Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2944/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
RESOLUÇÃO
OBRIGAÇÃO DE TERCEIRO
Data do Acordão: 01/25/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 406.º; 793.º, N.º 2; 799.º, N.º 1; 801. N.º 2; 802.º, N.º 1 E 808.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Outorgado um contrato de promessa, fica o promitente vendedor adstrito ao dever de contratar; a uma prestação de facto positiva.
2. Dependendo a marcação da escritura do facto do promitente vendedor lograr obter a aprovação dum projecto construtivo, pendente na Câmara Municipal, o objecto mediato do contrato promessa é não apenas o imóvel, mas o imóvel acompanhado dum concreto projecto construtivo devidamente aprovado.

3. Dependendo a realização da prestação do facto dum terceiro, que não está vinculado pelo contrato promessa, e competindo ao promitente vendedor diligenciar no sentido do cumprimento, não deve considerar-se resolvido o contrato promessa e devolvido o sinal em dobro, se o promitente comprador não promoveu a fixação de um prazo razoável, nos termos do artigo 808.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório
“A...”, com sede na Rua dos Bombeiros Voluntários, n.º 9, rés-do-chão, Pombal, intentou contra “B...”, com sede no Largo do Carvão, n.º 8, 1º - Esquerdo, Figueira da Foz e “C...”, com sede no Largo do Carvão, n.º 8, 1º - Esquerdo, Figueira da Foz, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo que: -
--- se condene a Ré “B...” a ver judicialmente resolvido o contrato promessa de compra e venda alegado, por incumprimento culposo a tal Ré imputável;
--- se condene a mesma Ré a entregar o dobro do sinal prestado pela Autora, ou seja, a quantia de 100.000.000$00 – € 498.797,90 –, acrescido de juros moratórios à taxa legal, desde a sua constituição em mora - 31/05/00 - vencidos, no valor de € 116.596,89 e vincendos, à taxa diária de € l63,99, até efectivo pagamento e, ainda, dos compulsórios, após o trânsito da decisão condenatória, até integral pagamento;
--- se condene ambas as Rés a reconhecer que a compra e venda entre ambas celebrada, posteriormente ao contrato promessa, é simulada e, por conseguinte, nula e de nenhum efeito; -
Caso assim se não entenda e, a título subsidiário; -
--- se condenem as Rés, solidariamente, a indemnizar a Autora pelos danos causados com a sua conduta, na quantia de 100.000.000$00 – € 498.797,90 – acrescida de juros moratórios até efectivo pagamento e de compulsórios desde o trânsito até integral pagamento;
--- Em qualquer das situações (condenação no pedido principal ou no pedido subsidiário), a condenação das Rés a reconhecer ser a Autora legítima possuidora do prédio rústico identificado no art. 7º da petição inicial.
Para tanto alega que celebrou com a 1ª Ré um contrato-promessa, em 24/01/2000, nos termos do qual prometeu comprar (e a 1.ª Ré prometeu vender) um prédio rústico com o objectivo de nele construir um bloco habitacional com 30 fogos; e que, nos termos desse contrato, a correspondente escritura pública deveria ser celebrada até ao final do mês de Maio desse ano e logo que o projecto de construção estivesse aprovado. Ora, a 1ª Ré (ainda) não notificou a Autora para outorgar a escritura por sua culpa uma vez que descurou o processo de licenciamento camarário.
Por outro lado, alega que a 1ª e a 2ª Rés ficcionaram (simularam) a compra e venda do referido prédio tendo em vista prejudicar a Autora – pelo que ambas lhe causaram danos.
As RR. contestaram, apresentando articulados próprios e autónomos.
A 1ª Ré nega qualquer culpa no retardamento da aprovação do projecto, alegando que sempre correspondeu às solicitações e exigências da Câmara Municipal (descrevendo os trâmites que o processo tem percorrido e que, segundo invoca, são do conhecimento da Autora); e que a Câmara Municipal condicionou a aprovação do projecto de construção ao ordenamento de toda a área circundante – envolvendo vários proprietários que rejeitaram tais exigências. Assim, em Maio de 2001, a Câmara notificou a Ré dando-lhe conhecimento que mantinha o indeferimento do processo e que iria proceder ao seu arquivamento – pelo que sustenta que há uma “impossibilidade legal de concretização do objecto do contrato”. No mais, nega qualquer simulação, uma vez que pura e simplesmente não existe qualquer contrato de compra e venda.
Em consequência, em reconvenção, pede 1) a declaração de nulidade do contrato-promessa outorgado; e 2) a condenação da Autora como litigante de má fé, em multa e indemnização que inclua os honorários do mandatário (no valor de € 5000) e na reparação dos restantes prejuízos (passados e futuros).
A 2ª Ré nega, em absoluto, a existência de qualquer escritura de compra e venda relativa ao referido imóvel, considerando que tal alegação decorre de pura imaginação e invenção da Autora. Conclui pela improcedência da acção e pela condenação da Autora como litigante de má fé (nos termos idênticos aos expressos pela 1ª Ré).
A Autora respondeu, pugnando (também) pela condenação das Rés como litigantes de má fé – em multa e indemnização.

Foi proferido o saneador, em que – com fundamento em a pretensão formulada pela R. contra a A ser uma consequência da excepção peremptória invocada – se decidiu não se admitir a reconvenção; decisão com que a R. B... se conformou.

