Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3275/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
Data do Acordão: 01/25/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 772.º, N.º 2 B) CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: Não se impõe a interpretação restritiva da norma do artigo 772.º, n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil de forma a excluir o recurso de revisão de sentença transitada que seja contrária a outra que constitua caso julgado para as partes, formado anteriormente, nos termos da al. f) do artigo 771.º.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A... e mulher B... interpõem, no tribunal da comarca da Figueira da Foz, recurso de revisão de sentença proferida na acção ordinária n.º 266/2002, que transitou em julgado e decidiu contra sentença homologatória de transacção efectuada no Processo de Inventário n.º 307/1998 da mesma comarca, havendo assim contradição de julgados.
Por entender que o recurso foi interposto fora do prazo de 60 dias previsto no artigo 772.º, n.º 2, b) do Código de Processo Civil, o sr. juiz indeferiu o recurso, por extemporâneo.
Inconformados com a decisão, dela trazem os recorrentes o presente agravo, onde concluem:
1) O recurso de revisão, quando utilizado para anular uma sentença, que seja contrária a outra que constitua caso julgado para as partes formado anteriormente nos termos da al. f) do artigo 771.º do Código de Processo Civil, não está sujeito aos prazos referidos na al. b) do n.º 2 do artigo 772.º do mesmo diploma legal;
2) Isto porquanto, nos termos dos artigos 496.º, 497.º e n.º 1 do artigo 675.º do Código de Processo Civil, tal anulação pode ser pedida a todo o tempo e até apreciada oficiosamente pelo tribunal, sem dependência de prazo;
3) Não se entendendo assim em tal caso, por interpretação literal dos preceitos primeiramente referidos, e sendo o requerimento do recurso apto, deverá ter se concluir-se que houve erro na forma de processo e fazê-lo seguir o que se entender curial, sob pena de violação do artigo 199.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

2. Não foram apresentadas contra-alegações. Foi proferido despacho de sustentação. Estão colhidos os vistos legais. Cumpre agora conhecer e decidir, tendo em conta os seguintes factos:
- A sentença proferida na acção ordinária n.º 266/2002 data de 10/04/2003 e foi notificada aos aí réus e ora recorrentes em 11/04/2003 e transitou;
- O requerimento de interposição do recurso deu entrada no tribunal da comarca da Figueira da Foz, em 29/03/2204;
- A sentença homologatória proferida no processo de inventário n.º 307/98 transitou em 26/04/1999;
- Os recorrentes alegam que as sentenças se contradizem, havendo ofensa de caso julgado.

3. A questão que se coloca é, pois, unicamente a de saber se, no caso de contradição de sentenças transitadas, o recurso de revisão previsto no artigo 771.º al. f) do Código de Processo Civil está sujeito ao prazo de 60 dias previsto no artigo 772.º, n.º 2, al. b) do mesmo diploma.
Os agravantes entendem que não, basicamente porque se o caso julgado constitui excepção peremptória de conhecimento oficioso, para evitar a contradição de julgados, (artigos 496.º e 497.º do Código de Processo Civil), não faz sentido que o recurso de revisão, instituído para eliminar a sentença transitada em segundo lugar, esteja dependente de qualquer prazo; seja o de 60 dias, seja mesmo o de 5 anos que a lei prevê. Que dizer disto?
Decorre do artigo 771.º al. f) do Código de Processo Civil que a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão “quando seja contrária a outra que constitua caso julgado para as partes, formado anteriormente”. E do artigo 772.º, n.º 2 al. b) resulta que “o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados (...) desde que a parte (...) teve conhecimento do facto que serve de base à revisão”.
Ou seja, para qualquer recurso de revisão há um prazo limite de cinco anos, a partir do qual, em circunstância alguma, pode ser utilizado o recurso. E há um prazo (dentro desses cinco anos) para interpor o recurso, que é de 60 dias a contar do trânsito da sentença em que se funda a revisão, para o caso da al. a) do artigo 771.º do Código de Processo Civil; ou a contar da data em que a parte obteve o documento, para os casos das alíneas b) e c); ou a contar da data em que a parte teve conhecimento do facto que serve de base à revisão, para os casos das alíneas d), e) e f).
