Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
48/1997. C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: CONSTRUÇÃO DE OBRAS
RESPONSABILIDADE CIVIL
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/11/2007
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 566.º, 2; 570.º, 1; 512.º, 1 E 1348.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Só quando se prove que o lesado não adoptou a conduta exigível para evitar a produção dos danos ou o agravamento dos seus efeitos, é responsável pelos mesmos, como se tivessem atingido um terceiro.
2. O autor da obra é quem contrata outrem para fazer uma obra, sob a sua direcção e fiscalização, ou aquele que contrata com outrem para que lhe faça a obra, por empreitada, sendo, assim, portanto, ou podendo ser, eventualmente, o autor da obra e o dono da obra duas entidades distintas.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


O Estado Português, representado pelo Magistrado do Ministério Público, propôs a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra “A”, com sede na Praça Marquês de Pombal, nº 3, r/c, Aveiro, “B”, com sede na Avenida das Forças Armadas, nº 125, 4º-A, Lisboa, e a “C”, com sede no Largo do Corpo Santo, nº 13, Lisboa, pedindo que, na sua procedência, as rés sejam condenadas a pagar-lhe, de acordo com a quota-parte de responsabilidade que, respectivamente, lhes vier a ser atribuída, a título de pedido principal:
a) a quantia de 4.195.386$00 (quatro milhões, cento e noventa e cinco mil e trezentos e oitenta e seis escudos, sendo três milhões, quinhentos e oitenta e cinco mil e oitocentos escudos, mais IVA, no valor de seiscentos e nove mil, quinhentos e oitenta e seis escudos), referente a trabalhos de limpeza e da reparação da cobertura do edifício;
b) a quantia de 13.972.374$00 (treze milhões, novecentos e setenta e dois mil e trezentos e setenta e quatro escudos, sendo onze milhões, novecentos e quarenta e dois mil e duzentos escudos, mais IVA, no valor de dois milhões, trinta mil e cento e setenta e quatro escudos), referente a materiais e serviços relativos ao escoramento do edifício;
c) o montante de 5.733.000$00 (cinco milhões e setecentos e trinta e três mil escudos, sendo quatro milhões e novecentos mil escudos, mais IVA, no valor de oitocentos e trinta e três mil escudos), relativo ao projecto de empreitada de reforço das fundações;
d) o valor de 5.557.500$00 (cinco milhões, quinhentos e cinquenta e sete mil e quinhentos escudos, sendo quatro milhões e setecentos e cinquenta mil escudos, mais IVA, no valor de oitocentos e sete mil e quinhentos escudos), referente ao projecto de recuperação do edifício;
e) o valor relativo ao custo do Estudo Geológico/Geotécnico elaborado, no valor global de 1.792.440$00 (um milhão, setecentos e noventa e dois mil e quatrocentos e quarenta escudos);
f) a quantia de 482.887.338$00 (quatrocentos e oitenta e dois milhões, oitocentos e oitenta e sete mil e trezentos e trinta e oito escudos), correspondente ao custo da recuperação global do edifício, para reparação dos danos nele causados, sendo o valor de 193.815.248$00 (cento e noventa e três milhões, oitocentos e quinze mil, duzentos e quarenta e oito escudos) para fundações, e de 218.908.973$00 (duzentos e dezoito milhões, novecentos e oito mil, novecentos e setenta e três escudos) para a sua recuperação, na parte acima do solo, a que haverá que acrescentar os valores do IVA, respectivamente, de 32.948.592$00 (trinta e dois milhões, novecentos e quarenta e oito mil, quinhentos e noventa e dois escudos) e 37.214.525$00 (trinta e sete milhões, duzentos e catorze mil e quinhentos e vinte e cinco escudos);
f 1) o montante de 2.029.738$00 (dois milhões, vinte e nove mil e setecentos e trinta e oito escudos), com IVA incluído, relativo a trabalhos a mais, referentes a empreitada de restauro das fundações;
f 2) o montante de 2.272.725$00 (dois milhões, duzentos e setenta e dois e setecentos e vinte e cinco escudos), com IVA incluído, referente a erros e omissões relativos ao restauro;
f 3) o montante de 4.711.854$00 (quatro milhões, setecentos e onze oitocentos e cinquenta e quatro escudos), com IVA incluído, relativo a trabalhos a mais referentes ao reforço das fundações do edifício;
f 4) o montante de 2.281.500$00 (dois milhões, duzentos e oitenta e um mil e quinhentos escudos), com IVA incluído, por trabalhos de acessoria à fiscalização e assistência técnica, pagos a “Teixeira Trigo, Ldª”;
f 5) o montante de 1.123.200$00 (um milhão, cento e vinte e três mil e duzentos escudos), com IVA incluído, por trabalhos de acessoria à fiscalização técnica, pagos à firma “Estiplano”;
f 6) o montante de 2.246.400$00 (dois milhões, duzentos e quarenta e seis mil e quatrocentos escudos), com IVA incluído, por trabalhos de assistência técnica, pagos à firma “Estiplano”;
g) a importância global de 35.738$00 (trinta e cinco mil setecentos e trinta e oito escudos), referente a despesas com fotocópias;
h) a importância global de 678.600$00 (seiscentos e setenta e oito mil e seiscentos escudos), referente a despesas com mudança do mobiliário do ex-Edifício da Capitania para a nova residência do Capitão do Porto de Aveiro;
i) a quantia de 9.437.172$00 (nove milhões, quatrocentos e trinta e sete mil e cento e setenta e dois escudos) que o autor já despendeu, até Março de 2002, em cumprimento do contrato de arrendamento da habitação para o Capitão do Porto de Aveiro;
j) todas as quantias que vierem a liquidar-se em execução de sentença e que correspondam a um acréscimo das despesas com a recuperação da parte externa do edifício (excluindo, consequentemente, a recuperação das fundações do mesmo), o arrendamento da habitação para o Capitão do Porto de Aveiro e outros gastos a realizar pelos serviços do autor, relacionados com os danos no edifício (parte acima do solo) e com a sua recuperação.
l) juros de mora, nos termos legais, a partir da citação e até efectivo e integral pagamento;
m) as actualizações dos montantes supra indicados que vierem a ser devidas ao autor, em consequência da desvalorização do valor da moeda que, após a citação das rés, se vier a verificar.
E, para a hipótese de as rés não virem a ser condenadas no pagamento das indemnizações correspondentes à reparação dos danos no edifício do Estado, em termos da sua recuperação se fazer com o aproveitamento possível de todos os elementos que, presentemente, o integram, acima do solo (o que pode suceder, inclusivamente, por o mesmo acabar por ruir), pede, a título subsidiário, que as rés sejam condenadas, nessa parte, no pagamento das correspondentes indemnizações que se vierem a liquidar na acção declarativa ou em execução de sentença.
Alega, para o efeito, em síntese, que é dono de um edifício, sito na Avenida Dr. Lourenço Peixinho, em Aveiro, denominado por Edifício da Capitania, junto do qual a ré “A” levou a efeito a construção de um edifício novo, no local onde se encontravam dois antigos, que demoliu, tendo as escavações e a construção das respectivas fundações sido efectuadas, pela ré “B”, sendo que, no decurso de tais obras, foram provocados danos graves, no dito Edifício da Capitania, incluindo ao nível das fundações, que levaram à sua progressiva e acelerada degradação e ruína, obrigando o autor a mudar a residência do Capitão do Porto de Aveiro, com gastos em rendas e transportes de mobílias, além de que suportou custos com a realização de obras nesse Edifício, incluindo ao nível das fundações, com os inerentes estudos e projectos, tendo ainda feito outras despesas necessárias, de tudo estando as rés obrigadas a indemnizá-lo, sendo que a segunda transferiu para a terceira a sua responsabilidade, por contrato de seguro.
A ré “A, Ldª”, na sua contestação, requereu a intervenção acessória da “Companhia de Seguros Metrópole, SA”, alegando, em síntese, que tinha celebrado com esta um contrato de seguro de responsabilidade civil, relativa a trabalhos de construção civil, além de ter impugnado a versão dos factos trazida pelo autor, invocando que este aumentou o valor dos pretensos danos sofridos, e que o Edifício da Capitania já se encontrava em estado de degradação, tendo o autor desleixado a sua manutenção, ao longo dos anos.
Por sua vez, na sua contestação, a ré “B, SA”, adere à contestação da ré “A, Ldª”, alegando, em síntese, que a versão dos factos trazida pelo autor não corresponde à realidade, uma vez que o Edifício da Capitania já se encontrava em avançado estado de degradação, em função da sua idade, fragilidade da construção e natureza lodosa dos solos onde está implantado, tendo aquele desleixado a sua manutenção, ao longo dos anos, sendo que a contestante executou as obras, com obediência ao projecto e segundo as técnicas mais adequadas.
Por fim, a ré “Fidelidade, SA”, na sua contestação, invoca a existência do contrato de seguro, mas alega que o Edifício da Capitania já se encontrava em avançado estado de degradação e ruína, em função da sua idade e fragilidade da construção e fundações, tendo o autor desleixado a sua manutenção, ao longo dos anos, não tendo os danos sido causados pelas obras, mas sim pela influência das marés, no canal da Ria, que passa junto do edifício.
Foi admitida a intervenção acessória da “Companhia de Seguros Metrópole, SA”, que não apresentou qualquer articulado.
A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, e, em consequência, condenou as rés “A – Construção de Habitações, Ldª”, “B – Engenharia e Construções, SA” (esta, apenas, até ao valor limite da franquia do contrato de seguro, e a “C, SA” (esta, apenas, até ao limite coberto por esse contrato de seguro e com dedução da respectiva franquia) a pagarem ao autor a quantia global de €274.195,37 (duzentos e setenta e quatro mil, cento e noventa e cinco euros e trinta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, às taxas legais sucessivas de 10%, 7% e 4% ao ano, nos termos referidos, a partir da data da citação (da efectuada em último lugar, 28-01-1997), até integral pagamento, absolvendo-as do mais peticionado.
Desta sentença, o autor e as rés “B, SA”, e “Fidelidade, SA” interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A - O AUTOR ESTADO PORTUGUÊS:

