Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3051/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: FALÊNCIA - APENSAÇÃO DE PROCESSOS
Data do Acordão: 04/05/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA - 5º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 275º DO CPC ; 126º-A E 126º-B, DO CPEREF
Sumário: I – Da conjugação do disposto nos artºs 126º-A, nº 1, e 126º-B, nºs 1 e 2, do CPEREF, resulta que quando é formulado por um credor um pedido de responsabilização solidária e ilimitada dos responsáveis pela gestão da empresa de que se requer a falência, designadamente dos seus gerentes, deve esse pedido ser apreciado no processo de falência e apresentado como apenso a tais autos .
II – Se dois processos não se encontrarem na mesma fase processual mas se tal circunstancialismo não afectar o prosseguimento de ambas ou mesmo se tal ocorrer mas ainda assim se entender que é mais vantajoso para uma apreciação global do litígio, deverá deferir-se a apensação de acções requerida, por não haver inconveniente em que tal se verifique .
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra,

I – RELATÓRIO

A..., veio recorrer do despacho do Senhor Juiz de Direito do 5.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria que indeferiu a apensação da acção especial de falência interposta pela recorrente contra a empresa “B...” e que corre termos pelo 1.º Juízo daquele Tribunal, à acção especial de falência que anteriormente tinha sido instaurada contra aquela mesma empresa, naquele 5.º Juízo, onde entretanto veio a ser decretada a falência.
No processo que corre termos pelo 1.º Juízo, e que se requeria que fosse apensado ao do 5.º, para além do pedido de falência da empresa “B...”, pede-se a responsabilização dos seus sócios gerentes C... e mulher, D... e a condenação no pagamento do passivo da empresa.
O aludido requerimento, onde se solicita a apensação da acção do 1.º à do 5.º Juízos, foi apresentado na sequência do acórdão desta Relação de Coimbra (fls. 68 a 79) que na apreciação do recurso interposto da decisão proferida no processo do 1.º Juízo (que tinha absolvido da instância a aludida empresa “B...”, por se registar a excepção de litispendência), na parte de fundamentação e decisória rezou assim:
“…
“Apontado está, então, que a solução mais adequada será a da apensação dos processos, nos termos dos artigos 275.° e 30.° do Código de Processo Civil, notificando-se as partes para o efeito.
No caso de inércia destas, não restará ao tribunal outra alternativa que não seja a utilização do instrumento da prejudicialidade.
Concluindo:
- O conceito geral e tradicional de litispendência é o que vem definido no artigo 497.° n.° 1 do Código de Processo Civil e consiste na repetição de uma causa, estando a anterior ainda pendente, definindo o artigo 498.° os termos em que a causa se repete.
- O que se diz de novo no artigo 12.° n.° 1 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência é que também há litispendência quando se encontrem simultaneamente pendentes duas acções: uma com o pedido de recuperação e outra com o pedido de declaração de falência da mesma empresa.
- Ou seja, a solução que o legislador consagrou neste processo especial para a hipótese de co-existência dos dois processos (recuperação e falência) sobre a mesma empresa foi a absolvição da instância no processo entrado em segundo lugar; seja o de falência, seja o de recuperação.
- Encontrando-se pendentes, em simultâneo, um processo em que se pede a falência de uma empresa e outro em que, além da falência da mesma empresa, se pede ainda a responsabilização dos sócios, nos termos dos artigos 126.°-A e 126.°-B do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, não cabe na
hipótese do artigo 12.°, n.° 1 deste diploma a absolvição da instância por litispendência.
- Quando muito poderá haver lugar a absolvição parcial da instância, no que concerne aos pedidos de declaração de falência da empresa num e noutro processo. Mas isso não deixa de conduzir à necessidade de apensar as acções, considerando que numa delas se mantém o pedido de responsabilização dos sócios.
- A solução adequada será, então, a da apensação de processos prevista nos artigos 275.° n.° 1 e 30.° do Código de Processo Civil, sem qualquer julgamento parcial sobre litispendência.
Logo o que há a fazer é dar conhecimento às partes intervenientes neste processo de que se encontra pendente no 5.° Juízo o processo 3396/03.9TBLRA, com pedido de falência da B..., tendo em vista o disposto nos artigos 275.° n.° 1 e 30.º do Código de Processo Civil.
