpa da autora o incumprimento por esta do acordo celebrado;
d) que, resolvido o contrato pelo qual o réu comprou à autora o veículo id. em a), tal como esta foi notificada pela notificação judicial avulsa requerida em 10/09/2003 e como, verbalmente, fora comunicado aos serviços da autora, em 28/09/2002, quando o réu entregara o veículo nas instalações da autora na Covilhã;
e) que, o veículo referido, é propriedade da autora, contra a devolução por esta, ao réu, do preço de € 41.164,62 acrescido de uma indemnização por danos patrimoniais computados à taxa de 22% ano, danos que se computam até agora em € 11.320,22 e no que se apurar a tal taxa até efectivo pagamento e ainda na indemnização de € 15.000,00 por danos não patrimoniais.
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Na réplica a autora, impugna a versão dos factos relatados na contestação, terminando por concluir que o réu faz um uso reprovável do processo, devendo ser condenado em quantia condigna a seu favor, como litigante de má fé, não assistindo qualquer direito de resolução do contrato, que por isso não operou.
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No despacho saneador o processo foi tido como isento de nulidades, excepções ou questões prévias, que cumprisse conhecer e obstassem à apreciação do mérito, tendo-se deixado exarados os factos assentes e elaborado a base instrutória, sem reclamações.

Teve, depois, lugar o julgamento, com gravação da prova, e, decidida a matéria de facto controvertida, sem reclamações, foi proferida a sentença, que julgou parcialmente procedentes a acção e a reconvenção.
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Inconformado com a decisão, interpôs o réu recurso de apelação, rematando a alegação com as seguintes conclusões:
1) O recorrente celebrou com a recorrida um contrato de compra e venda de um automóvel de marca SAAB pelo valor de 40.815,26 €, tendo pago 41.164,42 €.
2) O réu apresentou logo que delas teve conhecimento as seguintes reclamações:”… ficou bem explicito que o mesmo vinha equipado com assentos e encostos revestidos a “pele genuína”. Alguns dias depois constatou que os assentos não são revestidos de “pele genuína” mas sim de pergamoide (produto industrial que emita a pele) empregado no revestimento dos assentos de cadeiras e de automóveis. Era necessário empurrar o carro para o pôr a trabalhar de empurrão; A direcção, quando se movimentava fazia barulho; A porta da mala abria em andamento. O aleron traseiro tinha o defeito de uma saliência.
3) O réu denunciou verbalmente à autora tais defeitos logo que deles tomava conhecimento.
4) A vendedora, ora autora, não aceitou resolver tais problemas, pelo que
5) o réu depositou o veículo nas instalações da autora onde adquiriu o veículo e ali entregou as chaves, para que lhe resolvessem tais problemas ou substituíssem o veículo.
6) O réu pretendia dar o carro ao filho que, então, era militar do Exército Português.
7) O veículo entregue ao réu tem os defeitos referidos em 2).


