Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | VIRGÍLIO MATEUS | ||
| Descritores: | COMPETÊNCIA JUIZ DE CÍRCULO FORMA DE PROCESSO | ||
| Data do Acordão: | 12/12/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | COMARCA DE ANSIÃO | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | CONFLITO DE COMPETÊNCIA | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 106º DA LOTJ, 110º E 646º DO CPC | ||
| Sumário: | 1. No processo comum, não é a forma de processo mas sim o valor processual da causa em conexão com o valor da alçada da Relação que determina se competente para o julgamento é o juiz do processo ou o tribunal colectivo/juiz de círculo. 2. Não sendo o juiz do processo equivalente a juiz de círculo, é ao juiz de círculo e não ao juiz do processo que compete, após lhe ser remetido o processo, determinar se deve ele singularmente ou o tribunal colectivo realizar o julgamento. 3. Tendo as partes acordado no indicado valor da causa e não tendo o juiz do processo feito uso do poder conferido pelo art. 315º nº1 do CPC até ao saneador, com a prolação deste fixou-se definitivamente o valor processual da causa, formando-se caso julgado da decisão implícita sobre este ponto. 4. Tendo sido apensada, a uma acção sumária com o valor de € 2 137, uma acção classificada como sumária com o valor de € 18 110 e tendo no decurso da audiência de julgamento o M.mo Juiz do processo convolado a sumária apensada para ordinária e ordenado a remessa dos autos ao M.mo Juiz de Círculo para julgamento, -- a forma sumária da acção principal, a declaração do saneador de que “o processo é o próprio e válido” e o facto de haver sido pedida a gravação da prova não obstam à atribuição da competência ao M.mo Juiz de Círculo e a acção ordinária deve passar a ser a principal. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM O SEGUINTE: I- Relatório: O Ministério Público requereu a resolução do conflito negativo de competência, surgido na acção de processo comum nº 434/04 do Tribunal de Ansião entre o M.mo Juiz do processo e o M.mo Juiz de Círculo de Pombal. Oficiou-se às entidades em conflito para as suas respostas, mas nenhuma destas foi oferecida. O Ex.mo Procurador- geral Adjunto emitiu o seu parecer. Correram os vistos legais. Nada obsta à resolução do conflito. II- Fundamentos: 1. Vejamos os contornos da situação processual que rodeiam a eclosão do conflito e os despachos em confronto, face ao que estes autos mostram (embora o despacho certificado a fls. 26/27 seja na sua parte inicial um tanto obscuro): a) Na acção com processo comum nº 434/04, cujo valor processual da causa era e é de € 2 137,59 e que inicialmente seguiu a forma sumaríssima, foi a fl. 74 proferido despacho a convolar da forma sumaríssima para a forma sumária e a ordenar a apensação da acção sumária nº 108/05 àquela 434/04; b) Assim, a acção 434/04 passou a ser acção principal e a 108/05 passou a ser acção apensada; c) A acção com processo comum nº 108/05 tinha e tem como valor processual da causa (logo indicado na petição inicial) o de € 18 110,25 e seguia desde o início a forma de processo sumário; d) Após a ordenada apensação, foi proferido despacho saneador conjunto no Pº 434/04, sem que até aí ou nele fosse proferida decisão alterando os referidos valores das causas; e) Nesse despacho saneador foi declarado tabelarmente que inexistiam nulidades e que o “processo é o próprio e válido”, bem como foi elaborada a base instrutória; f) As partes requereram a gravação da audiência; g) Depois de iniciado o julgamento conjunto a cuja audiência presidia singularmente o M.mo Juiz do processo, foi para a acta ditado um despacho nos termos do qual, verificado então que a acção 108/05 tem o valor de € 18 110,25 apesar de estar distribuída como sumária e que se estaria perante um caso de incompetência relativa prevista no art. 110º, nº2, do CPC, foi ordenada a notificação das partes para se pronunciarem em 5 dias e foi interrompida a audiência; h) Ouvidas as partes, foi proferido o despacho que vem certificado a fls. 4/6 (fls. 202/204 do Pº 434/04) nos termos do qual o M.mo Juiz do processo, atendendo ao referido valor de € 18 110,25 da acção 108/05, decidiu julgar o “presente Tribunal” incompetente em razão do valor e da forma processual, convolou a forma de processo sumário da “presente acção” (434/04) para a forma ordinária e ordenou que, após o trânsito em julgado, os autos fossem remetidos ao M.mo Juiz de Círculo a fim de designar data para audiência de julgamento. A