Deverá ainda ter-se em conta que não se pode, no âmbito deste recurso, ordenar-se igual procedimento no processo 3396/03.9TBLRA do 5.° Juízo.
7. Decisão
Por todo o exposto acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, em consequência do que revogam a decisão recorrida, para que se dê conhecimento às partes intervenientes neste processo de que se encontra pendente no 5.° Juízo o processo 3396/03.9TBLRA, com pedido de falência da B..., tendo em vista o disposto nos artigos 275.° n.° 1 e 30.° do Código de Processo Civil.”

Foi pois na sequência deste acórdão, que foi apresentado o requerimento da ora recorrente, no âmbito do processo de falência do 5.º Juízo, o qual foi objecto de indeferimento com base nos seguintes fundamentos:
“…
“Apreciando, e não se descurando a proficiência do acórdão da Relação de Coimbra, há que ter em consideração a seguinte realidade: é que, após a sua prolação, em 02.03.2004, foi proferida nestes autos, sentença que decretou a falência da requerida B..., no dia 17 desse mês.
Deste modo, o douto aresto da Veneranda Relação decidiu com base numa circunstância factual que se alterou e que era o facto de ambas as acções se encontrarem na mesma fase, em que ainda não havia sido proferido o despacho a que alude o art. 25° do CPEREF.
A apensação de acções pressupõe que, como se lê no art. 275°, n.º 1, do CPEREF, o estado do processo a tal não obste, o que não sucede com processos que se encontram em fases diferentes.
Uma vez que a requerida já foi declarada falida nestes autos, não se vê qual a utilidade de se deferir à requerida apensação.
Poder-se-ia dizer que tal utilidade advém do facto de, na referida falência do 1° Cível, se ter requerido a responsabilização solidária dos gerentes da B.... Mas nada impede que a ora requerente venha, por apenso a estes autos, propor a acção a que se referem os artgs. 126°A e 126°B do CPC. E é isso que nos parece mais correcto que suceda neste processo, caso a requerente formule tal pretensão, até por uma questão de compreensibilidade do processado, princípio este que, a nosso ver, prevalece sobre o interesse de a requerente não pagar as custas da acção que intentou no 1° Cível apenas e tão só porque desconhecia a presente acção (à qual foi dada toda a publicidade que a lei impõe, sejam editais, sejam anúncios...).
Isto é, e em suma, a circunstância de os presentes autos já terem sentença que decretou a falência, estando numa fase já mais avançada, e tendo em conta que a requerente tem meios legais ao seu dispor para responsabilizar os gerentes da falida, tornam inconveniente a requerida apensação.
Destarte, indefiro à requerida apensação.
Notifique e informe o processo de falência do 1° Juízo Cível de Leiria, com o no 3141/03.9 TBLRA, do teor deste despacho.

A agravante, discordando deste despacho, veio dele recorrer tendo apresentado as suas alegações, nas quais exibiu as seguintes CONCLUSÕES:
1.ª- A recorrente interpôs uma acção pedindo:
a) a declaração de falência da B...,
b) a responsabilização dos seus sócios gerentes C... e D..., no pagamento de todo o montante em dívida da massa falida, e,
c) no reconhecimento do crédito que a recorrente tem sobre a dita Actitéenica.
2.ª- Essa acção distribuída ao 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria sob o n.° 3.141/03.9TBLRA, veio a ser em primeira instância julgada improcedente, sendo sentenciado a existência de litispendência entre a acção interposta em juízo pela recorrente e uma outra acção que corria em que uma outra empresa, a “Mundialarme — Comercialização de Equipamentos de Segurança, S.A.”, que corre no 5.º Juízo Cível do mesmo Tribunal, com o número 3.396/03.9TBLRA, por esta acção ter entrada em juízo (se bem que no Tribunal de Comércio de Lisboa) antes da interposta pela recorrente.
3.ª- Inconformada, “A....” veio a recorrer para o Tribunal da Relação de Coimbra, onde, com um magnífico Acórdão, transitado, foi julgado inexistir litispendência.