8) O réu pagou antes e contra a entrega do veículo o montante de 29.349,16 € em cheques que a autora logo converteu em dinheiro e entregou o veiculo usado Mitsubshi avaliado em 11.815,26 € (valor da retoma).
9) Perante a prova gravada e documental devem ser alteradas as respostas aos quesitos 2, 3, 7 e 13, dando tais quesitos como provados.
10) A autora recebeu 41.164,42 € como preço do veículo em causa e apenas deu quitação da quantia de 37.811,57 €, valor que facturou como preço do veículo.
11) A autora agiu com dolo e má fé desde o início até ao fim das diligências negociáveis.
12) Porque não via as suas reclamações satisfeitas e porque a autora nunca se dispôs a resolvê-las é que o réu pôs à disposição daquela o veículo e as chaves.
13) O Tribunal “a quo” devia ter julgado que o veículo em causa sofria das deficiências e defeitos referidos em 2), o que a vendedora não supriu em tempo normal para o fim que o réu pretendia oferecer ao filho, o que era do conhecimento daquela.
14) Por causa dos defeitos, deficiências e condições atrás referidas bem como do fim a que se destinava o veículo, o réu perdeu interesse no negócio, o que resulta da culpa e incumprimento por parte da autora.
15) Atento o referido em 14) o réu, primeiramente por comunicação verbal em 28/09/2002 e entrega do veículo este resolveu o contrato pelo qual adquiriu o veículo, resolução confirmada pela notificação judicial avulsa de 10/09/2003, o que também aqui se impetra.
16) Resolvido que deve ser julgado o contrato sub júdice deve a autora ser declarada proprietária do veículo em causa contra a devolução por esta ao réu do preço recebido de 41.164,42 €, acrescido de uma indemnização por danos patrimoniais que se computam até agora em 11.320,22 € e no que se apurar a tal taxa até efectivo pagamento e ainda na indemnização de 15.000,00 € por danos não patrimoniais.
17) A autora litigou com dolo e má fé pelo que como tal deve ser condenada em multa e indemnização ao réu.
18) Deve, ainda, ser condenada a pagar ao réu indemnização pelos danos patrimoniais e morais, que este ainda irá sofrer e a quantificar em liquidação para execução de sentença.
19) Deve o réu ser totalmente absolvido dos pedidos da autora e esta condenada em custas e procuradoria condigna.
20) O Tribunal a quo ao julgar como julgou infringiu além do mais o disposto nos artºs 911 a 914 e 916 do Cód. Civil e no nº 1 do artº 5º do Dec-Lei 67/2003 de 08/04 e nº 1 do artº 12 do Dec-Lei 24/96 (Lei do Consumidor) e ainda nos artºs 659, 660 e 668 do CPC.

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A autora contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
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Na 1ª instância foi dado como provado o seguinte:
Factos assentes:
1º - A autora dedica-se ao comércio de veículos automóveis.
2º - No exercício da sua actividade, foi contactada pelo ora réu, o qual mostrava interesse na aquisição de um automóvel de marca SAAB, tendo celebrado um contrato de compra e venda pelo valor de 40.815,26 euros.
3º - O réu apresentou as seguintes reclamações:
"Na ocasião que contratei o fornecimento de tal veículo ficou bem explícito que o mesmo viria equipado com assentos e encostos revestidos a "pele genuína”, o que aliás penso que ficou a constar do contrato de venda. "
“Alguns dias depois constatei que os assentos e encostos não são revestidos de "pele genuína" mas sim de pergamoíde, produto industrial que imita a pele empregado no revestimento de assentos de cadeiras e de automóveis. "
4º - Em seguimento, foi contactada a C..., e, após as várias trocas de correspondência entre a autora, o réu e a C..., a autora comunicou ao réu que: "por forma a garantir a sua satisfação e pleno usufruto do seu Saab 9--3, decidimos oferecer-lhe um novo revestimento dos bancos integralmente em pele ou, em alternativa, o valor opcional à data debitado”.
5º - No âmbito da providência cautelar intentada pela autora, a 24.6.2003, sendo o réu citado a 17.7.2003, as partes transigiram, em 19.8.2003, no sentido em que: o réu aceita que o veículo seja removido, do parque privado da autora, para as instalações da Toiguarda, no Fundão, disponibilizando, a autora, aí, um espaço para o efeito, até à decisão final na acção principal, sem quaisquer encargos para o réu; a remoção seria efectuada naquela data e supervisionada pelos mandatários das partes; após, a remoção, a chave, fica na posse do mandatário do réu; caso a viatura não funcione, a autora disponibilizará os meios necessários para que o mesmo seja colocado em movimento; os dizeres que foram colocados no interior do veículo seriam retirados; antes da remoção, seria efectuada uma check list, aos aspectos visuais do veículo na presença dos

mandatários.
6º - Entre 30 de Outubro de 2002 e 19 de Agosto de 2003, o veículo ocupou um espaço nas instalações da autora.
7º - Durante esse período o réu colocou os seguintes escritos dentro da viatura: "quem compra SAAB, Não Saab" "informa o telemóvel 916009676". "A Saab prometeu mas não cumpriu".

