Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1448/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA
CLÁUSULA PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
CUMULAÇÃO
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 10/18/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 811º, Nº 2 E 829º-A, Nº 4, DO C. CIV..
Sumário: I – O conceito amplo de cláusula penal como estipulação acessória, segundo a qual o devedor se obriga a uma prestação para o caso de incumprimento (lato sensu), compreende duas modalidades : as cláusulas penais indemnizatórias e as cláusulas penais compulsórias .
II – Nas cláusulas penais indemnizatórias o acordo das partes visa exclusivamente fixar a indemnização devida pelo incumprimento definitivo – clausula penal compensatória-, pela mora ou pelo cumprimento defeituoso – clausula penal moratória - , reconduzindo-se a uma fixação prévia do montante da indemnização no caso de incumprimento .

III – Nas cláusulas penais moratórias visa-se constituir uma forma de liquidação prévia do dano pela mora resultante da obrigação principal, o que significa que o devedor não fica obrigado ao ressarcimento do dano que efectivamente cause ao credor pelo não cumprimento pontual, mas ao pagamento do dano fixado antecipada e negocialmente através da pena convencional, sempre que não tenha sido acordada a ressarcibilidade do dano excedente .

IV – Destinando-se a cláusula a fixar a indemnização pela mora da obrigação principal, segundo o critério da identidade de interesses, não pode cumular-se com juros de mora, tanto mais que sendo a obrigação principal de facere não tem natureza de obrigação pecuniária .

V- A mora no pagamento da cláusula penal, traduzida numa prestação pecuniária, confere ao credor o direito aos juros de mora, nos termos do art.º 806º do C. Civ .

VI – É legalmente admissível cumular a cláusula penal com a sanção pecuniária compulsória, prevista no artº 829º-A, nº 4, do C. Civ. .

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

Os Autores - A... e mulher, B..., C..., D..., E..., F..., G..., e H..., - instauram na Comarca de Aveiro, acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra o Réu - I....
Alegaram, em resumo:
Em 19 de Novembro de 2002, os Autores celebram com o Réu um contrato de permuta, mediante o qual os primeiros cederam ao segundo dois imóveis, recebendo em troca dois lotes de terreno, após loteamento a efectuar pela Câmara Municipal de Aveiro.
Convencionaram que até final de Março de 2003, com tolerância de dois meses, seria outorgada entre os permutantes a escritura pública de determinação do objecto ( lotes de terreno ).
Para o caso de incumprimento daquele prazo por parte do Réu estabeleceram seguinte cláusula “ Fica a Câmara Municipal obrigada, a título de cláusula pela, ao pagamento aos segundos outorgantes, terceira outorgantes e seus representados, da importância de 15.000,00 € ( quinze mil euros, por cada mês de atraso “.
O Réu não cumpriu no prazo acordado, nem realizou as obras de infra-estruturação, apesar de notificado, para o efeito, devendo o pagamento da cláusula penal desde Abril de 2003, acrescida de juros de mora.
Pediram a condenação do Réu a pagar-lhes, na proporção do direito de cada um deles, a cláusula penal de € 15,000,00 por mês, vencida e vincenda desde o mês de Abril de 2003, inclusive, até à celebração da escritura de determinação do objecto, acrescida dos respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal que em cada momento vigorar, desde a data dos respectivos vencimentos, até integral e efectivo pagamento, a liquidar oportunamente, a esses títulos podendo liquidar-se presentemente o total de € 30,187,50, a esses montantes acrescendo, ainda, a referida sanção pecuniária compulsória.
Contestou o Réu, defendendo-se, em síntese:
Aquando da propositura da acção ainda não estava em mora, visto estar a decorrer o prazo, que terminava em 31 de Maio de 2003.
Não é admissível cumular a cláusula penal com os juros de mora.
Deve improceder a acção, ou, quando assim não seja entendido, condenado a pagar aos autores a penalidade mensal de € 15.000 00 a partir de 30 de Junho de 2003, sem juros moratórias alguns.
Replicaram os Autores.

1.2. - No saneador-sentença decidiu-se julgar a acção parcialmente procedente e condenar o Réus a pagar aos Autores, na proporção do direito de cada um deles, € 15,000,00 por mês, sendo o primeiro montante relativo ao mês de Junho de 2003 e até à celebração da escritura de determinação do objecto referida nos autos, acrescidos os referidos montantes de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal que em cada momento vigorar, desde a data de cada um dos respectivos vencimentos até integral e efectivo pagamento.