4.ª- No Acórdão sentenciou-se que:
“- encontrando-se pendentes, em simultâneo, um processo em que se pede a falência de uma empresa e outro em que, além da falência da mesma empresa, se pede ainda a responsabilização dos sócios, nos termos dos artigos 126.°-A e 126.°-B do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, não cabe na hipótese do artigo 12.º n.º 1 deste diploma a absolvição de instância por litispendência.
- Quanto muito poderá haver lugar a absolvição parcial da instância, no que concerne aos pedidos de declaração de falência da empresa num e noutro processo. Mas isso não deixa de conduzir à necessidade de apensar as acções, considerando que numa delas se mantém o pedido de responsabilização dos sócios.
- A solução adequada será então, a da apensação de processos prevista nos artigos 275.º n.º 1 e 30.º do Código de Processo Civil, sem qualquer julgamento parcial de litispendência”, os caracteres são nossos.
5.ª- Para que a recorrente tomasse conhecimento do processo e requeresse a sua apensação, os Juízes Desembargadores, doutamente, ordenaram no Acórdão que fosse dado conhecimento à recorrente da existência do outro processo do 5.° Juízo Cível para que esta requeresse a apensação dos processos.
6.ª- Em 20-04-2004 a recorrente expediu um requerimento para os autos a pedir a apensação. Sobre esse requerimento foi proferido um despacho que indeferiu o requerido e daí a razão de ser deste processo.
7.ª- O despacho recorrido alicerça o indeferimento usando a seguinte argumentação: após ser proferido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra em 2-03-2004, foi proferida sentença a decretar a falência da B... em 17 de Março de 2004, no processo do 5.° Juízo Cível. A Mma. Juiz fundamenta o despacho, extrapolando, afirmando que o Tribunal da Relação de Coimbra só decidiu como o fez por ainda não ter sido proferido o despacho a que alude o artigo 25.° do CPEREF, o que entretanto se alterou, pois foi decretada a falência da B....
8.ª- Ora por a apensação dos processos pressupor que a isso o estado do processo não obste, a Mma. Juiz conclui ser inadmissível a apensação por força de existir um processo com sentença e outro não, o que é incompatível, para ser ordenada a apensação.
9.ª - Ora aqui chegados, em síntese, o problema é o seguinte:
Existe um Acórdão transitado em julgado que ao mesmo tempo que sentenciou a não existência de litispendência entre a acção de falência interposta pela A. (que tem vários pedidos) e a acção de falência interposta pela Mundialarme, o que determina que como a acção se encontra a correr tem de ser julgada, julgou, também, que as acções deveriam ser apensadas, ainda que haja lugar à absolvição parcial da instância, no que concerne aos pedidos de declaração de falência da empresa num e noutro processo.
10.ª- O próprio Tribunal da Relação de Coimbra deu uma solução para o caso de entretanto vir a ser proferida sentença no processo de falência: nesse caso ter-se-ia de proceder à absolvição parcial da instância no que ao pedido de falência tange, mas ainda assim as acções tinham de ser apensadas, tendo de ser julgada por apenso à acção de falência a acção onde se pede a responsabilização dos sócios gerentes da falida.
11.ª- Sobre os Juízes impende o dever de administrar a justiça, ao mesmo tempo que têm a obrigação de cumprir as decisões dos Tribunais Superiores, conforme preceitua o artigo 156.° n.° 1 do Cód. Proc. Civil e o artigo 4.° n.° 2 da L.O.T.J., artigos esses que foram violados no despacho recorrido.
Através da obrigação da administração da justiça, assegura- -se a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, nomeadamente no artigo 202.° n.° 2, organizando os tribunais segundo uma hierarquia que tem de ser respeitada. O Tribunal da Relação é um Tribunal de segunda instância, tendo as suas decisões hierarquia sobre as do Tribunal da primeira instância. O juiz da primeira instância está obrigado a cumprir as decisões dos tribunais superiores, concordando com elas ou não. Foi violado, no despacho recorrido, o disposto no artigo 202.° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que em primeira instância não se acatou o decidido no Acórdão da segunda instância de 2 de Março.
