Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | HÉLDER ROQUE | ||
| Descritores: | ARRENDAMENTO OBRAS BENFEITORIAS ÚTEIS INDEMNIZAÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 01/23/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | COMARCA DA GUARDA - 1ª JUÍZO | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 216º Nº1, 342º, 349º, 351º, 1022º, 1031º B), 1038º. 1043º, 1046º, 1273º, 1275º DO CC, 11º E 13º Nº1 DO RAU, 60º Nº1 LEI 6/06, 27/02 | ||
| Sumário: | I. Cabendo ao locador a obrigação de realizar todas as reparações e outras despesas essenciais ou indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim a que a mesma se destina, estão a cargo, porém, do locatário as reparações ou despesas determinadas pela aplicação da coisa a fim diferente do convencionado, bem podendo acontecer que este se substitua àquele na feitura das obras de adaptação do locado aos fins do contrato. II. Provando-se que o locador consentiu, expressamente, na realização das obras levadas a efeito pelo locatário, tal constitui a «a cláusula de estipulação em contrário», prevista no nº1, do artigo 1046º, do CC, que afasta a equiparação deste ao possuidor de má fé. III. Quando as obras de adaptação do locado para o fim contratual convencionado tenham sido realizadas pelo locatário e hajam aumentado o valor do prédio, mas não evitem o detrimento da coisa arrendada, constituem benfeitorias úteis e não meras obras de adaptação. IV. Os factos que permitem conduzir ao conceito de detrimento devem ser demonstrados, não podendo o mesmo retirar-se, conclusivamente, das regras da experiência da vida, como mera dedução lógica, no âmbito das designadas presunções judiciais. V. Dependendo o direito de indemnização, por benfeitorias úteis, da demonstração, pelo locatário, que do levantamento das benfeitorias resulta detrimento para o locado e da oposição ao seu levantamento, por parte do dono da coisa, com fundamento em detrimento da mesma, não tendo sido formulado este pedido de levantamento, carece de base legal o pretenso direito de indemnização deduzido pelo locatário. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
“A...”, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra B... e C..., todos já bem identificados, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a pagar à autora a quantia de 20.000€, a título de indemnização, correspondente ao valor actual das benfeitorias, por si introduzidas, nas fracções autónomas, designadas pelas letras X e Z, do prédio urbano, situado na Rua Duque de Bragança e na Rua António Sérgio, na Guarda, para nelas instalar o seu estabelecimento de padaria e pastelaria, com fabrico próprio, alegando, para o efeito, e, em síntese, que, por contrato escrito, celebrado com os réus, em 10 de Fevereiro de 1998, tomou de arrendamento as ditas fracções autónomas, nas quais teve de efectuar diversas obras prévias para poder afectar as fracções aos fins do contrato de arrendamento, pois que, até então, nunca tinham sido objecto de qualquer tipo de utilização, apenas estando licenciadas para escritório ou comércio. Em Outubro de 1997, os réus autorizaram a autora a tomar posse das ditas fracções, e a dar início às obras que esta entendesse convenientes, sendo certo que, no contrato de arrendamento, nada estipularam quanto às mesmas ou sobre o pagamento dos respectivos custos, tendo a autora dispendido com a elaboração do projecto de adaptação das duas fracções e com as obras respectivas, cujos materiais nelas aplicou, a quantia global de 17.899,17€, as quais aumentaram o valor das fracções, em 17.400,37€, ascendendo o montante dos materiais, equipamentos e das obras, a 20.000€, que representa a medida do enriquecimento dos réus, porquanto o levantamento das benfeitorias implica um dano irreparável e uma diminuição do valor da coisa. Na contestação, os réus concluem pela improcedência da acção com a consequente absolvição do pedido, alegando, em suma, que, por contratos-promessa, datados de 1 de Setembro de 1997, prometeram arrendar a Virgílio Malta, sócio gerente da autora, e este prometeu tomar de arrendamento as referidas fracções, ficando estipulado que os locais se destinavam a escritórios e respectivos serviços, tendo o promitente arrendatário sido autorizado a efectuar as obras que entendesse necessárias, desde que não afectassem a segurança e estrutura externa do edifício, sendo certo que todas as benfeitorias, quer as previstas nos contratos, quer as que viessem a ser autorizadas por escrito, reverteriam a favor dos réus, sem dar lugar a qualquer indemnização, além de que, antes da celebração dos contratos-promessa, as duas fracções se encontravam em bom estado de conservação e segurança, para os fins a que se destinavam, ou seja, escritório ou comércio. Que a autora começou as obras, que se destinaram à adaptação do local ao tipo de actividade que nela pretendia exercer, antes da vigência do contrato de arrendamento celebrado com os réus, acrescentando que as instalações de água, esgotos, sanitárias, eléctricas, contra incêndios e de isolamento acústico interessam, directamente, à actividade de exploração de estabelecimento de restauração e bebidas. No início da vigência do contrato de arrendamento, já as obras estavam na fase de acabamentos, sendo certo que o referido Virgílio Malta tinha conhecimento que as executava, nos termos do estabelecido nos contratos-promessa e da autorização de 19 de Setembro de 1997. Termina com a alegação de que as duas fracções não se valorizaram e, por isso, não enriqueceram os réus, à custa da autora, pelo que não