Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
530/07.3TBCVL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
ABONO DE FAMÍLIA
GUARDA DE MENOR
PENSÃO
Data do Acordão: 05/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1 906º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1) Só gera a nulidade da sentença a ausência de pronúncia sobre questões que deveriam ter sido conhecidas, sendo certo que salvo os casos em que a questão está intrinsecamente ligada ao thema decidendum, o Tribunal que não tem o dever de adivinhar, só poderá conhecer das decisões que tenham sido colocadas pelas partes nos seus articulados.

2) O abono de família no caso de separação dos progenitores deverá ser entregue àquele que ficar com o menor a seu cargo.

3) As soluções de guarda conjunta ou mesmo alternada do menor em matéria de regulação do poder paternal supõem que os desentendimentos entre os progenitores sejam eliminados ou minimizados, colocando os interesses da criança acima dos mesmos, não devendo equacionadas caso aquele requisito se não verifique.

4) O progenitor não poderá descontar na pensão de alimentos que entrega à mãe que tem o menor a seu cargo, as despesas que tem com este durante o período de férias que passa consigo.

5) Não pode uma sentença de regulação do poder paternal prever e solucionar a multiplicidade de problemas do dia-a-dia ultrapassáveis pelo mais elementar bom senso que a lei pressupõe existir em educadores normais.

Decisão Texto Integral:      1. RELATÓRIO.

     Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

     A... veio deduzir pedido de alteração da Regulação do Exercício do Poder Paternal da menor B... no que diz respeito aos seguintes pontos:

     – Com quem deve ficar a menor durante o mês de Agosto, mês de férias do Infantário;

     – Transporte da menor para Castelo Branco nos dias que pertence ao pai ter a menor consigo;

     – Pagamento de alimentos durante o período de fé­rias;

     – Períodos de férias passados com o pai;

     – Destino do abono de família;

     – Dormida da menor na casa do pai nos dias que com este passa;

     – Consultas de pediatria.

     Invoca como fundamento o incumprimento dos deveres de cuidado da parte da mãe para com a menor, nomeadamente, a nível da saúde e de guarda.

     Alega o requerente, em síntese, que a mãe não faz os tratamentos necessários à boa saúde da menor, nem a leva ao Centro de Saúde para lhe serem administradas as vacinas obrigatórias e deixa-a constantemente com a avó que, alegadamente, tem graves problemas de saúde.

     Devidamente citados os pais para estarem presentes na conferência a que alude o artº 175º da OTM, procedeu-se à realização da mesma, sendo certo que as partes não chegaram a qualquer acordo.

     Notificados os pais para alegarem no prazo de 10 dias nos termos do artigo 178º/1 ex vi do artº 182º/4, ambos da OTM, foram apresentadas alegações e foram arroladas testemunhas.

     Foi ordenada a realização de inquéritos à situação social e económica dos progenitores, à Segurança Social nos termos do artigo 178º/3 da OTM, a que se procedeu.

     Foi marcada data para realização de audiência de julgamento na qual se decidiu, por ter sido requerido, pela suspensão da instância, desistindo ambas as partes de todos os incidentes entretanto suscitados, bem assim dos róis de testemunhas apresentados.

     Face à impossibilidade de chegar a um acordo, fo­ram apresentadas alegações orais e decidido alterar a título definitivo a regulação do exercício do poder pa­ternal respeitante à menor B... pela seguinte forma:

     - A menor B... fica confiada aos cuidados e guarda da mãe que sobre a mesma exercerá o poder paternal.

     - O pai poderá estar com a menor em fins-de-semana alternados, desde sexta-feira às 18H00 até domingo às 20H00, indo buscá-la ao jardim-de-infância à sexta-fei­ra e levá-la a casa da mãe ao domingo.

     - Poderá estar com a menor nos períodos festivos do Ano-Novo e Páscoa de forma alternada com a mãe.

     - O dia 24 de Dezembro será passado com a mãe e o dia 25 com o pai de forma alternada.

     - No dia de aniversário da menor ou no dia de aniversário do pai, este poderá almoçar ou jantar com a filha sem prejuízo dos períodos de descanso e de educação da menor.

     - A menor passará quinze dias das férias de verão com o pai, devendo este avisar com a antecedência mínima de trinta dias o período de férias.