12.º- O julgamento das causas submetidas aos tribunais obriga a que sejam decididas todas as questões suscitadas pelos litigantes, sob pena de denegação de justiça. É também por isso que as decisões dos tribunais têm de ser fundamentadas, nos termos do disposto nos artigos 205.° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa e 158do Cód. Proc. Civil, artigos esses que se foram violadas, no despacho recorrido.
13.ª - O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de Março de 2004, sentenciou a inexistência de litispendência. Assim, essa acção tem, sob pena de denegação de justiça, de ser julgada, ainda que possa haver lugar à absolvição parcial da instância, no que concerne aos pedidos de declaração de falência da empresa num e noutro processo, o que demonstra que já se previa aqui a possibilidade de existência de uma sentença no outro processo.
14.ª - O julgamento da acção cuja apensação se requereu deveria ocorrer com as acções apensadas, pois não faz sentido algum (sendo até um absurdo) julgar a acção onde se pede a responsabilização dos gerentes de uma empresa num outro juízo que não o juízo que sentenciou ou decretou a falência.
15.º- A recorrente, entende que a Mma. Juiz a quo não acatou o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, invocando um facto novo — o de existir uma sentença a decretar a falência — que inexistia à data em que o Acórdão foi proferido e indeferiu a apensação ordenada pelo Tribunal da Relação de Coimbra por Acórdão transitado o que constitui uma forma de incumprimento das decisões proferidas pelos tribunais superiores.
16.ª - O facto de existir já uma sentença a decretar a falência da requerida, facto que na data em que a recorrente atravessou o pedido de apensação esta também desconhecia, é irrelevante para o caso, pois a acção onde se pede a responsabilização dos sócios gerentes tem de ser julgada, em conformidade com o que foi decidido por Acórdão transitado em julgado, pelo Tribunal Superior.
17.ª- No domínio da vigência do CPEREF, a acção de responsabilização dos gerentes, existindo ou não sentença a decretar a falência, sendo requerida por pessoa diferente de quem requer a falência, tem de ser julgada por apenso à acção principal.
18.ª- A acção onde se pede a responsabilização dos sócios gerentes D... e C..., no pagamento das dividas e condenação no pagamento do respectivo passivo da B... tem de ser julgada por apenso à acção onde foi decretada a falência da empresa.
19.ª- O facto de existir sentença a decretar a falência só determina que se faça a absolvição parcial de instância, no que ao pedido de falência formulado tange.
20.ª - Ao indeferir a apensação a Mma. Juiz de Direito está a pretender que a acção seja julgada no primeiro juízo, o que conduzirá a um absurdo jurídico, pois inexiste litispendência e a acção interposta está em curso e tem de ser julgada. Foi também por isso que o Tribunal da Relação de Coimbra ordenou o que ordenou.
21.ª- A verdade é que o julgamento dessa acção tem de correr por apenso à acção onde se pede ou decreta a falência, conforme a juiz afirma no despacho recorrido.
22.ª- Tendo sido requerida a apensação da acção de responsabilização dos gerentes que corre por apenso, à acção de falência, deveria ter sido julgada a absolvição parcial do pedido, mas admitir a apensação das acções. Se a acção de responsabilização corre por apenso, por que não admitir a apensação das acções? Por uma questão de compreensibilidade?
23.ª- Ao invés de julgar a existência da sentença a decretar a falência da requerida, como um obstáculo à declaração da apensação, dever-se-iam ter em conta dois princípios: o princípio da adequação formal e o princípio da economia processual. Ao negar- -se a apensação requerida foram violados os princípios da economia processual e do principio da adequação formal.
24.ª- O princípio da economia processual, “é uma aplicação do
princípio do menor esforço ou de economia de meios. Deve procurar-se o máximo resultado processual com o emprego mínimo de actividade; O máximo rendimento com o mínimo custo.
Nesta conformidade deve cada processo resolver o máximo possível de litígios (economia de processos); e deve por outro lado comportar só os actos e formalidades indispensáveis ou úteis (economia de actos e economia de formalidades)”, Manuel de Andrade, ob. e loc. cits.. Este princípio manifesta-se, entre outros, nos actos e formalidades, nomeadamente nos artigos 137.° e 138.° do Cód. Proc. Civil, “o que nem sempre é devidamente ponderado”, António Santos Abrantes Geraldes, ob. e loc. cits..
