Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
18/06.0PELRA
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: ACTO URGENTE
Data do Acordão: 04/09/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 43º,45º,103º E 104º DO CPP
Sumário: Nos processos onde haja arguidos presos a urgência imposta à tramitação do processo torna-se genérica, contagiando não apenas os actos praticados ou a praticar pelos arguidos presos ou os actos que a eles respeitem, mas de igual modo os restantes actos a praticar no processo pelos arguidos não presos como também os actos a praticar pelos restantes sujeitos processuais [MP, assistentes, defensor, juiz] e os próprios actos da secretaria.
Decisão Texto Integral: Processo 18/06.0PELRA
Pedido de escusa de juiz/efeitos
Leiria



Acordam em conferência na Secção Criminal da Relação de Coimbra:
I – Relatório –
1- Na fase da instrução dos supra indicados autos e numa acta de inquirições de testemunhas do dia 17/12/2007 [constante de fls. 3646 e ss.], o arguido A… deduziu incidente de recusa do JI para prosseguir com os ulteriores actos processuais da instrução.
Na sequência da apresentação do requerimento, o JI lavrou na mesma acta o despacho com o teor de fls. 3661/3662 no qual considerou urgentes as diligências de instrução por no processo haver arguidos presos e em consequência procedeu na mesma ocasião às marcadas inquirições e ao debate instrutório, designando o dia 28 do mesmo mês para a leitura da respectiva decisão instrutória.
O arguido desde logo manifestou o seu propósito de interpor recurso do dito despacho, apresentando a motivação a 7/1/2008.
O referido pedido de recusa já se encontra decidido por acórdão desta Relação de 16/1/2008 pelo qual tal pedido foi tido por «manifestamente infundado» -, cfr. cópia de fls. 4032 a 4042.
2- As conclusões do recurso –
1) O despacho viola os art.ºs 45/2, 42/3 e 97/ 5 do Código de Processo Penal e os art.ºs 27/3 alínea b), 28/2 e 4 e art.º 32/1 e 2 da Constituição da República Portuguesa .
2) O interesse público da imagem de imparcialidade dos tribunais e a defesa dos direitos fundamentais do arguido consagrados no artigo 32/1 e 2 da Constituição, impõem que perante a suspeita de falta de imparcialidade do juiz se suspenda o processo, não devendo este praticar mais qualquer acto até que esteja decidido o incidente, ainda que isso tenha custos ao nível da celeridade processual.
3) Por isso o legislador estabeleceu que o incidente tem efeito suspensivo do processo e que a dedução do incidente tenha lugar em sede de instrução até ao início do debate instrutório, justamente porque o debate instrutório é já um acto de grande importância em que são discutidas as razões da acusação e da defesa -, o que pressupõe a absoluta imparcialidade da entidade que preside a este acto.
4) Apenas excepcionalmente o legislador admitiu que possam ser praticados determinados actos que por serem urgentes serão praticados pelo juiz suspeito de parcialidade. Hão-de ser actos urgentes aqueles cujo prejuízo para os direitos de defesa do arguido decorrentes da sua omissão seja superior ao prejuízo decorrente da sua prática pelo juiz suspeito.
5) Nestes autos o JI suspeito para presidir ao debate instrutório e para proferir a decisão instrutória, praticou como actos urgentes precisamente estes actos de instrução que o legislador mais quis salvaguardar da eventual falta de imparcialidade.
6) Justamente a realização do debate instrutório e a prolação da decisão instrutória. Com o gravame de com a prática destes actos como actos urgentes decorrer “o alargamento dos prazos máximos de duração da prisão preventiva e, consequentemente, ter permitido a determinação do prosseguimento da prática de actos processuais”.
7) O resultado prático foi a completa subversão do regime garantístico dos direitos de defesa do arguido consagrado pelo legislador relativamente ao incidente de recusa. As razões invocadas pelo JI para praticar estes actos não foram razões de salvaguarda dos direitos fundamentais do arguido; pelo contrário, foram razões no sentido da restrição destes direitos do arguido.
8) Foi única e exclusivamente para permitir o alargamento dos prazos de duração da prisão preventiva que considerou a realização da instrução, o debate instrutório e a prolação da decisão instrutória como actos urgentes, i é, para conseguir que fosse proferida decisão instrutória e por ela mantida a prisão preventiva.