Realizada a audiência, a Mm.º Juiz julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo as Rés do pedido; e, condenando a A, como litigante de má fé, na multa de 10 (dez) U.C. – e em indemnização a favor das Rés, a fixar nos termos do art. 457º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Inconformada com tal decisão, interpôs a Autora recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a acção procedente.

Termina a sua alegação com as seguintes conclusões que, atenta a forma excessiva e prolixa como se encontram redigidas Em desrespeito ao disposto no art. 690.º, n.º 1, do CPC que manda que o recorrente conclua “de forma sintética”, aqui se mencionam tão só em resumo:

1.ª - Invoca ter sido cometida a nulidade, que classifica de principal, consistente em a audiência de discussão e julgamento não haver sido gravada.

2 ª - Invoca o vício de falta de fundamentação da matéria de facto, traduzido em, da leitura, análise e interpretação da fundamentação, não se vislumbrar consignado o raciocínio lógico-dedutivo e crítico do pensamento do M.º Juiz; apresentando-se a fundamentação de forma global e genérica e não de forma especificada, para cada um dos factos constantes da Base Instrutória.

3.ª - Invoca terem sido mal respondidos, em face da prova produzida, diversos “quesitos”; respostas cuja alteração suscita e solicita.
4.ª - Invoca existir “deficiência, obscuridade e mesmo contradição” entre as respostas aos quesitos 11. e 16.º e a matéria assente nas alíneas E) e F).
5.ª - Invoca o incumprimento, imputável à R., e a resolução do contrato promessa.
6.ª - Invoca a nulidade do contrato promessa.
7.ª - Invoca o direito de retenção sobre o prédio prometido.
8.ª - Invoca que, em face da factualidade provada, não pode ser considerada como litigante de Má-fé

As RR. responderam, terminando as suas contra-alegações sustentando, em síntese, que não ocorrem quaisquer nulidades, vícios, deficiências ou erros de julgamento, devendo a sentença ser mantida na íntegra.

II – “Reapreciação” da decisão de facto
Como questão prévia à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação da apelante (art. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC) – analisar as quatro seguintes questões por ela colocadas a este tribunal:

Quanto à nulidade consistente em a audiência de discussão e julgamento não haver sido gravada:

Diz a recorrente que “pese embora, por lapso, aquando da observância do 512.º do CPC, a gravação não tenha sido requerida pelas partes, certo é, ter-se sempre a ideia de o Tribunal, oficiosamente, por sua determinação, proceder à sua gravação”
Mais refere que, “quando a realização da audiência final, em processo comum ordinário for realizada por juiz singular, a audiência final terá de ser sempre gravada, ainda que não seja requerido pelas partes”
Acrescenta mesmo que “o sentido e espírito” do art. 512.º, n.º 1, é o de a parte “poder optar por a audiência final ser realizada e julgada por Juiz Singular, sendo a mesma gravada, ou com intervenção de Colectivo, sem gravação”
Daí que, quanto a esta questão, conclua que, “tendo o julgamento sido realizado por Juiz Singular, sem gravação da audiência final, foi cometida uma nulidade principal, que, à cautela, desde já arguiu”.
É de todo evidente, salvo o devido respeito, que não assiste qualquer razão à recorrente.
Da economia do art. 646.º do CPC – na redacção vigente Resultante do DL 183/2000, de 10-08. – resulta que o julgamento de uma acção ordinária apenas é feita com intervenção de tribunal colectivo se ambas as partes tiverem requerido tal intervenção (art. 646.º, n.º 1); ao invés, caso nenhuma das partes ou só uma das partes haja requerido tal intervenção, o julgamento é feito, singularmente, pelo juiz que a ele deveria presidir, se a intervenção do colectivo tivesse lugar (art. 646.º, n.º 5).
Porém, não se fica por aqui o art. 646.º; isto é, não se limita a estabelecer a repartição da competência do tribunal singular e do tribunal colectivo nos julgamentos das acções ordinárias.
Estatui-se também, no art. 646.º, que as partes não podem requerer, em simultâneo, a intervenção do tribunal colectivo e a gravação da audiência, fixando-se, imperativamente, a prevalência da gravação sobre a intervenção do colectivo; é o que resulta do n.º 2, alínea c), em que se diz não ser admissível a intervenção de colectivo nas acções em que alguma das partes haja requerido, nos termos do art. 522.º - B, a gravação da audiência final.
Temos pois, concluindo, que, em face do art. 646.º do CPC, três hipóteses se colocam à parte duma acção ordinária:
Ou requer a intervenção do colectivo, hipótese em que tal intervenção fica dependente da posição assumida pela parte contrária;
Ou requer a gravação, hipótese em que seguramente o julgamento será em tribunal singular, mas gravado;
Ou nada requer, hipótese em que seguramente o julgamento será singular, gravado ou não, conforme a posição assumida pela parte contrária.
Em todo o caso – é o que aqui importa registar – são 3 os comportamentos possíveis e adoptáveis.
É certo que o art. 512.º do CPC, na sua parte final, tão só fala em “requerem a gravação da audiência final ou a intervenção do colectivo”, porém, a circunstância de omitir uma das hipóteses possíveis decorre de, para a hipótese omitida, não se mostrar necessário que a parte requeira o que quer que seja.
É este o único sentido do art. 512.º, n.º 1 – que tem que ser interpretado tendo em conta a unidade do sistema – e não o de estabelecer que a audiência final é realizada e julgada por Juiz Singular, sendo a mesma gravada, ou com intervenção de Colectivo, sem gravação.
Mais, não será despiciendo salientá-lo, a lei processual não estabelece qualquer comando geral quanto à obrigatoriedade da gravação das audiências finais. Ressalvado o caso de o tribunal, oficiosamente, determinar a gravação, terão sempre que ser as partes – ao menos alguma delas – a requerer a gravação; é o que resulta do art. 522.º - B do CPC.
Aliás, a próprio recorrente, nas suas alegações recursivas, não deixa de, implicitamente, reconhecer que assim é; designadamente, quando deixa escrito que “por lapso, aquando da observância do 512.º do CPC” não requereu a gravação.
Por outras palavras, se a gravação não tivesse mesmo que ser requerida, tal omissão não constituiria, como a mesma admite, um “lapso”.
Não foi pois cometida – ao realizar-se o julgamento, singular, sem gravação da audiência final – uma qualquer nulidade, que, a existir, menciona-se, não poderia ser classificada como “principal”, uma vez que a lei reservou tal designação para as nulidades a que se referem os art. 193.º, 199.º, 194.º e 200.º (cfr. art. 204.º do CPC).
Assim, sem mais considerações, julga-se totalmente improcedente tal fundamento.