1.3. - Inconformados, recorreram de apelação ambas as partes.
1.3.1. - Recurso independente do Réu – conclusões:
1º) - Consistindo a entrega de dois lotes de terreno a prestação que o recorrente tem em mora para com os recorridos, é uma prestação de facto ( entrega de coisa futura ), pelo que o atraso no seu cumprimento jamais poderia ser sancionado com o vencimento de juros moratórios, uma vez que o art.806 do CC é de aplicação restrita às obrigações pecuniárias e às indemnizações pecuniárias emergentes de facto ilícito ou pelo risco.
2º) – Tendo sido estipulada uma cláusula penal para a mora no cumprimento daquela obrigação, o seu montante pecuniário é insusceptível de vencer juros moratórios, seja por desvirtuamento da relação obrigacional voluntariamente constituída entre recorrentes e recorridos, sejam também por o art.806 do CC apenas se aplicar às prestações de capital que constituem objecto principal ( e não elemento acessório ) do contrato, seja ainda por a sanção pecuniária compulsória legalmente estabelecida só poder ser cumulada, ou com os juros moratórios ou com outro tipo de indemnização, mas não com os dois simultaneamente.
3º) – Ao sustentar que o recorrente, pela situação moratória ficou concomitantemente sujeito à cláusula penal estabelecida, aos correspondentes juros de mora e ainda à sanção pecuniária compulsória, o M.mo Juiz procedeu a errada aplicação dos arts.562, 804, 806, 811 e 829-A do CC.
Contra-alegaram os Autores, preconizando a improcedência do recurso, argumentando, em síntese, que os juros de mora em cujo pagamento foi condenado o apelante não decorrem do incumprimento da obrigação principal, mas da mora do pagamento das quantias devidas a título da cláusula penal.

1.3.2. - Recurso subordinado dos Autores – conclusões:
1º) - Está provado que o estabelecimento da tolerância de dois meses para o cumprimento estabelecido a partir de 31 de Março de 2003 teve ( conforme letra do contrato e a representação e querer das partes ) apenas em vista os atrasos decorrentes da Conservatória do Registo Predial – o que implicava, no mínimo, que o Município Réu praticasse em tempo ( até 31 de Março de 2003 ) o acto de “ apresentação “.
2º) – Está também provado que o Réu nunca praticou aquele acto de “ apresentação “, nem praticou outros, tendo em vista o cumprimento, fosse até 31 de Março de 2003, fosse nos dois meses de tolerância.
3º) – O Réu não invocou qualquer causa atendível para aquelas omissões, as quais não podem deixar de lhe ser imputadas a título de culpa.
4º) – Com a sua actuação negligente e omissiva, o Réu impossibilitou, à partida, que o cumprimento pudesse ocorrer na data prevista ou sequer durante o período de tolerância.
5º) – Por consequência, não pode beneficiar do mesmo prazo de tolerância, pois ele próprio provocou com culpa a impossibilidade de cumprimento durante o mesmo.
6º) – A sentença recorrida violou os arts.406, 797, 799 e 801 nº1 do CC.
7º) – Deve ser revogada a sentença recorrida na parte em que considera a cláusula penal devida apenas a partir da relativa ao mês de Junho de 2003, declarando-se ser devida desde relativa ao mês de Abril de 2003 (inclusive ).
Não foram apresentadas contra-alegações.
II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto dos recursos:
Considerando que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões, importa decidir as seguintes questões:
a) - Se, não tendo sido pago o montante da cláusula penal, sobre essa prestação pecuniária incidem juros de mora;
b) - Se a cláusula penal moratória é cumulável com a sanção pecuniária compulsória, prevista no art.829-A nº4 do CC;
c) - Qual o início da mora relativamente ao vencimento da cláusula penal.