9) O despacho, ao ter por urgentes a realização do debate e a prolação da decisão instrutória violou os art.ºs 45/2 e 42/3 do CPP; mas sobretudo o direito à liberdade do cidadão não condenado e portanto o princípio da presunção de inocência em violação dos art.ºs 27/3 alínea b), 28//2 e 4 e art.º 32/2 da CRP.
10) A interpretação do n0 3do artigo 42 do CPP e do n.0 2 do art.º 45 do mesmo diploma segundo a qual podem ser considerados como urgentes actos contrários aos direitos fundamentais do arguido (como sucedeu no caso com a realização do debate instrutório e a prolação da decisão instrutória que visaram assegurar a manutenção da prisão preventiva dos arguidos - ) é contrária à Constituição porque viola as garantias de defesa do arguido consagradas nos art.ºs 32/1e 2, 27/3 alínea b) e 28/2 e 4 do CRP.
11) A invocação de urgência relacionada com a existência de arguidos presos só pode ser tida em consideração a favor da liberdade dos arguidos (como sucede no art.º 103/ 2 alínea a) do CPP que fala -, a par dos actos relativos a arguidos presos -, em “actos indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas”) e não contra a liberdade dos mesmos.
É isso que resulta do respeito pelo direito ã liberdade e do princípio de presunção de inocência, sendo a interpretação inversa uma perversão do sentido constitucional desse princípio e um desrespeito por um direito fundamental.
12) Acresce que constituindo os actos que podem ser praticados pelo juiz suspeito uma excepção á regra da suspensão do processo, a natureza excepcional de tais actos faz impender sobre o juiz especiais deveres de fundamentação das razões de urgência que o levam à sua prática.
13) O despacho não especifica as razões de facto e direito que levaram o JI a considerar a realização do debate instrutório e a prolação da decisão instrutória como actos urgentes, pelo que não só não foi cumprido o dever de fundamentação de qualquer acto decisório, como muito menos foram cumpridos os especiais deveres de fundamentação que neste caso se impunham ao JI.
14) Estamos, pois, perante manifesta falta de fundamentação do despacho, tendo-se violado os art.ºs 97/5 do CPP e o art.º 205/1 da CRP.
3- Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido pela sua improcedência; no que é secundado em parecer do Ex.mo Procurador - Geral Adjunto.
4- Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir!
II- Apreciação -
1- Do processado que nos é presente depreende-se que estejam presos preventivamente cerca de sete arguidos, cinco deles por tráfico agravado de estupefacientes e os outros dois por tráfico na previsão do art.º 21º do DL. n.º 15/93 de 22/1.
Decorre do art.º 43º do Código de Processo Penal Diploma a que se referem os preceitos cuja origem se não indique. que, para além de outros sujeitos processuais, o arguido pode apresentar pedido de recusa de intervenção de juiz no processo. Aí se estatui que essa intervenção pode ser recusada quando se correr o risco daquela ser considerada suspeita por existir motivo sério, grave e adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz.
No n.º2 do artigo afirma-se que pode, nomeadamente, constituir fundamento de recusa do juiz a sua intervenção em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do art.º 40º.
Estatui-se no art.º 45º que depois de apresentado o requerimento, o juiz visado apenas praticará Note-se que do preceito se retira tratar-se duma obrigação imposta ao juiz . os actos processuais urgentes [ou os que forem necessários para assegurar a continuidade da audiência].
Coloca-se, então, a necessidade de saber que actos se deverão ter por “urgentes”, já que como tal a lei não os define.
2- A noção de actos urgentes tem sido colhida do que conjugadamente se extrai dos art.ºs 103º e 104º referentes ao «tempo dos actos» e à «contagem dos prazos de actos processuais».
Quanto à prática dos actos processuais, o n.º1 do art.º 103º consagra a regra de que os mesmos são praticados nos dias úteis às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais.
Mas logo no n.º2 do artigo se prevê um conjunto de excepções à enunciada regra, apresentando-se à cabeça dessas excepções «os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas».
E o artigo seguinte [o art.º 104º], relativo à contagem dos prazos dos actos processuais, no seu n.º2 estatui que «Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos nas alíneas a) a e) do n.º2 do artigo anterior», ou seja, além do mais, para o que aqui nos interessa, os prazos relativos a processos em que haja arguidos detidos ou presos.
Note-se que o n.º2 do art.º 104º coloca a tónica não nos «actos relativos aos arguidos presos»; mas nos «processos» com arguido(s) preso(s).