1ª - Anteriormente à execução pela ré B das obras de fundação do edifício da A no terreno anexo ao da Capitania de Aveiro, o edifício da Capitania de Aveiro, tinha apenas as anomalias descritas no relatório da vistoria de 22 de Março de 1994, efectuada pelos técnicos da Câmara Municipal de Aveiro.
2ª - Algumas dessas anomalias foram causadas pelas obras de demolição dos prédios anteriormente existentes no local onde foi construído o edifício da A, demolições estas realizadas pela ré A, através de uma outra empresa.
3ª - Exceptuadas estas últimas, as anomalias anteriores às obras de demolição resultaram da consolidação dos terrenos de fundação do edifício da Capitania, a qual se vinha processando de uma forma muito lenta ao longo dos anos.
4ª - As anomalias no referido relatório de 22 de Março de 1994 reflectiam-se essencialmente na funcionalidade do edifício, não o afectando em termos estruturais.
5ª – O autor realizou ao longo dos anos as obras necessárias a manter o edifício da Capitania em bom estado de conservação.
6ª - O mesmo encontrava-se em boas condições de habitabilidade e era efectivamente habitado em perfeitas condições de segurança pelo Capitão do Porto e sua família, que nele recebia quem entendia.
7ª - Com o início das obras de escavação para as fundações do edifício da A surgiram no edifício da Capitania novos danos e agravaram-se as anomalias anteriormente existentes.
8ª - Em consequência da retirada da carga correspondente ao volume das escavações realizadas para a execução das fundações e pisos subterrâneos do novo edifício resultou um movimento do solo, por descompressão, na zona de implantação do edifício da Capitania e, consequentemente, o agravamento do assentamento diferencial das fundações do mesmo edifício.
9ª - O movimento do solo, com o agravamento do assentamento diferencial das fundações do edifício da Capitania, ocorreu no decurso e em resultado da execução dos trabalhos das escavações, da parede de contenção, das ancoragens e das fundações do novo edifício da ré A.
10ª - O edifício da Capitania chegou a um estado de degradação geral e de ruína iminente, o que tornou necessária e inadiável a tomada de medidas tendentes a obstar que a continuação do processo de degradação o tornasse irrecuperável, a muito curto prazo.
11ª - O reforço das fundações do edifício da Capitania efectuado pelo autor foi uma obra necessária para parar o processo de acelerada degradação geral e ruína do mesmo.
12ª - O Estado não teria tido necessidade de proceder às obras de reforço das fundações do edifício da Capitania que efectivamente teve de fazer se não tivessem sido introduzidos no edifício os danos estruturais que resultaram das obras de fundação e construção do edifício da A.
13ª - Nem a ré A nem a ré B tomaram quaisquer medidas de defesa do edifício da Capitania.
14ª - A ré B podia ter evitado ou minimizado os danos que provou no edifício da Capitania se tivesse tomado medidas de protecção do edifício da Capitania, nomeadamente escorando-o e procedido à prévia consolidação dos alicerces deste e ainda se tivesse procedido à selagem das ancoragens em estratos com melhores características resistentes.
15ª - As rés A e B violaram ilícita e culposamente o direito de propriedade do Estado e, por isso, constituíram-se na obrigação de o indemnizar pelos danos que este não teria sofrido se não fora essa violação (artigo 483°, n° 1 do Código Civil).
16ª - Por virtude desta violação, o autor teve de gastar nas obras de reforço do edifício as quantias que peticionou, no montante global de €1.269.501,49.
17ª - As rés estão obrigadas a indemnizar o Estado pela totalidade deste montante, gasto pelo Estado no reforço das fundações porquanto
18ª - Os danos estruturais causados no edifício da Capitania em consequência das obras realizadas pela ré B foram a causa directa, real e efectiva da acelerada degradação gerai do mesmo e do estado de ruína a que o ele chegou num período de tempo inferior a 6 meses as quais exigiram o reforço das fundações.
19ª - Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, reconstituindo a situação patrimonial que o mesmo teria se não se tivessem verificado os danos causados (artigos 562° n°1; 564° e 566° n°2, todos do Código Civil).
20ª - A sentença recorrida ao fixar em apenas 10% dos gastos que o autor teve de suportar com a realização das obras de reforço das fundações do edifício da Capitania, violou as normas anteriormente indicadas.
21ª - As rés devem ser condenadas a indemnizar o Estado também pelos prejuízos por este sofridos em consequência dos danos causados na estrutura acima do solo do edifício da Capitania.
22ª – O Estado cedeu o edifício da Capitania à Câmara Municipal de Aveiro mediante contrapartidas patrimoniais desta, reservando para si os direitos implícitos na presente acção.
23ª - As contrapartidas patrimoniais assumidas pela Câmara de Aveiro têm como fundamento o benefício obtido por esta com o uso da Capitania, após a recuperação, e não repõem a situação patrimonial que o Estado teria obtido se lhe tivesse cedido um edifício em boas condições de uso em vez de um edifício em estado de ruína e ela não tivesse de proceder à recuperação do edifício.
24ª - Os prejuízos sofridos pelo Estado não são quantificáveis em concreto, com base na matéria de facto apurada, uma vez que a reparação foi efectuada pela Câmara Municipal de Aveiro de acordo com uma planta do edifício diferente da que existia antes dos danos causados pelas rés.
25ª - O Tribunal pode, contudo, fixar a indemnização devida ao Estado segundo critérios de equidade, nos termos do n°3 do artigo 566° do Código Civil por se encontrarem apurados os necessários elementos.
26ª - O cálculo da indemnização devida pelos danos do edifício da Capitania acima do solo deve ser feito com base, por um lado, nos custos da recuperação do edifício da Capitania efectuada pela Câmara de Aveiro (€1.280.934,36) e no custo previsível da recuperação do edifício de acordo com a estrutura do edifício anterior aos danos, custo esse - no montante de 218.908.973$00 (+ IVA) - apurado pela proposta declarada vencedora no concurso público lançado pelo Estado para recuperação do edifício da Capitania (2a fase) e, por outro, com base no custo previsível das anomalias existentes antes dos danos causados pelas rés (4.000 contos, já com IVA incluído), pois se trata de danos que afectavam a mera funcionalidade do edifício.
27ª - Caso se entenda que estes elementos não são suficientes para fixar a indemnização devida segundo critérios de equidade, deverão as rés ser condenadas no que vier a liquidar-se em execução de sentença.
28ª - A obrigação da Câmara de Aveiro garantir o pagamento das rendas suportadas pelo Estado com o imóvel da residência do Capitão de Aveiro é uma obrigação de mera garantia que não afasta a responsabilidade do Estado pelo pagamento das mesmas, sendo que foi este quem, na realidade, pagou as rendas peticionadas.
29ª - As rés devem, por isso, ser condenadas igualmente no pagamento de todas as rendas suportadas pelo Estado com o arrendamento do imóvel para a residência do Capitão do Porto de Aveiro;
30ª - Devem as rés ainda ser condenadas no pagamento integral do montante de 35.738$00, correspondente ao custo suportado pelo Estado com a obtenção de fotocópias que por motivo da sua especialidade o Estado teve de obter junto de uma empresa especializada.
31ª - Ao não condenar nos termos peticionados, a douta sentença recorrida negou o direito do Estado a obter a justa indemnização dos danos que sofreu, violando as normas anteriormente referidas.

B - A RÉ B-ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES, SA

1ª - A responsabilidade civil por actos lícitos decorrente do art° 1348°-2 do Código Civil impende exclusivamente sobre o proprietário do prédio onde decorre a obra.
2ª - Sendo a obra executada por empreiteiro, este só poderá ser chamado ao ressarcimento dos danos causados a terceiro no prédio vizinho através do regime de responsabilidade civil extracontratual, fundada em facto ilícito e na culpa, segundo o regime dos art°s 483° e segs. do Código Civil.
3ª - A douta sentença recorrida condenou a ora apelante, empreiteira, por responsabilidade civil por factos lícitos, ao abrigo do regime decorrente do art° 1348°-2 do Código Civil.
4ª - Nada, nos autos, permite apurar - nem a douta sentença recorrida tal considerou – que os danos verificados no prédio do autor foram causados por ilícito ou pela culpa da apelante, que se limitou a cumprir, sem erros, a sua empreitada e o respectivo projecto aprovado, segundo as orientações, determinações e fiscalização do dono da obra, com observância rigorosa das regras da arte e das técnicas normalmente usadas naquele tipo de obras, com todas as razoáveis precauções.
5ª - A douta sentença recorrida violou as disposições legais referidas nas conclusões anteriores.
6ª - Pelo que deve ser revogada e ser substituída por acórdão que absolva a ré ora apelante dos pedidos formulados pelo autor.