Quanto ao vício de falta de fundamentação da matéria de facto:
A decisão sobre a matéria de facto “declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador”; assim o dispõe o art. 653.º, n.º 2, do CPC.
Segundo a recorrente, a decisão da matéria de facto dos autos não cumpre tal normativo, na medida em que não faz a análise crítica das provas – “não se vislumbra consignado o raciocínio lógico-dedutivo e crítico do pensamento do M.º Juiz” – apresentando-se de forma global e genérica e não de forma especificada, para cada um dos factos constantes da Base Instrutória.
É verdade que uma análise crítica das provas que se fique pela simples indicação dos meios de prova não satisfaz o disposto no art. 653.º, n.º 2, do CPC.
Porém, para dar cumprimento a tal preceito legal, não é necessário elencar todas as razões que se foram revelando no decurso da audiência, sendo suficiente apontar as razões que tiveram a maior força persuasiva.
Por outras palavras, o dever de fundamentação considerar-se-á observado se se indicarem os fundamentos que foram decisivos, aqui se incluindo as razões ou motivos porque tais fundamentos revelaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador.
Foi justamente isto que foi feito, em termos que reputamos inteiramente suficientes e satisfatórios, na decisão da matéria de facto dos autos.
O Ex. mo Juiz a quo foi muito além da mera indicação dos meios de prova
A propósito de cada um dos depoimentos realçados na decisão da matéria de facto, enunciou a razão de ciência de quem o prestou, assim especificando os motivos por que o conteúdo do referido – que, em síntese, relata – obteve credibilidade no seu espírito
Ademais, numa análise crítica global das provas, não deixou de referir que os depoimentos foram “sóbrios e isentos”; acrescentando que “o depoimento do Arq. José Gaspar (autor do projecto e das alterações) foi muito detalhado e preciso em todos os aspectos”
É certo que a fundamentação não foi feita, individualmente, em relação a cada um dos factos provados e/ou não provados, todavia, o art. 653.º, n.º 2, do CPC não impõe ou exige tal fundamentação particularizada.
Não padece pois a decisão da matéria de facto do vício previsto no art. 712.º, n.º 5, do CPC.
Assim, sem mais considerações, julga-se totalmente improcedente tal fundamento.

Quanto à alteração das respostas a diversos “quesitos”:
Até à reforma operada pelos DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro, o julgamento da matéria de facto efectuado pela 1ª instância era praticamente imodificável e os poderes do Tribunal da Relação encontravam-se quase circunscritos ao julgamento das questões de direito. Essa realidade alterou-se, entretanto, em virtude da gravação das audiências finais, a requerimento das partes ou por determinação do tribunal (art.º 522º-B do CPC), e da ampliação dos poderes da Relação, nesse campo, introduzida por aqueles diplomas legais ao darem nova redacção ao art.º 712º do Cód. Proc. Civil.

Segundo este, em três hipóteses pode a Relação alterar a decisão relativa à matéria de facto proferida pela 1ª instância:

