Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
345/07.9JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: ESCOLHA E MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 40º,43º, 47º,70º,71ºDO CP
Sumário: 1Os princípios jurídico-penais da indispensabilidade da tutela penal e da proporcionalidade impedem que a pena seja colocada ao serviço exclusivo da eficácia pela eficácia.
2.O Estado de Direito, fundado no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, colocando a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum.
3.Assim a pena não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada.
4.A intimidação é limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica, conforme ao sentimento jurídico comum.
5.Ao remeter, no que toca à determinação concreta da multa de substituição, para o critério da determinação da pena de multa (principal) previsto no art. 47º (que por sua vez remete para o critério mais geral da art. 71º), o legislador não só afastou o automatismo da correspondência, que revogou, como quis obrigar a uma nova valoração, autónoma, dos critérios de determinação da pena concreta de substituição, tendo em vista os limites abstractos da pena de substituição, a natureza e finalidades específicas desta última.
6..Assim a determinação da multa de substituição não é automática mas deve obedecer a uma nova operação de concretização, com base nos critérios da medida concreta da pena, balizada pelos limites abstractos da pena de substituição (multa), tendo em vista os critérios definidos pelos artigos 71º e 40º do CP.
Decisão Texto Integral: I.
Após realização da audiência de discussão e julgamento, com exercício amplo do contraditório, foi proferida sentença, na qual o tribunal recorrido decidiu:
- Condenar o arguido, AA, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo art. 25º, al. a), do DL 15/93, de 22.01, conjugado com o art.21º, nº1, e com referência à tabela I-C, anexa ao referido diploma, na pena de 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de seis euros, o que perfaz o montante global de dois mil, cento e sessenta euros (€2.160,00) – pena aplicada em substituição da pena de um ano de prisão.
- Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 17º da Lei 57/98, de 18.08,determina-se a não transcrição da presente sentença nos certificados a que se referem os art.s 11º e 12º do mesmo diploma.
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Não se conformando com a sentença, dela recorre o arguido, limitando o recurso à medida da pena de multa de substituição aplicada.
Formula as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
Nestes termos, bem foi o tribunal a quo ao considerar a substituição da pena de prisão por multa, e determinando fixar o quantitativo diário perto do limite mínimo, em seis euros.
Porém e salvo o devido respeito, a pena aplicada pelo tribunal a quo é excessiva quanto aos dias de multa previstos, atendendo à situação económica do recorrente.
O recorrente dispõe do seu ordenado no valor de € 750,00, como forma de sustento.
O recorrente tem de fazer face, todos os meses, ao pagamento da prestação devida pela aquisição da sua habitação no valor de € 40,00, e da prestação de € 200,00 relativa á aquisição de viatura própria
O recorrente dispõe da quantia de € 150,00 para fazer face a todas as suas restantes despesas pessoais, como alimentação, vestuário e saúde, e às despesas da sua habitação, nomeadamente água, luz e gás.
Pelo que, mesmo requerendo a sendo deferido pelo Venerando Tribunal a quo, o pagamento da multa em que foi condenado, a prestações, devido ao imperativo legal ínsito no n.º3 do art. 47º do CP, teria que liquidar uma prestação mensal no valor de € 90,00.
O que o deixaria com apenas € 60,00 para fazer face ás supra mencionadas despesas.
Por outro lado o recorrente vê negada a possibilidade de requerer a substituição da pena de multa a que foi condenado, por prestação de trabalho a favor da comunidade, uma vez que o seu horário de trabalho lhe preenche a semana e fim-de-semana, folgando apenas à quinta-feira, o que faz com que se tornasse impossível o condenado cumprir as tarefas de que fosse incumbido neste âmbito.
O Venerando Tribunal a quo quando fixou os dias da pena de multa não ponderou devidamente os critérios apontados pelo art. 71º do C. Penal, referentes á determinação da medida da pena. Entende-se que no caso concreto, a situação social e económica do recorrente, imponha a previsão de uma pena de multa inferior à determinada, que, sem contrariar os fins da referida pena, permitisse ao recorrente pagar a multa a que foi condenado sem recorrer a terceiros.