2.2. – Os factos provados descritos na sentença:
a) - Por escritura pública de permuta de bens presentes por futuros outorgada em 19 de Novembro de 2002 perante o Notário Privativo da Câmara Municipal de Aveiro, os primeiros autores e a segunda autora, esta por si e na qualidade de procuradora dos demais segundos autores, cederam ao ora réu dois imóveis devidamente identificados na dita escritura, dos quais eram contitulares, na proporção de metade indivisa para o casal dos primeiros autores e de metade indivisa para o dissolvido casal da segunda autora da alínea a) e para a herança indivisa aberta por óbito de seu marido, J..., pai dos demais segundos autores, filhos do casal de ambos, todos eles sendo, além de também meeira a 2.ª autora da alínea a), os únicos herdeiros daquele obituado.
b) - Como contrapartida daquela transmissão, foi estabelecido receberem os autores, na mesma proporção, bens futuros, correspondentes a dois lotes de terreno, sitos em loteamento nas Agras do Norte, freguesia de Esgueira, concelho de Aveiro, designados pelos lotes números “Quatro" e "Cinco", com a área de novecentos metros quadrados para cada um dos lotes e permitindo cada um a construção de dois mil quatrocentos e trinta metros quadrados acima do solo e novecentos metros quadrados abaixo do solo.
c) - Até ao final do mês de Março de 2003, prevendo-se uma tolerância de mais dois meses, que poderá ser provocada por eventuais atrasos inerentes ao registo dos lotes na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, será celebrada entre os permutantes a escritura pública de determinação do objecto, em conformidade com o art. °408.º, n.º 2, do Código Civil, devendo, então, os referidos lotes estar devidamente infra-estruturados, nomeadamente no que respeita a arruamentos, passeios, saneamento, água, iluminação e electricidade.
d) - Para o caso de incumprimento daquele prazo por parte do réu, mais se estabeleceu que fica a Câmara Municipal obrigada, a título de cláusula penal, ao pagamento aos segundos outorgantes, terceira outorgante e seus representados, da importância de € 15 000,00 por cada mês de atraso.
e) - A Câmara Municipal de Aveiro não realizou no prazo estabelecido as necessárias condições, que se deixaram discriminadas para (e até à) realização da prevista escritura de determinação dos bens futuros, e não efectuou qualquer apresentação naquela Conservatória dentro do prazo inicial.
f) - No presente, ainda não se acham realizados os devidos trabalhos de infra-estruturação.
g) - Os autores notificaram o réu, na pessoa do Presidente da respectiva Câmara Municipal para o pagamento, mas sem qualquer êxito.
h) - A presente acção foi instaurada no dia 13/05/2003.