a) se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art.º 690º-A, a decisão com base neles proferida;
b) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
No caso vertente, os diversos depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª instância se baseou para dirimir a matéria de facto, não foram gravados. Desconhece-se, por isso, o exacto teor dos depoimentos das testemunhas, o que obsta a que se proceda à pertinente análise crítica e valoração desse importante meio probatório.
Vale isto por dizer que não constam do processo todos os elementos probatórios com que aquela instância se confrontou, quando dirimiu a matéria de facto, o que, desde logo, inviabiliza a pretendida alteração da decisão referente ao julgamento da matéria de facto, tanto mais que os elementos fornecidos pelo processo não impõem, por si só, decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
Em todo o caso, a propósito dum dos pontos de facto que a recorrente considera incorrectamente julgados, não se pode deixar de observar o seguinte:
Sustenta a recorrente que, tendo-se dado como provado que a A desmatou o prédio prometido, isso significa, “naturalmente”, que a A passou a vigiar e ocupar o prédio, pelo que se deveria ter dado como provado que “passou a desmatar, ocupar, vigiar e limpar o prédio prometido vender”
A inconsistência de um tal raciocínio é, salvo o devido respeito, manifesta.
As presunções naturais e da experiência, expressamente previstas no art. 349.º do CC, constituem um precioso e frequente meio de prova.
Porém, do facto, conhecido, de alguém haver desmatado um determinado prédio, é de todo ilegítimo tirar ilações que permitam “firmar” o facto, desconhecido, de esse alguém também ocupar e vigiar tal prédio.
Por outras palavras, a argumentação do recorrente, tendo em vista a alteração das respostas atinentes à entrega do prédio prometido, sempre seria de considerar insubsistente.
Em suma, inexiste motivo para alterar a matéria de facto nos moldes propugnados pelo agravante.

Quanto à deficiência, obscuridade e mesmo contradição entre as respostas aos quesitos 11. e 16.º e a matéria assente nas alíneas E) e F).
Ocorrem tais vícios quando temos uma decisão da matéria de facto lacunosa, pouco clara, confusa, ou mesmo ininteligível, quer tais defeitos se refiram tão só a uma determinada resposta, quer resultem da deficiente conjugação entre as diversas respostas ou entre estas e factos anteriormente considerados provados.
Nas respostas e alíneas em causa deu-se como provado o seguinte:
Na alínea E), que “a Autora “A...” celebrou o contrato referido na alínea D) com o objectivo de construir no prédio rústico prometido vender um bloco habitacional com trinta fogos de tipologia T1, T2 e T3, com vista à sua comercialização”
Na alínea F), que “só lhe interessando a aquisição daquele prédio com o projecto de construção urbana aprovado pela Câmara Municipal da Figueira da Foz, de harmonia com as plantas de arquitectura entregues pela Ré “B...” e com a respectiva licença a levantamento”
Na resposta ao quesito 11.º, na sequência das respostas aos quesitos 8.º, 9.º e 10.º -- em que se deu como provado que a Ré B... foi notificada, em 12/05/00, da proposta de indeferimento do projecto, tendo apresentado, em 26/05/00, novo requerimento junto da CM da Figueira da Foz, com vista ao esclarecimento das questões suscitadas naquela proposta de indeferimento, do que (indeferimento e novo requerimento) deu conhecimento à Autora -- que “tendo Autora e Ré “B...” acordado entre si que a escritura pública referida em D) se realizaria quando o projecto estivesse aprovado e a licença a levantamento”
Pela resposta ao quesito 16º ficou provado que “a 1ª Ré “B...” foi notificada, a 4 de Maio de 2001, do indeferimento do projecto de construção e consequente arquivamento do processo”
Assim sendo, em face do que deve entender-se sobre a ocorrência de tais vícios e perante os factos dados como provados nas respostas e alíneas em causa, é de todo evidente, salvo o devido respeito, que nem ao de leve a decisão da matéria de facto em causa, apreciada quer isolada quer conjuntamente, padece de imprecisão, insuficiência ou lacuna, não suscitando a sua interpretação qualquer dúvida ou incompatibilidade quanto à “verdade” dos factos emergente do julgamento.
Não padece pois a decisão da matéria de facto do vício previsto no art. 712.º, n.º 4, do CPC.
Assim, sem mais considerações, julga-se também totalmente improcedente tal fundamento.


III – Fundamentação de Facto
Os factos apurados – cronologicamente alinhados – com relevo para a apreciação do “fundo” do recurso são pois os seguintes:
A) A Autora “A...” tem por objecto a construção, compra e venda de obras particulares e públicas, compra de prédios e revenda dos adquiridos para esse fim – alínea A) dos Factos Assente
B) E tem edificado blocos habitacionais na área da Figueira da Foz, comercializando as respectivas fracções – alínea B) dos Factos Assentes; -----