lhe assiste o direito à peticionada indemnização. Na réplica, onde conclui como na petição inicial, a autora alega, em síntese, que, apesar do clausulado nos contratos-promessa, as partes que celebraram o contrato de arrendamento, ao não fazerem constar deste qualquer previsão relativa à indemnização por benfeitorias, pretenderam que tal matéria fosse regulada pela lei geral, para além de que, quando o Virgílio Malta assinou os contratos-promessa e deu início às obras, ainda não era sócio gerente da autora. A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente e, em consequência, condenou os réus a pagar à autora uma indemnização correspondente ao valor actual que, para as fracções autónomas X e Z, referidas na alínea B) da factualidade assente, resulta do aproveitamento da baixada da instalação eléctrica exterior, dos esgotos exteriores e do sistema de extracção de fumos, a liquidar em execução de sentença, absolvendo-os, porém, do demais peticionado. Desta sentença, os réus interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª – Uma vez que as obras efectuadas nas fracções dadas de arrendamento foram de adaptação ao fim de pastelaria de pão quente e foram efectuadas por consenso, não podem ser consideradas benfeitorias, tendo presente a sua definição (Oliveira Ascenção, Direito Civil (Reais), 5a Ed., pág. 109), ou seja, não foram feitas para conservar ou melhorar a coisa - Cfr., no sentido que se vem expondo, o Ac. do STJ, de 07.12.94, BMJ 442 - 165 (173). 2ª - "Uma adaptação do local arrendado que não evite o seu detrimento", como é o caso, já que a adaptação não visou evitar o detrimento das fracções, pois, na data do arrendamento, as mesmas nunca tinham sido objecto de qualquer tipo de utilização ou uso, "nem o valorize senão para o fim de determinado arrendamento, não aproveitando a outras eventuais utilizações futuras, não constituirá benfeitoria necessária ou útil", o que igualmente se verifica no caso concreto, pois a utilização futura das fracções está limitada à instalação de pastelaria/padaria - Cfr. Ac. do STJ, de 03.06.03, in www.dgsi.pt, relator: Ribeiro de Almeida, proc. 03A1441 -, não havendo, por conseguinte, direito a indemnização, já que as obras de instalação da baixada eléctrica exterior, esgotos exteriores e sistema de extracção de fumos são de adaptação do local ao fim do contrato. 3ª - Para além das obras realizadas terem sido de adaptação do local ao tipo de serviço e fim próprio da actividade de padaria, pastelaria com fabrico próprio e venda ao público, ficou igualmente demonstrado que as fracções X e Z, antes da celebração dos contratos promessa de arrendamento, estavam em bom estado de conservação e segurança para os fins que se destinavam – escritórios ou comércio - Cfr. AA) -, o que significaria que as obras levadas a cabo foram de mera conservação destinada ao tipo de serviço próprio da actividade da autora - Cfr., neste sentido, Ac. da RE, de 26.03.98, CJ, Tomo II, pág. 273 (276, in fine). 4ª - O facto de no local não se poder exercer outra actividade que não seja a de padaria/pastelaria, sempre levaria a integrar as obras de instalação da baixada eléctrica exterior, esgotos exteriores e sistema de extracção de fumos na categoria de benfeitorias voluptuárias, adequadas apenas à satisfação dos interesses da autora e que em nada enriqueceram os réus - Cfr. Ac. do STJ, de 04.04.02, in www.dqsi.pt, relator: Sousa Inês, proc. 02B524, in fine -, sendo, por isso, insusceptíveis de indemnização face ao disposto nos Arts. 1046°, n°1, e 1273° a 1275° do CC. 5ª - A circunstância das obras que interessam directamente à exploração da indústria poderem ser levadas a cabo sem autorização do locador - Art. 34°, n°s 1 e 2, do DL n° 328/86, de 30 de Setembro, ex vi do Art. 48° do DL n° 168/97, de 4 de Julho, mostra que elas constituem obrigação e são da responsabilidade de quem exerce a profissão, por servirem exclusivamente os seus interesses profissionais, como é caso nos presentes autos, já que as obras realizadas foram de adaptação do local ao tipo de serviço e fim próprio da actividade de padaria, pastelaria com fabrico próprio e venda ao público - cfr. al. BB) -, o que tem como consequência que as despesas da baixada da instalação eléctrica exterior, dos esgotos exteriores e do sistema de extracção de fumos sempre teriam que ser suportadas pela autora e não pelos réus. 6ª - Compulsado o douto petitório verifica-se que autora se limitou a alegar o dano irreparável e uma diminuição do valor da coisa focada - cfr. Art. 64°-, nada dizendo ou alegando sobre o detrimento do prédio, pois que tal alegação – dano irreparável e diminuição do valor da coisa - nada de relevante adianta sobre o detrimento do imóvel, tendo até que considerar-se tal alegação de manifestamente conclusiva, e da matéria factual dada como assente ou da que resultou das respostas dadas à constante da douta Base Instrutória nada resulta como provado a propósito do detrimento, faltando, por isso, um dos requisitos ou pressupostos legais para que possa ter lugar o direito de indemnização por benfeitorias úteis. Acresce que, 7ª - O levantamento da baixada da instalação eléctrica exterior, dos esgotos exteriores e do sistema de extracção de fumos não importa comprovada ou notoriamente um detrimento da coisa, no caso as fracções, tal como eram antes - novas, a estrear -, visto que, para além de serem exteriores a tais fracções, ou seja, à coisa, não está comprovado que lhe diminua a utilidade que tinham antes - cfr., neste sentido, Ac. da RP, de 20.12.88, CJ, T V, pág. 206 (208, in fine).Sendo certo que, 8ª - Nem sequer se refere se a baixada da instalação eléctrica e os esgotos, sendo exteriores, estão ou não encostados às fracções e qual o material utilizado no sistema de exaustão, bem como o posicionamento desses elementos relativamente à coisa - Cfr., neste sentido, Ac. do STJ de 26/2/1992, BMJ 414, págs. 562, in fine, - para, posteriormente, se poder inferir o detrimento. Aliás, 9ª - Atendendo a que tais elementos são exteriores à coisa beneficiada, sempre seria possível o seu levantamento sem o detrimento da mesma, o que tudo exclui o direito da autora ao recebimento do valor actual que resulta do aproveitamento da baixada da instalação eléctrica exterior, dos esgotos exteriores e do sistema de extracção de fumos. 