     - O pai contribuirá com a quantia de € 100,00 mensais a título de alimentos, que deve enviar à mãe do menor até ao dia 8 de cada mês por transferência bancária ou por correio, a qual será devida a partir do próximo mês de Julho;

     - O pai deve actualizar a quantia referida no número anterior com referência a Janeiro de cada ano, em percentagem idêntica ao índice de aumento dos preços do consumidor, publicados anualmente pelo INE.

     Daí o presente recurso de apelação interposto pelo pai do menor, A..., o qual no termo da sua alegação apresentou as seguintes,

     Conclusões.

     1) A sentença recorrida é nula, nos termos das alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo 668º do Cód. Proc. Civil.

     Atento que

     2) A Sra. Juiz do Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões para a boa Decisão com vista aos interesses da menor, designadamente quanto ao pagamento de alimentos durante as férias, destino do abono de família, consultas de pediatria, cujo único progenitor é o Recorrente a acompanhar a menor, bem como não se pronunciou sobre a providência cautelar incorporada nos autos.

     3) Da matéria de facto dada como provada assente nos documentos juntos aos autos, designadamente relatórios sociais, a Sra. Juiz a quo decidiu em oposição ao Direito.

     4) Na alteração do regime provisório homologado por Despacho de fls., não especificou os fundamentos de facto e direito que justifiquem a Decisão Recorrida.

     5) A douta sentença recorrida não atende aos interesses da menor, nomeadamente no aproximar desta ao progenitor não guardião, conforme é jurisprudência corrente, violando desta forma os artigos 1 905º, 1 906º e 1 909º todos do Código Civil e 180º da O.T.M..

     6) A menor B..., a manter-se o decidido, cada vez mais verá o aqui recorrente como pai ausente.

     7) Deve assim a Sentença recorrida ser declarada nula, suprindo-se as nulidades arguidas e ser a mesma substituída.

     Contra-alegou o Ministério Público pugnando pela confirmação da sentença em crise.

     Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                           *

     2. FUNDAMENTOS.

     O Tribunal deu como provados os seguintes,

     2.1. Factos.

     2.1.1. A menor B... nasceu no dia 30 de Dezembro de 2005, em Tortosendo, concelho de Covilhã;

     2.1.2. A menor é filha de A... e de D...;

     2.1.3. Os pais da menor viveram em união de facto durante cerca 3 (três) anos;

     2.1.4. Após a separação dos progenitores, foi estabelecida a guarda conjunta da menor;

     2.1.5. A menor reside com a mãe e irmão de 11 anos no Tortosendo;

     2.1.6. A menor frequenta o Jardim-de-infância do Centro de Assistência Social na Quinta da Estremilda no Tortosendo;

     2.1.7. A mãe da menor trabalha como auxiliar de Acção Educativa na Escola Básica do 2º e 3º Ciclos do Tortosendo auferindo a quantia mensal líquida de € 439,78 e tem despesas mensais de cerca de € 350,00;

     2.1.8. O pai da menor, Requerente, trabalha como Inspector da ASAE auferindo a quantia mensal de € 1.400,00 sendo que € 1.100,00 são para despesas onde se inclui já a pensão de alimentos no montante € 100,00;

     2.1.9. O pai da menor vive em Castelo Branco com o seu filho C... de 19 anos, fruto de um relacionamento anterior;

     2.1.10. O pai da menor vive numa casa com boas condições de habitabilidade, na qual existe um espaço próprio para a menor;

     2.1.11. O pai da menor tem uma casa no Tortosendo numa quinta de que é proprietário;

     2.1.12. Nessa casa, sita na quinta, conta com a ajuda de uma senhora de 81 anos, não obstante padecer de limitações em razão de problemas de saúde,

     2.1.13. O que não lhe permite acompanhar o ritmo de deslocação da menor;

     2.1.14. O pai da menor tem uma forte ligação afectiva com a criança;

     2.1.15. O pai da menor acompanha a menor à pediatra que tem em Castelo Branco e, quando necessário, tem um médico no Tortosendo para assistir a menor;

     2.1.16. A mãe da menor vive num apartamento com boas conduções de habitabilidade, gozando a menor de um espaço próprio, adequado e confortável;

     2.1.17. A menor tem uma relação muito positiva com a avó materna, a qual lhe prestou todos os cuidados durante os primeiros meses de vida;

     2.1.18. A menor tem uma relação positiva com ambos os progenitores;

     2.1.19. Os progenitores têm estado em conflito permanente na gestão da guarda conjunta;

     2.1.20. Disputando o tempo que passam com a menor;

     2.1.21. A menor não se encontra numa relação estável e equilibrada com os progenitores;

     2.1.22. A menor não tem um ambiente securizante não sabendo quem a vai buscar ao infantário e nem a que horas;

     2.1.23. A menor encontra-se numa família nuclear desadequada onde parece existir falta de normas/regras educativas e sociais.