decisão referida em h) assentou nos seguintes fundamentos, em resumo: - O valor da causa de € 18 110,25 (da acção 108/05) determina que a acção deveria seguir a forma ordinária; - O caso é de incompetência mista (valor da causa e forma de processo), a que é aplicável o disposto no art. 110º, nº2 e 4, do CPC; - Compete ao tribunal colectivo julgar as questões de facto, sem prejuízo dos casos em que a lei exclui a sua intervenção (art. 105º e 106º al. b) da LOTJ) “como é o caso dos autos”, em que foi requerida a gravação; - Vale aqui o disposto no art. 646º nº3 que remete para o art. 110º nº 4 (ambos do CPC): sendo o julgamento de facto efectuado pelo juiz singular quando o devia ser pelo colectivo, tal é “sancionado em termos de incompetência até ao encerramento da audiência”. Remetido o processo ao M.mo Juiz de Círculo, este proferiu despacho que concluiu assim: « em respeito pelo caso julgado firmado que considerou adequada a forma sumária do processo, declaro-me incompetente para a realização do julgamento, devendo o processo ser presente à Ex.ma Colega (…), por ser ela a competente». Para concluir desse modo, baseou-se no seguinte, em resumo: - Face ao caso julgado— constituído pela decisão acima referida em e) pois que o erro na forma de processo é uma das nulidades cuja inexistência foi declarada— estava vedado convolar a forma de processo sumário para ordinário; - O juiz só podia conhecer da preterição do Tribunal Colectivo na audiência de julgamento se houvesse tal preterição, mas não há tal preterição porque, requerida a gravação, sempre o julgamento é efectuado por juiz singular (o juiz do processo ou, se valesse a convolação, o juiz a quem caberia presidir ao colectivo); - Não é aplicável o art. 110º nº4 do CPC aos casos em que o julgamento deva ocorrer perante apenas o presidente do colectivo, dado que o preceito somente se refere à preterição do tribunal colectivo; - Logo, não se pode alicerçar no art. 110º nº4 do CPC a decisão de incompetência e não se podia conhecer da questão até ao encerramento da audiência do julgamento. 2. Posto isto, cumpre resolver o presente conflito, ao qual são subsidiariamente aplicáveis as regras do agravo (final do art. 120º nº2 do CPC). 3. Convém ter-se antes de mais em atenção que no caso o juiz do processo não é juiz de círculo, nem equiparado a juiz de círculo, mas sim o juiz da comarca de Ansião. E trata-se de acção (ou acções) com processo comum. 4. Em geral, tratando-se de uma acção de valor superior à alçada dos tribunais da Relação cujos termos corram em Tribunal como o de Ansião e em que haja de realizar-se o julgamento da matéria de facto controvertida, preparado o processo segue-se o disposto no art. 106º al. b) da LOTJ (Lei nº3/99 de 13-1): compete ao tribunal colectivo proceder ao julgamento, sem prejuízo dos casos em que a lei do processo exclua a sua intervenção. Para este efeito, cabe ao juiz do processo (tratando-se de acção com valor superior à alçada dos tribunais da Relação) remeter os autos ao M.mo Juiz de Círculo a fim de que este indique a data/hora do julgamento a realizar com tribunal colectivo ou a realizar por ele singularmente, conforme o caso e conforme assim decidir com atenção ao disposto no art. 646º, nºs 1, 2 e 5 do CPC. Quando sejam remetidos (devendo ser remetidos) os autos ao M.mo Juiz de Círculo a fim de que este indique a data/hora do julgamento, não compete ao juiz do processo decidir se o julgamento deverá ser realizado pelo colectivo ou singularmente pelo M.mo Juiz de Círculo: a este é que competirá decidi-lo ao designar a data de audiência. A tais soluções não obsta a circunstância de, em face de ter sido requerida a gravação, o julgamento dever ser efectuado em qualquer caso por juiz singular (o juiz de círculo que presidiria ao colectivo se a intervenção deste tivesse sido requerida) como o seria também singularmente se efectuado pelo juiz do processo, dado que não é indiferente para a lei que uma acção de valor superior à alçada dos tribunais da Relação seja julgada pelo juiz de círculo ou pelo juiz da comarca não equiparado a juiz de círculo. E não é indiferente porque, em atenção à maior importância da acção (importância que nas acções com processo comum se afere pelo valor processual da causa), o legislador entendeu relevar a diferente qualificação do juiz de comarca e do juiz de círculo, decerto por o último oferecer maiores garantias de acerto decisório (veja-se a diferença de requisitos de acesso ao lugar -art. 129º da