Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1281/06.1TBCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE RAPOSO
Descritores: AMBIENTE
INTERPRETAÇÃO DA LEI
DEVER DE INFORMAR
ARMAZENAGEM
JUROS
Data do Acordão: 01/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CANTANHEDE – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 5º, 2 CPP, 53º L.29.08, 22º, 4,25º,AL. I) D.L. 153.03-11/7
Sumário: 1. Na interpretação da lei penal, o aplicador pode mover-se e optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação dentre a pluralidade de significados comuns e literais das palavras.
2. O nº 4 do art. 22º do Decreto-Lei 153/03 de 11.7 institui um “dever de manutenção e disponibilização de um registo actualizado trimestralmente” que pode e deve ser interpretado como constituindo o “dever de comunicação” cuja omissão constitui a contra-ordenação p. e p. pelo art. 25º al. i) do mesmo diploma por existir o mínimo de correspondência literal entre comunicar (tornar comum) e disponibilizar.
3. Esta interpretação foi a pretendida pelo legislador como resulta da epígrafe do artigo 22º que é exactamente “obrigação de comunicação de dados” e das preocupações com a gestão e controlo da armazenagem, recolha, transporte e tratamento dos óleos usados que o preâmbulo do Decreto-Lei 153/2003 reflecte.
4. Por força do disposto no art. 5º nº 2 do Código de Processo Penal, o art. 53.° (“juros”) da Lei 50/06 de 29/08 (Lei de Bases do Ambiente) não é aplicável aos processos por factos praticados antes da sua entrada em vigor por ser uma norma de direito processual material que institui uma sanção de natureza processual (acréscimo de juros à taxa máxima desde a data da notificação da decisão pela autoridade administrativa) que impõe um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, independentemente de se apurar a responsabilidade do arguido pelas delongas processuais, sem se ponderar que o recurso tem efeito suspensivo da decisão da autoridade administrativa e que a decisão só se torna definitiva e exequível após trânsito em julgado da decisão final, apesar da presunção de inocência do arguido e onerando o exercício legítimo do direito de defesa e o recurso aos tribunais.
Decisão Texto Integral: Acordam – em audiência – na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO
A..foi condenada, por decisão da Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, constante de fls. 34 a 41, datada de 19.06.06, ao pagamento de uma coima no valor de € 1.000,00 (mil euro), pela prática de uma contra-ordenação p. e p. nos termos dos artigos 22° nº 4 do Decreto-Lei 153/2003, de 11 de Julho, sancionável com coima de € 500,00 a € 44.800,00; e, ainda, nas custas do processo, no montante de €100,00.
Inconformado, o arguido interpôs recurso de impugnação judicial para o Tribunal Judicial de Cantanhede, no qual apresentou a seguinte síntese conclusiva:
A) Nos termos da alínea i) do nº 1 do artigo 25° do Decreto-Lei 153/2003, de 11 de Julho, verificamos que o referido art. 25°, considera contra-ordenacão punível com coima, a "omissão do dever de comunicação de dados, ou a errada transmissão destes, conforme previsto no artigo 22°". E o art. 22°, nº 4 não prevê qualquer dever de comunicar dados por parte dos produtores de óleos a quem quer que seja, dado que até prevê que o registo dos óleos produzidos será disponibilizado às autoridades competentes quando solicitado.
B) Os únicos deveres de comunicação de dados previstos no art. 22° do Decreto-Lei 153/2003, de 11 de Julho, dizem respeito não aos produtores dos óleos, mas sim às entidades gestoras, nos termos do art. 22° nº 1 do Decreto-Lei 153/2003, de 11 de Julho e tem como destinatário o instituto dos Resíduos e entidades gestoras são as entidades como tal devidamente licenciadas nos termos do art. 9°, 11° e 15°, todos do Decreto-Lei 153/2003, de 11 de Julho.
C) Dado que, nos termos do art. 1° do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, que aprovou o Regime Jurídico do Ilícito de mera ordenação social e respectivo processo, "constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima", a omissão do dever de ter os registos em ordem não está sancionado por qualquer coima, razão pela qual, não pode a ora recorrente ser sujeita à aplicação de qualquer coima.
D) O inspector que elaborou o auto de notícia deturpou o texto legal, ampliando essa coima aos casos de falta de registo que a lei, devidamente interpretada nos termos do art. 9º nºs 1 e 2 do Código Civil não permite e a Inspecção Geral do Ambiente manteve, apesar de alertada para a irregularidade e ilegalidade de uma tal interpretação, na decisão final proferida nos presentes autos.
E) Por isso, devem os presentes autos ser arquivados, por falta de fundamento legal para a sua prossecução.
Termos em que, na procedência do presente recurso, deve a ora recorrente ser absolvida e arquivados os presentes autos, como é de lei e de Justiça.
Tomando posição sobre o conteúdo das alegações da recorrente, disse a Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, concluindo pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão, com os seguintes argumentos:
A Arguida alega que o artigo 22° nº 4, do Decreto-Lei 153/2003, de 11 de Julho, apenas impõe a existência de um registo trimestral actualizado e que o mesmo deverá ser disponibilizado às autoridades competentes quando solicitado. Portanto, invoca a Arguida, que não fará sentido fazer a mesma incorrer na infracção constante do 25, nº 1, alínea i) do mesmo diploma, que penaliza a omissão, por parte dos produtores de óleos usados, do " ... dever de comunicação de dados ou a errada transmissão destes, conforme previsto no artigo 22°. Ora, segundo aquela, a lei não impõe essa comunicação aos produtores de óleos usados.