                           +

     2.2. O Direito.

     Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

    

     - Das invocadas nulidades a que aludem as alíneas b), c) e d) do artigo 668º do Código de Processo Civil.

     - A regulação do poder paternal e metodologia aplicável quando está em causa a guarda do menor.

     - Do fundo da causa. As razões subjacentes ao de­cidido em 1ª instância.

                           +

     2.2.1. Das invocadas nulidades a que aludem as alíneas b), c) e d) do artigo 668º do Código de Processo Civil.

     Entende o apelante que a sentença em crise é nula à face das alíneas b), c) e d) do artigo 668º do Código de Processo Civil, já que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões com vista aos interesses da menor designadamente quanto destino do abono de família, consultas de pediatria, cujo progenitor é o recorrente nem tão pouco sobre a providência cautelar incorporada nos autos e por último sobre os alimentos durante das férias.

     Estatui o nº 1 do citado normativo legal que

     "1 – É nula a sentença quando:

     a) (…)

     b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

     c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão;

     d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

     e) (…);

     f) (…)".

     Refira-se à partida que só gera a nulidade da sentença a ausência de pronúncia sobre questões que deveriam ter sido conhecidas, sendo certo que salvo os casos em que a questão está intrinsecamente ligada ao thema decidendum, o Tribunal que não tem o dever de adivinhar, só poderá conhecer das decisões que tenham sido colocadas pelas partes nos seus articulados. Com base nestes princípios orientadores, aceita-se que o Tribunal de­vesse pronunciar-se sobre o destino do abono de família que deverá ser auferido pela mãe da menor à qual a criança foi entregue[1].

     No que toca às consultas de pediatria, uma vez que a criança ficou entregue à guarda da mãe, será esta quem terá que zelar pela sua saúde, o que nomeadamente englobará as visitas regulares ao pediatra e também sempre que a menor esteja doente, a menos que a doença ocorra quando a menor se encontre ao cuidado do pai a qualquer título, nomeadamente em gozo de férias. Trata-se de procedimentos que obviamente não podem nem têm que o ser, exaustivamente previstas numa regulação do poder paternal; são apenas exemplo de uma multiplicidade de problemas do dia-a-dia ultrapassáveis pelo mais elementar bom senso que a lei tem que pressupor existir em educadores normais. Não faz sentido que a criança deva ser entregue ao pai sempre que se trata de consultar o médico. Só eventualmente em caso de incúria por parte da mãe que possa por em perigo a saúde da menor (o que se espera que não suceda), poderá colocar-se a necessidade de uma solução alternativa. Esta questão perfila-se como mais uma das múltiplas que os progenitores têm trazido a cada passo ao Tribunal quando deveriam lembrar-se que este não tem a panaceia para suprir o esforço que deveriam fazer para ao menos no que toca à criança superarem desentendimentos menores e procurarem entender-se no essencial quanto às suas ne­cessi­dades, colocando o seu cuidado e desenvolvimento acima das suas divergências pessoais de molde até a evitar-lhe traumas marcantes e desnecessários.

Pela segunda vez em 12 anos que levamos de funções nesta 2ª instância nos é colocada a questão do desconto na pensão de alimentos dos (curtos) períodos que a criança passa com o pai. A isto responderemos de forma idêntica: "Pretender como o faz o apelante descontar tais gastos na prestação mensal à mãe da menor, é um comportamento redutor e permitimo-nos adiantar também mesquinho, já que é ignorar deliberadamente o que acima dissemos e que qualquer pai consciente dos seus deveres necessariamente sabe. Tendo em linha de conta o custo do vestuário, actividades circum-escolares, para já não falar de alimentação, a contribuição de € 100,00 mensais, situa-se no limite mínimo da suficiência para tais fins; E mesmo que eventualmente possa haver por vezes da sua parte algum esforço no cumprimento da sua prestação de alimentos, deverá o progenitor lembrar-se que a paternidade é sempre consciente e que a educação da filha justifica bem tal comportamento.

     No que toca à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão proferida, não se entende onde o apelante pretende chegar; na verdade os factos provados encontram-se plasmados a fls. 178 ss da sentença sendo que subjacente aos mesmos foi dito estarem todos os documentos juntos aos autos.