C - A RÉ FIDELIDADE

1ª – O autor Estado peticiona o pagamento de montante equivalente à construção de um edifício novo, em violação do princípio da reconstituição natural.
2ª – O autor não teve intenção de consertar os danos que foram imputados à actividade das rés, sem que tenha sido demonstrado que esses danos, não eram susceptíveis de reparação;
3ª – Esse novo edifício – quer ao nível das suas fundações, quer em relação à estrutura acima do solo – foi construído através de processos técnicos modernos e nele foram aplicados materiais, redes e instalados equipamentos que o antigo edifício não possuía;
4ª – O autor – tendo optado pela construção de um novo edifício – não cumpriu o ónus de alegar e provar, em concreto, quais as obras necessárias e qual o montante correspondente ao restauro dos danos imputados à actividade das rés, a fim de poder obter um equivalente montante compensatório (que, aliás, até foi considerado na douta sentença recorrida);
5ª – O autor não realizou as obras referentes à construção do novo edifício (estrutura acima do solo) e nunca fundamentou, nem provou qualquer prejuízo relacionado com a entrega do edifício ao Município de Aveiro;
6ª – A debilidade em que anteriormente se encontrava o edifício da capitania, quer em relação às suas fundações, quer ao nível da sua estrutura acima do solo, exigia que, a breve prazo, tivessem que ser realizadas aprofundadas obras de reforço e de recuperação, de que nunca tinha beneficiado;
7ª – Em vez da construção de um novo edifício, o autor podia ter optado pelo efectivo restauro dos danos sofridos e imputados às obras das rés, a partir de finais de 1994, altura em que os terrenos atingiram a estabilidade;
8ª – Constitui um manifesto abuso de direito pretender exigir das rés os montantes relativos aos custos da construção do novo edifício (além da parcela que nem foi suportada pelo autor), assim como, do montante das rendas da habitação do capitão, posteriores ao momento da transmissão da propriedade do antigo edifício para o Município.
Nas suas contra-alegações, o autor sustenta que as apelações das rés recorrentes devem ser julgadas improcedentes.
Na sentença recorrida, declararam-se demonstrados, sem impugnação, os seguintes factos, que este Tribunal da Relação aceita, nos termos do estipulado pelo artigo 713º, nº 6, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:
a) O autor é dono e legítimo proprietário de um prédio urbano, composto de três pavimentos, sendo rés-do-chão, 1° andar, sótão (torreão) e garagem, sito na Avenida Dr. Lourenço Peixinho, n°s 2, 4 e 6, freguesia de Vera Cruz, em Aveiro.
b) Tal prédio encontra-se inscrito, na matriz predial respectiva da freguesia de Vera Cruz, do concelho de Aveiro, sob o artigo 2531, confrontando a Norte com a Avenida, a Sul e Poente com o Rio e a Nascente com Trindade & Filhos, Ldª, estando descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n° 17061 (a fls. 181 do Livro B-47), ainda como casa dos Moinhos, sita no local de Cojo, da cidade de Aveiro, freguesia de Vera Cruz, ainda em nome de Alfredo Esteves Ferreira, que, também, usava o nome de Alfredo Esteves, mas encontra-se, actualmente, descrito sob o n° 1.412/140197 da freguesia de Vera Cruz, naquela Conservatória, a favor do autor.
c) O mencionado prédio compõe-se de 10 divisões no rés-do-chão, corredor e 1 garagem, de 6 divisões, no 1° andar, e e 3 divisões, no sótão (torreão).
d) O imóvel foi adquirido pelo autor, por expropriação por utilidade pública urgente, em virtude da portaria publicada, no Diário do Governo, 2a Série, n° 301, de 23 de Dezembro de 1925, tendo sido fixada a indemnização a pagar, por escritura de 7 de Janeiro de 1926, celebrada em Aveiro, com o proprietário Alfredo Esteves e mulher, Laura Estrela Esteves.
e) Desde a data da referida expropriação, sempre o autor, através dos seus serviços ali instalados, esteve na posse do prédio em questão, o que decorre, há mais de 60 anos, e que se tem mantido pública, pacífica, continuadamente e de boa fé.
f) O prédio em causa é de construção antiga.
g) A ré A adquiriu, por compra, em 30 de Setembro de 1993, a João José da Costa Trindade e outros, por escritura efectuada na Cartório Notarial de Aveiro, a propriedade de dois dos prédios que se situam a nascente do mencionado imóvel do Estado, ou seja, do mencionado edificio da Capitania do Porto de Aveiro, dos quais passou a ser dona e legitima proprietária.
h) Tais prédios eram os sitos na Avenida Dr. Lourenço Peixinho, um com os números de polícia 8, 10 e 12, e o outro com o n° 14, ambos descritos na Conservatória do Registo Predial do concelho de Aveiro, sendo um como prédio urbano, sob o n° 00170/180286 (a fls. 95 do Livro B 102), como casa de três pavimentos, com a área coberta de 421,40 m2, sito na Avenida Dr. Lourenço Peixinho, da freguesia de Vera Cruz, da cidade de Aveiro, confrontando a Norte com aquela Avenida, a Sul com a Ria, a Nascente com Mário Moreira Trindade e a Poente com a Capitania do Porto de Aveiro, inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo 2.457, com o valor patrimonial de oito milhões, trinta e seis mil oitocentos e vinte escudos, com o direito de propriedade registado, a favor da Ré A, e o outro como prédio urbano, sob o n° 00171/180286 (a fls. 95 v° do Livro B102), como casa de dois pavimentos, com a área de 260 m2, sito na Avenida Dr. Lourenço Peixinho, da freguesia de Vera Cruz, da cidade de Aveiro, confrontando a Norte com aquela Avenida, a Sul com a Ria e a Nascente e Poente com Mário Moreira Trindade, inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo 1.839, com o valor patrimonial de oito mil e dezanove contos, com o direito de propriedade registado, igualmente, a favor da ré A.
i) As referidas descrições, na Conservatória do Registo Predial, sob os n°s. 170 e 171, foram, posteriormente, inutilizadas, por anexação daqueles dois números, e por motivo da demolição dos dois prédios urbanos ali existentes, no prédio rústico descrito sob o n° 01370/060896, no qual foi construido um edificio composto por nove pisos.
j) Por motivo das referidas demolições, anexação e construção do novo edificio, foram já anulados os supra indicados artigos da matriz predial urbana da freguesia de Vera Cruz e concelho de Aveiro, tendo já sido apresentada pela ré A, na 1ª Repartição de Finanças de Aveiro, a respectiva declaração para alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz.
l) Desde meados de Fevereiro a meados de Março de 1994, a ré A procedeu à demolição dos já citados prédios urbanos, que estavam descritos no registo predial, sob os n°s. 170 e 171.
m) A ré A iniciou, em meados do ano de 1994, e nos prédios em que se encontravam os edificios demolidos, a construção de um edificio de grande volume, com dois pisos subterrâneos e sete acima do solo, ficando aquele a confinar com todo o lado nascente do edificio da Capitania.
n) Para realização das escavações, fundações e construção do novo edificio, celebrou a ré A um contrato de empreitada com a co-ré B, SA, a qual, nos termos daquele, se obrigou à realização daquelas obras.
o) Pela C, SA, foi emitida, em 7 de Junho de 1994, a declaração que se encontra junta aos autos (a fls. 96) e nos termos da qual consta que “Pela presente se declara que foi aceite nesta Companhia um seguro do Ramo Obras e Montagens nas seguintes condições: “segurado: A, na qualidade de Dono da Obra. B, SA, na qualidade de Empreiteiro Geral; objecto seguro: Trabalhos de Escavação, Contenção e Estrutura de Toscos. Local de risco: Aveiro. Duração do seguro: Período dos Trabalhos: 12 meses com início em 03-06-94 e termo em 02-06-95. Período de garantia: 12 meses com início em 03-06-95 e termo em 02-06-96. Para o risco de responsabilidade civil com inicio em 03-06-94 e termo em 02-06-96. Coberturas/ Valores seguros: CAR (Contractor's All Risks) - Esc. 250.000.000$00. Responsabilidade Civil - Esc. 150.000.000$00.”
p) Estas obras de escavação, construção das paredes de contenção e fundações vieram a iniciar-se, em meados do ano de 1994.
q) A ré A pediu licença à Junta Autónoma do Porto de Aveiro para construir o novo edificio numa faixa de terreno, junto ao antigo edificio da Capitania do Porto de Aveiro (preâmbulo do Alvará de Licença n° 1395, daquela Junta Autónoma).
r) Nos termos da cláusula 17ª, do referido Alvará, a ré A “é responsável por danos causados a terceiros, nomeadamente no que respeita ao património construído e, em especial, ao edifício pertencente à Capitania do Porto de Aveiro, com a qual a obra constante deste alvará confina”.
s) A ré A aceitou tal condição e assumiu a responsabilidade referida na alínea anterior.
t) A ré A, à data em que ocorreram os factos descritos, tinha celebrado um contrato de responsabilidade civil geral relativa a trabalhos de construção civil, com a “Companhia de Seguros Metrópole, SA”, com sede na Rua Barata Salgueiro, n° 41, em Lisboa, até o limite de 5.000.000$00, titulado pela apólice n° 42 N - 4202194.
u) O edificio, identificado em a), encontra-se implantado em terrenos de constituição lodosa.
v) A ré A sub-empreitou o trabalho de demolição dos dois prédios urbanos a uma firma especializada, a “Terraveiro - Terraplanagens de Aveiro Ldª”, que prestou os serviços constantes da respectiva factura (doc. de fls. 244).
x) Entre a ré “B, SA”, e a ré “C, SA”, foi celebrado um contrato de seguro do ramo “Obras e Montagens”, nos termos e condições da apólice n° 43/4300161.
z) Através da referida apólice, a “C, SA” garantia diversos riscos decorrentes dos trabalhos de engenharia civil que constituíam a empreitada de toscos na construção do edificio da co-ré “A, Ldª”, sito na Avenida Dr. Lourenço Peixinho, em Aveiro, confinante, pelo lado Poente, com o “Edificio da Capitania”, propriedade do autor, e descrito em a).
a-1) De entre os riscos cobertos pela referida apólice de seguro, a “C, SA” garantia a responsabilidade civil, por danos causados a terceiros (que não o dono da obra), imputável à “B, SA”, em resultado da execução dos mesmos trabalhos, nos termos do clausulado no Capítulo IV, Secção II, das Condições Particulares e no n° 907 das Cláusulas Adicionais.
b-1) A “C, SA” apenas garante a indemnização devida por perdas ou danos causados às estruturas dos imóveis contíguos, estando excluídas as fendas, fissuras e fendilhações, desde que não seja afectada a estrutura e estabilidade daqueles imóveis e não são indemnizáveis as despesas com medidas adicionais de segurança ou protecção (n° 907 das “Cláusulas Adicionais”).
c-1) O capital garantido para o risco de responsabilidade civil tem o limite de 150.000.000$00 (Condições Particulares, Cap. VI, Secção II), com uma franquia de 10%, a suportar pela entidade segurada, com o limite minimo de 750.000$00 e máximo de 3.000.000$00 (Cap. VII - Sec. II).
d-1) Por via da referida apólice, a “C, SA” (em regime de co-seguro) assumiu os descritos riscos, a partir de 3 de Junho de 1994, pelo período de 12 (doze) meses.
e-1) O Ministério da Defesa Nacional, através do Conselho Administrativo da Direcção de Infra-Estruturas (CADI) da Marinha, sito na Praça do Município, 1188, Lisboa Codex, lançou o concurso público n° 3/69/97.
f-1) Tal concurso público teve o respectivo anúncio, publicado no Diário da República, III Série, n° 152, de 4 de Julho de 1997.
g-1) Do respectivo n° 3 do anúncio constava o seguinte:
“3 - Local de execução, designação da empreitada e preço base:
a) Local de execução - edifício da Capitania do Porto de Aveiro;
b) Designação da empreitada - obras de reforço das fundações do edifício da Capitania do Porto de Aveiro;
c) Natureza e extensão dos trabalhos e características gerais da obra - fundações, em terreno constituído por lodos, em microestacas;
d) Preço base - o preço base para efeitos do presente concurso é de 120.000.000$00.”
h-1) A entidade, identificada em e-1) supra, nos termos do art. 48° do Decreto-Lei n° 405/93, de 10 de Dezembro, lançou o concurso público n° 5-69 C/98.
i-1) Tal concurso público teve o respectivo anúncio publicado no Diário da República, III Série, n° 238, de 15 de Outubro de 1998.
j-1) Destinava-se o mesmo à realização das obras de recuperação do edificio da Capitania do Porto de Aveiro (2ª fase), após a efectivação das obras de recuperação das respectivas fundações.
l-1) Constava do anúncio do concurso, do seu n° 3, o seguinte: “3 - Local de execução, designação da empreitada e preço base:
a) Local de execução — Aveiro.
b) Designação da empreitada - recuperação do edifício da Capitania do Porto de Aveiro (2ª fase);
c) Natureza e extensão dos trabalhos e características gerais da obra - trabalhos de construção civil, estrutura metálica, cobertura e acabamentos, instalações de redes diversas;
d) preço base - não declarado.”
m-1) Em anos anteriores ao início das obras de demolição, referidas em l), supra, o autor foi realizando no prédio, identificado em a), supra, obras que tinham em vista a sua conservação, concretamente, para retirar o salitre e evitar infiltrações, tendo as últimas sido realizadas, anteriormente, a 1992.
n-1) Notavam-se, no prédio, e desde há muitos anos, um ligeiro abaulamento, a meio do pavimento do quarto lateral do rés-do-chão, e uma inclinação, no corredor do mesmo piso, no sentido do muro nascente, deficiências estas que se mantiveram, ao longo dos anos, sem que fosse perceptível o seu agravamento.
o-1) No ano de 1992, e a pedido do autor, a “Presmaco - Construção Civil, Ldª”, realizou, em Setembro, um orçamento relativo a reparações de que o imóvel necessitava, no valor global de cerca de 1.100 contos.
p-1) Tais obras consistiam, essencialmente, na substituição de telhas partidas, limpeza de calões e desobstrução de condutores, aplicação de juntas PVC, para evitar infiltrações de humidade, calafetagem de pequenas fissuras, reparação de janelas com afinação de ferragens, colocação de vidros, reparação de canalizações e da instalação eléctrica, picagem de algumas zonas de parede com salitre, respectivo reboco e pinturas, afinação e aplicação de ferragens em janelas e portas.
q-1) No decorrer das demolições, referidas em l), supra, começaram a verificar-se algumas deteriorações, no prédio do autor, identificado em a).
r-1) O Comandante do Porto de Aveiro solicitou, em 2 de Março de 1994, à Câmara Municipal de Aveiro que definisse tais avarias e deteriorações, em vistoria a efectuar pelos seus técnicos, tendo em vista, designadamente, a eventual ocorrência de novos danos causados com a construção do imóvel que a ré A iria iniciar naqueles seus prédios.
s-1) Na vistoria, efectuada em 22 de Março de 1994, aqueles técnicos constataram que existiam as seguintes deteriorações, no edificio da Capitania: no exterior e no alçado lateral esquerdo, uma fissura maior, por cima da janela do 1° andar, indo até à cornija, continuando a fenda por baixo, até ao cimo da janela do rés-do-chão e, no alçado lateral direito, um ligeiro assentamento da parede e cornija do telhado, com assentamento a meio, além de algumas ligeiras fendilhações nas paredes; no interior do edificio, uma ligeira fenda, junto ao tecto e parede da fachada da sala de estar do rés-do-chão, ligeiro abaulamento, a meio do pavimento do quarto lateral, também, do rés-do-chão, uma fenda no tecto da sala maior do 1° andar; na garagem, uma ligeira cedência das portas voltadas para a Avenida, havendo ainda a assinalar, em alguns compartimentos, alguns pontos de infiltração de águas e ligeiras fendilhações, sendo as fendilhações, em maior número, nas paredes e tectos do 2° andar (torreão).
t-1) Pelo menos, algumas das fissuras e fendilhações, referidas em s-1), supra, foram causadas pela actividade de demolição dos dois edifícios urbanos que existiam nos terrenos, a Nascente da Capitania.