Com o devido respeito pelos argumentos avançados pela Arguida, não pode esta Inspecção-Geral com eles concordar, uma vez que esta não teve em consideração o Despacho nº 9627/2004 (2ª série), de 15 de Maio, que no seu nº 2 dispõe o seguinte:
“Os produtores de óleos usados deverão enviar ao Instituto dos Resíduos até ao dia 31 de Março de cada ano uma cópia dos mapas trimestrais de registo referentes ao ano imediato anterior”.
Liminarmente admitido o recurso, foi decidida, sem oposição, a desnecessidade de realização de audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
1) Julgar totalmente improcedente o presente recurso interposto pela sociedade arguida A..., Lda., mantendo integralmente a decisão administrativa de fls. 34 - 41, que aplicou à sociedade arguida coima de 1.000 euros.
2) Condenar a sociedade arguida A..., Lda, a pagar juros contados sobre o valor de €1.000, valor da coima em dívida, desde 28/07/06, data da notificação da decisão administrativa à sociedade arguida, à taxa máxima prevista no art. 53° da Lei n° 50/06, de 29/08.
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Recorre agora o arguido para este Tribunal da Relação, formulando no termo da motivação, as seguintes conclusões:
A) Nos termos da alínea i) do nº 1 do artigo 25° do Decreto-Lei º 153/2003, de 11 de Julho, verificamos que o referido art. 25°, considera contra-ordenacão punível com coima, a "omissão do dever de comunicação de dados, ou a errada transmissão destes, conforme previsto no art. 22°" e o art. 22. nº 4 não prevê qualquer dever de comunicar dados por parte dos produtores de óleos a quem quer que seja, dado que até prevê que o registo dos óleos produzidos será disponibilizado às autoridades competentes quando solicitado.
B) Os únicos deveres de comunicação de dados previstos no art 22° do Decreto-Lei 153/2003, de 11 de Julho, dizem respeito não aos produtores dos óleos, mas sim às entidades gestoras, nos termos do art. 22° nº 1 do Decreto-Lei 153/2003, de 11 de Julho e tem como destinatário o Instituto dos Resíduos e entidades gestoras são as entidades como tal devidamente licenciadas nos termos do art. 9°, 11° e 15°, todos do Decreto-Lei 153/2003, de 11 de Julho.
C) Dado que, nos termos do art 1° do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, que provou o Regime Jurídico do Ilícito de mera ordenação social e respectivo processo, constitui contra-ordenaçâo todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima", a omissão do dever de ter os registos em ordem não está sancionado por qualquer coima, razão pela qual não pode a ora recorrente ser sujeita à aplicação e qualquer coima.
D) O inspector que elaborou o auto de notícia deturpou o texto legal, ampliando essa coima aos casos de falta de registo que a lei, devidamente interpretada nos termos do art. 9°, nºs 1 e 2 do Código Civil não permite e a sentença recorrida manteve, apesar de alertada para a irregularidade e ilegalidade de uma tal interpretação, na decisão final proferida nos presentes autos.
E) A decisão recorrida depois de elencar uma argumentação igual à que já deixámos exposta, conclui que "a sociedade arguida não respeitou o disposto no art. 22º nº 4, do Decreto - Lei 153/03, de 11/7".
F) Só que depois dá um salto lógico e escreve-se nela que "tal obrigação é necessária, na economia do próprio art. 22°, nº 4 do Decreto-Lei nº 153/03, de 11/07, à disponibilização dessa informação às autoridades competentes, "quando solicitado", pelo que a obrigação em causa não pode deixar de se considerar abrangida pelo tipo legal de contra-ordenação em apreço, ao estipular que “a omissão do dever de comunicação de dados, ou a errada transmissão destes, conforme previsto no artigo 22º” (remissão para todo o art. 22°, inclusive o n." 4) constitui contra-ordenação, nos termos do nº 1 do art. 25° do citado diploma.
G) É evidente que esta interpretação é inaceitável, pois esquece que a refere ao art. 22° contida na aI. i) do n° 1 do art. 25° é feita com referência "à omissão do dever de comunicação de dados, ou à errada transmissão destes".
H) A interpretação seguida pela sentença recorrida é desde logo ilegal, por violação do art. 1° do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, pois aplica uma coima a um comportamento para o qual a lei não comina qualquer coima.
I) A interpretação seguida pela sentença recorrida viola o disposto no art. 9º nº 2 do Código Civil, pois não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, dado que o nº 4 do art. 22° do Decreto-Lei 153/2003 apenas se refere a disponibilização e nunca se refere a comunicação ou transmissão de dados, como acontece com os restantes números desse art. 22° e na aI. i) do nº 1 do art. 25° apenas se considera a comunicação ou transmissão de dados, nunca a mera disponibilização.
J) Por fim, com a decisão proferida, a sentença recorrida viola o disposto no art. 29° n°s 1 e 3 da Constituição da República, pois pune a ora recorrente por uma omissão que nenhuma lei anterior declara punível, antes essa punição resulta de uma aplicação analógica da lei contraordenacional, em violação do princípio da legalidade consagrado no art. 1° do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro.