     Por último refira-se quanto à providência cautelar que o apelante entende não ter sido tomada em linha de conta na decisão, diremos que no essencial a problemática ali suscitada acabou por ser coberta pela decisão fundamentada de que ora se recorre e que lhe é posterior. Assim sendo e até porque estamos em matéria de jurisdição voluntária em que não há que observar um escrito formalismo atendendo apenas ao essencial de ca­da caso, concluímos que nada mais há a acrescentar para além do que já foi dito a matéria em análise objecto de apreciação também nestes autos.    

     Improcede assim a arguição das nulidades por banda do pai da menor.

                           +

     2.2.2. A regulação do poder paternal e metodologia aplicável quando está em causa a guarda do menor.

     Está essencialmente em causa no caso sub iudice o modo como deve ser regulado o poder paternal quanto à guarda da menor. A este propósito desenham-se duas vias de resolução, a saber o da “guarda única” e o da “guarda conjunta”. No primeiro caso o exercício do poder paternal é atribuído a um dos progenitores ficando o outro com o poder de vigiar a educação e as condições de vida do filho – artigo 1 906º nº 4 do Código Civil – Diploma ao qual pertencerão os restantes normativos citados sem menção de origem. O progenitor que não exerce o poder paternal tem ainda o dever de contribuir na medida das suas possibilidades com uma prestação de alimentos a favor da criança.

     A segunda via de regulação do exercício do poder paternal passa pela guarda conjunta de ambos os pais, podendo ainda perspectivar-se uma hipótese de guarda alternada; neste caso, o menor passará alternadamente vários períodos do ano ora com um ora com outro progenitor, tendo ambos iguais direitos no tocante à educação dos filhos, sendo que as decisões imediatas do dia-a-dia pertencerão ao progenitor com que a criança resida em dado momento[2]. O primeiro figurino corresponde à orientação tradicional; o segundo começou por ser uma criação jurisprudencial procurando vir ao encontro de certos casos em que os ambos pais pretendem continuar de uma forma efectiva a dirigir a educação do menor. Bem se compreenderá todavia que a opção por este último modelo exija à partida o preenchimento de um certo número de requisitos e que a Jurisprudência seja particularmente prudente na adopção do mesmo. Assim, é de notar que a guarda conjunta ou mesmo alternada supõem que os desentendimentos entre os progenitores sejam eliminados ou minimizados, colocando os interesses da criança acima dos mesmos; pressupõe uma convivência estreita entre ambos os progenitores e a possibilidade de tomada de decisões em comum. Aquando da guarda alternada é necessário que a mesma não se traduza em sucessivas metodologias educacionais, antes permaneça incólume o rumo de orientação traçado quanto ao projecto educativo. Se não estão garantidas estas (exigentes) condições, a criança será a maior parte das vezes o alvo indirecto do ressentimento dos pais e não raro vítima dos seus objectivos desviadamente egoístas.

     É com base nestas considerações que iremos reapreciar a sentença essencialmente no que toca aos pontos de discordância e objecções que o recorrente formulou face ao dito aresto.

                           +

     2.2.3. Do fundo da causa. As razões subjacentes ao decidido em 1ª instância.                

     O requerido A.... insurge-se contra a sentença em crise alegando que a mesma não atende aos interesses da menor, nomeadamente no aproximar desta ao progenitor não guardião como preconiza a jurisprudência corrente violando assim o disposto nos artigos 1 905º, 1 906º, 1 909º do Código Civil, bem como o artigo 180º da OTM.

     O artigo 1 906º do Código Civil na redacção que lhe foi conferida pelo Lei nº 59/99, de 30 de Junho e aplicável in casu estatuía que " 1. Desde que obtido acordo dos pais, o poder paternal é exercido em comum por ambos, decidindo as questões relativas à vida dos filhos em condições idênticas às que vigoravam para tal efeito na constância do matrimónio.

     2. Na ausência de acordo dos pais, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que o poder paternal seja exercido pelo progenitor a quem o filho foi confiado.

     3. No caso previsto no número anterior, os pais podem acordar que determinados assuntos sejam resolvidos por acordo entre ambos ou que a administração dos bens do filho seja assumida pelo progenitor a quem o menor tenha sido confiado.