LOTJ), e daí que nesse tipo de acções apesar de não intervir o colectivo (quando não tenha de intervir) o art. 646º nº5 do CPC atribua competência funcional ao juiz de círculo e não ao juiz de comarca a ele não equiparado. Donde, nesse tipo de acções (repete-se: de valor superior à alçada dos tribunais da Relação), é indubitavelmente aplicável o disposto nos art. 646º nº3 e 110º nº4 do CPC ainda que por interpretação extensiva (argumento de igualdade de razão) ou, se se conceder, por analogia, caso contrário o nº 5 do art. 646º do CPC seria letra morta ao preceituar: «Quando não tenha lugar a intervenção do colectivo, o julgamento (…) incumbe ao juiz que a ele deveria presidir, se a sua intervenção tivesse tido lugar».(. Os art. 646º/3, 110º/4 e 275º/2 do CPC não foram adaptados pelo legislador ao extinguir os Trib. de Círculo e ao inovar acometendo—na sequência da instituição da gravação—o julgamento singular também ao juiz de círculo (ou equiparado) em detrimento da colegiabilidade. Cabe à judicatura tal adaptação..) Mas, para que estes preceitos sejam efectivamente aplicáveis é necessário o preenchimento de duas condições legais cumulativas: 1ª) que se trate de acção de valor superior à alçada dos tribunais da Relação; 2ª) que o processo seja remetido ao juiz de círculo até ao encerramento da audiência de julgamento (se não foi remetido antes como devia ter sido). Para a atribuição da competência funcional para o julgamento ao colectivo ou ao juiz de círculo, determinante não é, por si mesma, a forma do processo comum, mas essencialmente a relação do valor da causa com o valor da alçada da Relação, pois que o art. 106º al. b) da LOTJ prescreve: «Compete ao tribunal colectivo julgar as questões de facto nas acções de valor superior à alçada dos tribunais da Relação (…), sem prejuízo dos casos em que a lei de processo exclua a sua intervenção». Decerto, a forma de processo comum deve ser a adequada ao valor da causa mas não é ela o que determina a competência. Diversamente, como preceitua o art. 305º nº2 do CPC (com o qual estão em sintonia aquela norma da LOTJ e outras), ao valor da causa se atenderá para determinar a competência do tribunal, a forma do processo comum e a relação da causa com a alçada do tribunal. 5. Sabido que o juiz do processo, já depois de iniciar o julgamento mas antes de encerrada a audiência, remeteu para o juiz de círculo os autos (certamente o processo principal e o apenso atento o disposto no art. 275º nº2 do CPC), a questão fundamental resolve-se verificando se a acção (que deve ser a principal face à apensação) tem ou não tem valor superior à alçada dos tribunais da Relação. A questão do conflito não se resolve com base na consideração (avançada pelo M.mo Juiz de Círculo) de que o saneador formou caso julgado no sentido da inexistência da nulidade consistente no erro sobre a forma de processo, erro que consistiria na utilização da forma sumária em vez da ordinária. Para além de a declaração de inexistência de nulidades ter sido meramente tabelar, sucede que a utilização da forma sumária em vez da ordinária num processo comum não constitui erro na forma de processo no sentido do art.199º do CPC: em princípio, é mera irregularidade a corrigir logo que o juiz dela se aperceba (art. 220º e 221º do CPC). Essa nulidade de erro na forma de processo só ocorre quando se utiliza o processo comum em vez do adequado especial ou quando se utiliza um especial em vez do adequado processo comum ou quando se utiliza um processo especial em vez doutro especial que seja o adequado. 6. Neste caso, o M.mo Juiz do processo vislumbrou, já em plena audiência de julgamento, o problema da competência e que a base da questão estava no valor da causa. Só que parece ter havido alguma confusão na conjugação do regime da apensação com o do valor da causa e o da forma. Havendo apensação de acções, tal implica a apensação de processos, mas nem as várias acções passam a ser só uma, nem os processos passam a ser só um. As acções não perdem a sua individualidade própria, designadamente cada acção continua a ter o seu próprio valor da causa e a forma de processo que lhe corresponda. Apenas o processamento passa a ser comum (isto é, realizado tão só no processo principal), no que se refira a actos que houvessem de ser praticados num e noutro dos vários processos, de modo que sendo esses actos praticados num só (o principal) se possam prosseguir os fins visados com a apensação: a economia processual, evitando a repetição dos actos, e a harmonia de julgados. A apensação pode implicar também a modificação da competência quanto à acção ou acções apensadas (vd. nºs 2 e 3 do art. 275º do CPC). Por ser acção principal uma acção sumária com o valor de € 2 137,59, daí não se segue que se possa considerar o valor de uma acção apensada para convolar aquela para acção ordinária. Nenhuma regra o permite. 