K) Tendo sido o presente processo sido instaurado em 2005, a Lei 50/06, de 29/08 não se lhe pode aplicar, porquanto é posterior e, nos termos do art. 12º do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro, sendo certo ainda que a mencionada lei não contém qualquer norma que fixe a sua aplicação retroactiva.
L) Por isso, em procedência do presente recurso, deve ser revogada a decisão recorrida por ser manifestamente ilegal, assim se cumprindo a lei e fazendo JUSTIÇA
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Admitido o recurso, o Ministério Público respondeu, concluindo:
A) A sociedade arguida não procedia ao registo com informações relativas às quantidades e características dos óleos usados produzidos, ao processo que lhes deu origem e ao respectivo destino, registo esse que deveria ser actualizado trimestralmente.
B) Violando assim o disposto no artigo 22° nº 4, do Decreto-Lei nº 153/03 de 11 de Julho.
C) Tal obrigação é necessária, na economia do próprio artigo ora referido, no que concerne à disponibilização dessa informação às autoridades competentes quando solicitado.
D) Destarte, o comportamento da sociedade da arguida não pode deixar de considerar-se abrangido pela “a omissão do dever de comunicação de dados, ou a errada transmissão destes” que nos legais termos do disposto no artigo 25° do Decreto-Lei supra mencionado constitui uma contra-ordenação.
E) Respeitando-se, assim, o disposto nos artigos 1º e 2° do RGCOC.
F) Devendo, assim, nesta parte, manter-se a douta sentença, nos seus precisos termos, julgando-se, nesta parte, o recurso, improcedente.
G) Os factos praticados pela sociedade arguida reportam-se ao dia 18 de Março de 2005.
H) No que concerne às contra-ordenações ambientais, foi publicada a Lei Quadro 50/2006 de 29 de Agosto, cuja entrada em vigor veio a ocorrer no dia 04 de Setembro de 2006, por aplicação do artigo 2° nº 2, da Lei 74/98 de 11 de Novembro, com as alterações decorrentes da Lei nº 26/2006 de 30 de Junho.
I) Sempre de imporá, desde logo, a inaplicabilidade da LQCOA, pela aplicação do principio da proibição da retroactividade da lei desfavorável ao arguido, sendo aplicável o RGCOC que tem por direito subsidiário o direito penal adjectivo e substantivo – veja-se a este propósito o disposto no artigo 5° nº 2 do Código de Processo Penal.
J) Não pode a arguida ser condenada no pagamento de juros contados desde a data da notificação da decisão pela autoridade administrativa ao arguido.
K) Termos em que, deve a douta sentença, ser revogada, nesta parte.
L) Pelo exposto, deve o recurso ser julgado parcialmente procedente.
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Na vista a que se refere o art. 416º nº 1 do Código de Processo Penal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer de concordância com a resposta à motivação de recurso apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância.
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Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º nº 2 do Código de Processo Penal, tendo o recorrente respondido, concluindo pela procedência do recurso e pela sua absolvição.
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Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso (artigos 419º n.º4, “a contrario”, e 421º n.º1 do mesmo diploma legal).
II. FUNDAMENTAÇÃO.
Decorre do preceituado nos artigo 66º e 75º nº1 do Regime Geral das Contra-Ordenações aprovado pelo Decreto-Lei 433/82 de 27 de Outubro (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 356/89 de 17 de Outubro, pelo Decreto-Lei 244/95 de 14 de Setembro, pelo Decreto-Lei 323/2001 de 17 de Dezembro e pela Lei n.º 109/2001 de 24 de Dezembro e que passaremos a designar de RGCO), que em matéria de recurso de decisões relativas a processos por contra-ordenações, a 2ª instância funciona como tribunal de revista e como última instância.
Com efeito, o nº 1 do mencionado artigo 75º estabelece que “se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância apenas conhecerá de matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões”.
Assim, o poder de cognição deste tribunal está efectivamente limitado à matéria de direito, funcionando o Tribunal da Relação como Tribunal de revista ampliada, sem prejuízo do conhecimento oficioso de qualquer dos vícios referidos no artigo 410º do Código de Processo Penal, por força do disposto nos art.s 41º nº1 e 74º nº 4 do RGCO, já que os preceitos reguladores do processo criminal constituem direito subsidiário do processo contra-ordenacional.
Por outro lado, é jurisprudência constante e pacífica (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).
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Sintetizando, são as seguintes as questões a resolver:
1. Se a conduta da Recorrente constitui contra-ordenação;
2. Se é aplicável ao presente processo o disposto no art. 53º da Lei 50/06 de 29.8.
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São os seguintes os factos provados:
a) A empresa "A..., Lda.", sociedade por quotas com o NIF 500141738 e com sede no Largo Pedro Teixeira, n046 - Apartado 18, 3064-909 Cantanhede, dedica-se à construção de edifícios, produzindo diversos resíduos no âmbito da sua actividade comercial, nomeadamente óleos usados e resíduos retirados das caixas separadoras óleo/água que também contém substâncias oleosas;
b) No dia 18 de Maio de 2005, na sequência de uma acção de inspecção levada a cabo pela Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, conforme o Auto de Noticia n." 566/2005 de 18.05.2005 (Doc. a fls. 3) e o Relatório de Inspecção n." 1014/2005 de 14.07.2005 (Doc. de fls. 7 a 10), emitido por esta Inspecção-Geral, verificou-se que a arguida detinha nas suas instalações óleos usados e resíduos retirados das caixas separadoras de óleo/água;
c) Após terem sido solicitados os registos trimestrais actualizados com informações relativas às quantidades, condições e características dos óleos usados produzidos, ao processo que lhes deu origem e ao respectivo destino, verificou-se que a arguida encaminha os resíduos para a firma B..., Lda., emitindo guias de transporte para acompanhamento dos resíduos, mas não procede ao registo com informações relativas às quantidades e características dos óleos usados produzidos, ao processo que lhes deu origem e ao respectivo destino, registo esse que deveria ser actualizado trimestralmente;
d) A arguida cumpria a obrigação de encaminhar os resíduos para uma empresa gestora de resíduos.