C) A Ré “B...” tem por objecto a compra, construção e venda de prédios urbanos e rústicos – alínea C) dos Factos Assentes; -----
D). No dia 24 de Janeiro de 2000, entre a Autora “A...” e a Ré “B...” foi ajustado e reduzido a escrito um acordo que denominaram de “contrato promessa de compra e venda” e em que a Autora interveio como segunda outorgante e aquela Ré como primeira outorgante, constando das seguintes cláusulas: -
“(…)
Primeiro: A primeira outorgante é dona e legítima proprietária de um terreno sito na Cova, freguesia de S. Pedro, concelho da Figueira da Foz, com a área de 2009 m2, a confrontar de norte com casa de habitação, sul baldio da câmara, nascente Virgílio Batista e poente Joaquim Pereira Fajardo, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o n.º 819, e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Lavos sob o artigo 5171;
Segundo: Nos termos do presente contrato a primeira outorgante promete vender à segunda e esta promete comprar, o imóvel supra identificado, pelo preço de 100.000.000$00 (cem milhões de escudos), acrescido do valor de um apartamento tipo T1, infra identificado, a pagar da forma seguinte: como sinal e princípio de pagamento a segunda outorgante entregará à primeira outorgante a quantia de 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos), à data do presente contrato, dos quais a primeira outorgante dá quitação; os restantes 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos), serão pagos na data da respectiva escritura pública; a segunda outorgante compromete-se ainda a entregar à primeira outorgante, como forma de pagamento, um apartamento tipo T1, localizado no segundo andar do lado sul, ao qual pertence uma garagem a escolher pela primeira outorgante;
Terceiro: O terreno objecto do presente é vendido com projecto para construção de um bloco habitacional, cuja cópia foi fornecida à segunda outorgante, que desde já declara ter perfeito conhecimento do mesmo. O referido projecto foi entregue pela primeira outorgante na Câmara Municipal, estando na fase de aprovação a parte correspondente à arquitectura;
Quarto: Todas as despesas com os projectos de especialidade, e outras, até que a licença esteja a levantamento, serão por conta da primeira outorgante;
Quinto: A escritura pública, do terreno objecto do presente contrato, será celebrada até ao final do mês de Maio do corrente ano, logo que o projecto de construção para o referido bloco habitacional, esteja aprovado na Câmara Municipal, e a respectiva licença esteja a levantamento;
Sexto: O terreno objecto do presente contrato é vendido livre de quaisquer ónus ou encargos;
Sétimo: A escritura pública do apartamento identificado na cláusula segunda, será celebrada em nome da primeira outorgante ou de quem esta indicar, livre de quaisquer ónus ou encargos, logo que, seja emitida a respectiva licença de utilização por parte da Câmara Municipal;
Oitavo: O presente contrato satisfaz a vontade de ambos, ficando o mesmo subordinado aos princípios legais aplicáveis e importando o seu não cumprimento o direito à execução especifica, nos termos do artigo 830º, do Código Civil (…)”
– alínea D) dos Factos Assentes; -----
E) A Autora “A...” celebrou o contrato referido na alínea D) com o objectivo de construir no prédio rústico prometido vender um bloco habitacional com trinta fogos de tipologia T1, T2 e T3, com vista à sua comercialização – alínea E) dos Factos Assentes;
F) Só lhe interessando a aquisição daquele prédio com o projecto de construção urbana aprovado pela Câmara Municipal da Figueira da Foz, de harmonia com as plantas de arquitectura entregues pela Ré “B...” e com a respectiva licença a levantamento – alínea F) dos Factos Assentes; -----
G) O que era do conhecimento da Ré “B...” e foi pressuposto da celebração daquele contrato – alínea G) dos Factos Assentes;
H) A Autora “A...” entregou à “B...” a quantia de 50.000,000$00 na data da outorga do contrato referido na alínea D), a título de sinal e princípio de pagamento, de que aquela deu quitação – alínea H) dos Factos Assentes; -----
I) A Ré “B...” não notificou a Autora até ao fim de Maio de 2000 para outorgar a escritura de compra e venda do prédio rústico prometido vender – alínea I) dos Factos Assentes; -----
J) Este prédio, a não ter viabilidade de construção, tem um valor venal inferior ao convencionado entre a Autora e a Ré “B...” – alínea J) dos Factos Assentes; -----
L) A Ré “B...”, aquando da outorga do contrato referido em D), entregou à Autora “A....” as plantas correspondentes ao projecto de construção do bloco habitacional a edificar nesse prédio (e referido na cláusula 3ª) – resposta ao ponto 2º da Base Instrutória; -----
M) A Autora desmatou o prédio prometido vender – resposta ao ponto 3º da Base Instrutória; -----
N) A Ré, antes da outorga do contrato referido na alínea D, obteve junto da Câmara Municipal da Figueira da Foz informação de que era viável construir no prédio prometido vender – resposta ao ponto 5º da Base Instrutória;
O) Só então dando entrada nessa Câmara do projecto de construção – resposta ao ponto 6º da Base Instrutória;
P) A Autora e a Ré “B...”, enquanto aguardavam o deferimento desse projecto, celebraram o contrato promessa referido em D) – resposta ao ponto 7º da Base Instrutória;
Q) A Ré “B...” foi notificada, em 12 de Maio de 2000, da proposta de indeferimento daquele projecto – resposta ao ponto 8º da Base Instrutória;
R) Tendo apresentado, em 26 de Maio de 2000, novo requerimento junto da Câmara Municipal da Figueira da Foz, com vista ao esclarecimento das questões suscitadas naquela proposta de indeferimento – resposta ao ponto 9º da Base Instrutória;
S) A Ré “B...” deu conhecimento à Autora dos factos referidos em Q) e R) – resposta ao ponto 10º da Base Instrutória;
T) Tendo Autora e Ré “B...” acordado entre si que a escritura pública referida em D) se realizaria quando o projecto estivesse aprovado e a licença a levantamento – resposta ao ponto 11º da Base Instrutória;
U) A Ré “B...” só em Outubro de 2000 foi notificada para apresentar as alterações pedidas em parecer técnico – resposta ao ponto 12º da Base Instrutória;
V) O que fez em 27 de Outubro de 2000 – resposta ao ponto 13º da Base Instrutória;
W) A Ré “B...” foi notificada, em 20 de Fevereiro de 2001, que tinha sido proposto novo indeferimento do projecto, com a menção de que “o parecer desfavorável agora emitido poderá vir a ser alterado se for previamente estudado o ordenamento de toda esta área e criadas as infra-estruturas necessárias” – resposta ao ponto 14º da Base Instrutória;
X) O mesmo sucedendo a todos os proprietários de terrenos nessa zona, contíguos ao prometido vender, que também haviam apresentado projectos de construção – resposta ao ponto 15º da Base Instrutória;
Y) A 1ª Ré “B...” foi notificada, a 4 de Maio de 2001, do indeferimento do projecto de construção e consequente arquivamento do processo – resposta ao ponto 16º da Base Instrutória. -----