10ª - A autora, que até retirou, levando consigo, diversos materiais e inutilizou e danificou outros - cfr., nomeadamente, resposta aos quesitos 44, 46, 47 e 38 -, não alegou a existência de oposição por parte dos réus ao levantamento da baixada da instalação eléctrica exterior, dos esgotos exteriores e do sistema de extracção de fumos, com o fundamento de ele provocar o detrimento na coisa, faltando, por isso, outro dos pressupostos de que dependia também o seu direito de indemnização. 11ª - A douta sentença impugnada não poderia condenar os réus a pagar uma indemnização correspondente ao valor actual que resulta do aproveitamento da baixada da instalação eléctrica exterior, dos esgotos exteriores e do sistema de extracção de fumos por tais obras e respectivo custo não terem sido invocados no douto petitório nem se encontrarem documentalmente provados. 12ª - O valor peticionado pela autora reporta-se às benfeitorias introduzidas nas fracções autónomas, sendo estas as que foram efectuadas nos locais arrendados com a sua precisa configuração, área e aspecto interior, e não às exteriores, como sejam a baixada da instalação eléctrica, esgotos exteriores e sistema de extracção de fumos, pois estas excedem o âmbito dos locais arrendados. Assim sendo 13ª - O Tribunal "a quo" conheceu de causas de pedir e de pedido não invocados pela autora, sendo que, por isso, é nula a douta sentença impugnada - Art. 668°, n° 1, al. d), 2a parte, do CPC. 14ª - A douta sentença impugnada violou, pois, o disposto nos arts. 216°,1046°, n°1, 1036º, n°1, al. b), 1273°, n°s 1 e 2, 1275°, 479°, n°1, e 342°, n°1, do CC, 34°, n°s 1 e 2, do DL n° 328/86, de 30 de Setembro, e 660°, n°2, e 668°,n°1,al. d), 2a parte, do CPC. Nas suas contra-alegações, a autora entende que deve ser julgado improcedente o recurso, confirmando-se a douta sentença recorrida. Na sentença recorrida, declararam-se demonstrados, sem impugnação, os seguintes factos, que este Tribunal da Relação aceita, nos termos do estipulado pelo artigo 713º, nº 6, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz: A autora “A...”, encontra-se matriculada, na Conservatória do Registo Comercial da Guarda, sob o nº 1357/971204, com sede nas lojas X e Z, do Edifício Liberal, freguesia de S. Vicente, Guarda, e tem por objecto actividades hoteleiras, nomeadamente, padaria e pastelaria com fabrico próprio e venda ao público - A). Por escritura pública, lavrada no Cartório Notarial da Guarda, em 10/02/1998, exarada a fls. 65 a 66 verso do Livro 94-Guarda, B... e mulher, C..., deram de arrendamento à autora, “A...”, as fracções X e Z, correspondentes ao quinto piso lateral esquerdo, destinadas a escritório ou comércio, do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Duque de Bragança e na Rua António Sérgio, freguesia de S. Vicente, inscrito na matriz, sob o artigo 2976, pelo prazo de um ano, com início em 1 de Março de 1998, renovável, por iguais períodos de tempo - B). Mais declararam que “...o local arrendado destina-se a padaria com fabrico próprio e venda ao público”, sendo a renda mensal ajustada de 210.000$00 - C). Com fundamento na falta de pagamento de renda, de Dezembro de 2002 a Fevereiro de 2003, os senhorios, agora réus, intentaram contra a arrendatária, aqui autora, acção de despejo, que correu termos pelo 3º Juízo do Tribunal da Guarda, sob o nº 578/03.7TBGRD - D). A arrendatária pagou as rendas peticionadas e fez a entrega do arrendado, pelo que foi julgada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, a requerimento dos autores - E). E não possuíam as fracções as necessárias licenças para o exercício da actividade comercial e industrial da autora, como alvará de licença de funcionamento e alvará sanitário - F). Na data do arrendamento, as fracções X e Z nunca tinham sido objecto de qualquer tipo de utilização ou uso - G). Por contratos-promessa de arrendamento, celebrados em 01/09/1997, o réu marido prometeu dar de arrendamento a Virgílio Malta as fracções X e Z - H). Em tais contratos, os locais arrendados destinavam-se, exclusivamente, para a instalação de escritórios - I). E ficava o segundo outorgante, Virgílio Malta, autorizado a realizar as obras necessárias à adaptação do espaço arrendado à sua instalação, desde que não afectassem a segurança do edifício nem a sua estrutura interna - J). Todas as benfeitorias autorizadas pelos contratos, quer aquelas que viessem a ser autorizadas, por escrito, pelo réu marido, reverteriam a favor deste, sem que houvesse lugar a qualquer indemnização - L). A escritura pública seria feita, em nome do segundo outorgante, Virgílio, ou da sociedade comercial que este viesse a constituir, para a qual seriam transferidos os direitos e obrigações resultantes dos contratos - M). Em 19/09/97, o réu marido emitiu ao Sr. Virgílio Malta, a pedido deste, autorização escrita, em