O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão da seguinte forma:
III - Do Direito
As questões que importa decidir são as de saber se a sociedade arguida praticou a contra-ordenação prevista e punível pelos arts. 22.°, n.º 4, e 25.°, n." 1, do Decreto-Lei n.º 153/03, de 11/07, negligentemente, e, em consequência, se deve ser mantida ou não a decisão administrativa proferida nos autos, e a sociedade arguida condenada no pagamento de juros sobre o valor da coima em dívida, contados desde a data da notificação da decisão pela autoridade administrativa à sociedade arguida, no caso de se manter total ou parcialmente a decisão administrativa impugnada, uma vez que a factualidade dada como provada na decisão administrativa não é objecto de impugnação.
Da responsabilidade contra-ordenacionaI.
Estipula o art. 25.° ("contra-ordenações") do Decreto - Lei n.º 153/03, de 11/07, que constitui contra-ordenação, punível com coima de € 250 a € 3740, no caso de pessoas singulares, e de € 500 a € 44 800, no caso de pessoa colectiva: a) A não entrega de óleos usados nos locais adequados para a sua recolha selectiva, por parte do produtor de óleos usados; b) A violação do disposto no artigo 5.°; c) A colocação no mercado e a comercialização de óleos novos em violação do disposto no n.º 2 do artigo 7.°; d) A violação do disposto no n.º 4 do artigo 8.°, no n.º 1 do artigo 11.° e no n.º 1 do artigo 12.°; e) A recusa de recolha/transporte de óleos usados, em violação do disposto no n.º 4 do artigo 12.º; j) O incumprimento das obrigações constantes dos n.º 3 e 4 do artigo 13.°; g) As operações de recolha/transporte efectuadas em violação do disposto no n.° 1 do artigo 16.°; h) O não cumprimento das regras de amostragem e análise previstas no n.º 1 do artigo 21.º, bem como a falta da notificação prevista no n.° 3 do artigo 21.º; i) A omissão do dever de comunicação de dados, ou a errada transmissão destes, conforme previsto no artigo 22.°; j) As operações de gestão de óleos usados em violação das normas estabelecidas no capítulo IV (als. a), b), c), d), e), f), g), h), i) e j) do n.º 1).
A tentativa e a negligência são puníveis (n.º 2 da mesma norma).
De acordo com o previsto no art. 22.° ("obrigação de comunicação de dados") do Decreto-Lei n.º 153/03, de 11/07, a entidade gestora fica obrigada a enviar ao Instituto dos Resíduos um relatório anual de actividade, até 31 de Março do ano imediato àquele a que se reporta, demonstrativo das acções levadas a cabo e dos resultados obtidos no âmbito das obrigações previstas nos artigos 9. ° e 12.° (n.° 1). Este relatório deverá identificar os produtores de óleos novos que lhe transferiram a sua responsabilidade e os operadores de gestão com quem tem contrato; indicar as quantidades e características dos óleos novos comercializados; demonstrar os resultados obtidos em matéria de gestão de óleos usados, nomeadamente no que respeita aos quantitativos de óleos usados retomados e quantidades sujeitas a regeneração e outras formas de reciclagem e valorização e discriminar a respectiva afectação de recursos financeiros (n.º 2).
O disposto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, aos produtores de óleos novos que tenham optado pela constituição de sistemas individuais nos termos do artigo 14.° (n.º 3).
Os produtores de óleos usados deverão manter um registo actualizado trimestralmente, com informações relativas às quantidades e características dos óleos usados produzidos, ao processo que lhes deu origem e ao respectivo destino, que será disponibilizado às autoridades competentes quando solicitado (n.º 4 da mesma norma, o BOLD é nosso).
De acordo com o art. 1.° ("definição") do RGCO, constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima.
Segundo o art. 2.° ("princípio da legalidade") do RGCO, só será punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática.
Apreciando.
A sociedade A..., Lda., dedica-se à construção de edifícios, produzindo diversos resíduos no âmbito da sua actividade, nomeadamente óleos usados e resíduos retirados das caixas separadoras óleo/água que também contêm substâncias oleosas.
No dia 18/05/05, na sequência de uma acção de inspecção levada a cabo pela Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, conforme o auto de notícia n.º 566/2005 de 18/05/05 e o relatório de inspecção n.º 1014/2005 de 14/07/05 emitida pela IGAOT, verificou-se que a sociedade arguida detinha nas suas instalações óleos usados e resíduos retirados das caixas separadoras de óleo/água. Após terem sido solicitados os registos trimestrais actualizados com informações relativas às quantidades, condições e características dos óleos usados produzidos, ao processo que lhes deu origem e ao respectivo destino, verificou-se que a arguida encaminha os resíduos para a firma B..., Lda., emitindo guias de transporte para acompanhamento dos resíduos, mas não procede ao registo com informações relativas às quantidades e características dos óleos usados produzidos, ao processo que lhes deu origem e ao respectivo destino, registo esse que deveria ser actualizado trimestralmente.