Base instrutória:
1º - Após a entrega do carro, por uma ou duas ocasiões, o autor empurrou o mesmo, para o colocar em funcionamento; o sistema de ar condicionado, que estava accionado deixou de ventilar e a porta da mala abriu-se em andamento.
2º - O réu requereu em 10.9.2003, a notificação judicial avulsa da autora, que veio a ser efectuada a 17.9 seguinte, comunicando-lhe a resolução do contrato, por o carro não possuir as condições acordadas e apresentar várias anomalias.
4º e 11º - O réu deixou o carro à porta das instalações da autora e arremessou as chaves para cima do balcão do estabelecimento, contra a vontade do vendedor, que o atendeu.
5º - O réu pretendia dar o carro ao filho, que então era militar do Exército Português.
6º - O veículo entregue ao réu, não apresenta a totalidade do revestimento dos assentos e estofos, em pele.
7º - Em 14.8.2002, o réu entregou à autora um cheque do valor de € 20 000.00.
12º - Depois de celebrado o contrato, antes da entrega do carro, acordaram em que o carro a fornecer tivesse equipamento adicional, composto por jantes de 17’’ e não 16’’ e que os assentos fossem em pele e não em pele e tecido, o que importaria um acréscimo de € 849.16, dos quais o réu pagou 349.16, assumindo a autora, por cortesia, o custo do restante.
14º - O facto de o veículo do réu ter ficado nas instalações da autora, impediu que uma sociedade do mesmo grupo desta pudesse levar a cabo a apresentação do novo modelo do Toyota Avensis que aí iria ter lugar no dia 23.05.2003.
15º - Tal facto levou a que a apresentação apenas fosse efectuada no Fundão e na Guarda, acarretando quebra de imagem e a impossibilidade de promover o produto junto da clientela e público em geral da Covilhã.

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Colhidos os legais vistos, cumpre apreciar e decidir.
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Como é sabido, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal da Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo razões de direito ou a não ser que aquelas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs 664º, 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil – diploma a que pertencerão os restantes normativos citados sem menção de proveniência).

Começa o recorrente por impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, alegando que, perante a prova gravada e documental, devem ser alteradas as respostas aos quesitos 2, 3, 7 e 13, dando tais quesitos como provados.
No que diz respeito à modificabilidade da decisão proferida sobre a matéria de facto a linha dominante de orientação vai no sentido de a intervenção do tribunal da relação assumir uma feição meramente residual, no sentido de que tal função correctora só terá lugar se se vier a verificar uma situação em que se afigura nada plausível, face ao conjunto da produção da prova, a formação da convicção do julgador, continuando, pois, a prevalecer a primacial regra da livre apreciação das provas, tal como vem enunciada no artº 655º.
Isso mesmo se colhe do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, onde se refere que o duplo grau de jurisdição “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente terá sempre o ónus de apontar claramente (…)”.
Tendo em conta tais factores, e uma vez que os depoimentos foram gravados e foram cumpridos (embora de forma pouco clara) os ónus impostos pelo artº 690º-A, vejamos se, e em que medida, a pretensão do recorrente merece provimento.
Os quesitos da Base Instrutória cujas respostas foram postas em causa têm a seguinte redacção:
2º - Defeitos estes (os constantes do quesito 1º) que logo denunciou à autora, logo que tomava conhecimento, nomeadamente através de notificação judicial avulsa de 10.09.2003?

