Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
169/03.2TBFND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ALIMENTOS
MENORES
FUNDO DE GARANTIA
RENDIMENTO
Data do Acordão: 10/02/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DL Nº 164/99 DE 13/5, DL Nº 70/2010 DE 16/6, ART.189 OTM, 2008 CC
Sumário: I -O cálculo do valor da capitação dos rendimentos do agregado familiar do menor, para efeitos de intervenção, ou não, do FGADM, é presentemente aferido de acordo com as regras introduzidas pelo DL 70/2010 de 16.06 – rectius seu artº 5º - as quais se aplicam aos processo pendentes à data da sua entrada em vigor – artº Artº 3º do DL 164/99 de 13.05 na sua atual redação e artºs 1º, 2º, 4º, 5º e 25º do cit. DL 70/2010.
II - O despoletamento da intervenção do FGADM pressupõe, por via de regra, a realização infrutífera de todas as diligencias legalmente admissíveis e/ou, razoavelmente possíveis, tendentes à efetivação da obrigação alimentícia dos progenitores do menor.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

Por sentença de fls. 146 a 180 foi regulado o exercício das responsabilidades parentais relativamente ao menor A (…), nascido a 08/03/2001, filho de AM (…) e de CM (…).

Na mesma, para além do mais, decidiu-se:
- Confiar a guarda do menor A (…) a ML (…) e JM (…) que sobre ele exercerão o poder paternal;
- Fixar-se a título de pensão de alimentos ao menor, a prestar pelos requeridos, a quantia de € 200,00 (duzentos euros) mensais, cabendo a cada um € 100,00 (cem euros) mensais, a entregar diretamente ao casal ou a depositar numa conta a indicar por estes, até ao dia 10 de cada mesa que disserem respeito;

2.
Não tendo sido satisfeita a pensão e frustradas as possibilidades para apurar a possibilidade de cumprimento coercivo das prestações devidas pelos progenitores foi proferida sentença na qual:
- julgou-se verificado o incumprimento da prestação de alimentos devidos ao menor pelos seus progenitores no que respeita às prestações vencidas num total, de €200,00 (duzentos euros) mensais, desde Julho de 2011, condenando-se os requerido a proceder ao seu pagamento, que totaliza até á presente data o montante de mil e duzentos euros;
- fixou-se a título de pensão de alimentos ao menor a prestar pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, em substituição dos progenitores, a quantia de € 200,00 (duzentos) euros mensais atualizável anualmente, no mês de Janeiro, de acordo com o índice aprovado pelo Governo para os aumentos da carreira geral do funcionalismo público.

3.
Inconformado recorreu o FGADM.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:




Contra-alegou o Digno Magistrado do MºPº pugnando pela manutenção do decidido.
Entendendo que tendo-se provado que o rendimento mensal do agregado é de 1.400,00 euros, a capitação do mesmo ascende a 466,66 euros, inferior assim ao SMN de 485,00 euros e que não se logrou apurar o concreto paradeiro do pai em França e se ali exerce atividade profissional remunerada.

4.
Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685-A º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Inadmissibilidade de adstrição do FGDAM ao pagamento da prestação alimentícia do menor por:
a) A capitação de rendimentos do respetivo agregado familiar ser superior ao SMN.
b) Não terem sido exauridas as diligencias tendentes à vinculação do pai ao pagamento.

5.
Os factos dados como provados foram os seguintes:
1. O menor A(…), nascido a 08/03/2001, é filho de AM (…) e de CM (…).
2. Por sentença proferida por este juízo e Tribunal, que regulou o exercício das responsabilidades parentais o menor ficou a residir com ML (…) e JM (…), na rua Duque Terceira, nº59, 1º, Sobralinho.
3. Os progenitores do menor ficaram obrigados a contribuir, cada um, com € 100,00 mensais a título de prestação de alimentos.
4. Os progenitores nunca efetuaram o pagamento de qualquer prestação a título de alimentos.
5. JM (…) aufere uma reforma de € 1050,00 (mil e cinquenta euros).
6. ML (…) encontra-se atualmente desempregada e aufere um subsídio de desemprego no valor de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros).
7. JM (…) e ML (…) têm como despesas mensais a renda de casa, no montante de €500,00 (quinhentos euros), a mensalidade do infantário do menor, no valor de €124,00 (cento e vinte e quatro euros) e encontram-se a pagar as quantias de € 150,00 (cento e cinquenta euros) e de €120,00 (cento e vinte euros) para amortização de dois empréstimos que contraíram junto do Barklays Bank.

6.
Apreciando.
6.1.
Primeira questão.
6.1.1.
O presente caso é similar, quase simétrico, a outro que nos surgiu no processo nº nº1914/04.4TBPMS-A.
Valem pois aqui, mutatis mutandis, as considerações ali tecidas, a saber:

«Estatui o Artº 3º do DL 164/99 de 13.05, na sua atual redação introduzida pelo DL70/2010, de 16 de Junho.
1 - O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e
b) O menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
2 - Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário.
3 - O conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação de rendimentos, referidos no número anterior, são calculados nos termos do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho.