Conclui-se assim que a sociedade arguida não respeitou o disposto no art. 22.°, n.º 4, do Decreto - Lei n.º 153/03, de 11/07.
Tal obrigação é necessária, na economia do próprio art. 22°, nº 4, do Decreto-Lei n.º 153/03, de 11/07, à disponibilização dessa informação às autoridades competentes, "quando solicitado", pelo que a obrigação em causa não pode deixar de se considerar abrangida pelo tipo legal de contra-ordenação em apreço, ao estipular que "a omissão do dever de comunicação de dados, ou a errada transmissão destes, conforme previsto no artigo 22.º" (remissão para todo o art. 22.°, inclusive o n.º 4) constitui contra-ordenação, nos termos do n.º 1 do art. 25.° do citado diploma.
Com efeito, o art. 22.° do Decreto-Lei n.º 153/03, de 11/07, prevê não apenas obrigações de comunicação às entidades previstas nos n.ºs 1 a 3, mas também, quando solicitado, às entidades previstas no n.° 4 da referida norma, nas quais a sociedade arguida se integra.
A norma em causa respeita assim o disposto nos arts. 1.º e 2.° do RGCO.
Pelo exposto, deve o presente recurso de impugnação judicial ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a decisão administrativa de fls. 34 - 41.
Da condenação da ré em juros.
De acordo com o disposto no art. 1º ("âmbito") da Lei n." 50/06, de 29/08, que aprova a lei-quadro das contra-ordenações ambientais, a presente lei estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais (n.º 1). Constitui contra-ordenação ambiental todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima (n.º 2). Para efeitos do número anterior, considera-se como legislação e regulamentação ambiental toda a que diga respeito às componentes ambientais naturais e humanas tal como enumeradas na Lei de Bases do Ambiente (n.º 3 da mesma norma).
Prevê o art. 2.° ("regime") da Lei n.º 50/06, de 29/08, que as contra-ordenações ambientais são reguladas pelo disposto na presente lei e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações.
O Decreto-Lei n.º 153/03, de 11/07, que estabelece o regime jurídico da gestão de óleos usados, é legislação ambiental para efeitos do previsto no n.º 3 do art. 1.º da Lei n.º 50/06, sendo a contra-ordenação prevista e punível pelos arts. 22.º e 25.º, n.º 1, al, i), do Decreto-Lei nº 153/03, pela qual deve a sociedade arguida ser condenada, uma contra-ordenação ambiental, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1.º da Lei n.º 50/06, pelo que se lhe aplica especialmente o disposto na Lei n.º 50/06, e subsidiariamente o RGCO (art. 2.° da Lei n.º 50/06).
Prevê o art. 53.° (“juros”) da Lei n.º 50/06, de 29/08, que no final do processo judicial que conheça da impugnação ou da execução da decisão proferida em processo de contra-ordenação, e se esta tiver sido total ou parcialmente confirmada pelo tribunal, acresce ao valor da coima em dívida o pagamento de juros contados desde a data da notificação da decisão pela autoridade administrativa ao arguido, à taxa máxima estabelecida na lei fiscal.
Uma vez que no presente processo de recurso de impugnação judicial da decisão administrativa de fls, 33 - 41 se deve confirmar integralmente a decisão administrativa em causa, deve a sociedade arguida ser condenada a pagar juros contados sobre o valor da coima em dívida (€ 1.000) desde 28/07/06, data da notificação da decisão administrativa à sociedade arguida (cfr. fls. 42), à taxa máxima estabelecida na lei fiscal.
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Primeira questão
A factualidade Extirpada de referências a meios de prova e de obtenção de prova. objectiva Não é posta em causa a imputação dos factos a título de negligência que já resultava da decisão da autoridade administrativa. praticada pela Recorrente que está em causa é a seguinte:
A Recorrente dedica-se à construção de edifícios, produzindo diversos resíduos no âmbito da sua actividade comercial, nomeadamente óleos usados e resíduos retirados das caixas separadoras óleo/água que também contém substâncias oleosas.
No dia 18 de Maio de 2005, a Recorrente não mantinha registos trimestrais actualizados com informações relativas às quantidades, condições e características dos óleos usados produzidos, ao processo que lhes deu origem e ao respectivo destino que lhe foi solicitado nesse dia, numa acção de inspecção levada a cabo pela Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território.
Com essa conduta violou o disposto no art. 22º nº 4 do Decreto-Lei 153/03 que preceitua:
“Os produtores de óleos usados deverão manter um registo actualizado trimestralmente, com informações relativas às quantidades e características dos óleos usados produzidos, ao processo que lhes deu origem e ao respectivo destino, que será disponibilizado às autoridades competentes quando solicitado”.
Essa violação é reconhecida pela própria Recorrente.
O que está em causa é se, com essa conduta, praticou a contra-ordenação prevista na al. i) do art. 25º desse diploma que estipula que “constitui contra-ordenação, punível com coima de … € 500 a € 44 800, no caso de pessoa colectiva … i) A omissão do dever de comunicação de dados, ou a errada transmissão destes, conforme previsto no artigo 22°”.