u-1) Concretamente, pela trepidação originada pelo trabalho das máquinas nas demolições e pelas próprias demolições, provocaram, por vezes, abalos bem sensíveis nas paredes do edificio da Capitania.
v-1) Bem como, por acção de deslocamento de terras, ao nível das fundações daquele imóvel, ocasionado pela diminuição da tensão nos terrenos, devido à diminuição de sobrecarga sobre os mesmos, proporcionada pelas demolições e pela retirada dos materiais que compunham os edificios demolidos.
x-1) A ré “A” não tomou quaisquer providências, no edifício da Capitania, no sentido de evitar que as demolições provocassem os danos referidos em t-1), supra, e não procedeu ao escoramento desse edifício e à construção, nessa fase, de uma parede de contenção de terrenos, ao longo do lado nascente daquele edifício.
z-1) Para a correcção das deteriorações, descritas em s-1), supra, foi estimado, em Fevereiro de 1998, o valor global de 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos), já com IVA incluído.
a-2) Com a construção do novo imóvel da ré “A” voltaram a ocorrer danos, no edifício da Capitania, tais como fissuras nas paredes do mesmo, provocados, nomeadamente, pela trepidação causada pelas máquinas utilizadas.
b-2) A partir dos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 1994, ocorreram outras deteriorações, no edifício da Capitania, com agravamento do assentamento diferencial das suas fundações, afectando a própria estrutura do edifício.
c-2) O Capitão do Porto, alarmado com a situação, chamou à atenção dos responsáveis da obra para a ocorrência desses danos e sua relação com as actividades que decorriam na execução do novo edifício.
d-2) Em Outubro de 1994, o Capitão do Porto solicitou novas vistorias ao edificio da Capitania, de modo a que tais danos pudessem ser verificados por técnicos e pudessem ficar registados.
e-2) Em 4 de Novembro de 1994, foi efectuada uma vistoria ao edificio da Capitania, por técnicos da Direcção de Infra-Estruturas da Marinha.
f-2) Nessa ocasião, os referidos técnicos verificaram que os elementos construtivos estavam em mau estado geral, nomeadamente, com fissuras muito significativas, nos tectos e paredes, em diversos compartimentos, bem como a queda de parte do estuque e reboco dos tectos.
g-2) E ainda, no que se reporta à estrutura do edificio, observaram-se inclinações, em diversas partes do mesmo, nomeadamente, em pavimentos interiores e paredes exteriores, aspectos estes que se tornavam ainda evidentes nos vãos exteriores, não funcionando alguns deles, por falta de esquadria.
h-2) Face ao estado que o edificio apresentava e à provável evolução da sua degradação, os referidos técnicos propuseram a evacuação do edificio e a solicitação, ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil, de parecer sobre as condições e estruturas do edificio e a relação entre a obra em execução e a evolução da degradação do edifício do Estado.
i-2) Nos últimos dias de Setembro e primeiros dias de Outubro desse ano de 1994, o edifício da Capitania começou a apresentar várias fendas, profundas e largas, que iam aumentando, tendo, no dia 4 de Outubro, ruído parte do muro que dava para o Canal do Cojo, na zona contígua à Capitania.
j-2) Aumentaram, também, outras fendas do edificio, com relevo para as da garagem.
l-2) Em outra vistoria ao edificio, efectuada em 6 de Outubro de 1994, por técnicos da Junta Autónoma do Porto de Aveiro, estes constataram ter havido uma evolução das fissuras, notadas em 18 de Março do mesmo ano, no sentido do alargamento da espessura e aumento da extensão total.
m-2) Observaram ainda um aumento do número de novas fissuras e outras patologias, relacionadas com infiltrações de humidade, provocadas por aquelas.
n-2) Constataram ainda o aparecimento de fendas localizadas nos cantos de quase todas as portas e janelas do edificio, bem como ser bem acentuada a degradação da porta de duas folhas da garagem, que já nem se conseguia movimentar.
o-2) Notaram, também, a grande inclinação lateral de corredores localizados no 1° andar, o que não era tão notório na outra vistoria e o aparecimento recente de uma enorme fissura, na fachada principal do edificio, que o corta, de alto a baixo, e com grande abertura junto ao telhado.
p-2) Constataram, igualmente, os mesmos técnicos que, poucas semanas antes da vistoria em apreço, o encarregado da referida obra adjacente executara diversas marcas em gesso, em locais do edificio, com o objectivo de monitorizar a eventual progressão das patologias, tendo-se verificado que essas marcas se tinham partido, revelando o aumento das fendas e, em alguns locais, o abatimento dos pavimentos.
q-2) No decorrer dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 1994, bem como no tempo que, posteriormente, decorreu, pelo menos até à data da propositura da acção, não mais cessou a acelerada deterioração do edifício da Capitania.
r-2) Em Março de 1995, registava-se uma degradação geral da Capitania, nomeadamente, com a cedência e fissuração de paredes estruturais, bem como o agravamento da inclinação de partes do edifício, incluindo fachadas e pavimentos.
s-2) Em Agosto de 1995, o edifício ameaçava ruína, devido ao seu adiantado estado de degradação, apresentando paredes estruturais fracturadas, agravamento do assentamento das fundações e largas fissuras nas paredes internas e externas.
t-2) Solicitado, por ofício de 28 de Dezembro de 1994, a emitir parecer sobre a situação, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, por ofício de 6 de Janeiro de 1995, com base na análise do relatório da vistoria, aludida em e-2), supra, manifestava-se no sentido de que, por motivo da execução das obras de escavação das fundações do novo edifício, no terreno adjacente, tinham ocorrido danos estruturais no edifício da Capitania.
u-2) Os danos referidos nos factos anteriores e ocorridos, a partir de meados do ano de 1994, verificaram-se no período em que a co-ré “B, SA” procedeu à realização de escavações, construção da parede de contenção lateral dos solos, designadamente, a parte confinante com o lado nascente do imóvel do Estado e construção das fundações do novo edificio.
v-2) O novo edificio construído possui sete pisos acima do solo e uma soleira do piso zero, cerca de um metro acima da cota dos edificios anteriores, e exigiu fundações adicionadas à dupla cave, que foram executadas próximo das fundações do edificio da Capitania.
x-2) A estrutura executada no edifício, propriedade da ré “A” (paredes da cave) atinge uma profundidade da ordem dos dez metros e a camada do solo lodoso no local ultrapassa os vinte metros de profundidade.
z-2) Em consequência da retirada da carga correspondente ao volume das escavações realizadas para execução das fundações e pisos subterrâneos do novo imóvel, resultou um movimento do solo, por descompressão, na zona de implantação do edifício da Capitania e, consequentemente, o agravamento do assentamento diferencial das fundações deste mesmo edifício.
a-3) Tal situação agravou a desestabilização do edifício do Estado, determinando os danos e deteriorações referidos e o agravamento dos já existentes, e acelerou o seu processo de ruína.
b-3) O referido movimento do solo, com agravamento do assentamento diferencial das fundações do edifício da Capitania, ocorreu no decurso e em resultado da execução dos trabalhos das escavações, da parede de contenção, das ancoragens e das fundações do novo edifício da ré “A”.
c-3) No período de Julho a Outubro de 1994, foram executadas as ancoragens, necessárias à sustentação da parede de contenção, construída a poente do edificio, e confinante com o lado nascente do edificio da Capitania.
d-3) As ancoragens foram realizadas, através da execução de orifícios no terreno, numa direcção, sensivelmente, perpendicular à parede de contenção, de modo que algumas das mencionadas ancoragens vieram a ficar sob o edifício da antiga Capitania.
e-3) Naqueles orifícios, foi depois introduzido um cabo de aço embainhado, o qual foi, posteriormente, injectado com calda de cimento, vindo a formar cada uma das ancoragens como que uma sapata a amparar um pilar, mas na horizontal .
f-3) No período em que foram executados alguns desses trabalhos das ancoragens, o edifício da Capitania parecia que estalava, por todo o lado, e nele apareceram grandes fendas e outras aumentaram de dimensão, tendo numa dessas alturas caído parte do tecto da casa de banho e da cozinha.
g-3) Quer a ré “A”, quer a ré “B, SA”, não mandaram escorar o edifício da Capitania.
h-3) A selagem das ancoragens em estratos com melhores características resistentes poderiam minimizar os efeitos e danos no edifício da Capitania.
i-3) A prévia consolidação dos alicerces e do edifício, propriamente dito, da Capitania poderia minimizar ou evitar os referidos danos causados pelas obras de construção do prédio da “A”.
j-3) A fim de evitar uma maior degradação do edificio, foram efectuados trabalhos de limpeza e de reparação da sua cobertura, para impedir infiltrações motivadas pelo deslocamento da estrutura da referida cobertura, nos quais o autor despendeu o montante de 4.195.386$00 (quatro milhões quinhentos e oitenta e cinco mil e oitocentos escudos mais seiscentos e nove mil quinhentos e oitenta e seis escudos), incluindo IVA.
l-3) Procedeu ainda o autor ao escoramento interior de todas as lajes e elementos exteriores em perigo de ruína.
m-3) O autor, no respectivo material e nos serviços de escoramento, despendeu a quantia de 13.972.374$00 (treze milhões novecentos e setenta e dois mil e trezentos e setenta e quatro escudos).
n-3) Os serviços de infra-estruturas da Marinha solicitaram a uma empresa da especialidade a elaboração de dois projectos de engenharia, um com vista à realização de obras de reforço das fundações, e outro para recuperação da estrutura e restantes elementos construtivos.
o-3) Assim, obteve o autor um projecto de empreitada de reforço das fundações que lhe importou, em 5.733.000$00, sendo de 4.900.000$00 o respectivo valor, mais 833.000$00 de IVA (cinco milhões e setecentos e trinta e três mil escudos - quatro milhões e novecentos mil escudos mais oitocentos e trinta e três mil escudos de IVA).
p-3) E um projecto de recuperação do edifício, em que despendeu 5.557.500$00, sendo o valor respectivo de 4.750.000$00, mais IVA no valor de 807.500$00 (cinco milhões, quinhentos e cinquenta e sete mil e quinhentos escudos - quatro milhões e setecentos e cinquenta mil escudos mais oitocentos e sete mil e quinhentos escudos de IVA).
q-3) Despendeu num estudo geológico/geotécnico, com o mesmo fim de reforço das fundações e recuperação do edifício, o montante global de 1.792.440$00 (um milhão, setecentos e noventa e dois mil, quatrocentos e quarenta escudos).
r-3) Despendeu ainda em fotocópias, solicitadas a uma empresa especializada, por motivo da especificidade das mesmas, e em consequência das diligências relacionadas com os danos sofridos pelo edificio do Estado, o valor global de 35.738$00 (trinta e cinco mil setecentos e trinta e oito escudos).
s-3) Através de estudos efectuados, obteve-se um projecto de recuperação global do imóvel, cujo orçamento ascendeu a 280.000.000$00 (duzentos e oitenta milhões de escudos), sendo 150.000.000$00 (cento e cinquenta milhões de escudos) para fundações e 130.000.000$00 (cento e trinta milhões de escudos) para a recuperação da parte acima do solo, a que há que acrescentar os valores do IVA, respectivamente, nos montantes de 25.500.000$00 e 22.100.000500 (vinte e cinco milhões e quinhentos mil escudos e vinte e dois milhões e cem mil escudos).
t-3) Dado o Capitão do Porto de Aveiro não ter podido continuar a habitar o edificio da Capitania, desde Setembro de 1995, inclusive, a Marinha celebrou um contrato de arrendamento da residência provisória do Capitão do Porto, desde aquele mês e ano, que ascende aos 100.000$00 (cem mil escudos) mensais, até Setembro de 1996.
u-3) O referido contrato de arrendamento passou para o valor mensal de 103.700$00 (cento e três mil e setecentos escudos), a partir de Outubro de 1996.
v-3) Em consequência da mudança de mobiliário do edifício da Capitania para a nova residência arrendada do Capitão do Porto de Aveiro, despendeu o autor, ainda, o montante de 678.600$00 (seiscentos e setenta e oito mil e seiscentos escudos).
x-3) O concurso, referido em e-1), supra, foi lançado para reparação do sector das fundações do edifício da Capitania, nomeadamente, em consequência dos danos provocados pelas obras de escavação e construção das paredes de contenção e fundações do edifício, cuja construção a ré “A” iniciou, em meados do ano de 1994, no terreno confinante com todo o lado nascente do referido edifício da Capitania.
z-3) Com data de 18 de Agosto de 1997, a “Graviner - Construções , SA”, com sede na R. S. Domingos de Benfica , 53-A, em Lisboa, e a “Sondagens Ródio, Ldª”, com sede na Av. Dos Combatentes, 52, em Sintra, apresentaram, conjuntamente, na sequência do referido concurso público, a que se reportava o anúncio datado de 12-06-1997, proposta relativa ao mencionado objecto da empreitada de “Reforço das Fundações do Edifício da Capitania do Porto de Aveiro”, em conformidade com o respectivo caderno de encargos, pelo preço global de 193.815.248$00 (cento e noventa e três milhões, oitocentos e quinze mil, duzentos e quarenta e oito escudos), ao qual haveria que acrescer o IVA, à taxa legal em vigor, comprometendo-se, por aquele preço, a executar as obras de reforço das fundações do edificio da Capitania.
a-4) Tal proposta veio a ser a vencedora do concurso público e a mencionada empreitada adjudicada às respectivas empresas, pelo valor total de 226.763.840$00, já com IVA incluido, tendo sido facturados e pagos 186.806.000$00 (IVA incluído), no ano de 1997, e 39.957.840$00 (IVA incluído), no ano de 1998.
b-4) Foram realizados alguns trabalhos a mais referentes à indicada empreitada de restauro, no montante de 2.029.738$00, com IVA incluído (dois milhões, vinte e nove mil e setecentos e trinta e oito escudos), que foi liquidado e pago.
c-4) Pelo autor foi pago àquelas empresas, sempre no âmbito da execução da mencionada empreitada, por erros e omissões referentes ao restauro, o montante de 2.272.725$00, com IVA incluido.
d-4) Por trabalhos a mais, referentes ao reforço da fundação da antiga Capitania do Porto de Aveiro, foi ainda liquidado e pago àquelas empresas o valor de 4.711.854$00, com o IVA, à taxa legal de 17% incluído.
e-4) Por trabalhos de assessoria à fiscalização e assistência técnica na antiga Capitania do Porto de Aveiro, foi liquidada e paga à firma “Teixeira Trigo, Ldª”, com sede na Av. Cidade de Luanda, Lote 485, R/C, Dtº, Olivais, em Lisboa, a quantia de 2.281.500$000. já com IVA incluido, à taxa legal de 17%.
f-4) Por trabalhos de assistência técnica na antiga Capitania do Porto de Aveiro foi liquidada e paga à firma “Estiplano – Estudos e Projectos, Ldª”, com sede na Av. Grão Vasco, nº 2, 8º Direito, em Lisboa, a quantia de 1.123.200$00, já com IVA incluído, à taxa legal.
g-4) Por trabalhos de assistência técnica ao Edificio da Capitania do Porto de Aveiro - reforço das fundações – foi, também, liquidado e pago à referida firma “Estiplano – Estudos e Projectos, Ldª”, o montante de 2.246.400$00, já com IVA incluído.
h-4) Os trabalhos referidos em b-4) a g-4), supra, referem-se a trabalhos e serviços complementares necessários à execução da empreitada do reforço de fundações do Edificio da Capitania.
i-4) Com data de 26 de Novembro de 1998, a “Graviner - Construções, SA”, com sede na Rua de S. Domingos de Benfica, 53-A, apresentou, na sequência do concurso público a que se reporta o anúncio datado de 15 de Outubro de 1998, proposta para a execução de todos os trabalhos que constituíam o objecto da dita empreitada para Recuperação do Edificio da Capitania do Porto de Aveiro (2° fase), em conformidade com o Caderno de Encargos, pelo preço global de 218.908.973$00, a que haveria de acrescer o valor do respectivo IVA, comprometendo-se a executar por aquele preço as obras mencionadas.