Daqui decorre, a nosso ver, que nos processos onde haja arguidos presos a urgência imposta à tramitação do processo torna-se genérica, contagiando não apenas os actos praticados ou a praticar pelos arguidos presos ou os actos que a eles respeitem, mas de igual modo os restantes actos a praticar no processo pelos arguidos não presos como também os actos a praticar pelos restantes sujeitos processuais [MP, assistentes, defensor, juiz ] e os próprios actos da secretaria .
Nesta dinâmica o legislador visou valores relevantes como a celeridade processual, os benefícios que se colhem sobre a credibilidade e a eficiência dum julgamento conjunto a todos os agentes dum crime, mas fundamentalmente o direito constitucional à liberdade individual afectada quanto aos arguidos presos e o carácter excepcional da prisão preventiva. Note-se que se um arguido detido for absolvido jamais lhe poderá ser devolvida a liberdade afectada pela detenção ou pela prisão.
3- O que não seria curial é que -, só porque se apresentou pedido de recusa do juiz, as mais das vezes sem fundamento atendível -, se suspendam quanto ao apresentante ou quanto a todos os arguidos os ulteriores termos do processo ou se tenha de proceder à autonomização de processos.
Ou ainda, por outra via, como parece ter sido desiderato do arguido /recorrente, se suspendessem os ulteriores termos do processo sem qualquer interferência na contagem dos prazos de prisão preventiva. Neste aspecto o recorrente desnuda uma possível estratégia processual, a saber, a de pela via do incidente que suspendesse a prática do debate e consequente decisão instrutória se obter o esgotamento do prazo de prisão preventiva sem a prolação desta decisão.
4- Mas por aqui se vê que o arguido defende um «unfair process» à custa duma interpretação inapropriada.
Para as situações emergentes da apresentação dum pedido de recusa do juiz, a lei prevê mecanismo diferente do proposto pelo recorrente, que não retira ao processo a seu caracter de «processo equitativo».
Precisamente o consagrado no n.º5 do art.º 43º, a saber, os actos praticados pelo juiz recusado antes da apresentação do pedido de escusa serão em princípio válidos; os praticados posteriormente à apresentação do pedido de recusa serão, em princípio, inválidos.
Assim, bem andou o JI ao praticar os ulteriores termos do processo atenta a natureza urgente do processo face à existência nele de arguidos presos.
O despacho não ofende os preceitos do Código de Processo Penal chamados à colação pelo arguido, nem a interpretação que deles fez o JI para ter por urgentes também o debate instrutório e decisão instrutória, interpretação que não viola qualquer preceito constitucional, nomeadamente o art.º 28º da Constituição da República Portuguesa sobre a prisão preventiva e/ou o art.º 32º do mesmo diploma sobre as garantias do processo criminal.
4- E, contrariamente ao referido pelo recorrente, o despacho recorrido encontra-se suficientemente fundamentado já que nele é dito que “ depois de apresentado o requerimento, o juiz visado pratica apenas os actos urgentes.
Relativamente ao que seja acto processual urgente o legislador tomou posição no art.º 103/2 ao enquadrar tal circunstância os actos relativos a arguidos presos.
Aliás correm em férias judiciais os prazos de todos os intervenientes processuais em processos com arguidos presos – acórdão do STJ de 13/1/89, BMJ 383 pág. 476.
No caso concreto verifica-se que os arguidos (...) se encontram no regime de prisão preventiva. As diligências de instrução, designadamente a inquirição de testemunhas bem como o debate instrutório têm a natureza de actos processuais urgentes porque abrangem arguidos presos (...)
Acresce que a realização da instrução poderá acarretar uma tomada de posição quanto às medidas de coacção de prisão preventiva a que os mesmos se encontram sujeitos, passando deste modo também a integrar o conceito de actos processuais indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas previstas no art.º 103º/2 alínea a), 2ª parte.
Pelo exposto e em conformidade com o art.º 45/2 do CPP determino a realização dos actos processuais agendados em sede de instrução por terem a natureza de actos processuais urgentes (...).
Ou seja, de modo algo semelhante ao nosso o JI fundamentou de facto e de direito o despacho para concluir pela falta de razão do recorrente quanto ao que ele entende serem os actos urgentes a praticar na instrução.
III- Decisão –
Termos em que se tem o recurso por improcedente.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.
Coimbra,