3º - A vendedora, ora autora, nunca aceitou dialogar com o réu e resolver tais problemas?
7º - O Réu entregou à autora, em 14.08.2002 a quantia de 41.164,42 euros do preço do veículo, incluindo o valor dos referidos assentos e estofos?
13º - O veículo em questão custaria 37.811,57 euros?
Tais quesitos tiveram as seguintes respostas:
2º - O réu requereu em 10.9.2003, a notificação judicial avulsa da autora, que veio a ser efectuada em 17.9 seguinte, comunicando-lhe a resolução do contrato, por o carro não possuir as condições acordadas e apresentar várias anomalias.
3º - Não provado.
7º - Em 14.8.2002, o réu entregou à autora um cheque no valor de € 20.000.00.
13º - Não provado.

A resposta ao quesito 2º não está correcta, visto que o que se pergunta é se o réu denunciou à autora, logo que deles tomava conhecimento, os defeitos indicados no quesito 1º e não se o réu requereu, e em que data, a notificação judicial avulsa da autora, como consta da resposta a esse quesito 2º.
Da prova produzida (testemunhas – António Maria Coito Gabriel e António José de Oliveira Duarte e documentos – de fls. 10 a 13 do procedimento cautelar apenso), resulta que o réu em 03/09/2002 reclamou junto da autora da constituição dos estofos, fazendo-o em relação a outros defeitos com a notificação judicial avulsa.
Por isso, esse quesito 2º deverá ter a seguinte redacção:
Provado apenas que, além da reclamação a que alude o ponto 3º dos Factos Assentes, o réu denunciou à autora outros defeitos através da notificação judicial avulsa de 10/09/2003.

A resposta ao quesito 3º da Base Instrutória está correcta, visto resultar da prova produzida (cfr. os depoimentos das testemunhas Henrique Manuel Alves Rodrigues e António José de Oliveira Duarte, e os docs. de fls. 13 do apenso procedimento cautelar - em que a ora autora informa o ora réu que a reclamação do mesmo, por ultrapassar as suas competências enquanto concessionário, foi reencaminhada para a C..., importador oficial da marca SAAB -, e de fls. 58 do mesmo apenso - em que a autora

informa o réu da resposta da C..., dizendo, por isso, que tal resposta encerra o assunto em questão.

A resposta ao quesito 7º da Base Instrutória apenas sofre a alteração resultante do facto de o réu também ter entregue, no dia 14/08/2002, um cheque do valor de 349,16 € (cfr. depoimento da testemunha António José de Oliveira Duarte e doc. de fls. 53/54 do procedimento cautelar apenso).
Assim, passará o quesito 7º a ter a seguinte resposta:
O réu entregou à autora, em 14/08/2002, um cheque do valor de 20.000,00 €, e outro cheque do valor de 349,16 €.

Finalmente, a resposta ao quesito 13º mantém-se inalterada, visto resultar do ponto 2º dos Factos Assentes que o contrato de compra e venda do aludido veículo foi celebrado pelo valor de 40.815,26 €, não tendo, por isso, cabimento a questão constante desse quesito 13º de que o veículo custaria 37.811,57 €.

A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto é, portanto, provida apenas em parte, passando os quesitos 2º e 7º a ter as respostas atrás indicadas.
Convém acrescentar que, face à nova redacção dada à resposta ao quesito 2º, há que dar como provado mais o seguinte (resultante do doc. 51/55, não impugnado):
A notificação judicial avulsa referida na resposta ao quesito 2º da Base Instrutória diz respeito à notificação judicial avulsa da autora, que o réu requereu em 10/09/2003, e que teve lugar em 17/09/2003, comunicando-lhe que reitera a resolução do contrato pelo qual a notificanda vendeu ao notificante o veiculo de marca Saab, modelo 93 SE de matrícula 90-80-TZ, fundamentando a resolução por tal veículo que lhe foi entregue não ter as condições acordadas e sofrer de várias anomalias, que discrimina e aqui se dão por reproduzidas.
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Alega, depois, o recorrente que, por causa dos defeitos, deficiências e condições referidas na conclusão 2ª bem como do fim a que se destinava o veículo, perdeu interesse no negócio, o que resulta da culpa e incumprimento por parte da autora e que, por via disso, primeiramente por comunicação verbal em 28/09/2002 e entrega do veículo, o réu resolveu o contrato pelo qual adquiriu o veículo, resolução confirmada pela notificação