j-4) Tal proposta veio a ser classificada como vencedora do concurso público pela respectiva Comissão de análise que propôs, assim, a adjudicação da Recuperação da Capitania do Porto de Aveiro (2° fase) à referida Graviner, pelo valor de 218.908.973$00, mais IVA, à taxa legal em vigor, ou seja, pelo valor de 256.123.498$00, mas tal empreitada não chegou a ser adjudicada.
l-4) Os estudos recolhidos apontam no sentido de que o edifício da Capitania, identificado em a), supra, tinha fundações em estacas de madeira, as quais não se encontravam assentes em terreno firme.
m-4) O referido edifício confronta, dos lados sul e poente, com o chamado Canal Central, estando, por isso, em contacto com as respectivas águas que, na altura da subida das marés, nele chegavam a penetrar, pelo Poente, na divisão destinada a garrafeira.
n-4) Não há indicação de que, desde a data da sua construção e até à intervenção que nelas ocorreu, posteriormente, à instauração da presente acção, as fundações do edifício tenham sido objecto de quaisquer obras de reparação ou reforço, o mesmo acontecendo com a estrutura do próprio edifício.
o-4) O autor procedia, regularmente, e até ao ano referido em m-1), supra, pelo menos, ao tapamento das fissuras das paredes, à reparação das janelas e portas e a pinturas gerais, interior e exteriormente.
p-4) Com o decorrer dos anos, a base de sustentação do edifício foi perdendo solidez e fragilizando-se.
q-4) No referido edifício funcionavam, até por volta do ano de 1992, os serviços da Capitania do Porto de Aveiro, onde havia um movimento regular de pessoas.
r-4) A degradação do edifício, em termos de assentamentos diferenciais das suas fundações, começou há mais de 10 anos.
s-4) Em finais de 1993, a Câmara Municipal de Aveiro resolveu proceder à dragagem dos principais canais da cidade, nomeadamente, do Canal Central, e destes foram retiradas várias toneladas de lodos.
t-4) Os prédios demolidos e identificados em l), supra, eram bastante antigos e com paredes de adobos e estafes e encontravam-se desocupados, desde há meses.
u-4) O prédio demolido que se encontrava mais próximo do edificio da Capitania, distava desta construção cerca de 4 metros.
v-4) As paredes dos prédios foram derrubadas, com o auxílio de máquinas.
x-4) Os trabalhos de demolição não envolveram qualquer tipo de escavações.
z-4) Finda a demolição, e antes de iniciados os trabalhos das fundações do novo prédio, a ré “A” mandou fazer um estudo sobre o terreno - um reconhecimento geotécnico.
a-5) A ré “B” executou os trabalhos, com recurso a técnicas, normalmente, usadas naquele tipo de obras.
b-5) Após terem deixado de aí funcionar os serviços da Capitania do Porto de Aveiro, permaneceu no edifício o arquivo daquela instituição, durante mais algum tempo.
c-5) A preceder o início das escavações para a obra da ré “A”, foi construída uma parede de contenção de terrenos.
d-5) A ré “B, SA”, só iniciou a sua intervenção na obra com a construção das paredes de contenção das fundações, em meados de 1994.
e-5) A mesma ré executou a obra, de acordo com o projecto aprovado, seguindo as indicações do dono da obra e sujeita à sua permanente fiscalização.
f-5) A ré “B, SA” utilizou nas obras de escavação e construção das paredes moldadas uma grua “Ruston Bucyrus RB 22”, de 20 toneladas, um equipamento de parede moldada, designado “Casa Grande C 40”, com balde de abertura hidráulica, rondando as 45 toneladas, e uma máquina de estacas hidráulica, denominada “Bauer BG 11”, de cerca de 56 toneladas, tendo essas máquinas entrado em obra, a partir de meados de 1994.
g-5) A Capitania já não utilizava a garagem para os veículos automóveis.
h-5) Antes de a ré “B, SA”, intervir na construção do prédio, identificado em m), supra, o muro do Canal do Cojo estava bastante degradado.
i-5) Em Outubro de 1994, ocorreram intensas e anormais chuvadas, em Aveiro, acompanhadas de ventos fortes.
j-5) Na mesma ocasião, mostraram-se entupidos os esgotos pluviais, na Rua junto ao Canal, com acumulação de águas da chuva fazendo pressão sobre o muro fragilizado.
l-5) O muro não resistiu à pressão e à infiltração dessas águas e ruiu, em parte.
m-5) A garagem da Capitania tinha fundações superficiais, com cerca de 0,50 metros.
n-5) Parte dos danos identificados na vistoria de 6 de Outubro de 1994 (e não dia 7, sendo esta a data do relatório), já constavam do auto da referida vistoria de 22 de Março de 1994, designadamente, fissuras e fendas, tendo naquele sido realçada a sua evolução no sentido do alargamento da espessura e aumento da extensão total.
o-5) A inclinação lateral de corredores localizados no 1º andar já existia antes da obra de construção do prédio, identificado em m), supra, sendo que tal inclinação não era tão notória como veio a ser verificado no dia 6-10-1994.
p-5) A fissura na fachada principal do edifício da Capitania, notada ou “descoberta” pelos peritos, em 6-10-1994, já havia sido identificada na vistoria de 22-03-1994.
q-5) De acordo com o conselho do LNEC, foram colocados selos de gesso, alguns dos quais permaneceram intactos, demonstrando não ter havido, a partir dessa altura e nesses locais, evolução danosa do edifício da Capitania, com origem nas obras do prédio vizinho.
r-5) As paredes das caves foram executadas pelas técnicas de parede moldada, com profundidade de cerca de 10 metros.
s-5) A transmissão de cargas é feita através de estacas executadas, desde a parede moldada e na direcção do estrato de arenitos finos e argilas cinzentas esverdeadas, muito compactas e rijas.
t-5) O encastramento da parede moldada aos maciços de estacas foi feita ao nível da última laje executada.
u-5) Durante a execução da laje de fundo, em Novembro de 1994, foi a fase em que se atingiu o maior volume de escavações.
v-5) Durante a escavação para a obtenção da quota da laje de fundo do edifício da “A”, a qual está, a cerca de 7 metros de profundidade, o que teve lugar entre Outubro e Novembro de 1994, atingiu-se a máxima profundidade da escavação, tendo sido colocados selos de gesso, em algumas fissuras existentes no edifício da Capitania, nos dias 3, 17 e 29 de Novembro de 1994, os quais permaneceram intactos, pelos menos, até ao dia 30 desse mês.
x-5) A parede de contenção lateral tem cerca de 10 metros de profundidade e foi executada em perfeita adequação ao solo das fundações, suficiente para suportar os esforços e tensões originados pela retirada de carga.
z-5) As ancoragens foram executadas, entre Setembro e Outubro de 1994.
a-6) De acordo com o respectivo projecto, o nível superior das ancoragens foi executado, a partir de 1,50 metros abaixo do nível do terreno, perpendicularmente, à parede de contenção, com uma inclinação de 30º, tendo um comprimento de 21 metros, sendo os últimos 9 metros a zona de selagem, propriamente dita, compreendida entre as cotas 7,50 e 12,00 metros, abaixo do nível do terreno.
b-6) O furo de ancoragem foi executado com um diâmetro de 4” (8 litros p/m.l.).
c-6) Após a execução do furo, com cerca de 21 metros, foi colocado um tubo metálico, com o diâmetro de 2”, em toda a extensão do furo e cheio de calda de cimento o espaço anelar entre o diâmetro de furacão e o tubo metálico de 2” (4 l/m.l.) .
d-6) Vinte e quatro horas depois desta operação e, através do tubo metálico, foi feita a injecção com pressão, apenas, no último terço do tubo com volumes de calda de cimento da ordem dos 20 l/m.l.
e-6) A ré “B, SA” fez uma campanha de sondagens e de estudo dos solos, antes de iniciar o seu trabalho em obra.
f-6) O edificio da Capitania é constituído por três corpos, tendo como raiz o antigo imóvel “casa dos moinhos”, ao qual foram incorporados/acrescentados, sucessivamente, em épocas diferentes; primeiro, uma casa com rés-do-chão, 1° andar e sótão e, por último, a garagem e a casa que foram acrescentadas para o lado Nascente, ocupando parte da estrutura primitiva.
g-6) Desde há várias décadas tem sido constatado o assentamento diferencial do edifício da Capitania, com mais notória incidência em algumas das suas partes.
h-6) O edificio está assente sobre uma zona lodosa em que o solo é constituído por depósitos aluvionares espessos, compostos, essencialmente, por lodos siltosos, com espessura de 20,00 a 24.50 metros.
i-6) Sob estes depósitos ocorrem formações cretáceas, constituídas por arenitos argilosos muito compactos e muito rijos em profundidade.
j-6) À data do início dos trabalhos da empreitada, levada a cabo pela ré “B, SA”, em meados de 1994, já o referido edifício da Capitania apresentava distorção da fachada sul, relativamente ao eixo vertical, com inclinação e perda de paralelismo entre os traços arquitectónicos exteriores.
l-6) Apresentava, também, perda de esquadria de algumas janelas e portas, fissuração e algumas fendas abertas nas fachadas, queda de reboco em alguns locais e algumas fendas nos lintéis, cimalhas e cornijas, bem como nas vergas de janelas e portas.
m-6) Apresentava assentamento diferencial dos apoios do edificio, com maior desenvolvimento para as fundações situadas no interior e fissuração e abaulamento do muro de suporte que margina o canal da Ria, pelo lado Sul (com assentamento na parte central).
n-6) No seu interior, o edificio apresentava fissuração em zonas de intersecção dos vários elementos estruturais interiores.
o-6) Queda e ou empolamento de reboco, devido a infiltrações de águas pluviais.
p-6) Fendas, fissuras e fendilhações ramificadas, nas paredes e no tecto e pontos de infiltrações de águas pluviais, com vestígios de humidade.
q-6) Algumas dessas humidades eram já antigas.
r-6) Existia assentamento diferencial das fundações, com maior desenvolvimento nas situadas no interior, apresentando alguns pavimentos desnivelamento notório, transmitindo distorções às respectivas paredes neles assentes.
s-6) Algumas das portas fechavam-se sozinhas, apenas por acção da gravidade.
t-6) Algumas portas e janelas, e respectivas guarnições, estavam inclinadas e empenadas.
u-6) As obras realizadas pela ré “B, SA”, consistiram:
- no reconhecimento geológico/geotécnico dos terrenos, através de sondagem;
- na execução de muros guia, com 0,73 metros de espessura;
- na escavação e betonagem de parede moldada (também designada por parede de contenção periférica), com 0,40 metros de espessura e cerca de 10,00 metros de profundidade;
- na escavação e betonagem de estacas com 1,00 metros de diâmetro;
- na construção de vigas de coroamento da parede moldada;
- na escavação geral e na execução da lage do fundo e construção da estrutura do edificio.
v-6) Os muros-guia, em betão armado, foram implantados, progressivamente, mediante a escavação de uma vala de reduzidas dimensões, faseada no tempo.
x-6) Em ordem a não permitir a descompressão superficial do aterro e o eventual deslizamento ou deslocamento e deformação dos solos confinantes, inclusive o subjacente ao “edificio da capitania”.
z-6) A parede de contenção periférica (parede moldada), em betão armado, foi implantada, delimitando o perímetro da área de construção, incluindo a zona confinante com o terreno do edificio da capitania”.
a-7) Com uma profundidade de cerca de 10 metros e espessura de 0,40 metros, acompanhando toda a área de construção vertical, abaixo da cota “0”(correspondendo aos pisos de cave e respectivas fundações do edificio da A).
b-7) Foi construída, por fases, através de painéis, sendo, imediatamente, preenchidas com betão as valas abertas para a sua implantação.
c-7) A parede de contenção foi construída com vista a evitar deslizamentos horizontais dos terrenos adjacentes.
d-7) Constituindo uma cortina de contenção do terreno e construções vizinhas.
e-7) Com vista a conseguir, dessa forma, os efeitos estabilizadores dos aterros circundantes, aquando da realização das escavações posteriores.
f-7) E foi assente sobre estacas findadas na camada inferior do aterro, compacta e dura.
g-7) As escavações gerais foram realizadas, após a construção da parede e, igualmente, por fases, sendo o leito imediatamente, preenchido com a lage de fundo em betão armado, com cerca de 0,50 metros de espessura, à medida que a extracção do aterro ia avançando.
h-7) Os tensionamentos das ancoragens foram aplicados por fases e com a carga adequada, segundo os cálculos idealizados.
i-7) O edificio de sete pisos, acima do solo, ocupado pelo BNU, situado no lado Nascente ao construido pela ré “B, SA”, porque assente sobre fundações sólidas, sobre estacas implantadas no subsolo compacto e duro, pelo mesmo processo das obras agora executados, não sofreu qualquer alteração, fendas ou fissuras, no interior ou no exterior, provocadas pelos trabalhos daquela empresa.
j-7) As obras levadas a cabo pela ré “B, SA”, iniciaram-se, em meados de Junho de 1994, tendo ficado concluídos os trabalhos de escavação e construção da laje de fundo do edifício da ré “A”, em Novembro desse ano.
l-7) O Estado manteve o contrato de arrendamento, referido em s-4), supra, para habitação do Capitão do Porto de Aveiro, após a data da entrada em juízo da petição inicial.
m-7) Tendo despendido, com o mesmo, nos meses de Janeiro a Março de 1997, a quantia de 103.700$00, em cada um dessees meses.
n-7) Bem como a quantia de 145.000$00, em cada um dos meses compreendidos entre Abril de 1997 e Março de 1998.
o-7) E a quantia de 148.335$00, em cada um dos meses compreendidos entre Abril de 1998 e Março de 1999.
p-7) E a quantia de 151.747$00, em cada um dos meses compreendidos entre Abril de 1999 e Março de 2000.
q-7) E a quantia de 155.747$00, em cada um dos meses compreendidos entre Abril de 2000 e Março de 2001.
r-7) E a quantia de 159.428$00, em cada um dos meses compreendidos entre Abril de 2001 e Março de 2002.
s-7) O pagamento do aumento da renda do mês de Abril de 2001 (3.421$00) foi efectuado, conjuntamente, com o mês de Maio de 2001.
t-7) O pagamento das rendas dos meses de Fevereiro e Março de 2002 foi efectuado no correspondentes montante em euros (€ 795,22).
u-7) Por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Defesa Nacional, datado de 8 de Janeiro de 2002, foi determinada, com efeito a partir desta data, a entrega material à Câmara Municipal de Aveiro, no estado em que se encontra, do Edifício da ex-Capitania do Porto de Aveiro, com o objectivo de permitir que a autarquia possa iniciar os trabalhos de recuperação completa do mesmo, garantindo a Câmara Municipal de Aveiro, a partir da entrega material do edifício, e até à sua transferência da propriedade, com entrega definitiva, a favor da “Sociedade Aveiro Polis, SA”, o pagamento das rendas da residência do Capitão do Porto de Aveiro, reservando, porém, o Estado, para si, todos os direitos litigiosos implícitos nesta acção – Documento de folhas 2253 e 2254.
v-7) O projecto de recuperação-reconstrução do edifício da Capitania de Aveiro foi co-financiado pelo FEDER, tendo sido comparticipados os seguintes trabalhos:
- Elaboração do Projecto de Reabilitação e Recuperação do Edifício da Capitania do porto de Aveiro, adjudicado à empresa “Silva Dias- Arquitectos, Ldª”, tendo sido comparticipado pelo FEDER o montante de €53.958,55, correspondente a 75% do custo elegível, no montante de € 71.944,73;
- Empreitada de “Reabilitação e Recuperação do Edifício da Capitania do Porto de Aveiro”, foi comparticipado pelo FEDER o montante de €960.700,77, correspondentes a 75% do custo elegível, no montante de €1.280.934,36, relativo ao contrato inicial celebrado com a empresa “Ventura & Pires – Engenharia e Construções, SA (docs. fls. 2270 a 2443).