Intimamente ligado com esta matéria está o artigo 675.º do Código de Processo Civil, segundo o qual “havendo duas decisões contraditórias sob a mesma pretensão, cuprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar”. Trata-se duma solução para todos os casos que escaparam ao controle dos pressupostos processuais e o recurso de revisão tem justamente em vista fazer desaparecer a sentença que não devia ter sido proferida.
Vistas assim as coisas, parece, à partida, sensato concluir que, para obter este resultado, a lei não deve colocar entraves de qualquer espécie, designadamente no que se refere ao tempo, já que para as nulidades que - tal como o recurso de revisão- se destinam a apagar um acto ineficaz, está estatuído que podem ser arguidas a todo o tempo.
A questão está em saber se existem interesses cuja tutela exige uma interpretação restritiva da norma do artigo 772.º, n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil de forma a excluir o recurso de revisão de sentença transitada que seja contrária a outra que constitua caso julgado para as partes, formado anteriormente, nos termos da al. f) do artigo 771.º.
Na vigência do Código de Processo Civil de 1939, o artigo 771.º dispunha que a revisão de qualquer sentença passada em julgado podia ser requerida (para além de outros casos) quando a sentença fosse contrária a outra que constituísse caso julgado para as partes, formado anteriormente, se o vencido mostrasse que não teve conhecimento dele enquanto o processo esteve pendente, sendo certo que no artigo 772.º (tal como agora) se estabeleciam restrições temporais – 30 dias para a interposição do recurso, dentro de cinco anos. Ou seja, além dos prazos de interposição do recurso, ainda havia mais a restrição da falta de conhecimento do caso julgado na pendência do processo. E então punha-se a questão de saber como conciliar o dito n.º 7 do artigo 771.º do Código de Processo Civil (correspondente à actual al. f) com o disposto nos artigos 675.º (correspondente ao actual) e o 813.º, n.º 7 (correspondente ao actual artigo 814.º, al. f) e outros que versavam sobre a oposição à execução baseada no caso julgado anterior à sentença exequenda.
E a opinião do Prof. Alberto Reis ( cfr. Código de Processo Civil anotado, VI, 365 a 367) foi esta: a doutrina destes textos não deve ser subordinada à do artigo 675.º. “ainda que a revisão por ofensa de caso julgado só seja admitida com a restrição constante do n.º 7 [ter o recorrente que demonstrar que não teve conhecimento do caso julgado na pendência do processo], sempre a parte interessada poderá impedir a efectivação da 2.ª sentença ou mesmo fazer valer a 1.ª.”
E depois acrescenta que “em bom rigor não há antagonismo...” entre as restrições do recurso e o artigo 675.º e o actual artigo 814.º, al. f) [oposição à execução com base no caso julgado anterior]. “Na base de todas estas disposições está o mesmo princípio: perante dois casos julgados contraditórios prevalece o que se formou em primeiro lugar”. Por isso a questão deveria ser antes a de saber se, perante os outros textos citados, haveria necessidade de haver recurso de revisão, já que todos os interesses estão salvaguardados com a norma do artigo 675.º e do artigo 814.º, al. f). Se não for eliminada a sentença revidenda, nem por isso ficam desacautelados os direitos emergentes da decisão primeiramente transitada, que sempre prevalecerão sobre a segunda sentença que constituirá letra morta.
Com efeito, se for dada à execução a segunda sentença, deve ter-se como certo que o executado pode deduzir oposição baseada no artigo 814.º al. f) do Código de Processo Civil. A circunstância de continuar de pé a sentença exequenda, pois não foi declarada sem efeito através do recurso de revisão, não obsta a que a oposição proceda. O preceito não faz depender a eficácia da oposição do facto de a sentença ter sido inutilizada pelo recurso de revisão. Pelo contrário, pressupõe que a sentença, base da execução, ainda subsiste; se tivesse sido cancelada ou destruída pelo recurso de revisão, a execução já não teria base e não haveria, por isso, necessidade de invocar o 814.º al. f) do Código de Processo Civil.
