Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1475/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
INDEMNIZAÇÃO
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 06/21/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 566º, Nº 2, 805º, Nº 3, DO C. CIV. E ACÓRDÃO DO STJ Nº 4/2002 .
Sumário: O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº 4/2002 colocou termo a uma longa polémica sobre como interpretar e conjugar a 2ª parte do nº 3 do artº 805º com o artº 566º, nº 2, ambos do C. Civ. , tendo, a partir de então, ficado claro que a regra contida naquele preceito ( de que os juros de mora são devidos desde a data da citação do responsável ) deixa de funcionar se o montante indemnizatório atribuído for entretanto objecto de uma actualização , pois neste caso os juros de mora só passarão a vencer-se a partir da data da prolação da decisão actualizadora do montante indemnizatório .
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. O autor, A..., intentou contra a ré, Companhia de Seguros B... (hoje, por força da fusão de que entretanto foi alvo, designada Companhia de Seguros C...) a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, alegando para o efeito, e em síntese, o seguinte:
No dia 28/7/2000, na Auto-Estrada A1, no sentido sul-norte, ocorreu um acidente de viação, na sequência do qual o veículo automóvel do autor foi embatido pelo veículo automóvel, de matrícula SX-68-60, que se encontrava então segurado na ré, por força de um contrato de seguro, titulado pela apólice nº 8453908, e através do qual a última assumiu a responsabilidade civil decorrente de danos causados por aquele a terceiros.
Embate esse que se deveu exclusivamente à conduta culposa daquele veículo segurado na ré.
Em consequência de tal colisão o autor sofreu danos de natureza patrimonial e não patrimonial que contabilizou globalmente no montante de 2.161.394$00 (correspondendo esc. 400.000$00 ao valor dos danos não patrimoniais, e o restante ao valor dos danos patrimoniais emergentes).
Pelo que terminou o autor por pedir que a ré fosse condenada a pagar-lhe aquela importância total, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sua citação e até ao seu integral pagamento.

2. Na sua contestação, a ré declinou que tal colisão tivesse sido da responsabilidade do seu segurado, acabando por pedir a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

3. No despacho saneador afirmou-se a validade e a regularidade da instância, tendo-se depois, à luz do disposto no artº 787, nº 2, do CPC, dispensado a selecção da matéria de facto.

4. Mais tarde, procedeu-se à realização do julgamento – com a gravação da audiência -, sem que a decisão proferida sobre a matéria de facto tivesse então sido objecto de qualquer censura.

5. Seguiu-se a prolação da sentença, a qual - depois de atribuir ao condutor do veículo segurado na ré a exclusiva responsabilidade na produção do aludido acidente que envolveu o veículo do autor -, julgando a acção parcialmente procedente, acabou por condenar a ré “a pagar ao autor a quantia de € 10.017,90 (dez mil e dezassete euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 7% desde a data da citação e até 30 de Abril de 2003 e à taxa de 4% a partir de 1 de Maio de 2003 e até integral pagamento.”

6. Não se tendo conformado inteiramente com tal sentença decisória, a ré dela interpôs recurso, o qual foi admitido como apelação.

7. Nas correspondentes alegações quer apresentou ao recurso, a ré concluiu as mesmas nos seguintes termos:
“1- A meritíssima Juiz “a quo” condenou a apelante a pagar juros de mora sobre a quantia fixada a título de danos não patrimoniais, à taxa legal, desde a citação para contestar o pedido;
2- Tem a jurisprudência vindo a sustentar que, quando a indemnização for fixada com a recurso à equidade, isto é, de acordo com os critérios do nº 2 do artº 556º, não pode acrescer-lhe juros de mora desde a citação, mas tão só desde a prolação da sentença;
3- Os juros de mora que a apelante foi condenada apenas serão devidos a partir da prolação da sentença.
4- A douta decisão recorrida violou o disposto no artº 506º, nº 2, do CC.”