que autorizou a instalação de pastelaria de pão quente, nas fracções X e Z - N). Em 02/09/1997, o Sr. Virgílio Malta requereu à Câmara Municipal da Guarda o licenciamento de um estabelecimento comercial destinado à venda de pão, com fabrico próprio, a instalar nas fracções X e Z - O). Nos termos da memória descritiva do projecto de criação do espaço comercial, de 01/09/97, apresentado e requerido, na Câmara Municipal da Guarda, pelo Sr. Virgílio Malta, o custo das obras de construção civil de adaptação do existente às novas instalações importava em 900.000$00 - P). Nos termos da memória descritiva do aludido projecto de rede de águas e saneamento, de 23/09/97, apresentado e requerido, na Câmara Municipal da Guarda, pelo Sr. Virgílio Malta, o abastecimento seria feito, a partir da caixa do contador, instalado na fracção Z, e, na rede de esgotos, iria aproveitar-se a prumada de esgoto já existente - Q). Nos termos do projecto de instalação eléctrica, de 27/10/97, a alimentação de energia seria definida, a partir de um ramal subterrâneo, a estabelecer segundo indicação e orientação do distribuidor - R). A instalação de utilização seria estabelecida, em áreas já electrificadas, aproveitando-se a instalação existente - S). O prazo de execução das obras seria de quatro semanas - T). Em 3 de Fevereiro de 1998, o Sr. Virgílio Malta solicitou à Câmara Municipal da Guarda licença para execução de obras interiores, pelo prazo de sessenta dias, que lhe foi concedida, pela emissão de alvará de licenciamento de obras de 05/02/98 - U). Em 26/03/1998, o Sr. Virgílio Malta solicitou à Câmara Municipal a concessão de licença para o estabelecimento de padaria e pastelaria com fabrico próprio - V). Em 21/05/1998, foi formada uma comissão de peritos que procedeu à vistoria para a concessão de licença de utilização a tal estabelecimento e verificou que o mesmo reunia condições para ser licenciado - X). A Câmara Municipal veio a conceder, em 03/06/98, a Virgílio Domingues Malta, a licença para explorar um estabelecimento de bebidas, padaria e pastelaria - Z). As fracções X e Z, antes da celebração dos contratos-promessa de arrendamento, estavam em bom estado de conservação e segurança para os fins a que se destinavam – escritórios ou comércio - AA). As obras realizadas pela autora foram de adaptação do local ao tipo de serviço e fim próprio da actividade de padaria, pastelaria com fabrico próprio e venda ao público - BB). A renda mensal ilíquida das duas fracções era, em 2003, de 1.189,14€ -CC). Na data em que foram celebrados os contratos-promessa, referidos na alínea H), as fracções “X” e “Z” apresentavam-se com o respectivo espaço interior amplo, sem paredes ou divisórias, sem prejuízo das instalações sanitárias, com as paredes e tectos em estuque, pintados de branco, e não possuíam sistemas de tubagens para extracção de fumos – 1º. Os réus tinham conhecimento da necessidade de realização de obras de adaptação – 2º. E (autorizaram) que a autora tomasse posse das fracções, em Outubro de 1997, para dar início à realização das obras – 4º. A autora despendeu a quantia de 498,80€, pela elaboração do estudo e projecto da adaptação das fracções X e Z – 5º. A quantia de 2.284,86€, com infra-estruturas eléctricas – 6º. 1.035,88€, pelo ramal para alimentação – 7º. 280,68€, com a instalação de rede interna de energia eléctrica – 8º. 233,44€, com um cano inox, diâmetro 200, com chapéu para extracção de fumos – 9º. 46,69€, com um cano inox, diâmetro 200, com curva e respectivas abraçadeiras e lã de vidro – 10º. 379,86€, com dez armaduras de luzes, vinte e sete lâmpadas, 4,50 metros de rede e arame plastificados, três esticadores e três serras cravos nos tectos – 11º. 108,24€, com caixilho fixo, modelo 80X185 – 12. 77,80€, com cinco torneiras para a casa de banho – 13º. 303,72€, em equipamentos sanitários, nomeadamente, sanitas, lavatórios, urinóis e material aderente – 14º. 2.450,91€, com revestimento do chão e paredes das duas fracções com granito e azulejos – 15º. Para isolamento da fracção X despendeu 1.496,39€, com a aplicação de um tecto falso em gesso – 16º. E 149,98€, com a aplicação na fracção Z de placas pré-fabricadas, em gesso – 17º. E 224,46€, em mão de obra, com a aplicação de gesso nas paredes interiores – 18º. 439,93€, em tintas, diluentes e trinchas para pintura das paredes interiores - 19º. 207,22€, com a instalação de dois kits de emergência – 20º. 155,27€, com a aplicação de duas manilhas, em betão armado, duas caixas domiciliárias e duas tampas de saneamento – 21º. 158,09e, com três armaduras de emergência, uma lâmpada, uma farmácia, três extractores de odores e fumos e autocolantes – 22º. Para a divisão das fracções, em cozinha, salão de cafetaria e venda ao público de pão e outros produtos similares, despendeu com uma divisória com orla e porta de mogno, a quantia de 98,39€ – 23º. E 319,98€, com aro de 0,165 cm, para a porta de vaivém, um aro de 0,1 cm x 2,55 cm, com duas portas em folha de mogno, caixilho para casa de banho, porta em folha de mogno de 0,70 m com friso, uma janela com 45 x 70 cm, e guarnições laterais para portas vaivém – 24º. 74,81€, em estores laminados, com 1,43 m x 2,60, que aplicou nas janelas – 25º. 146,77€, com sacos de cimento, camarões, buchas, bisnagas de silicone, abraçadeiras em inox, tubos em inox, cola, parafusos, porcas, anilhas e casquilho em nylon – 26º. 5.835,94€, com mão de obra, pela construção da casa de banho, com assentamento de azulejo, abertura de valas, rede de canalização da rede de energia e canalização – 27º. Só após a realização das obras, pôde