Entende-se que a fixação dos dias de multa em número não superior a 180 dias, satisfaz de forma inequívoca, as exigências a prevenção geral e especial no caso concreto.
Só dessa forma o recorrente compreenderá a pena como uma verdadeira sanção, interiorizando que não deve, nem pode, se desviar do caminho que há alguns anos escolheu, obrigando-o a pautar a sua conduta conforme ao Direito.
No pensamento legislativo dos artigos 47º e 71º do C. Penal, está a ideia de dar realização ao princípio da igualdade de ónus e de sacrifícios, esfumando-se deste modo o maior inconveniente que se tem apontado a esta pena, o seu peso desigual para os pobres e para os ricos.
Sendo assim, este inconveniente pode ser diminuído através da operação de determinação da pena que visa adequar o quantitativo total à situação económico-financeira do condenado e aos seus encargos pessoais.
Normas jurídicas violadas: artigos 71º, n.º1 e 47º do C. Penal.
Nestes termos, deve ser julgado procedente o recurso ora interposto e alterada a douta decisão decretada pelo Venerando Tribunal a quo no que concerne à fixação dos dias de multa, com todas as devidas e legais consequências.
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Não foi apresentada resposta.
Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se pronuncia no sentido de que o recurso merece provimento, devendo a pena de substituição ser reduzida para 200 dias de multa.
*II.

1. A sentença recorrida aplicou a pena de um ano de prisão, limite mínimo da moldura abstracta (o crime é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos). Substituindo-a, depois, ao abrigo do disposto no art. 43º do C. Penal, por 360 dias de multa.
Por sua vez o recorrente, centrando a sua argumentação na sua “situação social e económica”, sem por em causa a taxa diária da multa, questiona o n.º de dias da pena de multa de substituição, questão que constitui o objecto, único, do recurso.
Para a apreciação da questão suscitada, vejamos a matéria de facto provada.
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2. A Matéria de facto provada é a seguinte:
1. No dia …/….07, após a audiência que decorreu nessa data neste Tribunal, na qual foi julgado o seu irmão, D, o arguido dirigiu-se a este último, o que foi autorizado pelos Guardas prisionais que acompanhavam D., então a cumprir pena no EPRC.
2. No momento em que se despediam, o arguido estendeu ao irmão um maço de tabaco que trazia colado um pedaço de haxixe, suficiente apenas para uma dose (vulgo “um charro) o que foi recebido por D.
3. Nesse instante, os Guardas Prisionais pediram para ver o objecto entregue, retirando-o a D, detectando o estupefaciente e retendo-o.
4. O arguido fora ao tribunal já com o intuito de entregar tal substância ao irmão, a qual havia adquirido cerca de dois dias antes, por cinco euros, na Praça da República em Coimbra.
5. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de ceder tal produto ao seu irmão D, cujas características estupefacientes conhecia, bem sabendo que tal lhe estava vedada por lei.
6. Confessou os factos integralmente e sem reservas.
7. Tem antecedentes criminais pela prática:
- em 09.11.99, de um crime de condução de veículo sem carta, pelo qual foi condenado em pena de multa;
- em 11.02.98, de um crime de dano qualificado, pelo qual foi condenado em pena de multa;
- em 27.08.00, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, pelo qual foi condenado, por decisão de 02.06.06, em pena de prisão substituída por multa.
8. O arguido foi consumidor de diversos estupefacientes, designadamente heroína, tendo feito com sucesso tratamento no CAT, e não mais tendo consumido desde há cerca de cinco anos a esta parte, para além de haxixe com frequência não diária.
9. O irmão do arguido sujeitou-se a igual tratamento, mas sofreu diversas recaídas, o que o arguido sabia.
10. O arguido considera que o haxixe é inofensivo, equiparando-o a tabaco.
11. O arguido foi determinado por sentimento de compaixão para com o irmão, sabendo que o mesmo consumia drogas frequentemente antes de ser detido, tendo para si que o mesmo continuava dependente das mesmas.