*

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, são as seguintes:
I – A questão do montante dos danos indemnizáveis sofridos pelo autor.
II – A questão da natureza da responsabilidade pelos danos.

I

DO MONTANTE DOS DANOS INDEMNIZÁVEIS

Entende o autor que as rés devem ser condenadas a indemnizar o Estado pela totalidade do montante gasto nas obras de reforço das fundações do edifício da Capitania, no montante de 1269501,49€, e não, tão-só, na percentagem de 10%, como foi definido pela sentença, e bem assim como pelos prejuízos por este sofridos, em consequência dos danos causados na estrutura acima do solo do referido edifício, no quantitativo de 1.280.934,36€.
Revertendo ao caso em análise, importa reter, no que concerne com as obras de reforço das fundações do edifício que, no decorrer das demolições dos prédios urbanos, a que a ré “A” procedeu, desde meados de Fevereiro a meados de Março de 1994, que se constataram, logo na vistoria efectuada a 22 de Março de 1994, no edifício da Capitania, deteriorações, no exterior e no alçado lateral esquerdo, uma fissura maior, por cima da janela do 1° andar, indo até à cornija, continuando a fenda por baixo, até ao cimo da janela do rés-do-chão e, no alçado lateral direito, um ligeiro assentamento da parede e cornija do telhado, com assentamento a meio, além de algumas ligeiras fendilhações nas paredes, e, no interior do edificio, uma ligeira fenda, junto ao tecto e parede da fachada da sala de estar do rés-do-chão, ligeiro abaulamento, a meio do pavimento do quarto lateral, também, do rés-do-chão, uma fenda, no tecto da sala maior do 1° andar, uma ligeira cedência das portas da garagem, voltadas para a Avenida, havendo ainda a assinalar, em alguns compartimentos, pontos de infiltração de águas e ligeiras fendilhações, sendo estas, em maior número, nas paredes e tectos do 2° andar (torreão).
Pelo menos, algumas destas fissuras e fendilhações foram causadas pela actividade de demolição dos dois edifícios urbanos da ré “A”, bem como por acção do deslocamento de terras, ao nível das fundações do primeiro imóvel, ocasionado pela diminuição da tensão nos terrenos, devido à diminuição da sobrecarga sobre os mesmos, proporcionada pelas demolições e pela retirada dos materiais que compunham os edificios demolidos, sendo certo que esta ré não tomou quaisquer providências, no edifício da Capitania, no sentido de evitar que as demolições provocassem algumas das fissuras e fendilhações aludidas, e não procedeu ao escoramento desse edifício e à construção, nessa fase, de uma parede de contenção de terrenos, ao longo do lado nascente daquele edifício.
Com a construção do segundo imóvel da ré “A”, voltaram a ocorrer danos, no edifício da Capitania, tais como, fissuras nas paredes do mesmo, provocados, nomeadamente, pela trepidação causada pelas máquinas utilizadas, a que acresce, a partir dos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 1994, que ocorreram outras deteriorações, no edifício da Capitania, com agravamento do assentamento diferencial das suas fundações, afectando a própria estrutura do edifício.
Nessa ocasião, os técnicos da Câmara Municipal de Aveiro verificaram que os elementos construtivos estavam em mau estado geral, apresentando, nomeadamente, fissuras muito significativas, nos tectos e paredes, em diversos compartimentos, bem como a queda de parte do estuque e reboco dos tectos, e ainda, no que se reporta à estrutura do edificio, inclinações, em diversas partes do mesmo, tais como, em pavimentos interiores e paredes exteriores, com especial evidência nos vãos exteriores, não funcionando alguns deles, por falta de esquadria, a ponto de, face ao estado que o edificio apresentava e à provável evolução da sua degradação, terem proposto a evacuação do edificio, promovendo o pedido de parecer ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil sobre as condições e estruturas do mesmo e a relação entre a obra em execução e a evolução da respectiva degradação.
Nos últimos dias de Setembro e primeiros dias de Outubro desse ano de 1994, o edifício da Capitania começou a apresentar várias fendas profundas e largas, que iam aumentando, tendo, no dia 4 de Outubro, ruído parte do muro que dava para o Canal do Cojo, na zona contígua à Capitania, aumentando, igualmente, outras fendas do edificio, com relevo para as da garagem.
Em nova vistoria ao edificio, efectuada em 6 de Outubro de 1994, por técnicos da Junta Autónoma do Porto de Aveiro, constatou-se a existência de uma evolução das fissuras, notadas em 18 de Março anterior, no sentido do alargamento da espessura e do aumento da sua extensão total, bem como o incremento do número de novas fissuras e de outras patologias relacionadas com infiltrações de humidade, provocadas por aquelas fissuras, o aparecimento de fendas, localizadas nos cantos de quase todas as portas e janelas do edificio, a bem acentuada degradação da porta de duas folhas da garagem, que já nem se conseguiam movimentar, a grande inclinação lateral de corredores, localizados no 1° andar, o que não era tão notório na outra vistoria, e o aparecimento recente de uma enorme fissura, na fachada principal do edificio, que o corta, de alto a baixo, e com grande abertura, junto ao telhado, e a quebra de diversas marcas em gesso, em locais do edificio destinados a monitorizar a eventual progressão das patologias, revelador do aumento das fendas e, em alguns locais, do abatimento dos pavimentos.
Em 6 de Janeiro de 1995, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, com base na análise do relatório de uma vistoria efectuada por técnicos da Direcção de Infra-Estruturas da Marinha, em 4 de Novembro de 1994, manifestou-se no sentido de que, por motivo da execução das obras de escavação das fundações do novo edifício, situado terreno adjacente, tinham ocorrido danos estruturais, no edifício da Capitania.
Em Março de 1995, registava-se uma degradação geral da Capitania, nomeadamente, com a cedência e fissuração de paredes estruturais, bem como o agravamento da inclinação de partes do edifício, incluindo fachadas e pavimentos.
Em Agosto de 1995, o edifício ameaçava ruína, devido ao seu adiantado estado de degradação, apresentando paredes estruturais fracturadas, agravamento do assentamento das fundações e largas fissuras, nas paredes internas e externas.
No decorrer dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 1994, bem como no tempo que, posteriormente, decorreu, pelo menos, até à data da propositura da acção, não mais cessou a acelerada deterioração do edifício da Capitania.
Os danos referidos, ocorridos a partir de meados do ano de 1994, verificaram-se, no período em que a co-ré “B, SA” procedeu à realização de escavações, à construção da parede de contenção lateral dos solos, designadamente, a parte confinante com o lado nascente do imóvel do Estado, à construção das fundações do novo edificio, que possui sete pisos acima do solo, e a uma soleira do piso zero, cerca de um metro acima da cota dos edificios anteriores, tendo exigido fundações adicionadas à dupla cave, que foram executadas próximo das fundações do edificio da Capitania.
Por outro lado, a estrutura executada nas paredes da cave, no edifício da ré “A”, atinge uma profundidade, da ordem dos dez metros, e a camada do solo lodoso, no local, ultrapassa os vinte metros de profundidade, sendo certo que, em consequência da retirada da carga correspondente ao volume das escavações realizadas para execução das fundações e pisos subterrâneos do novo imóvel, resultou um movimento do solo, por descompressão, na zona de implantação do edifício da Capitania e, consequentemente, o agravamento do assentamento diferencial das fundações deste mesmo edifício, situação que agravou a sua desestabilização, determinando os danos e deteriorações referidos e o agravamento dos já existentes, acelerando o seu processo de ruína.
O referido movimento do solo, com agravamento do assentamento diferencial das fundações do edifício da Capitania, ocorreu no decurso e em resultado da execução dos trabalhos das escavações, da parede de contenção, das ancoragens e das fundações do novo edifício da ré “A”.
No período de Julho a Outubro de 1994, foram executadas as ancoragens, necessárias à sustentação da parede de contenção, construída a Poente do edificio e confinante com o lado nascente da Capitania, através da execução de orifícios no terreno, numa direcção, sensivelmente, perpendicular à parede de contenção, de modo que algumas das mencionadas ancoragens vieram a ficar, sob o edifício da Capitania, tendo depois sido introduzido naqueles orifícios um cabo de aço embainhado, o qual foi, posteriormente, injectado com calda de cimento, vindo a formar cada uma das ancoragens como que uma sapata a amparar um pilar, mas na horizontal.
No período em que foram executados alguns desses trabalhos das ancoragens, o edifício da Capitania parecia que estalava, por todo o lado, e nele apareceram grandes fendas e outras aumentaram de dimensão, tendo numa dessas alturas caído parte do tecto da casa de banho e da cozinha.
Nem a ré “A”, nem a ré “B, SA” mandaram escorar o edifício da Capitania, sendo certo que a selagem das ancoragens, em estratos com melhores características resistentes, e a prévia consolidação dos alicerces e daquele edifício poderiam ter minimizado os efeitos e danos na Capitania, causados pelas obras de construção do prédio da “A”.
Efectivamente, as demolições dos prédios urbanos da ré “A”, que tiveram lugar, a partir de Fevereiro de 1994, os deslocamentos de terras, ao nível das suas fundações, para a construção do primeiro imóvel, a trepidação das máquinas envolvidas nas operações, a falta de escoramento do edifício da Capitania e da construção, nessa fase, de uma parede de contenção de terrenos, ao longo do lado nascente daquele edifício, ocasionaram, pelo menos, algumas das múltiplas deteriorações verificadas, no seu exterior e alçados, no interior dos andares e garagem, fissuras nos tectos e paredes, em diversos compartimentos, fendilhações e infiltrações de águas, queda de parte do estuque e reboco dos tectos e o agravamento da inclinação de partes do edifício, incluindo fachadas e pavimentos.
No decorrer dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 1994, bem como no tempo que, posteriormente, decorreu, pelo menos, até à data da propositura da acção, não mais cessou a acelerada deterioração do edifício da Capitania, tendo sido proposta a evacuação do edificio, por parte dos técnicos da Direcção de Infra-Estruturas da Marinha, que, em Agosto de 1995, ameaçava ruína, devido ao seu adiantado estado de degradação, sendo certo que os danos ocorridos, a partir de meados do ano de 1994, verificaram-se no período em que a co-ré “B, SA” procedeu à realização de escavações, construção da parede de contenção lateral dos solos, designadamente, a parte confinante com o lado nascente do imóvel do Estado e a construção das fundações do novo edificio, sem que esta ré ou a “A” tenham mandado escorar o edifício da Capitania, sendo certo que a selagem das ancoragens, em estratos com melhores características resistentes, e a prévia consolidação dos alicerces da Capitania poderiam ter minimizado ou evitado os efeitos e danos neste edifício.
A regra geral, no que respeita à determinação da indemnização, corresponde ao princípio da equivalência ao montante do dano imputado, ou seja, segundo se dispõe no artigo 566º, nº 2, do Código Civil (CC), “…a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”, e isto sem prejuízo, como se diz logo no início do normativo em apreço, …”do preceituado noutras disposições”.
E uma destas disposições é, precisamente, aquela que está contida no artigo 570º, nº 1, do CC, que manda atender à culpa do próprio lesado na produção ou agravamento do dano para a fixação do montante da indemnização ou para a eventual exoneração da responsabilidade do lesante.
E isto, quer a culpa do lesado se reporte ao facto ilícito causador dos danos, como, directamente, aos danos provenientes desse facto.
A figura da concausalidade verifica-se sempre que o dano tem várias causas, simultâneas ou sucessivas Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª edição reelaborada, 2006, 781; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 588..
Quando assim seja, a lei confere ao julgador a possibilidade não só de manter ou reduzir a indemnização, mas de a eliminar, inclusivamente, de acordo com a gravidade das culpas de ambas as partes e com as consequências que delas resultaram, sendo certo que é de manter toda a indemnização, se a culpa do agente for de tal modo grave, em confronto com a actuação do lesado, que não se justifique a sua redução Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 668 e nota (259)..
Embora os actos do lesado tenham contribuído para a produção ou o agravamento do dano, inexiste acto ilícito deste, quando se não traduzam num comportamento censurável, por se não poder afirmar que tenha agido com negligência Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 667 e nota (258); em sentido contrário, Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, 1990, 409 e nota (251)..
Esta formulação legal afasta os actos do lesado que, embora constituindo concausa do dano, não mereçam um juízo de reprovação ou censura, sendo certo que só quando se prove que não adoptou a conduta exigível para evitar a produção dos danos ou o agravamento dos seus efeitos, se torna responsável, como se o dano tivesse atingido um terceiro Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª edição reelaborada, 2006, 782 e 783..
Regressando à factualidade consagrada, registe-se ainda que, em anos anteriores ao início das obras de demolição realizadas pela ré “A”, desde meados de Fevereiro a meados de Março de 1994, o autor foi efectuando, no prédio da Capitania, obras que tinham em vista a sua conservação, concretamente, para retirar o salitre e evitar infiltrações, tendo as últimas sido realizadas, anteriormente, a 1992.
Por outro lado, ficou provado que se notava, neste prédio, e desde há muitos anos, um ligeiro abaulamento, a meio do pavimento do quarto lateral do rés-do-chão, e uma inclinação, no corredor do mesmo piso, no sentido do muro nascente, deficiências estas que se mantiveram, ao longo dos anos, mas sem que fosse perceptível o seu agravamento, sendo certo que, em Setembro de 1992, a pedido do autor, a “Presmaco - Construção Civil, Ldª” realizou um orçamento relativo às reparações de que o imóvel necessitava, no valor global de cerca de 1.100 contos, consistindo tais obras, essencialmente, na substituição de telhas partidas, limpeza de calões, desobstrução de condutores e aplicação de juntas PVC, para evitar infiltrações de humidade, calafetagem de pequenas fissuras, reparação de janelas, com afinação de ferragens, colocação de vidros, reparação de canalizações e da instalação eléctrica, picagem de algumas zonas de parede, com salitre, respectivo reboco e pinturas, afinação e aplicação de ferragens, em janelas e portas.
Assim sendo, em Setembro de 1992, a cerca de ano e meio do início da demolição dos dois prédios urbanos da ré “A”, o edifício da Capitania necessitava de obras, de dimensão muito relativa, atendendo ao trinómio antiguidade do prédio, porte de grande volume arquitectónico e respectivo custo de 1100 contos, sendo as obras de mera rotina, sem que fosse perceptível o agravamento do seu estado, ao longo dos anos.
Por seu turno, em Outubro de 1994, já se verificou um alargamento da espessura e aumento da extensão total das fissuras, notadas em 18 de Março anterior, no decorrer dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 1994, não mais cessou a acelerada deterioração do edifício da Capitania, que ameaçava ruína, em Agosto de 1995, devido ao seu adiantado estado de degradação, apresentando paredes estruturais fracturadas, agravamento do assentamento das fundações e largas fissuras, nas paredes internas e externas.
Vale isto para dizer que não se provou o nexo de causalidade entre o comportamento do autor, no que concerne à manutenção do edifício da Capitania, e as obras de reforço das respectivas fundações, nem que aquele possa ser imputável, a título de negligência, a omissão da realização de obras para aquele efeito destinadas.
Ao invés, ficou demonstrado que a ré “A” não tomou quaisquer providências, no edifício da Capitania, no sentido de evitar que as demolições provocassem os danos referidos, e não procedeu ao escoramento desse edifício e à construção, nessa fase, de uma parede de contenção de terrenos, ao longo do lado nascente daquele edifício, e isto, não obstante ter assumido a responsabilidade pelos danos causados a terceiros, nomeadamente, no que respeita ao património construído e, em especial, ao edifício pertencente à Capitania, aquando do pedido de licença, formulado à Junta Autónoma do Porto de Aveiro, para construir o novo edificio, numa faixa de terreno junto ao antigo edificio da Capitania, conforme decorre do preâmbulo do respectivo alvará de licença n° 1395.
Não seria, assim, previsível, não fora a causa determinante que constituiu a actuação da ré “A”, com os trabalhos imprevidentes de demolição dos prédios urbanos, qualquer reforço significativo de actuação pelo autor, no ãmbito das fundações do edifício da Capitania.
Por isso, não há que repartir pelo autor a concausalidade no dano, não tendo o mesmo concorrido com culpa para a sua produção.
Efectivamente, o lesante é, apenas, responsável pelos danos que resultam, necessariamente, da lesão.
E, nem se diga que, desta feita, se verifica um enriquecimento injusto do autor, à custa da ré, que excede a reposição no estado anterior à lesão, ao ver alcançado um reforço substancial das fundações do edifício, enquanto que a indemnização tem por fim impedir o empobrecimento injusto, pois que tal passa por esquecer que a Capitania manteve uma das suas funcionalidades, qual foi a de servir como residência oficial do Capitão do Porto de Aveiro, o que aconteceu, até Setembro de 1995, por, a partir daí, não poder continuar a habitar o edifício, por ser já muito sério o risco da sua derrocada, e isto, sem embargo de se desconhecer a razão pela qual os serviços da Capitnia nele estiveram instalados, até por volta do ano de 1992.
Nestes termos, arbitra-se ao autor, a título de indemnização pelos danos ocorridos nas fundações do edifício, incluindo com estudos e projectos realizados, a quantia de 1269501,49€, em quanto importaram as respectivas despesas.