judicial avulsa de 10/09/2003.
A definição de coisa defeituosa é-nos dada pelo artº 913º do Código Civil, segundo o qual, se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes (nº 1).
Segundo o Prof. Pedro Romano Martinez (Direito das Obrigações, Parte Especial – Contratos, pág. 127 e ss.), quanto ao regime especial estabelecido a propósito da compra e venda de coisas defeituosas, importa aludir a quatro consequências:
1º - A primeira é que, se for vendida uma coisa defeituosa, ao comprador é facultado o exercício do direito de resolução do contrato, sendo a posição da jurisprudência praticamente unânime no sentido de aplicar o regime do incumprimento dos contratos e não o da anulabilidade.
2º - Como segunda consequência é de aludir à convalescença do contrato prevista no artº 906º do CC, que, em relação à compra e venda de coisas defeituosas, assume duas vertentes (cfr. artº 914º): o comprador pode exigir a reparação do defeito ou a substituição da coisa defeituosa.
A eliminação dos defeitos e a substituição da coisa, para além de exigidas pelo comprador, podem ser oferecidas pelo vendedor, não podendo, em tal caso, a contraparte opor-se a tal oferta, se a recusa contrariar a boa fé.
3º - A terceira consequência respeita à redução do preço estipulado no contrato (artº 911º, ex vi artº 913º, nº 1).
4º - A quarta consequência traduz-se no direito de pedir uma indemnização, nos termos gerais dos artºs 562º e ss. do CC, indemnização que se baseia na culpa do vendedor, nos termos do artº 908º, ex vi artº 913º, nº 1).
Segundo o mesmo autor (pág. 130), os diversos meios jurídicos facultados ao comprador em caso de defeito da coisa vendida não podem ser exercidos em alternativa, havendo uma espécie de sequência lógica: em primeiro lugar, o vendedor está adstrito a eliminar o defeito da coisa e, não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação do defeito, a substituir a coisa vendida; frustrando-se essas pretensões, pode ser exigida a redução do preço, mas não sendo este satisfatório, cabe ao comprador pedir a resolução do contrato. A indemnização cumula-se com qualquer das

pretensões com vista a cobrir os danos não ressarcíveis por estes meios.
Por outro lado, com a entrada em vigor da Lei nº 24/96, de 31 de Julho (aplicável ao presente caso com a redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, atenta a data do contrato de compra e venda celebrado entre a autora e o réu), que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores, há que tomar em consideração o disposto no nº 1 do artº 12º, segundo o qual o consumidor a quem seja fornecida a coisa com defeito, salvo se dela tivesse sido previamente informado e esclarecido antes da celebração do contrato, pode exigir, independentemente de culpa do fornecedor do bem, a reparação da coisa, a sua substituição, a redução do preço ou a resolução do contrato. Além disso, de acordo com o disposto no nº 4 do mesmo artigo, o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.

No caso sub iudice, o veículo adquirido pelo réu à autora foi fornecido por esta com defeito no que diz respeito ao revestimento dos assentos e estofos, visto tal equipamento não ter as qualidades que haviam sido acordadas, pois, como se provou (respostas aos quesitos 6º e 12º da Base Instrutória), o veiculo entregue ao réu não apresenta a totalidade do revestimento dos assentos e estofos em pele, quando é certo que, depois de celebrado o contrato, antes da entrega do carro, a autora e o réu acordaram em que o carro a fornecer tivesse os assentos em pele e não em pele e tecido, tendo o réu pago, para o efeito, o acréscimo de 349,16 €.
O réu reclamou de tal deficiência (cfr. ponto 3º dos Factos Assentes), mas não requereu a eliminação da mesma, pois, segundo o próprio afirma na contestação e reitera no presente recurso, em 28/09/2002, por comunicação verbal, resolveu o contrato pelo qual adquiriu o veículo, resolução essa que, depois confirmou pela notificação judicial avulsa de 10/09/2003.
Não se encontra provado que o réu tenha resolvido o contrato por comunicação verbal de 28/09/2002 (v. resposta negativa ao quesito 11º da Base Instrutória, onde se pergunta se na data em que o réu aí deixou o veículo os serviços da autora aceitaram bem como as chaves, ficando entendido entre todos que o carro seria substituído por outro).