Do confronto destas duas disposições resulta numa primeira abordagem que o nº 4 do art. 22º não estabelece um “dever de comunicação”, mas o que designa como um “dever de manutenção e disponibilização de um registo actualizado trimestralmente”.
Para compreender devidamente o âmbito do ilícito de mera ordenação social em causa importa esclarecer que o art. 22º prevê um dever de envio no seu nº 1:
“A entidade gestora fica obrigada a enviar ao Instituto dos Resíduos um relatório anual de actividade, até 31 de Março do ano imediato àquele a que se reporta, demonstrativo das acções levadas a cabo e dos resultados obtidos no âmbito das obrigações previstas nos artigos 9° e 12°”.
A obrigação de envio é, indiscutivelmente um dever de comunicar.
O nº 2 especifica o conteúdo do relatório a enviar: “Este relatório deverá identificar os produtores de óleos novos que lhe transferiram a sua responsabilidade e os operadores de gestão com quem tem contrato; indicar as quantidades e características dos óleos novos comercializados; demonstrar os resultados obtidos em matéria de gestão de óleos usados, nomeadamente no que respeita aos quantitativos de óleos usados retomados e quantidades sujeitas a regeneração e outras formas de reciclagem e valorização e discriminar a respectiva afectação de recursos financeiros”.
E, o nº 3 estende esse regime aos produtores de óleos novos: “O disposto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, aos produtores de óleos novos que tenham optado pela constituição de sistemas individuais nos termos do artigo 14°”.
O nº 4, aqui em causa, não designa como “um dever de comunicação” a obrigação que impõe. Porém, o nº 1, como se viu, também não designa como dever de comunicação a obrigação de envio que institui para as “entidades gestoras” e que o nº 3 estende aos “produtores de óleos novos”.
No entanto, não sofre discussão que obrigação de envio e dever de comunicação são expressões com o mesmo sentido. É, assim, por via da interpretação da norma que se conclui que a omissão da obrigação de envio a que alude o nº 1 corresponde à omissão do dever de comunicação prevista e punida pela al. i) do art. 25º.
Não há dúvidas de que a Recorrente não é entidade gestora nem produtora de óleos novos. É produtora de óleos usados. E, o nº 4 do art. 22º institui um “dever de manutenção e disponibilização de um registo actualizado trimestralmente” que recai sobre os produtores de óleos usados.
Assim, a questão que se coloca é a de saber se também é possível interpretar esse dever de disponibilização como constituindo o aludido “dever de comunicação”.
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Sintetizemos, então, os princípios básicos da interpretação da norma em direito penal, com relevância in casu.
Expressando o princípio da legalidade, o art. 2º do RGCO estipula que “só será punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática”.
Uma das decorrências deste princípio é o da determinabilidade do tipo legal – que a lei seja certa e determinada – ou seja, importa que a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que dependa em concreto uma punição torne objectivamente determinável o comportamento proibido e objectivamente dirigível a conduta do cidadão Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2004, pg.s 173 e 174..
Neste contexto, a analogia – aplicação de uma regra jurídica a um caso concreto não regulado pela lei através de um argumento de semelhança substancial – é proibida (art. 1º nº 3 do Código Penal aplicável por força do art. 32º do RGCO e, fundamentalmente, art. 29º nº 1 da Constituição da República Portuguesa).
O problema coloca-se quanto ao limite entre analogia e interpretação admissível. Dir-se-á Com Figueiredo Dias, ob. cit. pg. 176. que o legislador se exprime por palavras, as quais quase sempre têm vários sentidos. Dentre a pluralidade de significados comuns e literais das palavras, o aplicador da lei pode mover-se e optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação. Fora desse quadro, o aplicador encontra-se já no domínio da analogia proibida “Fundar ou agravar a responsabilidade do agente em uma base que caia fora do quadro de significações possíveis das palavras da lei não limita o poder do Estado e não defende os direitos, liberdades e garantias das pessoas” (ob. cit. pg. 177)..
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Face ao supra exposto, importa saber se existe o mínimo de conformidade à letra da lei no entendimento sustentado na decisão recorrida ou se, pelo contrário, existe um “salto lógico” como sustenta a Recorrente.
O nº 4 do art. 22º obriga os produtores de óleos usados a disponibilizarem esse registo “às autoridades competentes quando solicitado”. A convicção que transparece do teor da decisão administrativa, da sentença proferida no tribunal a quo e da resposta do Ministério Público é a de que esse dever de disponibilização corresponde (é igual) ao dever de comunicação.
Pelo contrário, a Recorrente, sustenta posição oposta: que o nº 4 do art. 22º não consagra nenhuma conduta que possa ser interpretado como dever de comunicação.
É manifesto que a simples omissão da manutenção do registo actualizado trimestralmente não constitui, de per si, um ilícito contra-ordenacional proibido, já que não há a mínima coincidência entre a omissão desse dever de manter e a omissão do dever de comunicar punível pela al. i) do art. 25º.
A questão coloca-se então, apenas, no que respeita ao dever de disponibilizar o registo “às autoridades competentes quando solicitado”.