Das normas deste DL 70/2010 importa, para o caso vertente, convocar as seguintes:
Artº 1º
1 — O presente decreto -lei estabelece as regras para a determinação dos rendimentos, composição do agregado familiar e capitação dos rendimentos do agregado familiar para a verificação das condições de recursos a ter em conta no reconhecimento e manutenção do direito às seguintes prestações dos subsistemas de protecção familiar e de solidariedade:
a) Prestações por encargos familiares;
b) Rendimento social de inserção;
c) Subsídio social de desemprego;
d) Subsídios sociais no âmbito da parentalidade.
2 — As regras previstas no presente decreto -lei são ainda aplicáveis aos seguintes apoios sociais ou subsídios, quando sujeitos a condição de recursos:

c) Pagamento das prestações de alimentos, no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores;
Artº 2º
3 — Na verificação da condição de recursos são considerados os rendimentos do requerente e dos elementos que integram o seu agregado familiar, de acordo com a ponderação referida no artigo 5.º
Artº 4º.
Conceito de agregado familiar
1 — Para além do requerente, integram o respectivo agregado familiar as seguintes pessoas que com ele vivam em economia comum, sem prejuízo do disposto nos números seguintes:
a) Cônjuge ou pessoa em união de facto há mais de dois anos;
b) Parentes e afins maiores, em linha recta e em linha colateral, até ao 3.º grau;
c) Parentes e afins menores em linha recta e em linha colateral;
d) Adoptantes, tutores e pessoas a quem o requerente esteja confiado por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito;
e) Adoptados e tutelados pelo requerente ou qualquer dos elementos do agregado familiar e crianças e jovens confiados por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito ao requerente ou a qualquer dos elementos do agregado familiar.
Artº 5º
No apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, a ponderação de cada elemento é efectuada de acordo com a escala de equivalência seguinte:
Elementos do agregado familiar Peso
Requerente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
Por cada indivíduo maior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 0,7
Por cada indivíduo menor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 0,5
Artº 25.º
Produção de efeitos
1 — O regime estabelecido no presente decreto –lei aplica -se às prestações e apoios sociais em curso e determina, após a data da sua entrada em vigor, a reavaliação extraordinária da condição de recursos.
Verifica-se, pois, que os critérios para a determinação de um dos requisitos ou pressupostos que se revelam conditio sine qua non para impor a responsabilização alimentícia do FGDA, em substituição do progenitor relapso, qual seja: que capitação de rendimentos do respetivo agregado familiar não seja superior àquele salário, foram alterados pelo DL 70/2010.
Tal alteração, como é bom de ver, foi no sentido de uma maior restrição – diplomática e eufemisticamente dir-se-ia “racionalização” – no acesso às prestações sociais ex vi da consabida crise económico financeira que atravessamos.
Efetivamente e até à entrada em vigor deste diploma, o valor da capitação, como do próprio étimo da palavra dimana - per capita (literalmente, "por cabeça") – seria encontrado pela divisão do montante auferido pelo agregado familiar pelo numero correspondente dos seus membros.
Com a sua entrada em vigor apenas para o requerente de alimentos é concedida a unidade, sendo aos outros membros atribuídos os valores inferiores de 0,7 e 0,5.
Assim, sendo o atual número divisor inferior ao anterior, o valor do “resto” relativo à divisão de um numero dividendo igual, é superior ao que resultaria da divisão por um numero divisor maior.
A Sra. Juíza calculou a capitação ainda com base na primitiva redação do artº 3º do DL 164/99 pois que expendeu: «…o menor não tem rendimentos e o agregado familiar onde está inserida tem um rendimento global a considerar de 1555,25€ mas, a capitação desse rendimento pelos seus membros (três) – quereria dizer quatro -, é inferior ao salário mínimo nacional (1555,25€/4 = 388,81)…»
Fê-lo, ou porque ignorou o teor do disposto no DL 70/2010, até porque não lhe faz qualquer referência, ou porque entendeu que ele seria inaplicável in casu.
Nesta hipótese a não aplicação apenas poderia resultar da perspetivação da aplicação da lei no tempo, pois que o presente incumprimento do progenitor e o despoletamento da intervenção do FGADM iniciaram-se ainda antes da entrada em vigor do referido DL, a saber, em Março de 2007 e Fevereiro de 2009 – fls. 2 e 46, podendo, assim, entender-se que o novo regime de calculo da capitação não seria atendível – cfr. artº 12º nº1 e nº2, 1ª parte do CC.
Porém tal entendimento não é de acolher, quer porque a redação do citado artº 25º nº1 assim o impõe, quer porque as diligências instrutórias e a decisão já foram prolatadas na sua vigência, pelo que tem de concluir-se que as novas regras de calculo do valor da capitação são já aplicáveis ao caso presente.