IV – Fundamentação de Direito
A apreciação e decisão do “fundo” do recurso, delimitado pelas conclusões da alegação da apelante (art. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC), passa pelas seguintes questões:

Quanto ao incumprimento/resolução do contrato promessa:
Os contratos, é sabido, devem ser pontualmente cumpridos (406º do CC).
Quando assim não acontece, quando ocorre um qualquer desvio entre a execução do contrato e o programa negocial, verifica-se um “inadimplemento”.
Inadimplemento que, em certos casos, confere ao credor um direito de resolução legal.
Dito de outro modo, nos casos em que a violação e/ou desvio do programa negocial assumem determinada importância e gravidade, que justifiquem o desaparecimento do interesse do credor na manutenção da relação contratual, confere a lei ao credor o direito de resolução (cfr., v. g., art. 793º, n.º 2, 801º, n.º 2, 802º, n.º 1, 808º todos do CC).
Direito de resolução legal que, assim configurado, se apresenta como um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento, o mesmo é dizer, dependente de um inadimplemento grave.
“Inadimplemento grave” que, em face dos factos dados como provados, não podemos dar como verificado por parte da R. B...
É certo que as partes combinaram, na cláusula 5.ª do contrato promessa, celebrar a escritura pública do terreno objecto do contrato promessa (outorgado em 24/01/2000) até ao final do mês de Maio de 2000, porém, também estipularam, na mesma cláusula 5.ª, que a escritura seria celebrada “(...) logo que o projecto de construção para o referido bloco habitacional, esteja aprovado na Câmara Municipal, e a respectiva licença esteja a levantamento (...)”, o que ainda não aconteceu.
Perante o conteúdo de uma tal cláusula e atento o contexto contratual em que foi inserida, é de todo evidente que o “final do mês de Maio de 2000” não foi configurado como um “termo essencial” e, por conseguinte, a passagem de tal data não significa, só por si, o incumprimento do contrato promessa.
Foi expressamente feito constar, da cláusula 3.ª do contrato promessa, a pendência, na Câmara Municipal, dum “projecto para construção de um bloco habitacional, cuja cópia foi fornecida à segunda outorgante” – a aqui Recorrente – “(...) estando (tal projecto) na fase de aprovação da parte correspondente à arquitectura”;
Ademais, ficou ainda a consta da cláusula 3.ª que “o terreno objecto do presente é vendido com projecto para construção de um bloco habitacional (...)”
Por conseguinte, é patente, em face do clausulado, que combinaram que a escritura seria celebrada “até ao final do mês de Maio de 2000” por estarem convencidas, em 24/01/2000, que até ao final do mês de Maio o projecto ficaria aprovado; tanto mais que e na mesmo cláusula não deixaram de, de imediato, acrescentar “(...) logo que Locução conjuncional que significa, muito justamente, “assim que”, “mal”. o projecto de construção para o referido bloco habitacional, esteja aprovado na Câmara Municipal, e a respectiva licença esteja a levantamento (...)”
Todavia, se o final do mês de Maio de 2000 não configura, na economia do contrato promessa sub judice, um termo essencial e peremptório, isso não significa ou equivale à completa irrelevância jurídica de tal data.
Tal data consta do contrato promessa como a estipulada para a celebração da escritura, pelo que cumpre verificar e averiguar por que, após tal data, a escritura não foi realizada.
Outorgado um contrato de promessa, fica o promitente vendedor adstrito ao dever de contratar; a uma prestação de facto positiva.
Sucede, porém, que, no caso, antes e além de tal prestação de facto positiva, tinha a promitente vendedora e aqui recorrida de lograr obter a aprovação dum projecto construtivo, pendente na Câmara Municipal; efectivamente – é pacífico nos autos – o objecto mediato do contrato promessa era não apenas o imóvel, mas o imóvel acompanhado dum concreto projecto construtivo devidamente aprovado pela C. M..
Podemos pois dizer que a realização da prestação de facto da recorrida dependia e depende do facto dum terceiro – a Câmara Municipal da Figueira da Foz – que não está vinculado pelo contrato promessa (res inter alios, em relação à C. Municipal).
Assim sendo, em relação a tal facto de terceiro, ficou a recorrida obrigada, em face do contrato promessa, a consegui-lo do terceiro.
Compromisso, de conseguir um facto de terceiro, que, em abstracto e em teoria, pode revestir dois sentidos diversos:
Um 1.º, em que o promitente apenas se obriga a despender os esforços razoavelmente necessários para que o terceiro pratique o facto, sem assumir qualquer responsabilidade na hipótese de este não querer ou não poder cumprir.
Um 2.º, em que o promitente, garantindo a verificação do facto, se obriga a indemnizar a outra parte, se o terceiro, por qualquer razão, não quiser ou não puder praticá-lo.
Por outras palavras, um 1.º em que o compromisso constitui uma simples “obrigação de meios” (ou de pura diligência) ou um 2.º em que se apresenta como uma “obrigação de resultado”.
Questão que é no caso, reconhece-se, algo problemática.
Nada se provou, de específico, tendo em vista a interpretação de tal compromisso da recorrida.
Em todo o caso, em face do clausulado do contrato promessa, do que entretanto ficou provado pela respostas aos pontos 8.º a 11.º da base instrutória, do que foi alegado pela própria recorrente (quanto à omissão de diligências na aprovação do projecto) e, principalmente, atendendo à circunstância do acto de terceiro se traduzir numa decisão administrativa de licenciamento urbano, sempre sujeita a uma não desprezível margem de discricionaridade administrativa, propendemos para a classificação de tal compromisso da aqui recorrida como uma simples “obrigação de meios”.