25.ª- O artigo 265.°-A do Código de Processo Civil consagra o
princípio da adequação formal que “pretende tornar mais flexível a
tramitação processual por forma a adequá-la à concreta relação litigiosa” António Geraldes, ob. cit., pág. 105.
26.ª- “Para além destas situações reguladas no CPC, outras haverá em que o juiz deve desempenhar um papel activo de forma a atalhar fases processuais desnecessárias para a justa composição no litígio (v.g. processo de inventário, processo de execução) desde que daí não derive perda de garantias das partes.
A mesma atitude deve levar o juiz a determinar a prática de actos que o concreto litígio imponha ... tendo em vista a justa composição do litígio”, António Geraldes, ob. cit., pág. 108.
27.ª- Foi ordenado pelo Acórdão transitado em julgado, fazer a apensação das acções: a acção em que Mundialarme requer a falência da B... e a acção em que a recorrente pede a falência da dita empresa, pede a responsabilização dos seus gerentes no pagamento do passivo da empresa e bem assim no reconhecimento da quantia que lhe tem em divida.
28.ª- E esta apensação urge ser feita por força dos princípios da economia processual e da adequação formal, que sozinhos e conjugados entre si determinam a que fosse aproveitado o que há a aproveitar e o resto que fosse julgada a absolvição parcial, conforme doutamente o Tribunal da Relação de Coimbra já houvera ensinado. Foram violados os artigos 137.°, 138.° e 265.°-A todos do Código de Processo Civil.

Não foram apresentadas contra-alegações e a Senhora Juíza do Tribunal a quo manteve o despacho recorrido, nos seus precisos termos.
Foram colhidos os vistos legais.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, ex vi do artigo 749º, todos do Código de Processo Civil (CPC).
São as seguintes as questões suscitadas pela agravante:

1 – Existência de acórdão transitado em julgado que ao mesmo tempo que sentenciou a não existência de litispendência entre a acção de falência interposta pela A. (que tem vários pedidos) e a acção de falência interposta pela Mundialarme, o que determina que como a acção se encontra a correr tem de ser julgada, julgou, também, que as acções deveriam ser apensadas, ainda que haja lugar à absolvição parcial da instância, no que concerne aos pedidos de declaração de falência da empresa num e noutro processo (conclusão 9.ª);
2 – Necessidade de julgar a acção onde se pede a responsabilização dos gerentes da empresa de que se pretende a falência, por apenso à acção que julga a falência da mesma – princípios da adequação formal e da economia processual.

III – FUNDAMENTOS

1. De facto

Sendo certo que a recorrente não impugnou a matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 713.º, n.º 6, do CPC, remetemos para a respectiva decisão a factualidade inerente à mesma, que assim se terá por assente.
A esses factos aditaremos porém mais um, constante das certidões de fls. 87 a 93 e de fls. 106 a 111, admissível por via do disposto no art.º 514.º, n.º 2 do CPC, que terá o seguinte teor:
“Por despacho de 22/06/2004, transitado em julgado, proferido pela Senhora juíza do 5.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, no âmbito do processo de falência que aí corria termos sob o n.º 3396/2003, foi declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, dado não se ter apurado a existência de bens da empresa falida (art.º 186.º do CPEREF).”

2. De direito

Apreciemos as questões suscitadas pela agravante.
1- Nesta primeira questão sustenta a recorrente que a Senhora Juíza do 5.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria terá desrespeitado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do recurso que apreciou a decisão proferida no 1.º Juízo Cível daquela Comarca que determinara a absolvição da instância da requerida por se registar uma situação de litispendência.
A questão reconduz-se à apreciação da força do caso julgado, à natureza do mesmo, à sua autoridade, aos seus efeitos.
Começaremos por dizer que o acórdão em causa foi proferido no âmbito de recurso de uma decisão proferida em processo do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, sendo certo que este tribunal terá cumprido o determinado na parte decisória daquele onde se dizia: “…dê conhecimento às partes intervenientes neste processo de que se encontra pendente no 5.° Juízo o processo 3396/03.9TBLRA, com pedido de falência da B... tendo em vista o disposto nos artigos 275.° n.° 1 e 30.° do Código de Processo Civil.”