12. È trabalhador efectivo no estabelecimento onde presta serviço há cerca de dez anos e aufere mensalmente cerca de €750,00.
13. Paga mensalmente as rendas de €400,00 e 200,00, relativas a empréstimos contraídos junto de instituição bancária para aquisição, respectivamente, de habitação e viatura próprias.
14. Vive com a mãe e visita o irmão de quinze em quinze dias, mantendo com ele relação amistosa.
15. Reprovou a sua conduta e mostrou-se receoso e sensível às consequências para a estabilidade da sua vida decorrentes de uma eventual condenação.
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3. Apreciação

O crime pelo qual o arguido vem condenado (tráfico estupefacientes de menor gravidade p e p. pelo art. 25º do DL 15/93 de 23.09), é punido com pena de prisão de um a cinco anos de prisão.
Dentro daquela moldura, a sentença recorrida fixou a pena – de prisão, única prevista em abstracto – no seu limite mínimo, ou seja, 1 ano (= 365 dias) de prisão. Substituindo-a depois, ao abrigo do disposto no art. 43º do C. Penal, por 360 dias de multa.
Nada se diz quanto ao critério seguido para a correspondência encontrada entre o n.º de dias de prisão e o n.º de dias de multa que a substitui, parecendo assentar (nada diz a este respeito) na correspondência de um dia de prisão para um dia de multa, reduzindo todavia esta última, por imposição legal, para o limite máximo admissível de 360 dias, previsto no art. 47º, n.º1 do CP.
Por sua vez o recorrente, questiona o n.º de dias de multa de substituição aplicado e, por efeito dele, o quantitativo final encontrado.
Invocando, para tal, argumentos essencialmente de natureza económica - a sua “situação social e económica”.
Não discutindo o recorrente a taxa diária aplicada (€ 6,00), muito próxima, aliás, do limite mínimo aplicável (€5,00).
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A respeito da substituição das penas curtas de prisão, postulava o C. Penal, na redacção originária 1982, no então art. 43º: “A pena de prisão não superior a 6 meses será substituída pelo n.º de dias de multa correspondente (…)”.
Correspondendo assim, a cada dia de prisão, um dia de multa de substituição – num critério de conversão “automática”, paritária, entre prisão e multa.
Não obstante tratar-se de um critério claro e de fácil aplicação, mereceu a crítica de Figueiredo Dias, em 1993, (Direito Penal Português, Parte Geral II, Editorial Notícias, 1993, p. 366), dizendo que “ele é, de um ponto de vista político-criminal, errado, e acaba por originar as maiores dúvidas ou mesmo as maiores injustiças”.
Concretizando que “…se o critério de conversão é de um dia de prisão = um dia de multa, não se perceberá o significado do art. 43º-3, quando dispõe que é aplicável à multa que substituir a prisão o regime do art. 46º.” - cfr. ob cit., §§ 562.
Concluindo “que a solução deveria ser outra. Se o tipo legal multa em alternativa, o tribunal deveria remeter-se à moldura penal da multa daquele constante; se não cominasse pena de multa alternativa, o tribunal reveria remeter-se ao limite geral da multa constante do art. 46º-1, podendo justificar-se o agravamento, que como regra geral daqui poderia resultar, pela circunstância de o legislador não ter, em princípio, considerado adequada a punição com multa do tipo de crime respectivo. Dentro da moldura penal da multa assim obtida o tribunal mover-se-ia, em seguida, de acordo com os restantes critérios de medida da pena constantes do art. 46º”.
Lembrando, na umbilical referência ao sistema alemão, que “não é outra decerto, a razão pela qual o legislador alemão não prevê para estes casos qualquer critério de equivalência entre a pena curta de prisão e a multa de substituição” – cfr. ob cit., p. 367, em nota de rodapé.