“Obrigação de meios”, de diligência, zelo e empenho na aprovação do projecto construtivo apresentado na C. M. da Figueira da Foz, que se demonstrou a recorrida haver cumprido, entre Maio de 2000 e Maio de 2001, respondendo com prontidão aos pedidos de esclarecimento e de alterações da C. M. da Figueira da Foz.
Pelo que, até Maio de 2001, não pode a recorrida ser considerada como havendo, por qualquer forma, incorrido em mora.
Outrotanto, todavia, não se poderá dizer a partir de tal data.
A partir de Maio de 2001 E até Junho de 2002, ocasião em que foram apresentadas as contestações.– na ausência da prova de quaisquer factos demonstrativos da diligência da recorrida no sentido de obter a aprovação do projecto para o prédio prometido e perante a presunção de culpa constante do art. 799.º, n.º 1, do CC – não pode a recorrida deixar de ser considerada como incursa em mora na “obrigação de meios” supra definida.
A circunstância de, pela resposta ao ponto 11º da Base Instrutória, se haver dado como provado que “Autora e Ré B... acordaram entre si que a escritura pública se realizaria quando o projecto estivesse aprovado e a licença a levantamento” não obsta ou conflitua com tal consideração sobre a mora.
Aliás, o que consta da resposta ao ponto 11º da Base Instrutória, pouco ou nada acrescenta ao que já havia sido declarado na cláusula 5.ª, parte final, do contrato promessa – em que se deixou escrito, entre outras coisas, que “a escritura pública (...) será celebrada (...) logo que o projecto de construção para o referido bloco habitacional, esteja aprovado na Câmara Municipal, e a respectiva licença esteja a levantamento”.
O facto de ter sido combinado que a escritura só se realizaria quando o projecto estivesse aprovado e a licença a levantamento, não dispensava – como supra já se deixou explicado – nem após o contrato, nem a partir de Maio de 2001, a promitente vendedora de, tendo em vista a realização da escritura, ser activa, esforçada e expedita na observância das diligências tendentes à aprovação do projecto.
Ora, voltando atrás, não se tendo provado quaisquer factos demonstrativos da diligência da recorrida, após Maio de 2001, no sentido de obter a aprovação do projecto para o prédio prometido e perante a presunção de culpa constante do art. 799.º, n.º 1, do CC, não pode a recorrida deixar de ser considerada como incursa em mora na “obrigação de meios” a que se encontrava adstrita.
Mora essa que, porém, é só por si insuficiente para considerar definitivamente incumprido e resolvido o contrato promessa em apreço.
Efectivamente, para num contrato-promessa, como é o caso, ocorrer a resolução/incumprimento definitivo, necessário se torna que se logre preencher uma das duas situações configuradas pelo art. 808º do CC.
Diz-se em tal preceito que se considera para todos os efeitos não cumprida a obrigação:
a) sempre que, em consequência da mora, o credor perder o interesse que tinha na prestação;
b) sempre que, estando o devedor em mora, esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor;
Ora a recorrente não alegou e/ou provou que tenha perdido o interesse na prestação e/ou que haja feito a intimação admonitória.
É certo que, desde os articulados da acção, decorreram mais de 3 anos e meio, porém, o que entretanto ocorreu não foi nem alegado, nem objecto do imprescindível contraditório processual, razão por que não pode, do decurso do tempo, ser retirada qualquer ilação valorativa. Tanto mais que – é quase ocioso referi-lo – a realidade pode ser bem diversa do adormecimento e inércia que os autos parecem exprimir; isto é, após a data da contestação, pode a R. B... ter encetado e desenvolvido as mais diversas diligências no sentido e tendo em vista cumprir a obrigação de meios a que se encontrava adstrita Pode até dar-se o caso – o que não seria de todo surpreendente – de as suas diversas diligências, intervenções e esforços não estarem a obter qualquer êxito (por falta de colaboração dos proprietário contíguos ou por falta de cooperação da Câmara Municipal), hipótese em que, do ponto de vista jurídico, se colocará a hipótese de a sua – da promitente vendedora – prestação se ter tornado impossível por causa que lhe não é imputável (art. 790.º do CC), o que conduz, por um lado, à extinção da sua obrigação, conferindo, por outro lado, à aqui recorrente, o direito de exigir a restituição da contraprestação já feita (50.000 contos), nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa (art. 795.º, n.º 1, do CC)..
Aliás, a recorrente – admitindo que, face ao seu escopo societário, não lhe é fácil, em termos objectivos, demonstrar que perdeu o interesse no negócio – sempre tem ao seu dispor o referido mecanismo da interpelação admonitória com fixação de prazo peremptório (razoável) para o cumprimento a que se refere a segunda parte do n.º 1 do art. 808º; assim obtendo uma clarificação definitiva de posições.
Assim, concluindo, o pedido resolutivo e de pagamento de sinal em dobro está condenado ao malogro.
Aliás, analisada a PI, antevia-se uma tal desfecho.
Na PI foram alinhados dois fundamentos para a resolução.
Um 1.º, traduzido na falta de diligência da R. B... na aprovação do projecto construtivo; fundamento este que, como se acaba de explicar, apenas configura uma situação de mora.
Um 2.º, traduzido na venda simulada do prédio à 2.ª R.; venda que, simulada ou sem ser simulada, não se provou, mas que, apenas na hipótese não simulada, por configurar uma impossibilidade de cumprimento imputável à 1.ª R., conduziria ao incumprimento definitivo do contrato promessa e ao recebimento do sinal em dobro.