Como já se adiantou, só se poderão equiparar essas acções quando se analisam elementos objectivos do tipo de um ilícito “A proibição de analogia vale relativamente a todos os elementos, qualquer que seja a natureza, que sirvam para fundamentar a responsabilidade ou para a agravar; a proibição vale pois contra reum ou in malem partem, não favore reum ou in bonam partem …” e “abrange sobretudo os elementos constitutivos dos tipos legais…” (ob. cit. pg. 180). de mera ordenação social se houver alguma sinonímia entre comunicar e disponibilizar.
“Comunicar” é, também, no seu significado corrente, “tornar comum, tornar conhecido, fazer ter contacto com, entregar” Dicionário de Morais, 10ª ed, Vol. 3, pg. 337. enquanto “disponibilizar” também é tornar acessível Dicionário de Morais, 10ª ed, Vol. 4, pg. 106. . Assim, tornar acessível e tornar comum têm significâncias muito semelhantes. Existe um segmento de correspondência entre as possíveis significâncias de ambos os termos Para melhor verificação do aludido mínimo de correspondência literal a substituição da expressão “disponibilizado” por “comunicado” deixa inalterado o sentido e alcance da norma. .
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Ultrapassada a questão do mínimo de correspondência literal pergunta-se se fará sentido aplicar a aludida sanção à conduta em causa, atendendo a outros elementos de interpretação.
A resposta não pode deixar de ser positiva.
Em primeiro lugar porque a epígrafe do artigo 22º é exactamente “obrigação de comunicação de dados”, o que inculca a ideia de que o que aí se regulamenta, em todos os números, é o aludido dever de comunicação.
Em segundo, porque o preâmbulo do Decreto-Lei 153/2003 chama a atenção para a importância da gestão e controlo da armazenagem, recolha, transporte e tratamento, “com maior acuidade no caso dos óleos usados, na medida em que, tratando-se de resíduos classificados como perigosos, a sua correcta gestão é uma condição indispensável para um desenvolvimento do País sustentável e com elevados padrões de qualidade”. Neste contexto não faria qualquer sentido que o legislador não pretendesse punir as infracções verificadas no quadro da necessidade premente de controlo das “informações relativas às quantidades e características dos óleos usados produzidos, ao processo que lhes deu origem e ao respectivo destino” (art. 22º nº 4).
Em terceiro lugar, como já se referiu, porque foi empregue uma técnica legislativa em que à “obrigação de comunicação de dados” referida na epígrafe da norma, se fez corresponder em cada um dos números do artigo, deveres que não são assim apelidados – dever de envio no nº 1 e dever de disponibilização no nº 4.
Do supra exposto resulta que o facto de a ora Recorrente não ter disponibilizado, quando lhe foi solicitado pela Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, as informações relativas às quantidades e características dos óleos usados produzidos, ao processo que lhes deu origem e ao respectivo destino, mantidas em registo actualizado trimestralmente constitui a omissão do dever de comunicação p. e p. pelo art. 25º al. i) do Decreto-Lei 153/03 de 11.7.
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Segunda questão
A Lei 50/06 de 29/08 aprovou a lei-quadro das contra-ordenações ambientais e entrou em vigor no dia 4 de Setembro de 2006.
O Decreto-Lei n.º 153/03, de 11/07, que estabelece o regime jurídico da gestão de óleos usados, é legislação ambiental para efeitos do previsto no n.º 3 do art. 1º da Lei 50/06, sendo a contra-ordenação prevista e punível pelos art.s 22º e 25º nº 1, al. i), do Decreto-Lei nº 153/03, em causa nestes autos, uma contra-ordenação ambiental, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1.º da Lei 50/06, pelo que se lhe aplica especialmente o disposto na Lei 50/06, e subsidiariamente o RGCO (art. 2° da Lei 50/06).
De acordo com o disposto nos seus art.s 1º (âmbito) e 2º (regime) da que, a presente lei estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais (n.º 1). Constitui contra-ordenação ambiental todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima (n.º 2). Para efeitos do número anterior, considera-se como legislação e regulamentação ambiental toda a que diga respeito às componentes ambientais naturais e humanas tal como enumeradas na Lei de Bases do Ambiente (n.º 3 da mesma norma).
Prevê o art. 2.° da Lei 50/06 de 29/08, que as contra-ordenações ambientais são reguladas pelo disposto na presente lei e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações.
Prevê o art. 53.° (“juros”) da Lei 50/06 de 29/08, que “no final do processo judicial que conheça da impugnação ou da execução da decisão proferida em processo de contra-ordenação, e se esta tiver sido total ou parcialmente confirmada pelo tribunal, acresce ao valor da coima em dívida o pagamento de juros contados desde a data da notificação da decisão pela autoridade administrativa ao arguido, à taxa máxima estabelecida na lei fiscal”.
Foi esta norma que o tribunal a quo aplicou e que suscitou a crítica quer da Recorrente, quer do Ministério Público em 1ª instância e neste Tribunal.
Quer a contra-ordenação, quer a decisão da autoridade administrativa são anteriores à entrada em vigor da aludida lei de bases.
Importa, pois, importa fazer uma aproximação à natureza jurídica daquele acréscimo ao valor da coima em dívida para verificar da aplicabilidade imediata da norma.
Note-se que a Lei de Bases vem consagrar um regime oposto ao do art. 88º nº 1 do RGCO Art. 88º nº 1: “A coima é paga no prazo de 10 dias a partir da data em que a decisão se tornar definitiva ou transitar em julgado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais”., ao do art. 489º do Código de Processo Penal Art. 489º nº 1: “A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais” e ao art. 111º do Código das Custas Judiciais Art. 111º: “Sobre a totalidade das quantias contadas ou liquidadas, com excepção das multas, incidem juros de mora a partir do termo do prazo estabelecido na lei para o respectivo pagamento” .