Defendendo, já então, (vigorando ainda a primitiva redacção do preceito), que “a correspondência em causa não é aritmética, mas normativa”.
Ora o legislador, na revisão do C. P. de 1995, atento ao pensamento tutelar do insigne professor, alterou a redacção do preceito. Deixando de prever a correspondência automática entre prisão e multa.
Com efeito, passou a constar do art. 44º, n.º1: A pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses é substituída por outra pena não privativa da liberdade (…). É correspondentemente aplicável o disposto no art. 47º”.
A reforma de 2007 manteve a redacção introduzida em 1995, voltando, porém, o preceito, à numeração originária (art. 43º). E aumentando o limite da pena de prisão substituível de 6 meses para “prisão não superior a 1 ano”.
Assim, desde a reforma de 1995, o C.P. deixou de estabelecer a equiparação entre um dia de prisão e um dia de multa de substituição.
Resultando da evolução histórica do preceito que não pode ter outro significado que não seja o de afastar a relação de paridade, automática, entre prisão e multa de substituição consagrada em 1982 mas afastada pelo legislador de 1995.
Sendo certo que nem sempre existe total coincidência entre os limites abstractos da pena principal e da pena de substituição - como sucede, aliás, no caso dos autos.
Ao remeter, no que toca à determinação concreta da multa de substituição, para o critério da determinação da pena de multa (principal) previsto no art. 47º (que por sua vez remete para o critério mais geral da art. 71º) o legislador não só afastou claramente o automatismo da correspondência, que revogou, como quis obrigar a uma nova valoração, autónoma, dos critérios de determinação da pena concreta de substituição, tendo em vista os limites abstractos da pena de substituição, no caso a pena de multa, a natureza e finalidades específicas desta última.
Ainda que o critério seja o mesmo para determinação da pena principal e da pena de multa (art. 71º do CP. aplicável directamente à pena de prisão e aplicável, por remissão à pena de multa) não leva, necessariamente, a uma correspondência directa, muito menos automática, entre uma e outra, quer pela diferença dos limites da pena abstracta, quer pela natureza diferente e finalidades específicas que assistem a uma e outra.
Assim a determinação da multa de substituição não é automática mas deve obedecer a uma nova operação de concretização, com base nos critérios da medida concreta da pena, balizada pelos limites abstractos da pena de substituição (multa), tendo em vista os critérios definidos pelos artigos 71º e 40º do CP.
O art. 71º, nº1 do C.P estabelece o critério geral segundo o qual “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigência de prevenção”.
Critério que é precisado no nº2: “Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele”. Tais circunstâncias são exemplificadas (“nomeadamente”) nas várias alíneas do citado nº2 e reconduzem-se a três grupos ou núcleos fundamentais: factores relativos à execução do facto {alíneas a), b) e c) – grau de ilicitude do facto, modo de execução, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpam sentimentos manifestados e fins determinantes da conduta}; factores relativos à personalidade do agente {alíneas d) e f) – condições pessoais do agente e sua condição económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto}; e factores relativos à conduta do agente anterior e posterior a facto {alínea e)}.
Por sua vez o art. 40º do C. Penal (redacção introduzida pela Reforma de 95) estabelece que: 1. A aplicação da pena... visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Os princípios jurídico-penais da indispensabilidade da tutela penal e da proporcionalidade impedem que a pena seja colocada ao serviço exclusivo da eficácia pela eficácia. O Estado de Direito, fundado no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, colocando a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum. De onde resulta que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Subordinando a função intimidatória à outra função socialmente integradora. A intimidação é limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica, conforme ao sentimento jurídico comum.
A moldura penal aplicável ao caso concreto define-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente, situando-se, entre esses limites, o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social.

No caso não existe correspondência exacta entre o máximo de n.º de dias de prisão e o n.º máximo de dias de multa – 365 dias para prisão substituível (art. 43º1) e 360 dias para a multa (art. 47º). Do mesmo modo que é diferente o limite mínimo da prisão substituível (1 mês – art.44º) e da multa (10 dias – art. 47º, 1).