Quanto à nulidade do contrato promessa:

Tal questão foi no processo suscitada exclusivamente pela R. B..., tendo inclusivamente, por via reconvencional, pedido que fosse declarada a nulidade do contrato-promessa por impossibilidade legal de concretização do seu objecto.

Embora o pedido reconvencional haja sido julgado improcedente e a R. B... se haja conformado com tal decisão, sempre se dirá a propósito de tal questão o seguinte:
O contrato promessa tem como objecto uma prestação de facto e não uma prestação de coisa.
São pois válidos os contratos promessa em que se prometem bens futuros ou até alheios, hipóteses em que o promitente vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias (v. g., a construção e/ou a aquisição do bem) tendo em vista o cumprimento do contrato prometido.
Se porventura o objecto do contrato prometido acaba por nunca ter existência fisica ou o promitente nunca o adquire, ocorre uma impossibilidade (que será superveniente) e não uma nulidade do contrato promessa.
Impossibilidade que tanto poderá ser imputável ao promitente vendedor (801º, n.º 1, CC), sendo este, em tal hipótese, responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação; como não imputável ao promitente vendedor, hipótese que nos conduz, no caso de também não ser imputável ao promitente comprador, ao disposto e às soluções constantes (e já referidas) dos art. 790.º e 795.º, n.º 1, ambos do CC.
Porém, seja qual for a situação que venha a ocorrer e/ou que já esteja a ocorrer E que, repete-se, não se pode considerar que, com fidelidade, os autos espelhem. – isto é, quer a não aprovação do projecto resulte de incúria da recorrida, quer a não aprovação resulte de impossibilidade – o certo é que o contrato promessa – é o que aqui interessa dilucidar – não é congenitamente nulo.

Quanto ao direito de retenção:
Tal questão encontra-se prejudicada, pelo seguinte:
O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, goza de direito de retenção pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte nos termos do art. 442.º do CC; assim o dispõe o art. 755.º, n.º 1, f), do C. Civil.
Como supra se concluiu, recorrente e recorrida continuam totalmente vinculados ao contrato promessa transcrito em D), que se mantém válido e vigente entre as partes, inexistindo assim qualquer crédito da recorrente em relação à recorrida – decorrente do incumprimento de tal contrato promessa – que o direito de retenção invocado possa ser chamado a garantir.

Quanto à litigância de Má-fé:
A apelante foi condenada como litigante de má-fé por, a propósito do prazo da realização da escritura, haver omitido que havia anuído no deferimento desse prazo para momento posterior; omissão que foi considerada como de um facto relevante para a decisão da causa que, por sua vez, lhe permitiu deduzir pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar.
Resulta do supra referido que a resposta ao ponto 11º da Base Instrutória – em que deu como provado que “Autora e Ré B... acordaram entre si que a escritura pública se realizaria quando o projecto estivesse aprovado e a licença a levantamento” – pouco ou nada acrescenta ao que já se havia declarado na cláusula 5.ª, parte final, do contrato promessa – em que se deixou escrito, entre outras coisas, que “a escritura pública (...) será celebrada (...) logo que o projecto de construção para o referido bloco habitacional, esteja aprovado na Câmara Municipal, e a respectiva licença esteja a levantamento”.
Por outro lado, também não resulta da economia do supra mencionado que tal facto fosse relevante e decisivo para a decisão da causa.
É quanto basta, a nosso ver, para, pela razão indicada na sentença, a recorrente não poder ser considerada como litigante de má-fé.
Efectivamente, o cotejo entre o que alegou e o que veio a ficar provado não permite que se afirme e conclua que omitiu facto relevante para a decisão da causa e/ou que deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar; não podendo assim o seu comportamento processual ser subsumido ao disposto no art. 456º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC.
Procedem pois, nesta parte, as conclusões da recorrente.


Improcede, assim, com excepção do que invocou quanto à sua condenação como litigante de má-fé, tudo, o que em contrário a Recorrente solicitou e concluiu na sua alegação recursiva, o que determina, com a excepção referida, o naufrágio do recurso e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece os reparos que se lhe apontam, nem viola qualquer uma das disposições indicadas.



V - Decisão

Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento à apelação e, consequentemente, revoga-se a condenação da apelante como litigante de má fé, confirmando-se em tudo o mais a sentença recorrida.

Custas, nesta Instância, pela apelante e apeladas na proporção de 19/20 e 1/20.