2.3. – Apelação do Réu ( recurso independente ):
A sentença recorrida, depois de concluir pela mora do Réu no cumprimento da obrigação principal, condenou-o no pagamento da cláusula penal convencionada ( 15.000,00 euros por mês ), bem como nos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data de cada um dos respectivos vencimentos até integral e efectivo pagamento.
Considera o apelante ser ilegal a acumulação da cláusula penal com os juros de mora.
O conceito amplo de cláusula penal como estipulação acessória, segundo a qual o devedor se obriga a uma prestação para o caso de incumprimento ( lato sensu ), compreende duas modalidades: as cláusulas penais indemnizatórias e cláusulas penais compulsórias.
Nas cláusulas penais indemnizatórias, o acordo das partes visa exclusivamente fixar a indemnização devida pelo incumprimento definitivo, pela mora ou pelo cumprimento defeituoso.
Reconduzem-se a uma fixação prévia do montante da indemnização no caso de incumprimento ( lato sensu ), e, portanto, simplifica a fase ressarcidora ao prevenir e evitar as dificuldades do cálculo da indemnização, dispensando o credor de alegação e prova do dano concreto.
Quando estipulada para o não cumprimento, designa-se “cláusula penal compensatória”, e sendo convencionada para a mora ou atraso no cumprimento, chama-se “cláusula penal moratória”.
A cláusula estipulada pelas partes, assume a natureza de cláusula penal moratória, como de resto resulta do próprio texto ( “(…) pagamento aos segundos outorgantes, terceira outorgante e seus representados, da importância de € 15 000,00 por cada mês de atraso” ) e cuja qualificação nem sequer foi posta em causa, aplicando-se o regime estatuído no art.810 do CC.
Trata-se, por conseguinte, de uma forma de liquidação prévia do dano pela mora resultante da obrigação principal, o que significa que o devedor não fica obrigado ao ressarcimento do dano que efectivamente cause ao credor pelo não cumprimento pontual, mas ao pagamento do dano fixado antecipada e negocialmente através da pena convencional, sempre que não tenha sido acordada a ressarcibilidade do dano excedente ( art.811 nº2 do CC ).
Nesta medida, a lei não permite cumular a cláusula penal e a indemnização, segundo as regras gerais, precisamente porque aquela é a indemnização à forfait fixada preventivamente, embora seja legítimo o cúmulo com o cumprimento da obrigação principal ou com outros danos não cobertos por ela ( cf., por ex., VAZ SERRA, Pena Convencional, BMJ 67, pág.185 e segs., PINTO MONTEIRO, Cláusula Penal, pág.433, CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária, pág.260, Ac da RP de 9/3/89, C.J. ano XIV, tomo II, pág.195 ).
Por conseguinte, destinando-se a cláusula a fixar a indemnização pela mora da obrigação principal, segundo o “critério da identidade de interesses”, não pode cumular-se com os juros de mora, tanto mais que sendo a obrigação principal de facere não tem natureza de obrigação pecuniária.
Porém, a questão submetida a recurso é a de saber se, não tendo sido pago o montante da cláusula penal, sobre essa prestação incidem ou não juros de mora.
Na sentença recorrida atribui-se o direito aos juros, de “acordo com as regras gerais”, porquanto o Réu deveria pagar no final de cada mês a importância de 15.00,00 euros ( cláusula penal ), e não o tendo feito incorreu em mora.
Ou seja, os juros de mora em cujo pagamento foi condenado o Réu/apelante não decorrem do incumprimento da obrigação principal, mas da mora do pagamento das quantias em dívida a título da cláusula penal.
Sendo a prestação devida como pena convencional de natureza pecuniária ( prestação em dinheiro ) não há razões para afastar o regime do art.806 nº1 do CC, cuja indemnização moratória corresponde aos juros.
Trata-se, com efeito, de um ilícito autónomo, que não é directamente afectado pelo carácter acessório da cláusula penal.
A acessoriedade da cláusula penal reporta-se à dependência da obrigação principal, ao pressupor a sua validade, significando que a pena só é exigível se e na medida em que o devedor não realize por culpa sua a prestação a que está vinculado ( cf. PINTO MONTEIRO, Cláusula Penal, pág.86 e segs. ).
Mas uma vez comprovada a validade e exigibilidade da prestação pecuniária, em que se consubstancia a pena convencional, do seu incumprimento ( mora ) emerge um dano autónomo, não consumido por ela, ressarcível através dos juros de mora.
Na verdade, a mora constitui o devedor o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor ( art.804 do CC ), e não tendo o Réu pago as obrigações pecuniárias emergentes da cláusula penal convencionada no contrato, de prazo certo, dispensavam a interpelação do devedor ( art.805 nº1 e 2 a) do CC ).
O pagamento dos juros de mora sobre o montante da cláusula penal não constitui “ dano excedente “ para efeitos do disposto no art.811 do CC, cuja reparação é proibida quando não convencionada.
É que o “dano excedente” tem a ver com a comprovação da existência de prejuízos superiores, derivados da mora da prestação principal, não prefixados na cláusula penal moratória, mas, como observa PINTO MONTEIRO, “ a posição da lei, acerca da reparação pelo dano excedente, não deve ainda levar a confundir este problema com outros, prejudicando a sua solução, como o direito do credor aos juros calculados sobre a importância da pena (…)” ( sublinhado nosso ) ( Cláusula Penal, pág.711 ).
Em resumo, a mora no pagamento da cláusula penal, traduzida numa prestação pecuniária, confere ao credor o direito aos juros moratórios, nos termos do art.806 do CC ( cf., neste sentido, por ex., Ac RL de 7/11/2000, e de 2/6/2005, disponíveis na base de dados em www dgsi.pt/jtrl ).
A segunda questão colocada no recurso do Réu/apelante consiste em saber se é admissível cumular a cláusula penal com a sanção pecuniária compulsória, prevista no art.829-A nº4 do CC.
A sentença recorrida pressupôs a sua admissibilidade, considerando, no entanto, que a sanção pecuniária compulsória não tem que ser decretada pelo tribunal, visto ser automaticamente imposta por lei.