A sentença recorrida aplicou, em concreto, o limite mínimo da moldura abstracta da pena de prisão – um ano, dentro da moldura de 1 a 5.
Já no que toca à correspondente multa de substituição aplicou o limite máximo legalmente admissível (360 dias).
O que, tendo por base os mesmos critérios, definidos no art. 71º do CP – aplicável directamente à pena de prisão e, por remissão da remissão, à pena de multa de substituição – evidencia que chegou a soluções opostas: mínimo para a pena principal e máximo para a pena de substituição.
Critério que, pelas soluções opostas extremas a que chegou (num caso o máximo e no outro o mínimo da moldura abstracta), tendo por base nos mesmos princípios, evidencia as “graves injustiças” apontadas por Figueiredo Dias ao sistema da conversão automática. E que, como se viu, o legislador de 1995 afastou definitivamente com a nova redacção do preceito.

Com relevo para a determinação da pena de prisão (aplicável também à pena de substituição) pondera, além do mais, a decisão recorrida:
O grau de ilicitude é baixo, por referência ao âmbito da norma, atendendo à quantidade da substância detida, ao potencial de alastramento da mesma, e às especiais condições pessoais do arguido e do irmão.
A culpa situa-se igualmente num grau reduzido, atendendo sobretudo, à circunstância de o arguido ter sido consumidor diário e de ter uma percepção própria dos efeitos e consequências do haxixe num consumidor, especialmente nas concretas circunstâncias em que se encontrava o seu irmão.
A inserção sócio-familiar do mesmo, e, bem assim, a ausência de consequências de monta e de antecedentes criminais a este nível, bem como o – relativamente – longo lapso temporal entretanto decorrido - perto de dois anos militam a favor do arguido -, concorrem para reduzir as necessidades de prevenção especial. De todo o modo, e conforme já se explicitou, as necessidades de prevenção especial são sempre algo consideráveis no âmbito deste tipo de crimes por natureza.
Finalmente, cumpre frisar que são elevadíssimas as necessidades de prevenção geral, porquanto a prática deste tipo de crime é elevadíssima e tem inexoráveis reflexos ao nível da saúde pública, da pequena e média criminalidade, e também nas dimensões sócio-económicas da nossa Comunidade. Motivo pelo qual não se mostra adequado atenuar a pena apesar da baixa ilicitude (sendo certo que estamos já no âmbito do art. 25º do diploma em análise). (…) Com relevo a este nível, há que sopesar que o arguido tem diversos antecedentes criminais, englobados num determinado espaço de tempo, sendo que o seu próprio CRC corrobora o virar de página que se verificou no percurso do arguido.
Por outro lado, o mesmo mostrou-se bastante sensível e receoso de uma eventual condenação, muito por causa das responsabilidades que, na sua nova vida, assumiu.
Modo de vida que já dura, no entanto, há cerca de dez anos. (…)

Ora, perante tais fundamentos, tendo em consideração essencialmente, por um lado que o destinatário era um recluso e a acção decorreu num Tribunal, mas, por outro lado, está em causa apenas uma única dose, vulgo “charro”, de haxixe (droga “leve”), não se tendo consumado a entrega, que esta se destinava ao próprio irmão do arguido, no acto de despedida para o regresso à cadeia após o julgamento a que este tinha sido submetido, atentos os demais fundamentos invocados na sentença e a natureza da pena de substituição – pecuniária – tendo por referência os apontados critérios, tem-se por ajustada a pena de multa de substituição proposta pelo recorrente, situada no meio-termo da moldura abstracta – 180 dias.
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III.
Nos termos e com os fundamentos expostos, ainda que com base em argumentos diferentes dos aduzidos, decide-se julgar procedente o recurso, fixando-se a pena de multa de substituição aplicada nos autos em 180 (cento e oitenta) dias, à taxa diária arbitrada pelo tribunal recorrido. ----
Sem custas.