7. Retomemos a questão de saber se a acção (que deve ser a principal) tem valor superior à alçada dos tribunais da Relação. Sucede que a acção 434/04 viu o seu valor processual definitivamente fixado em € 2 137,59 e a acção 180/05 viu o seu valor processual definitivamente fixado em € 18 110,25, logo que foi proferido o despacho saneador sem que tenha sido judicialmente alterado qualquer desses valores nos termos do art. 315º nºs1 e 2 do CPC (vd., com muito interesse, o acórdão do STJ de 29-10-92 no BMJ 420, p. 484). Em razão da pedida gravação e do valor da acção 180/05, superior ao da alçada da Relação, o julgamento conjunto de ambas as acções deve ser realizado pelo M.mo Juiz de Círculo (art. 106º al. b) da LOTJ e 646º, nº2 al. c) e nº5, do CPC). A apensação nunca pode determinar modificação das regras sobre a atribuição ou a verificação do valor de cada uma das causas dos processos a apensar ou apensados, pois que se move noutro âmbito. A alteração da forma de processo é que pode determinar a alteração da ordenação da apensação.(. Continua a ser útil a lição de Alberto dos Reis sobre apensação de acções, atentando-se porém nas alterações que o dito art. 275º sofreu. A regra da apensação ao processo mais antigo cede quando a forma doutro mais recente é mais solene: este é o principal..) É evidente que o Sr. Juiz devia era ter convolado a forma sumária do processo 108/05 para a forma ordinária (vd. art. 105º nº2 e 462º do CPC) e ter passado tal acção a principal, em vez de convolar a forma sumária do processo 434/04 para a forma ordinária como fez. Esta é, porém, uma incorrecção que se pode facilmente rectificar, sem que os direitos das partes sejam minimamente beliscados: sempre a uma das duas acções corresponde a forma ordinária, mas é o valor da causa que deve ser a principal (a 108/05) a determinar a competência funcional para o julgamento e o mais a que alude o art. 305º nº2 do CPC. Trata-se de mera correcção formal, ficando inalterada a substância atinente à acrescida garantia consistente em o julgamento dever ser realizado pelo M.mo Juiz de Círculo. 8. Cumpre sublinhar, por fim, que o Sr. Juiz de Círculo teria razão na sua posição (embora não nos fundamentos, que antes se deveriam procurar no caso julgado da decisão implícita como decidiu o STJ no acórdão citado) se, embora sendo o pedido de valor superior à alçada da Relação, as partes tivessem acordado num indicado valor da causa que fosse inferior a essa alçada e se até ao saneador o tribunal não fizesse uso do poder conferido pelo art. 315º nº1 do CPC. Nesse caso hipotético, o julgado da decisão implícita prevaleceria sobre decisão adversa posterior (art. 675º nº2 do CPC) e, para qualquer dos efeitos a que alude o art. 305º nº2 do CPC, o valor da causa que relevaria seria o inicial acordado e implicitamente fixado no saneador de modo definitivo. Não é esse, porém, o caso dos presentes autos, em que o valor da causa no Pº 108/85 que se considera definitivamente fixado é superior ao da alçada da Relação, sempre determinando (e podendo o juiz do processo ordenar até ao encerramento da audiência como ordenou) a remessa dos autos ao M.mo Juiz de círculo. A acção desse processo deve passar a considerar-se a principal e, em razão do seu valor, o julgamento conjunto de ambas as acções deve ser realizado pelo M.mo Juiz de Círculo. III- Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se: a)- Rectificar a decisão de fls. 202/204 do Pº 434/04 de modo que onde aí se refere que «se determina a alteração da forma do processo da presente acção para a forma ordinária, devendo o processo passar a seguir esta forma» deve passar a ler-se que «se determina a alteração da forma do processo da acção do Pº 108/05 para a forma ordinária, devendo o processo passar a seguir esta forma», devendo consequentemente corrigir-se a distribuição nos termos do art. 220º al. b) do CPC; b)- Ordenar, relativamente à apensação, que a acção do Pº 108/05 passe a principal, ficando a ela apensada a acção do Pº 434/04; c)- Dirimir o presente conflito atribuindo ao M.mo Juiz de Círculo a competência para o julgamento. Sem custas. |