A sanção pecuniária compulsória é independente da cláusula penal, visto não assumir natureza indemnizatória, sendo antes um meio de coerção tendente a forçar o devedor ao cumprimento da obrigação, como resulta do nº2 do art.829-A do CC, ao prescrever a sua fixação “sem prejuízo da indemnização a que houver lugar”, sendo, por isso, cumuláveis entre si ( cf. CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág.410 e segs. e BMJ 359, pág.70, PINTO MONTEIRO, loc.cit., pág.136, Ac do STJ de 9/10/2003, www dgsi.pt ).
A finalidade desta sanção, independentemente da sua cumulação com qualquer outra, legal ou contratual, é fazer respeitar a condenação judicial, dando realização operativa ao direito accionado. É o próprio Estado que está interessado nessa efectivação, destinando-se-lhe o montante igualitário com o credor, da expressão pecuniária da sanção coercitiva e o prestígio da Justiça Pública
Sobre a aplicação da sanção pecuniária compulsória, impõe-se distinguir a prevista no nº1 do art.829-A do CC, só decretada a pedido do credor, com a do nº4 ( adicional de 5% ), que é de funcionamento automático, não carecendo de ser pedida e declarada na acção declarativa, conforme entendimento jurisprudencial prevalecente, na esteira da doutrina dos citados autores.
Como salienta CALVÃO DA SILVA, (loc.cit.), o legislador, quando se trata de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, em vez de confiar à soberania do tribunal a ordenação da sanção pecuniária compulsória, disciplinou-a ele próprio, fixando o seu montante, ponto de partida (trânsito em julgado da sentença de condenação) e funcionamento automático.
Improcede a apelação do Réu.
2.4. – Apelação dos Autores ( recurso subordinado ):
Convencionaram as partes a seguinte cláusula:
“ Até ao final do mês de Março de dois mil e três, prevendo-se uma tolerância de mais dois meses, que poderá ser provocada por eventuais atrasos inerentes ao registo dos lotes na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, será celebrada entre os permutantes a escritura de determinação do objecto, em conformidade com o art.408º nº2 do Código Civil, devendo, então, os referidos lotes estar devidamente infraestruturados, nomeadamente no que respeita a arruamentos, passeios, saneamento, água, iluminação e electricidade; no caso de incumprimento do prazo aqui estabelecido para outorga da escritura que seja imputada ao representado do primeiro outorgante, fica a Câmara Municipal obrigada, a título de cláusula penal, ao pagamento aos segundos outorgantes, terceira outorgante e seus representados, a importância de 15.000,00 € ( quinze mil euros ), por cada mês de atraso “.
A sentença recorrida, ao interpretar esta cláusula, considerou que o prazo de cumprimento convencionado pelas partes terminou no final do mês de Maio de 2003, iniciando-se a mora no início de Junho do mesmo ano.
A este propósito, consigou-se - “ (...) não pode deixar de ser entendida no sentido de que até ao final do mês de Maio seguinte o réu tinha a obrigação de ter as obras de urbanização referidas devidamente concluídas e de celebrar a escritura prevista de determinação dos lotes a ceder aos autores. Não o tendo feito até essa data, entrou em mora com as consequências previstas na referida cláusula, sendo que a data não era a alegada na petição inicial mas a que, alegada pelo réu, foi aceite pelos autores “.
Em contrapartida, sustentam os Autores que o prazo terminou em finais de Março de 2003, não podendo o Réu prevalecer-se da tolerância de mais dois meses, visto que este prazo se reporta apenas aos eventuais atrasos do registo dos lotes, sendo certo que nunca fez a respectiva apresentação, logo não pode prevalecer-se dele.
Estamos perante um problema de interpretação de uma declaração negocial, aferida pelas regras dos arts. 236 a 238 do CC, onde se consagra de forma mitigada o princípio da impressão do destinatário.
Na interpretação dos contratos prevalecerá, em regra, a vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante ( cf., por ex., Ac do STJ de 14/1/97, C.J. ano V, tomo I, pág.46, de 22/1/97, C.J. ano V, tomo I, pág.258 ).
Nos negócios formais, se o sentido da declaração não tiver reflexo ou expressão no texto do documento, ele não pode ser deduzido pelo declaratário e não deve por isso ser-lhe imposto ( art.238 do CC ).
Optou-se por uma orientação objectiva porque se pretende apurar qual o sentido a atribuir à declaração considerada relevante para o direito, em face dos termos que a constituem.
Pois bem, à luz destes princípios, não parece que seja de acolher a interpretação feita na sentença, como evidenciaram os Autores nas suas alegações.
O sentido apreendido por um declaratário normal, aferido pelo próprio texto, é o de que o prazo de tolerância de dois meses foi estipulado apenas e tão só para “os eventuais atrasos inerentes ao registo dos lotes na Conservatória do Registo Predial de Aveiro”, por já não depender directamente do Réu, mas dos serviços da Conservatória.
Dado que o Réu nunca requereu o registo, nem alegou qualquer causa justificativa, não pode beneficiar do prazo de tolerância, pelo que mora no pagamento da cláusula penal iniciou-se em 1 de Abril de 2003.
Procede consequentemente a apelação subordinada, revogando-se a sentença recorrida na parte em que considerou a cláusula penal devida apenas a partir de Junho de 2003.

Síntese conclusiva:
a) - A mora no pagamento da cláusula penal, traduzida numa prestação pecuniária, confere ao credor o direito aos juros moratórios, nos termos do art.806 do CC;
b) - É legalmente admissível cumular a cláusula penal com a sanção pecuniária compulsória, prevista no art.829-A nº4 do CC.
III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1º)
Julgar improcedente a apelação do Réu e procedente a apelação dos Autores.
2º)
Revogar a sentença recorrida, na parte em que considerou a cláusula penal devida apenas a partir da relativa ao mês de Junho de 2003, declarando-se ser devida desde 1 de Abril de 2003.
3º)
Confirmar quanto ao mais a sentença recorrida.
4º)
Sem custas, por o Réu estar subjectivamente isento.
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Coimbra, 18 de Outubro de 2005.