Mas nem só pela execução a sentença pode produzir os seus efeitos. O vencedor pode não executar a sentença, até porque conta com a oposição; mas pode com ela requerer um registo ou inculcar-se credor da parte vencida, aproveitando uma sentença que não foi destruída. Nesse caso poderá argumentar-se que a revisão se justifica. Sem razão, porém, na medida em que “desde que o artigo 675.º determina, sem quaisquer restrições ou condições que, em face de duas decisões contraditórias sobre o mesmo objecto, cumprir-se-à a que passou em julgado em primeiro lugar, a parte vencedora na primeira e vencida na segunda não precisa de fazer declarar sem efeito, por meio do recurso de revisão, o segundo caso julgado; tem sempre diante de si o caminho que o artigo 675.º lhe abre: requerer o cumprimento da primeira decisão. Obtém assim, por via indirecta o que a al. f) do artigo 771.º lhe permitiria pedir directamente: o cancelamento do segundo caso julgado” ( Alberto Reis, ob. cit. Vol. VI, 367.).
Tudo para dizer que não há interesses do vencedor, decorrentes da decisão que vigora, que fiquem desprotegidos fora do recurso de revisão. O que vale por dizer que não se impõe a interpretação restritiva da norma do artigo 772.º, n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil de forma a excluir o recurso de revisão de sentença transitada que seja contrária a outra que constitua caso julgado para as partes, formado anteriormente, nos termos da al. f) do artigo 771.º.

4. Conhece-se um acórdão da Relação do Porto ( Acórdão de 24/02/1994, CJ, I, 244. Decidiu no mesmo sentido o STJ, acórdão de 14/03/1995, Proc. 086354, em www.dgsi.pt ) que decidiu não ocorrer a caducidade do direito de interpor recurso de revisão de sentença homologatória de transacção, mesmo que tenha decorrido mais de cinco anos depois de ter sido proferida, mas tratava-se de um caso em que a transacção tinha sido declarada nula por sentença proferida posteriormente em acção ordinária intentada para esse fim. Aqui entendeu-se que a destruição da sentença nula, por efeito do recurso de revisão, não podia estar condicionada a qualquer limite temporal, uma vez que a nulidade opera a todo o tempo e não pode permanecer encapotada no trânsito duma sentença.
O acórdão, que tem um voto de vencido, trata dum caso diverso do nosso, como é evidente, pois o caso julgado constitui excepção peremptória, cujos efeitos, apesar de alguma semelhança, não têm paralelo com os da nulidade. Não vemos, por isso, razões válidas que justifiquem a retirada do recurso de revisão previsto na al. f) do artigo 771.º do Código de Processo Civil do âmbito das restrições impostas pela norma específica do artigo 772.º, n.º 2.
O princípio geral é o de que, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, deve, independentemente do prazo, cumprir-se a que primeiro passou em julgado (artigo 675.º do Código de Processo Civil), podendo a parte vencedora na primeira decisão impor o seu cumprimento, por meio de processo comum em vez do recurso extraordinário de revisão. Socorrendo-se do recurso de revisão, então terá de fazê-lo dentro dos prazos estabelecidos no artigo 772.º, pela especificidade da norma da al. f) do artigo 771.º .
Concluindo:
Não se impõe a interpretação restritiva da norma do artigo 772.º, n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil de forma a excluir o recurso de revisão de sentença transitada que seja contrária a outra que constitua caso julgado para as partes, formado anteriormente, nos termos da al. f) do artigo 771.º.
Improcedem, por isso, com o devido respeito, as conclusões da alegação dos apelantes, nesta matéria. E também não se nos afigura que lhe assista razão para a convalidação da petição inicial, rumo a um processo diferente. Não há erro na forma de processo. Os agravantes quiseram interpor recurso extraordinário de revisão de sentença e utilizaram a forma de processo correcta. O processo só não avança porque surgiu extemporaneamente; só por isso.

5. Decisão
Por todo o exposto acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao agravo.
Custas a cargo dos apelantes.
Coimbra, 25 de Janeiro de 2005