a autora requerer à Câmara Municipal a emissão dos alvarás sanitários e de funcionamento – 28º. As obras realizadas pela autora, nas fracções “X” e “Z”, referidas na alínea B), aumentaram o seu valor, aumento que se mantinha quando as fracções foram entregues pela autora, por força do aproveitamento da baixada da instalação eléctrica exterior, dos esgotos exteriores e do sistema de extracção de fumos, em montante não concretamente apurado, mas não superior a 17.400,37€ – 29º. O sócio gerente da autora, Virgílio Malta, tinha conhecimento dos termos dos contratos-promessa de arrendamento, referidos nas alíneas J) e L), quando eram executadas as obras de adaptação nas duas fracções autónomas – 30º. As paredes e tectos das fracções X e Z, antes da celebração dos contratos-promessa de arrendamento, em 01/09/1997, eram, em estuque, pintado de branco – 31º. As fracções possuíam infra-estruturas, eléctricas e telefónicas, gerais, e, cada uma delas, instalação sanitária – 32º. E ramal de alimentação eléctrica do edifício urbano, onde se situam ligação e tomadas de captação de energia eléctrica – 33º. As paredes e chão dos sanitários encontravam-se revestidos, a azulejo e mosaico, com os tectos em estuque pintado de branco – 34º. As casas de banho possuíam sanitas, lavatórios e bidés e estavam apetrechadas com torneiras – 35º. Possuíam condutas adutoras de efluentes e caixas domiciliárias – 36º. As fracções X e Z, dadas de arrendamento, foram-se degradando com o uso e utilização pelo público e empregados – 37º. A autora entregou as fracções com alguns dos cabos eléctricos da rede interna cortados – 38º. A substituição da rede interna de esgotos, com a consequente remoção da tubagem abaixo do pavimento, obrigou, também, à remoção da tubagem por onde passavam os fios eléctricos, colocada, também, abaixo do pavimento, assim inutilizando a instalação eléctrica interna – 39º e 40º. O que obrigou à colocação de nova instalação eléctrica interior – 41º. O que implicou o rebentamento e substituição de todo o piso – 42º. A parede interna que dividia as duas fracções e as paredes das casas de banho foram demolidas e, depois, reconstruídas, para instalação das novas redes de água e esgoto – 43º. Quando a autora entregou as duas fracções, nestas não existiam as lâmpadas de emergência e respectivas armaduras – 44º. Quando a autora entregou as duas fracções, alguns interruptores e tomadas encontravam-se danificados e outros arrancados – 45º. Arrancou e levou os quadros eléctricos por ela colocados, em cada uma das fracções – 46º. A autora entregou a fracção “Z”, com o respectivo quadro eléctrico de origem inutilizado – 47º. As torneiras das casas de banho apresentavam as marcas do seu uso - 48º. E faltavam algumas torneiras nas casas de banho – 49º. A rede de esgotos estava entupida e deteriorada, o que implicou a sua substituição – 50º. A pintura dos tectos e paredes e o estuque estavam degradados e amarelecidos, pelo uso e pelo decurso do tempo – 51º e 52º. As fracções foram dadas de arrendamento, divididas e separadas por parede interior – 53º. Quando a autora entregou as duas fracções, a porta de comunicação entre ambas estava empenada – 54º. Quando a autora entregou as duas fracções, as portas das casas de banho e respectivas guarnições apresentavam algumas manchas – 55º. Quando a autora entregou as duas fracções, os estores laminados encontravam-se com os fios rebentados e com algumas lâminas vergadas e outras partidas – 56º. O réu deu de arrendamento as fracções “X” e “Z”, em 1 de Junho de 2003, à sociedade “A...”, mediante a renda mensal de 1.246,99€, sendo 748,20€, pela fracção “Z”, e 498,80€, pela fracção “X” – 58º. A arrendatária, “A...”, gastou em obras de divisão, electricidade, canalizações, pavimento, revestimentos de paredes, tectos falsos e iluminação, nas fracções “X” e “Z”, cerca de 40.000€ – 59º. * Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir. As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, são as seguintes: I – A questão da qualificação das obras realizadas pela locatária. II – A questão da indemnização. I DA NATUREZA DAS OBRAS REALIZADAS PELO LOCATÁRIO Pretende a autora, com a presente acção, a condenação dos réus, senhorios do prédio dado em locação aquela, no pagamento de uma quantia, a título de indemnização, por alegadas benfeitorias que efectuou no mesmo, a fim de nele instalar um estabelecimento de padaria e pastelaria, com fabrico próprio. Diversamente, os réus sustentam a falta de fundamento do direito à peticionada indemnização, porquanto a pretensão da autora contende com obras de adaptação, que não valorizaram o locado e, por isso, não enriqueceram os réus, à custa daquela. A este propósito, demonstrou-se que os réus, com início em 1 de Março de 1998, deram de arrendamento à autora duas fracções do seu prédio, afectas a escritório ou comércio, pelo prazo de um ano, mediante a renda mensal de 210.000$00, declarando que o local se destinava a padaria, com fabrico próprio e venda ao público, não possuindo as fracções as necessárias licenças para o exercício da actividade comercial e industrial da autora, como alvará de licença de funcionamento e alvará sanitário, sendo certo que, até então, nunca tinham sido objecto de qualquer tipo de utilização ou uso. Aliás, por contratos-promessa de arrendamento, celebrados em 1 de Setembro de 1997, o réu marido havia prometido dar de arrendamento a Virgílio Malta ou à sociedade comercial que este viesse a constituir, as aludidas fracções, neles se fazendo constar que os locais arrendados se destinavam, exclusivamente, a