     4. Ao progenitor que não exerça o poder paternal assiste o poder de vigiar a educação e as condições de vida do filho".

     Procura a lei viabilizar aquela que seria a situação óptima para o exercício do poder paternal: a guarda conjunta; seria desejável que a separação e desavença dos pais não se repercutissem na situação dos menores; todavia bem sabemos e décadas de experiência de julgar demonstraram-nos como é difícil encontrar reunidas as condições para que uma solução de guarda conjunta ou alternada possa ter êxito. Frequentemente ainda que possam ser pais excelentes, os progenitores dos menores acabam, como já referimos, por fazer reflectir na regulação do poder paternal ressentimentos da sua vida falhada como casal e as crianças acabam não raro por ser até inconscientemente as vítimas de reacções emocionais de cada um dos pais e por vezes instrumentalizadas como joguete de agressões mútuas entre aqueles. Orientando-se a regulação do po­der paternal pelo escopo do superior interesse da cri­ança, há que começar por garantir-lhe as condições para um pleno desenvolvimento da sua personalidade procurando resguardá-la numa fase de crescimento de traumas psicológicos geradores de graves distúrbios emocionais a médio prazo no fim da adolescência ou início da idade adulta acompanhados de distúrbios de crescimento ou de índole psicológica marcantes não raro para o resto da vida.

     Ora essa salvaguarda terá que passar em parte pelo afastamento da fonte desses problemas, preservando-a do fogo cruzado da divergência entre os pais. É nesta medida que foi adequado confiar a criança à mãe. Mas, por outro lado, também não convém, sobretudo numa primeira fase, liberalizar em demasia os contactos do pai com a menor; a criança necessita de sossego e os pais de reflexão; espera-se, que decorrido algum tempo, as di­vergências dêem lugar a um ambiente e a um relacionamento mais serenos, orientados pelo interesse da menor, a qual na verdade necessita de ambos os progenitores, mas apenas do aspecto positivo que tal relacionamento lhe possa trazer. É esta a razão pelo qual indo manter de momento o actual modelo de regulação de poder paternal encontrado na sentença, entendemos, dado que estamos perante um processo de jurisdição voluntária, que decorrido que seja um ano deverá ser marcada uma nova conferência entre os pais a fim de fazer o ponto da situação e para se for caso disso afinar critérios quanto a visitas do progenitor e encontrar talvez formas mais liberais de obter o apoio construtivo do pai à educação da criança, o que apenas será possível se estiverem superados ou no mínimo controlados os atritos entre os pais pelo fito no bem-estar e desenvolvimento harmonioso da filha.

    

     Poderá assim concluir-se o seguinte:

     1) Só gera a nulidade da sentença a ausência de pronúncia sobre questões que deveriam ter sido conhecidas, sendo certo que salvo os casos em que a questão está intrinsecamente ligada ao thema decidendum, o Tribunal que não tem o dever de adivinhar, só poderá conhecer das decisões que tenham sido colocadas pelas partes nos seus articulados.

     2) O abono de família no caso de separação dos progenitores deverá ser entregue àquele que ficar com o menor a seu cargo.

     3) As soluções de guarda conjunta ou mesmo alternada do menor em matéria de regulação do poder paternal supõem que os desentendimentos entre os progenitores sejam eliminados ou minimizados, colocando os interesses da criança acima dos mesmos, não devendo equacionadas caso aquele requisito se não verifique.

     4) O progenitor não poderá descontar na pensão de alimentos que entrega à mãe que tem o menor a seu cargo, as despesas que tem com este durante o período de férias que passa consigo.

     5) Não pode uma sentença de regulação do poder paternal prever e solucionar a multiplicidade de problemas do dia-a-dia ultrapassáveis pelo mais elementar bom senso que a lei pressupõe existir em educadores normais    

                           *

     3. DECISÃO.

    

     Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação improcedente confirmando a decisão apelada, esclarecendo-se apenas que o abono de família deverá ser pago à mãe da menor, D....

     Decorrido que seja um ano após este aresto deverá ser marcada uma conferência com os pais da menor com vista a fazer o ponto da situação e eventualmente afinar critérios quanto a visitas do pai da menor e sendo caso disso encontrar vias construtivas de colaboração mais empenhada do mesmo na educação da criança.

     Custas pelo recorrente.

      [1] Cfr. Ac. de 31-1-1989 (R. 735/89) in Col. de Jur., 1989, 1, 50.

      [2] Cfr. Maria Clara Sottomayor “Exercício do Poder Paternal” Publicações Universidade Católica 2003, pags. 406 ss.