Apesar da inserção da norma em causa na parte processual da lei de bases do ambiente Título II “do processo”; capítulo II “processamento”., afigura-se insustentável afirmar a natureza processual de tal acréscimo, no sentido estrito de direito processual técnico abrangendo os actos de pura técnica processual A. Taipa de Carvalho, “Sucessão de Leis Penais”, Coimbra Editora, 1990, pg. 222.. Também não constitui uma regra de custas porquanto impõe o pagamento de juros desde a data da decisão administrativa e não desde o termo do prazo legal de pagamento E que, consequentemente não podem ser considerados juros de mora..
O automatismo do acréscimo e o critério puramente financeiro que o determina, sem ponderação de qualquer dos critérios legais para determinação da sanção concreta, não permitem que se configure o dito acréscimo como uma sanção acessória.
Resta a possibilidade de considerar que a norma em causa é uma norma processual material que afecta a determinação concreta da pena ao impor o dito acréscimo automático Ob. cit. pg. 223., “O princípio constitucional da aplicação retroactiva da lei mais favorável ao arguido não se restringe ao domínio da lei penal substantiva, devendo ser alargado à protecção de situações em que estão em causa normas processuais penais de natureza substantiva, cuja projecção no processo não pode deixar de ser intimamente conexionada com o princípio da legalidade, condicionando a responsabilidade penal ou contendendo com os direitos fundamentais do arguido (acórdão do Tribunal Constitucional nº 451/93, de 15.7.93, no site www.tribunalconstitucional.pt); vg. também Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, I, Coimbra, 1981, pg. 32, e “Direito Processual Penal”, 1988/89, Secção de Textos da U.C., pg 10. e que funcionaria, assim, como uma sanção de natureza processual.
Assim se entendendo, nos termos do art. 5º nº 2 al. a) do Código de Processo Penal, importa excluir a aplicação dessa norma ao presente processo, por da sua aplicabilidade imediata resultar um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido.
Efectivamente a imposição daquele acréscimo automático, com base no tempo decorrido desde a data da notificação da decisão pela autoridade administrativa ao arguido, independentemente de se apurar uma eventual responsabilidade do arguido pelas delongas processuais, sem se ponderar que o recurso tem efeito suspensivo da decisão da autoridade administrativa e que a decisão só se torna definitiva e exequível após trânsito em julgado da decisão final, apesar da presunção de inocência do arguido e onerando o exercício legítimo do direito de defesa e o recurso aos tribunais com um acréscimo de juros à taxa máxima…
Não se aplica o art. 53º da Lei 50/06 de 29/08 por força do disposto no art. 5º nº 2 al. a) do Código de Processo Penal. Por isso, não cabe apreciar aqui a inconstitucionalidade dessa norma apesar dos problemas que podem decorrer da sua aplicação com o sentido da decisão recorrida, como ressalta já do que se afirmou no parágrafo supra.
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Em conclusão:
Na interpretação da lei penal, o aplicador pode mover-se e optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação dentre a pluralidade de significados comuns e literais das palavras.
O nº 4 do art. 22º do Decreto-Lei 153/03 de 11.7 institui um “dever de manutenção e disponibilização de um registo actualizado trimestralmente” que pode e deve ser interpretado como constituindo o “dever de comunicação” cuja omissão constitui a contra-ordenação p. e p. pelo art. 25º al. i) do mesmo diploma por existir o mínimo de correspondência literal entre comunicar (tornar comum) e disponibilizar.
Esta interpretação foi a pretendida pelo legislador como resulta da epígrafe do artigo 22º que é exactamente “obrigação de comunicação de dados” e das preocupações com a gestão e controlo da armazenagem, recolha, transporte e tratamento dos óleos usados que o preâmbulo do Decreto-Lei 153/2003 reflecte.
Por força do disposto no art. 5º nº 2 do Código de Processo Penal, o art. 53.° (“juros”) da Lei 50/06 de 29/08 (Lei de Bases do Ambiente) não é aplicável aos processos por factos praticados antes da sua entrada em vigor por ser uma norma de direito processual material que institui uma sanção de natureza processual (acréscimo de juros à taxa máxima desde a data da notificação da decisão pela autoridade administrativa) que impõe um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, independentemente de se apurar a responsabilidade do arguido pelas delongas processuais, sem se ponderar que o recurso tem efeito suspensivo da decisão da autoridade administrativa e que a decisão só se torna definitiva e exequível após trânsito em julgado da decisão final, apesar da presunção de inocência do arguido e onerando o exercício legítimo do direito de defesa e o recurso aos tribunais.


III - DECISÃO.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em audiência os Juízes da Secção Criminal desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso e em:
1. Manter a decisão que aplicou à Recorrente coima de mil euro.
2. Absolver a Recorrente do pagamento de juros contados sobre o valor da coima, desde 28/07/06 à taxa máxima prevista no art. 53° da Lei 50/06, de 29/08.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs. (arts. 513º, nº 1, do Código de Processo Penal e 87º, nº 1, b), do Código das Custas Judiciais).
Coimbra, 16 de Janeiro de 2008