8. Nas suas contra-alegações, o autor pugnou pela improcedência do recurso, com a, consequente, manutenção do julgado.

9. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso.
Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto dos mesmos (cfr. artºs 690, nº 1, e 684, nº 3, do CPC), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso (cfr. nº 2 – finé - do artº 660 do CPC).
1.1 Ora calcorreando as conclusões do recurso (tal como, aliás, decorre das próprias alegações que as precedem) verifica-se que a única questão que importa aqui apreciar e decidir traduz-se apenas em saber qual o momento a partir do qual, no caso em apreço, se devem vencer ou contar os juros de mora no que concerne ao capital atribuído, na sentença recorrida, ao autor, a título indemnização pelos danos não patrimoniais.
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2. Dada a natureza da questão aqui em apreciação, e dado, por um lado, que a mesma não foi objecto de impugnação, e, por outro, que não se impõe a sua alteração, decide-se, assim, e à luz do disposto no nº 6 do artº 713 do CPC, remeter para matéria factual que foi dada como assente na 1ª instância.
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3. Como resulta do acima exposto, o condutor do veículo segurado na ré foi considerado, pela sentença recorrida, o único responsável pela produção do acidente de viação em que se viu envolvido o veículo automóvel do autor e por si então conduzido.
Para além dos danos patrimoniais, na sentença recorrida condenou-se a ré indemnizar o autor pelos danos não patrimoniais que sofreu, em consequência do acidente em causa, valorados ali no montante de € 1.500,00 (abaixo daquilo que o autor havia peticionado).
E no final da aludida sentença, como acima se deixou expresso, condenou-se a ré a pagar ao autor quantia total de € 10.017,90 (correspondente à soma total dos montantes indemnizatórios atribuídos pelos danos patrimoniais e não patrimoniais), acrescida dos juros de mora, às taxas legais ali indicadas, com a data do inicio do seu vencimento a ser fixada desde a data da citação da ré para a presente acção.
Ora é só contra esta última questão que, no presente recurso, se insurge a ré, pois entende que, no que concerne ao capital indemnizatório referente aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, os correspondentes juros moratórios só devem ser contabilizados ou vencidos após a data da prolação da sentença.
3.1 Qui iuris?
Pela sua importância para a matéria em questão, haverá que chamar, desde logo, aqui à colação acordão do STJ nº 4/2002 (de 9/5/2002, publicado no DR Iª S-A, de 27/6/2002) que uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado nos termos do nº 2 do artº 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
Acordão esse que colocou, assim, e desde logo, termo a uma longa polémica sobre o saber como interpretar e conjugar a 2ª parte do nº 3 do artº 805 do Código Civil (após a redacção que lhe foi introduzida pelo DL nº 262/83 de 16/6) com o artº 566, nº 2, desse mesmo diploma, e nomeadamente sobre o saber se, num caso de responsabilidade por factos ilícitos ou por risco, o juiz podia arbitrar uma indemnização em dinheiro, actualizada nos termos do prescrito naquele último normativo, e ao mesmo tempo condenar ainda, em regime de cumulação, o responsável pelos juros de mora a serem contabilizados desde a data da sua citação para a acção.
A partir de então ficou claro, com tal doutrina, que a regra, contida na 2ª parte do citado nº 3 do artº 805, de que os juros de mora são devidos desde a data da citação do responsável, deixa de funcionar se o montante indemnizatório atribuído for entretanto objecto de uma actualização, ou seja, de um cálculo actualizado, pois, nesse caso, os juros moratórios só passarão a vencer-se, isto é, a ser devidos e a poder ser contabilizados, a partir da data da prolação da decisão actualizadora de tal montante indemnizatório.
Portanto, a regra é de que, no caso de responsabilidade por factos ilícitos ou por risco, os juros moratórios se vencem desde a data da citação do responsável, e a excepção é de que assim não será quando a indemnização atribuída tiver sido entretanto objecto de cálculo actualizado (à luz do nº 2 do citado artº 566), porque nessa altura tais juros só passarão a vencer-se e a poder ser contabilizados a partir da data em que foi proferida a decisão actualizadora.
E como assim é, e dado que estamos no domínio de matéria de excepção, torna-se necessário (para que tal excepção funcione) que do texto da decisão resulte clara e expressamente que tal actualização da indemnização tenha sido feita (ex professo), sendo de pôr de lado o recurso a quaisquer critérios de supostas actualizações implícitas ou presumidas, tal como dominantemente vem também entendendo o nosso mais alto tribunal.
Mas aquele acordão uniformizador de jurisprudência abriu também caminho para pôr termo a mais uma vexata quaestio, quando, no ponto 4.7 da sua fundamentação, afirmou que “nesta problemática, não há que distinguir entre danos não patrimoniais e danos patrimoniais....., uma vez que todos são indemnizáveis em dinheiro e susceptíveis, portanto, do cálculo, actualizado constante do nº 2 do artº 566º”. (sublinhado nosso).
Entendimento esse que depois se reflectiu a final na elaboração da sobredita norma ou jurisprudência interpretativa já que se limitou a falar de “indemnização pecuniária”, sem qualquer cuidado de distinguir o tipo ou natureza de danos de que a mesma emerge.
No sentido que acabámos de expôr, vidé ainda, entre outros, Ac. do STJ de 7/4/2005, processo nº 05B516, relatado pelo exmº sr cons. Ferreira de Almeida; Ac. do STJ de 3/2/2005, processo nº 04B4377, relatado pelo exmº srº cons. Moitinho de Almeida e Ac. do STJ de 27/4/2005, processo nº 03B2086, relatado pelo exmº sr cons. Lucas Coelho, e bem assim abundante jurisprudência desse alto Tribunal ali citada, todos publicados in “www.dgsi.pt/jst”.
3.2 Ora postas tais considerações, de cariz teórico-técnico, e subsumindo-as ao caso em apreço, diremos:
Compulsando o texto da sentença recorrida (proferida em 2/4/2004) verifica-se que o srº juiz do tribunal a quo limitou-se a fixar os montantes indemnizatórios acima referidos (e nomeadamente no que concerne aos danos não patrimoniais) atribuídos ao autor, decorrentes do sobredito acidente de viação (ocorrido em 28/7/2000), sem que dele decorra alguma referência (por mais ligeira que seja) a qualquer cálculo actualizado (dos montantes) das indemnizações ali fixadas (quer consideradas parcelarmente, quer globalmente).
Logo, e por força do que acima dissémos, deve prevalecer a regra de que os juros moratórios (correspondentes, quer aos montantes indemnizatórios pelos danos patrimoniais, quer aos montantes indemnizatórios pelos danos não patrimoniais) são devidos, isto é, vencem-se desde a data da citação da ré para a acção.
E, sendo assim, nenhuma censura haverá, nesse particular, que fazer à sentença recorrida, pelo que o recurso terá que naufragar.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso (de apelação), confirmando-se a sentença da 1ª instância.
Custas pela ré-apelante.

Coimbra,