escritórios, muito embora esse último ficasse autorizado a realizar as obras necessárias à adaptação do espaço arrendado à instalação de padaria e pastelaria, desde que não afectassem a segurança do edifício, nem a sua estrutura interna, e neles se previssem que todas as benfeitorias consagradas pelos contratos-promessa, quer aquelas que viessem a ser autorizadas, por escrito, pelo réu marido, reverteriam a favor deste, sem que houvesse lugar ao pagamento de qualquer indemnização. As fracções X e Z, antes da celebração dos contratos-promessa de arrendamento, estavam em bom estado de conservação e segurança, para os fins de escritórios ou comércio a que se destinavam, apresentando-se com o respectivo espaço interior amplo, sem paredes ou divisórias interiores, com as paredes e tectos em estuque, pintados de branco, com as paredes e chão dos sanitários, revestidos a azulejo e mosaico, as casas de banho apetrechadas com sanitas, lavatórios, bidés e torneiras, com ramal de alimentação eléctrica do edifício urbano, onde se situam a ligação e tomadas de captação de energia eléctrica, com infra-estruturas eléctricas e telefónicas gerais, a cada uma delas, e ainda condutas adutoras de efluentes e caixas domiciliárias, embora não possuíssem sistemas de tubagem para extracção de fumos. As obras realizadas pela autora foram de adaptação do local ao tipo de serviço e fim próprio da actividade de padaria e pastelaria com fabrico próprio e venda ao público, sendo certo que os réus tinham conhecimento da necessidade de realização de obras de adaptação e autorizaram a autora a tomar posse das fracções, em Outubro de 1997, para dar início à sua execução. As obras realizadas pela autora, nas fracções, aumentaram o seu valor, em montante não, concretamente, apurado, mas não superior a 17.400,37€, por força do aproveitamento da baixada da instalação eléctrica exterior, dos esgotos exteriores e do sistema de extracção de fumos, aumento esse que se mantinha quando as fracções foram entregues pela autora aos réus. Porém, a autora entregou as fracções com alguns dos cabos eléctricos da rede interna cortados, inexistindo as lâmpadas de emergência e respectivas armaduras, alguns interruptores e tomadas encontravam-se danificados e outros arrancados, sem os quadros eléctricos, por si colocados, em cada uma das fracções, que arrancou e levou, com o quadro eléctrico de origem da fracção “Z”, inutilizado, faltando algumas torneiras nas casas de banho, o que implicou a sua substituição, com a porta de comunicação empenada, com manchas nas portas das casas de banho e respectivas guarnições, com os fios dos estores laminados rebentados e com algumas lâminas vergadas e outras partidas. Por outro lado, a rede interna de esgotos estava entupida e deteriorada, o que implicou a sua substituição, com a consequente remoção da tubagem abaixo do pavimento, incluindo aquela por onde passavam os fios eléctricos, com a necessidade de colocação de nova instalação eléctrica interior, o que determinou o rebentamento e substituição de todo o piso e a demolição da parede interna que dividia as duas fracções e das paredes das casas de banho, com a sua posterior reconstrução, para instalação das novas redes de água e esgoto. Entretanto, em 1 de Junho de 2003, o réu deu as fracções de arrendamento, à sociedade “A...”, que gastou em obras de divisão, electricidade, canalizações, pavimento, revestimentos de paredes, tectos falsos e iluminação, cerca de 40.000€. Estabelecendo o artigo 216, n°1, do Código Civil (CC), o conceito de benfeitorias, como sendo «todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa», não define, porém, aquelas que, no âmbito do estipulado pelos artigos 1022º e 1031º, b), do mesmo diploma legal, devem ser realizadas pelo locador para assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que a mesma se destina. Quer isto dizer que, conjugando esta obrigação imposta ao locador com as obrigações próprias do locatário, a que alude o artigo 1038º, em especial, com o dever de manutenção e restituição da coisa locada, tal como o definem os artigos 1043º e seguintes, impõe-se concluir que o locador é obrigado a realizar todas as reparações e outras despesas essenciais ou indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim a que a mesma se destina, sob pena de faltar, culposamente, ao cumprimento da sua obrigação e de se tornar responsável pelos prejuízos causados ao arrendatário, nos termos das disposições combinadas dos artigos 798º e 564º, todos do CC, mas, por outro lado, que estão a cargo do locatário as reparações ou despesas determinadas pela aplicação da coisa a fim diferente do convencionado1. Porém, sobre o arrendatário não incide o dever de proceder a reparações ou despesas essenciais ou indispensáveis ou de efectuar os correspondentes pagamentos, porquanto se trata de uma faculdade concedida no seu interesse, e não de um dever imposto ao locatário, no interesse do locador2. Aliás, só na ausência de estipulação contratual em contrário, impenderá sobre o senhorio a responsabilidade pela realização das obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, sendo certo que o arrendatário apenas poderá executar aquelas que o contrato faculte ou quando seja autorizado, por escrito, pelo locador, atento o disposto pelo artigo 1046º, nº 1, do CC, e este último só será obrigado a realizá-las, salvo havendo acordo escrito nesse sentido, se a sua execução lhe for ordenada pela Câmara Municipal competente, face ao estipulado pelos 11º e 13, nº 1, do Regime do Arrendamento Urano, aplicável por força