Nesta conformidade, e perante as mesmas, tem de concluir-se que a capitação dos rendimentos do agregado familiar do menor é superior ao SMN que ascendia, à data da prolação da sentença, a 485,00 euros – DL 143/2010 de 31.12.
Na verdade tal agregado é constituído pelo menor, sua mãe, uma irmã mais velha ainda de menor idade e o companheiro da progenitora, pelo que o número divisor dos rendimentos a considerar não é o 4 como anteriormente, mas o 2,9.
Importando operar a divisão pelo montante global dos rendimentos do agregado, e como defende o recorrente, independentemente das despesas do mesmo - cfr. Ac. do STJ de 12.07.2011, dgsi.pt, p. 4231/09.0TBGMR.G1.S1.
E operando tal divisão, quer atendendo ao valor considerado na sentença- 1555,25€- quer, até, ao montante inferior admitido pelo recorrente,- 1.485,19 euros – matematicamente se conclui que o valor da capitação de rendimentos do agregado familiar do menor é superior àquele salário, pois que ascende, no mínimo, a 512,13 euros.»
6.1.2.
No caso vertente apurou-se que o casal que detém o exercício das responsabilidades parentais aufere proventos de 1.400,00 euros mensais.
O seu agregado familiar é composto pelos dois elementos do casal e pelo menor.
Mais uma vez, também aqui o julgador, para definir o quantum da capitação de rendimentos do agregado atendeu, direta e redondamente, ao nº de elementos (3) que compõem o agregado, sem curar de atentar na restrição operada pela mencionado DL 70/2010.
Mas tal restrição ou compressão existe, como se viu, e independentemente do juízo que, de jure constituendo, dela se possa fazer, tem de ser respeitada, pois que, pelo menos por via de regra - e salvo, porventura, situações de uma total e aberrante iniquidade manifestamente intolerável à consciência social e/ou aos valores e juízos éticos da comunidade -, o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob o pretexto de ser injusto ou imoral o seu conteúdo – artº 8º nº2 do CC.
Nesta conformidade o nº a constar como divisor não é o nº3 mas antes o nº 2,5, e não de 2,4 como alvitra o recorrente.
Na verdade por «requerente», para os efeitos do citado artº 5º do DL 70/2010, devem ter-se os legais representantes já que tal termo deve considerar-se na perspetiva meramente processual formal, ie. daquele que pede os alimentos (os quais apesar de serem irrenunciáveis podem deixar de ser pedidos: artº 2008º nº1 do CC) e não substantiva, i.e, do titular do direito de alimentos que é efetivamente o menor.
Sendo que, perante tal nº a capitação de rendimentos ascende a 560,00 euros, valor que ultrapassa o do SMN de 485,00 euros.
6.2.
Segunda questão.
Perante o supra decidido o recurso tem, necessariamente de proceder, pelo que, pelo menos numa certa perspetiva, ficaria prejudicado o conhecimento desta questão.
Não obstante sempre se dirá que também aqui assiste razão ao recorrente.
Efetivamente apurou-se que o pai reside em França, constando nos autos uma morada como sendo sua – fls.199.
Porém, o Digno Magistrado do MºPº, com o fundamento que os interesses do menor estavam acautelados e o progenitor se tinha alheado do destino do filho, promoveu a postergação de diligencias adicionais, legalmente previstas e possíveis, com vista ao apuramento da situação pessoal e económico social do pai – cfr. fls.201.
Ora, sdr., tais razões não são bastantes - antes pelo contrario, no atinente ao desinteresse do pai - para preterição de diligencias subsequentes tendentes à efetiva vinculação deste ao pagamento da pensão alimentícia, pois que tal é seu dever legal e moral, e porque ele, versus a obrigação do FGADM a qual se assume como subsidiária e de ultima ratio, é o primeiro e principal obrigado perante o filho.
Importando, assim, por via de regra, e salvo situações de perigo para o menor por carência ou míngua alimentícia, tentar efetivar tal obrigação através da realização e execução de todas as legais e possíveis diligencias.
O que, no caso sub judice, e porque o mesmo não se revela como um dos que se exime aquela regra, não se tem por consecutido.
Procede o recurso.
7.
Sumariando.
I -O calculo do valor da capitação dos rendimentos do agregado familiar do menor, para efeitos de intervenção, ou não, do FGADM, é presentemente aferido de acordo com as regras introduzidas pelo DL 70/2010 de 16.06 – rectius seu artº 5º - as quais se aplicam aos processo pendentes à data da sua entrada em vigor – artº Artº 3º do DL 164/99 de 13.05 na sua atual redação e artºs 1º, 2º, 4º, 5º e 25º do cit. DL 70/2010.
II – O despoletamento da intervenção do FGADM pressupõe, por via de regra, a realização infrutífera de todas as diligencias legalmente admissíveis e/ou, razoavelmente possíveis, tendentes à efetivação da obrigação alimentícia dos progenitores do menor.

8.
Deliberação.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a sentença, com as legais consequências.

Sem custas.

Coimbra, 2012.10.02

Carlos Moreira ( Relator )
Moreira do Carmo
Alberto Ruço