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Porém, o autor reclama ainda uma indemnização pelos prejuízos sofridos, em consequência dos danos causados na estrutura, acima do solo do edifício da Capitania, no quantitativo de 1.280.934,36€.
Efectivamente, neste particular, ficou provado que, apesar da empresa “Graviner-Construções, SA”, ter vencido o concurso público para a execução de todos os trabalhos que constituíam o objecto da empreitada para a recuperação do edificio da Capitania do Porto de Aveiro (2ª fase), pelo preço global de 256.123.498$00, a respectiva empreitada não lhe chegou a ser adjudicada, porquanto, por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Defesa Nacional, de 8 de Janeiro de 2002, foi determinada a entrega do edifício da Capitania, à Câmara Municipal de Aveiro, no estado em que, então, se encontrava, para ser recuperado por esta, estebelecendo-se, no mesmo despacho, que a edilidade garante, a partir desta entrega, o pagamento das rendas da residência do Capitão do Porto de Aveiro, reservando o Estado para si os direitos litigiosos implícitos nesta acção.
Em conformidade, o projecto de recuperação e reconstrução do edifício da Capitania de Aveiro foi co-financiado pelo FEDER, que comparticipou com o montante de 53.958,55€, correspondente a 75% do respectivo custo elegível, no quantitativo de 71.944,73€, na elaboração do projecto de reabilitação e recuperação do Edifício da Capitania do Porto de Aveiro, adjudicado à empresa “Silva Dias - Arquitectos, Ldª”, e com o montante de €960.700,77, correspondentes a 75% do seu custo elegível, na quantia de €1.280.934,36€, na empreitada de “Reabilitação e Recuperação do Edifício da Capitania do Porto de Aveiro”, relativo ao contrato inicial celebrado com a empresa “Ventura & Pires – Engenharia e Construções, SA”.
Entende, também, o autor que as rés devem ser condenadas a pagar todas as rendas suportadas pelo Estado, com a locação do imóvel para residência do Capitão do Porto de Aveiro, por se tratar de uma obrigação de mera garantia, que a Câmara de Aveiro assumiu, mas que não afasta a responsabilidade do Estado, sendo certo que foi este quem, na realidade, satisfez as rendas peticionadas.
Trata-se, então, de apreciar a questão do pagamento das rendas reclamadas pelo autor, como resulta das alegações da apelação, que delimitam o objecto do recurso, desde 8 de Janeiro de 2002, data da entrega do edifício da Capitania, à Câmara Municipal de Aveiro, e não, anteriormente.
Demonstrou-se, neste particular, que, por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Defesa Nacional, datado de 8 de Janeiro de 2002, foi determinada, com efeito a partir desta data, a entrega material, à Câmara Municipal de Aveiro, no estado em que se encontrava, do edifício da ex-Capitania do Porto de Aveiro, com o objectivo de permitir que esta autarquia pudesse iniciar os trabalhos de recuperação completa do mesmo, garantindo, a partir de então, e até à transferência da sua propriedade, com a entrega definitiva, a favor da “Sociedade Aveiro Polis, SA”, o pagamento das rendas da residência do Capitão do Porto de Aveiro, reservando, porém, o Estado, para si, todos os direitos litigiosos implícitos nesta acção.
A propósito da transmissão singular de dívidas, o artigo 595º, nº 1, do CC, regula, com particular destaque, a figura da assunção de dívida, que pode verificar-se, na modalidade de assunção cumulativa ou de co-assunção de dívida, hipótese em que o antigo devedor não é exonerado, assistindo-se a uma modificação subjectiva do lado passivo da relação jurídica, assumindo o terceiro a obrigação do primitivo devedor, ao lado deste, dando ao credor, não o direito a uma dupla prestação, mas o direito de obter a prestação devida, através de dois vínculos, ficando ambos na posição de devedores solidários Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 1974, 321 e 322; Vaz Serra, RLJ, 106º, 366. .
Estipula, neste particular, o artigo 592º, nº 2, do CC, que “em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado”.
Na assunção cumulativa de dívida, a que se reporta o nº 2, do artigo 592º, do CC, citado, não existe transmissão de dívida, porquanto, apenas, se junta um novo devedor ao antigo, não se exigindo o consentimento do credor quando o novo devedor se obrigue a pagar aquele, independentemente do contrato a favor deste, a menos que o credor posa ser prejudicado Vaz Serra, RLJ, 110º, 304, 306 e 307, e 111º, 42..
O regime que decorre da assunção cumulativa da dívida não é, porém, o da solidariedade perfeita, no plano interno das relações entre o novo e o primitivo devedor, pois que a dívida incide sobre um só dos devedores, e não se reparte por quotas, mas não assim, no plano externo, em que já se verificam as características típicas da solidariedade Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 1974, 339 e 340; I, 1970, 531 e 532; Leite de Campos, Contrato a Favor de Terceiro, 68..
Este regime específico de solidariedade, que se verifica na hipótede de assunção cumulativa, entre os dois devedores, exclui, além do mais, o direito de regresso contra o primitivo devedor, sendo que as relações entre os dois devedores se regulamentam pelo modo estipulado no contrato de assunção Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 2º, 1990, 116 e 117..
Porém, vigorando o regime da solidariedade perfeita, no âmbito das relações externas, qualquer dos devedores, agora na veste de credor, tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral, a cargo do responsável pelos danos originados que, assim, fica liberado para com todos, com base no disposto pelo artigo 512º, nº 1, do CC.
Além do mais, de acordo com o estipulado no contrato de assunção de dívida, em 8 de Janeiro de 2002, o autor, devedor originário, procedeu à entrega material, à Câmara Municipal de Aveiro, do edifício da ex-Capitania do Porto de Aveiro, a qual garantiu, a partir de então, e, até à transferência da respectiva propriedade, com entrega definitiva, a favor da “Sociedade Aveiro Polis, SA”, o pagamento das rendas da residência do Capitão do Porto de Aveiro, reservando, porém, o Estado, para si, todos os direitos litigiosos implícitos nesta acção.
Ora, um dos direitos litigiosos que o Estado reservou, através daquele acordo de assunção de dívida, foi, precisamente, o de demandar as rés pelo pagamento das rendas derivadas da utilização da nova residência do Capitão de Porto.
Está, por isso, estabelecida a cadeia de legitimidade que permite ao autor demandar as rés na acção, relativamente aos danos ocorridos na Capitania, após a entrega material do imóvel, à Câmara Municipal de Aveiro.
Nestes termos, atendendo a tudo o que foi dito, a responsabilidade pelas rendas vencidas, após a data da entrega material da Capitania, ascende a um montante indeterminado, à razão do duodécimo mensal, sucessivamente, em vigor, a partir de 8 de Janeiro de 2002 e até à data do fim do arrendamento em causa.