O cumprimento do acórdão por parte do 1.º Juízo não é sequer questionado pela agravante, sustentando, isso sim, que o não foi por parte do 5.º Juízo.
Mas será que o 5.º Juízo devia obediência a essa decisão da primeira instância?
A resposta, afigura-se-nos, terá de ser negativa atenta a natureza do caso julgado em causa.
A agravante invoca a “autoridade do caso julgado” resultante do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, para fazer valer a sua tese de que o 5.º Juízo Cível lhe deveria obediência.
Sucede porém que a recorrente incorre num erro de pressuposto, pois que, na situação em apreço, o caso julgado em causa é meramente formal e não material.
Com efeito, a lei distingue nos seus artgs. 671.º e 672.º do CPC, estas duas formas de caso julgado.
A primeira verifica-se quando a sentença aprecia a relação material controvertida; a segunda, quando a decisão (seja ela sentença ou despacho) recai unicamente sobre a relação processual, quando não aprecia o fundo da acção.
No douto Acórdão do S.T.J. de 13/05/1999 In: www.dgsi.pt , quanto a esta dicotomia refere-se: “A distinção entre estas duas figuras é estabelecida pela nossa lei nos seguintes termos:
- O caso julgado formal traduz a força obrigatória dos despachos e das sentenças que recaiam unicamente sobre a relação processual, dentro do processo.
- O caso julgado material consiste na força obrigatória dentro e fora do processo e pressupõe o caso julgado formal.”
O caso julgado formal está pois ligado a questões processuais, onde não é discutida a relação material controvertida, só tendo força dentro do processo onde é proferida a decisão.
No caso sub judice, o acórdão da Relação de Coimbra apreciou uma decisão do 1.º Juízo Cível da Comarca de Leiria que tinha absolvido a requerida da instância por se verificar a excepção – litispendência. É manifesto, atento o que dispõe o citado art.º 672.º do CPC e a noção que demos de caso julgado formal, que a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, ficou tendo força obrigatória apenas dentro do processo onde foi proferida, na medida em que não conheceu a acção de fundo.
Assim sendo, não têm quaisquer sentido as observações feitas pela agravante, quando alega que a Senhora Juíza não terá respeitado o acórdão de tal Tribunal de 2.ª Instância, pela simples razão de que tal decisão não tinha força obrigatória fora do processo a que respeitava, isto é, da acção de falência intentada no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, sendo que assim aquela Senhora Juíza não se encontrava vinculada a assumir qualquer determinação no seu processo. Refira-se, aliás, que no próprio Acórdão da Relação, tendo-se a percepção da limitação da extensão da obrigatoriedade da sua decisão se referiu expressamente: “Deverá ainda ter-se em conta que não se pode, no âmbito deste recurso, ordenar-se igual procedimento no processo 3396/03.9TBLRA do 5.° Juízo.”
Sendo assim, como é, a alusão feita pela agravante ao desrespeito por parte da Senhora Juíza do Tribunal a quo ao disposto nos artgs. 156.º, n.º 1, do CPC e 202.º da Constituição da República Portuguesa (dever de cumprimento, nos termos da lei, das decisões dos tribunais superiores), não colhe, pela simples razão de que nos termos da lei, aquela não se encontrava obrigada ao cumprimento de qualquer decisão.
Pelo que deixamos dito há pois que concluir não assistir razão à recorrente quanto a esta questão, improcedendo a mesma.

2. Considera, por outro lado, a recorrente que a decisão da Senhora Juíza do Tribunal a quo, andou mal ao não ter admitido a apensação do processo do 1.º Juízo Cível ao do que corria termos pelo 5.º Juízo, pois que pedindo-se naqueles autos, não só a falência da “B...”, mas também a responsabilização dos seus sócios gerentes no pagamento do passivo, e estipulando a lei que esse segundo pedido deve correr por apenso à acção de falência, deveria ter sido deferida a indicada apensação.
Consideramos que nesta questão a razão estará com a agravante.