do estipulado pelo artigo 60º, nº 1, da Lei nº 6/06, de 27 de Fevereiro3. A autorização dos réus senhorios quanto à realização, pela autora inquilina, por iniciativa e para uso exclusivo e benefício desta, de obras de adaptação do locado para o exercício da actividade de padaria, pastelaria com fabrico próprio e venda ao público, a que, contratualmente, se destinava, quer significar que aqueles cumpriram a obrigação de assegurar o gozo da fracção, no âmbito e para os fins do contrato, a que aludem os artigos 1022º e 1031º, b), do CC, através da autora, que se lhes substituiu na feitura das obras de adaptação das fracções para os fins do contrato. Estipula, por seu turno, o artigo 216º, nº 3, do CC, a propósito das várias modalidades de benfeitorias, que “são benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentem, todavia, o valor; e voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante”. A isto acresce, nos termos do preceituado pelo artigo 1046º, nº 1, que, não se tratando da hipótese de o locador se encontrar em mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas, ou da existência de estipulação em contrário, “…o locatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada”, com a consequência imposta pelo artigo 1273º, nº 1, de o possuidor de má fé ter “direito a ser indemnizado das benfeitorias necessárias que haja feito, e bem assim como a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela”, acrescentando o artigo 1275º, nº 2, todos do CC, que o possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito4. Porém, tendo-se provado que os réus consentiram, expressamente, na realização das obras levadas a efeito pela autora, tal constitui «a cláusula de estipulação em contrário», prevista no já aludido nº 1, do artigo 1046º, do CC, que, consequentemente, afasta a equiparação do locatário ao possuidor de má fé5. Entretanto, em 1 de Junho de 2003, o réu deu as fracções de arrendamento, à sociedade “A...”, que gastou em obras de divisão, electricidade, canalizações, pavimento, revestimentos de paredes, tectos falsos e iluminação, cerca de 40.000€. Efectivamente, a autora levou a cabo, por sua iniciativa e para seu exclusivo benefício, mas com autorização dos réus, obras de adaptação do locado dos fins de escritórios ou comércio a que se encontrava afecto, para o exercício da actividade de padaria, pastelaria com fabrico próprio e venda ao público, a que, contratualmente, se destinava, sendo certo que as aludidas obras aumentaram o seu valor, em montante não, concretamente, apurado, não superior a 17.400,37€, mas, tão-só, por força do aproveitamento da baixada da instalação eléctrica exterior, dos esgotos exteriores e do sistema de extracção de fumos, aumento esse que se mantinha quando as fracções foram entregues pela autora aos réus. Afastando-se, terminantemente, do conceito de benfeitorias necessárias as despesas realizadas pela autora, porquanto estas têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, o que não se regista, no caso concreto, também é de rejeitar a sua qualificação como benfeitorias voluptuárias, uma vez que se provou que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, aumentaram, porém, o valor locativo do imóvel. Contudo, a sua qualificação como benfeitorias úteis, enquanto «tertium genus» da categoria legal em presença, não resulta, sem mais, por exclusão de partes. Com efeito, a adaptação do locado, pelo inquilino, devidamente autorizado pelo senhorio, para o fim contratual convencionado, nem sempre é incompatível com a noção de benfeitoria, a qual, aliás, contrariamente à acessão, pressupõe uma relação ou vínculo jurídico que liga o seu autor à coisa beneficiada6. Porém, quando a adaptação do arrendado não evite o seu detrimento, nem o valorize senão para o fim de determinado arrendamento, não aproveitando a outras eventuais utilizações futuras, não constituirá benfeitoria, necessária ou útil, mas mera obra de adaptação, sendo certo que só quando, simultaneamente, evite o detrimento da coisa arrendada e a valorize, constitui adaptação do objecto para o fim contratual e, igualmente, benfeitoria. Ora, no caso «sub júdice», as obras realizadas pela autora aumentaram o valor do locado, por força do aproveitamento da baixada da instalação eléctrica exterior, dos esgotos exteriores e do sistema de extracção de fumos, valorizando-o, outrossim, quer para o arrendamento em análise, quer para o arrendamento subsequente, já acordado e em vigor, desde 1 de Junho de 2003, com a sociedade “A...”. Assim sendo, trata-se de uma situação de benfeitorias úteis e não de meras obras de adaptação, cabendo à autora, se impossibilitada de as levantar, sem detrimento da coisa, o direito a ser indemnizada pelo seu valor, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1273º, nºs 1 e 2 e 473 nº 1, do CC7. II DA INDEMNIZAÇÃO