E a resolução constante da notificação judicial avulsa (efectuada em 17/09/2003) carece de validade, uma vez que, como vimos, competia ao réu obter, em primeiro lugar, a eliminação da deficiência (revestimento dos estofos), ou não sendo esta possível ou demasiado onerosa, a substituição da coisa vendida ou, ainda a redução do preço e, só na impossibilidade de obter estas pretensões, é que poderia resolver o contrato.
Ora, como se vê do ponto 4º dos Factos Assentes, a autora, em determinada altura, prontificou-se a eliminar a deficiência, comunicando ao réu que “por forma a garantir a sua satisfação e pleno usufruto do seu Saab 9-3, decidimos oferecer-lhe um novo revestimento dos bancos integralmente em pele ou, em alternativa, o valor opcional à data debitado”.
Em face disso, e porque se não mostra que a autora se tenha recusado, posteriormente, a cumprir o teor do aludido comunicado, carecia o réu de legitimidade para resolver o contrato em 10/09/2003, como o fez, da mesma forma que também não deveria tal resolução ser declarada pelo Tribunal, como o não foi.
Por isso, improcede o recurso na parte em que pretende o recorrente que seja reconhecida a validade de tal resolução.
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Alega o recorrente que, resolvido que deve ser julgado o contrato, deve a autora ser declarada proprietária do veículo em causa, contra a devolução por esta do preço recebido de 41.164,42 €, acrescido de uma indemnização por danos patrimoniais que se computam em 11.320,22 € e na indemnização de 15.000,00 € por danos não patrimoniais, devendo ainda ser condenada a pagar-lhe uma indemnização pelos danos patrimoniais e morais que ainda irá sofrer e a quantificar em liquidação para execução de sentença.

Acabámos de ver que não se pode julgar resolvido o contrato, pelo que improcede a pretendida declaração da autora como proprietária do veículo e a devolução do preço.

No que diz respeito às indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais peticionadas pelo réu, já vimos que o consumidor tem direito a tais indemnizações, resultantes do fornecimento de bens defeituosos.
No entanto, para que sejam fixadas as indemnizações tem o comprador (consumidor), como é óbvio, que fazer prova da existência de danos.

Prova essa que o réu não fez.
Com efeito, os factos que integravam tais danos constam dos quesitos 5º, 8º e 9º da Base Instrutória, a saber:
5º - Tal veículo destinava-o o réu ao filho que sendo oficial do Exército lho queria oferecer, que atentas as anomalias verificadas este adquiriu um outro novo ?
8º - Para adquirir o novo carro para o filho teve o réu de obter financiamento junto de Banco, com desconto de letras com juros de 22% ao ano ?
9º - Por causa de tal negócio o réu foi achincalhado por amigos e conhecidos, deles ouvindo apupos como “querias andar de Saab”, “tens a mania, mas deixaste-te burlar”, “o Saab não é para ti”, “compraste um carro já velho”, “tens de o empurrar tu, em vez de montares nele” ?
Ora o quesito 5º teve uma resposta restritiva (O réu pretendia dar o carro ao filho, que então era militar do Exército Português) e os quesitos 8º e 9º tiveram as respostas de “não provado”.
E sem a prova da existência de danos, não há indemnização, como se disse.

No que diz respeito à indemnização por danos patrimoniais e morais futuros, a quantificar em liquidação para execução de sentença, também o réu não tem direito a ela, em virtude de não ter formulado o seu pedido na 1ª instância, mas apenas em sede de recurso.
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Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando, embora com outros fundamentos, a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.