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Sustenta, igualmente, o autor que as rés devem ser condenadas no pagamento integral do montante de 35.738$00, correspondente ao custo suportado pelo Estado com a obtenção de fotocópias de especialidade.
As despesas judiciais, ou seja, as custas da parte, compreendem o que a parte haja despendido com o processo a que se refere a condenação e de que tenha direito a ser compensada, em virtude da mesma, designadamente, as custas adiantadas, as taxas de justiça pagas, a procuradoria, os preparos para despesas e gastos e as remunerações pagas ao solicitador de execução, as despesas por ele efectuadas e os demais encargos da execução, em conformidade com o preceituado pelo artigo 33º, do Código das Custas Judiciais.
Assim sendo, as despesas em causa devem, oportunamente, ser reclamadas pelo autor, se for caso disso, não devendo ser objecto de sentenciamento condenatório.

II

DA NATUREZA DA RESPONSABILIDADE PELOS DANOS

Entende a ré “B, Ldª” que não pode ser condenada, em responsabilidade civil por factos lícitos, como aconteceu, na qualidade de empreiteira, com base no disposto pelo artigo 1348°, nº 2, do CC, porquanto só o proprietário do prédio deve ser responsabilizado, a esse título, pois que o empreiteiro, apenas, poderá ser chamado a ressarcir os danos causados a terceiro, no prédio vizinho, através do regime da responsabilidade civil extracontratual, fundada em facto ilícito e na culpa, segundo o regime dos artigos 483° e seguintes, do CC.
Dispõe o artigo 1348º, nº 1, do CC, que “o proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra”, acrescentando o seu nº 2 que “logo que venham a padecer danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizados pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias”.
A responsabilidade extracontratual, que resulta da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem Antunes Varela, Das Obrigações em geral, I, 1970, 351 e 352., pode basear-se na culpa, tratando-se da responsabilidade subjectiva, ou ser independentemente dela, estando em causa a responsabilidade objectiva ou pelo risco, ou até resultar de factos lícitos causadores de danos, hipótese em que a lei não exige a culpa, nem a ilicitude da conduta do lesante, para se impor a obrigação de indemnizar.
Um dos casos excepcionais de responsabilidade civil extracontratual resultante de uma actividade lícita, em que se prescinde da ilicitude e da culpa, traduz-se na hipótese contemplada pelo já aludido nº 2, do artigo 1348º, do CC, quando impõe ao autor das obras o dever de indemnizar os proprietários vizinhos que venham a padecer danos com as mesmas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1967, 129, nota (194)..
Claro está que, se pelo autor das obras não forem tomadas as precauções devidas, a questão recoloca-se no campo da responsabilidade com base na culpa que, porém, a lei não exige Vaz Serra, BMJ, 88º, 50..
Ora, o autor da obra é o proprietário do prédio onde a mesma é feita, ao qual, em primeira linha, cabe a obrigação de indemnizar os proprietários dos prédios vizinhos STJ, de 28-5-96, CJ (STJ), Ano IV, T2, 91, BMJ nº 457, 317; RP, de 12-6-2001, CJ, Ano XXVI, T3, 216..
Isto não significa que, eventualmente, não possam existir outros responsáveis pela reparação dos danos, mas, apenas, que a «ratio legis» vai no sentido de responsabilizar, prioritariamente, aquele que, independentemente de culpa, sendo o titular do direito de propriedade, retira, por via de regra, os maiores proveitos da obra que decidiu executar, de acordo com o princípio «ubi commoda ibi incommoda».
Porém, existindo um contrato de empreitada, celebrado entre a ré “A” e a ré “B, Ldª”, deverá esta ser desonerada da responsabilidade pelos danos verificados?
Estipula o artigo 1207º, do CC, que “empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação á outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
Com efeito, o empreiteiro age sob a sua própria direcção, com autonomia, não sob as ordens ou instruções do comitente, estando, apenas, sujeito à fiscalização do dono da obra Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 1997, 864..
Contudo, esta fiscalização funciona no interesse do dono da obra, designadamente, a fiscalização dos materiais e da sua execução, muito embora tenha como fim principal impedir que o empreiteiro oculte vícios de difícil reparação, no momento da entrega Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 1997, 870.
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E, não sendo o empreiteiro mandatário do dono da obra, agindo com autonomia na sua execução, não responde, pelo menos, em princípio, pelos danos resultantes da sua execução, se os mesmos provêm de defeito do projecto ou do terreno, em que é implantada a construção, sendo antes a responsabilidade do dono da obra quando, estando em causa as escavações, a que se reporta o artigo 1348º, nº 2, do CC, derivam de circunstâncias alheias ao círculo de execução da obra.
Porém, não se podendo atribuir os danos a defeito do projecto ou do terreno ou a facto, necessariamente, ligado à execução da obra, é o empreiteiro, como seu autor, responsável pelos mesmos RP, de 21-1-77, CJ, Ano II, T2, 73..
Por outro lado, inexistindo uma relação de dependência, no contrato de empreitada, entre o empreiteiro e o dono da obra, a responsabilidade deste não pode radicar-se em critérios legais objectivos, porquanto a responsabilidade independentemente de culpa tem subjacente uma relação de dependência do comissário, em relação ao comitente, como decorre do estipulado pelo artigo 500º, do CC, o que não acontece na empreitada Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 507 e 508; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 446 e 447..
Certo é que, por seu turno, preceitua o artigo 493º, nº 1, do CC, que “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar,… responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
Porém, a obrigação de guardar a coisa não tem de ser, necessariamente, do proprietário, bem podendo pertencer ao empreiteiro, quando a tem em seu poder e a quem, por isso, incumbe a sua vigilância Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 495; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 419 e 420. .
Assim sendo, o autor da obra é quem contrata outrem para fazer uma obra, sob a sua direcção e fiscalização, ou aquele que contrata com outrem para que lhe faça a obra, por empreitada, sendo, assim, portanto, ou podendo ser, eventualmente, o autor da obra e o dono da obra duas entidades distintas.
Contudo, o empreiteiro só responde, nos termos gerais e, portanto, quando age com culpa, enquanto que o propósito do artigo 1348º, nº 2, do CC, foi o de fazer ressarcir o vizinho lesado, independentemente de culpa do autor do dano.
Revertendo ao caso em apreço, há que reconhecer que a ré “B, SA” só iniciou a intervenção na obra, com a construção das paredes de contenção das fundações, tendo efectuado uma campanha de sondagens e de estudo dos solos, antes de iniciar os trabalhos, em meados de Junho de 1994, executando-os com recurso a técnicas, normalmente, usadas, no tipo de obras em causa, de acordo com o projecto aprovado, seguindo as indicações do dono da obra e sujeita à sua permanente fiscalização, tendo ficado concluídos os trabalhos de escavação e construção da laje de fundo do edifício da ré “A”, em Novembro desse ano.
Porém, quer a ré “B, SA”, quer a ré “A”, não mandaram escorar o edifício da Capitania, tendo sido o autor quem mandou proceder ao escoramento interior de todas as lajes e elementos exteriores, em perigo de ruína.
Independentemente da falta de escoramento do edifício da Capitania, a análise crítica conjugada da globalidade dos restantes factos por que se desenvolveu a actividade da ré “B, SA”, não consente que lhe seja imputada a culpa pela produção dos danos, a que acresce o facto de destacar, se dúvidas ainda subsistissem, neste particular, mas que, também, ficou demonstrado, que a ré “A” sub-empreitou os trabalhos de demolição dos dois prédios urbanos, contíguos ao edifício da Capitania, a uma empresa especializada, a “DLdª”, que prestou os serviços constantes da respectiva factura.
Assim sendo, porque se desconhece, além do mais, o procedimento adoptado por esta empresa, na demolição dos dois prédios urbanos da ré “Concausa”, quais as práticas e regras técnicas que utilizou, não é possível, na actividade conjunta das duas entidades envolvidas nos trabalhos de demolição, estabelecer um nexo de imputação, a título de culpa, a cargo ré “B, SA”, pelos danos ocorridos, com vem pressuposto pelo artigo 483º e seguintes, do CC.
Ao invés, conforme já se disse em I, ficou demonstrada a culpa da ré “A”, na produção dos danos sofridos pelo autor, sendo certo que o dono da obra mantém com a coisa a ligação característica do proprietário, com os inerentes direitos e deveres, nomeadamente, quanto à responsabilidade pelos prejuízos, sem embargo do exercício do direito de regresso contra o empreiteiro RP, de 12-6-2001, CJ, Ano XXVI, T3, 216; RP, de 12-11-1998, BMJ nº 481, 539., no pressuposto, que constitui a nota mais característica do comitente, e que consiste na sua posição de garante da indemnização perante o terceiro lesado, e não já a oneração do seu património com um encargo definitivo Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 451. .
Procedem, assim, as alegações constantes da apelação da ré “B, SA, e, reflexamente, neste particular, da ré “C-Mundial, SA”.

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CONCLUSÕES:

I - Só quando se prove que o lesado não adoptou a conduta exigível para evitar a produção dos danos ou o agravamento dos seus efeitos, é responsável pelos mesmos, como se tivessem atingido um terceiro.
II - O autor da obra é quem contrata outrem para fazer uma obra, sob a sua direcção e fiscalização, ou aquele que contrata com outrem para que lhe faça a obra, por empreitada, sendo, assim, portanto, ou podendo ser, eventualmente, o autor da obra e o dono da obra duas entidades distintas.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar procedente as apelações das rés “B – Engenharia e Construções, SA” e “C, SA”, e, parcialmente, procedente a apelação do autor Estado Português e, em consequência, condenam a ré “A – Construção de Habitações, Ldª” a pagar ao autor Estado Português a quantia de 1269501,49€, acrescida de uma importância indeterminada, com o limite de 1.280.934,36€, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, em virtude dos danos causados na estrutura, acima do solo do edifício da Capitania, e ainda das rendas vencidas, respeitantes à casa do Capitão do Porto de Aveiro à razão do duodécimo mensal, sucessivamente, em vigor, a partir de 8 de Janeiro de 2002 e até à data do fim do arrendamento em causa, no que vier a ser liquidado, em conformidade com o estipulado pelo artigo 661º, nº 2, do CPC, acrescidas de juros de mora, às taxas anuais vigentes, nos termos referidos na sentença recorrida, a partir da data da citação, efectuada em último lugar, ou seja, em 28 de Janeiro de 1997, e até integral pagamento, no mais confirmando a sentença recorrida.

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Custas da apelação, na proporção de 2/3, a cargo da ré “A – Construção de Habitações, Ldª”, enquanto que metade da restante proporção de 1/3 ficará, provisoriamente, a cargo da mesma, fazendo-se o rateio respectivo, de acordo com a sucumbência, na execução de sentença.