Constituindo requisitos, essencialmente, integrantes do direito à indemnização por benfeitorias úteis, invocado pela autora, a valorização do locado, o custo das despesas efectuadas, o seu valor actual e a deterioração da coisa com o levantamento das benfeitorias8, ficaram demonstrados os três primeiros, mas não já, ainda que alegado, o pressuposto da deterioração da coisa com o levantamento das benfeitorias, cujo ónus aquela competia, como facto constitutivo do direito a que se arroga, nos termos do estipulado pelo artigo 342º, nº 1, do CC. A sentença recorrida, certamente tendo em conta a regra da experiência baseada no senso comum, mas fora dos quadros da prova produzida, considerou, a este propósito, que as instalações, eléctrica e de esgotos, e os equipamentos sanitários, pela sua própria natureza, não podiam ser levantados pela autora, sem que isso não causasse detrimento para as fracções. Porém, os factos que permitiriam conduzir ao conceito de detrimento teriam que ser demonstrados, não podendo o mesmo retirar-se, conclusivamente, das regras da experiência da vida e do que é normal acontecer, por forma a chegar-se à sua demonstração, como mera dedução lógica, no âmbito das designadas presunções judiciais ou naturais. E isto, além de que a presunção não elimina o ónus da prova, mas antes altera o facto que ao onerado incumbe demonstrar, ou seja, em vez do facto presumido, teria de provar a realidade do facto que serve de base à presunção, nos termos do disposto pelos artigos 349º e 351º, do CC. Se o levantamento ocasiona detrimento para o prédio, o que é distinto do detrimento das benfeitorias, propriamente ditas, depende da natureza das obras, dos materiais utilizados, do tipo de construção, interior ou exterior, do estado anterior das fracções, antes das obras de ampliação em causa, tudo isto contendendo com a matéria de facto e não com juízos de valor susceptíveis de se retirarem, por ora, da restante prova produzida. E nem sequer o detrimento se traduz num facto notório, porquanto, como já se salientou, não se refere às benfeitorias, mas antes ao prédio que se pretendeu favorecer, sendo certo que o seu levantamento poderá causar e causa, seguramente, prejuízos à construção beneficiadora, mas já não é inequívoco que os possa originar em relação às fracções melhoradas9. Certo é que a autora invocou, no artigo 64º da petição inicial, que “…o levantamento das…obras de infra-estrutura eléctricas, os ramais de alimentação, as obras de saneamento…, implica um dano irreparável…”. Porém, para além de não precisar se esse dano se refere ao prédio ou antes às benfeitorias efectuadas, mesmo a admitir-se que se reporta aquele, por comodidade de raciocínio, ainda assim não se justifica a anulação oficiosa da decisão proferida em 1ª instância, com vista à ampliação da matéria de facto, com fundamento no disposto pelo artigo 712º, nº 4, do CPC. Assim sendo, não tendo a autora provado que do levantamento das benfeitorias resultava detrimento para o locado, não goza do direito de exigir dos réus o pagamento da indemnização pelo seu valor. Contudo, admitindo-se, por mera hipótese académica, que viesse a demonstrar esse pressuposto, através da ampliação da matéria de facto, então importaria atender que a autora não formulou o pedido de levantamento das benfeitorias. Por seu turno, tendo os réus, na contestação, deduzido oposição ao pedido de indemnização formulado pela autora, tal implicaria o reconhecimento do direito ao levantamento das benfeitorias, o que, aliás, não vem pedido na acção. Ora, dependendo o direito de indemnização, por benfeitorias úteis, da oposição ao seu levantamento, por parte do dono da coisa, com fundamento em detrimento da mesma, não tendo sido formulado este pedido de levantamento, também os réus a ele se não poderiam opor e, assim, carece de base legal o pretenso direito de indemnização formulado pela autora10. Procede, assim, em parte, a apelação, embora, parcialmente, com fundamentação diversa da invocada pelos réus. * CONCLUSÕES: I – Cabendo ao locador a obrigação de realizar todas as reparações e outras despesas essenciais ou indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim a que a mesma se destina, estão a cargo, porém, do locatário as reparações ou despesas determinadas pela aplicação da coisa a fim diferente do convencionado, bem podendo acontecer que este se substitua aquele na feitura das obras de adaptação do locado aos fins do contrato. II – Provando-se que o locador consentiu, expressamente, na realização das obras levadas a efeito pelo locatário, tal constitui «a cláusula de estipulação em contrário», prevista no nº 1, do artigo 1046º, do CC, que afasta a equiparação deste ao possuidor de má fé. III – Quando as obras de adaptação do locado para o fim contratual convencionado tenham sido realizadas pelo locatário e hajam aumentado o valor do prédio, mas não evitem o detrimento da coisa arrendada, constituem benfeitorias úteis e não meras obras de adaptação. IV - Os factos que permitem conduzir ao conceito de detrimento devem ser demonstrados, não podendo o mesmo retirar-se, conclusivamente, das regras da experiência da vida, como mera dedução lógica, no âmbito das designadas presunções judiciais. V - Dependendo o direito de indemnização, por benfeitorias úteis, da demonstração, pelo locatário, que do levantamento das benfeitorias resulta detrimento para o locado e da oposição ao seu levantamento, por parte do dono da coisa, com fundamento em detrimento da mesma, não tendo sido formulado este pedido de levantamento, carece de base legal o pretenso direito de indemnização deduzido pelo locatário. * DECISÃO: Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar procedente a apelação, embora, em parte, com fundamentação diversa, e, em consequência, revogam a sentença recorrida, na parte em que condenou os réus no pagamento à autora de uma indemnização correspondente ao valor actual que, para as fracções autónomas X e Z, referidas na alínea B) da factualidade assente, resulta do aproveitamento da baixada da instalação eléctrica exterior, dos esgotos exteriores e do sistema de extracção de fumos, a liquidar em execução de sentença, absolvendo os réus deste pedido formulado pela autora, no mais confirmando a decisão apelada. *
Custas, a cargo da autora. * Notifique. |