Com efeito, da conjugação do disposto nos artgs. 126.º-A, n.º 1 e 126.º-B, n.ºs 1 e 2, do CPEREF, resulta que quando é formulado por um credor um pedido de responsabilização solidária e ilimitada dos responsáveis pela gestão da empresa de que se requer a falência, designadamente, como é o caso dos autos, dos seus gerentes, deve esse pedido ser apreciado no processo de falência e apresentado como apenso a tais autos.
A Senhora Juíza do Tribunal a quo considerou que não deveria deferir a apensação por as acções de falência se encontrarem em fases processuais distintas, sendo certo porém que não deixou de notar que na acção do 1.º Juízo era também formulado um pedido de responsabilização dos sócios gerentes da requerida, tendo no entanto entendido que ele (o pedido) deveria ser deduzido autonomamente, caso a requerente assim o entendesse, por apenso à acção de falência que aí se encontrava a correr no 5.º Juízo.
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que tal decisão de indeferimento assume contornos demasiadamente formalistas, que contrariam os princípios de economia processual e de adequação, a que a recorrente alude nas suas conclusões e que em nada contribuem para uma mais célere e eficaz acção da justiça.
Na própria decisão de indeferimento a Senhora Juíza faz expressa referência às várias questões que se mostram em discussão – existência de outra acção de falência em fase processual mais atrasada, existência de pedido de responsabilização dos sócios gerentes da empresa de que é pedida a falência e acção a formular tal pedido por apenso à acção de falência – sendo certo que opta por indeferir a apensação, desvalorizando a importância do pagamento das custas em prol duma alegada “questão de compreensibilidade do processado”.
No caso em apreço terá sido feita uma incorrecta interpretação dos normativos que determinaram o indeferimento da apensação – art.º 275.º, n.º 1 do CPC – atenta a realidade processual que se encontrava em causa.
Com efeito, o art.º 275.º, n.º 1, do CPC não impõe que se indefira um pedido de apensação quando o processo a apensar não se encontre na mesma fase processual.
Na realidade, o preceito em causa está elaborado na positiva, isto é, estabelece o princípio de que “Se forem propostas separadamente acções que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, será ordenada a junção delas…”.
São razões de economia processual e de uniformidade de julgamento de acções conexas que estão na base dessa postura, pretendendo-se evitar trabalhos em dois processos, o que na maior parte das vezes se traduz em trabalhos para dois juízes.
A excepção a esta regra vem veiculada na parte final desse n.º 1, ao referir que tal junção poderá não ser determinada se “…o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação.”
A “inconveniência” da apensação surge aqui como a “pedra de toque” desta excepção, não sendo pois determinante para o indeferimento o facto de duas acções se encontrarem em fases processuais distintas.
Assim, se dois processos não se encontrarem na mesma fase processual mas se tal circunstancialismo não afectar o prosseguimento de ambas, ou mesmo se tal ocorrer mas ainda assim se entender que é mais vantajoso para uma apreciação global do litígio, deverá deferir-se a requerida apensação, por não haver inconveniente em que tal se verifique.
Ora, no caso em apreço, a Senhora Juíza indeferiu a requerida apensação por ter entendido não haver utilidade em apensar uma acção de falência onde ainda não havia sido declarada a mesma (nos termos do art.º 25.º do CPEREF), a uma outra (a que corria pelo seu Juízo) onde tal declaração havia sido já proferida, afastando ainda a utilidade de tal apensação derivada do facto de ter sido formulado pedido de responsabilização solidária dos sócios gerentes, com base na circunstância de tal poder ser feito autonomamente precisamente por apenso a essa “sua” acção de falência.
Ora, precisamente o facto de ter sido formulado o indicado pedido de responsabilização dos sócios gerentes, impunha que se deferisse a apensação do processo do 1.º Juízo ao do 5.º, por respeito aos princípios de economia e adequação processuais.
Estes princípios (em que o primeiro se traduz no dever de apenas se praticarem os actos e formalidades indispensáveis ou úteis e o segundo preconiza uma maior flexibilidade na tramitação processual possibilitando o aproveitamento de determinados actos para fins a que inicialmente não estavam dirigidos), encontram expressão legal nomeadamente nos artgs. 137.º, 138.º (quanto ao de economia processual) e 265.º-A (quanto ao de adequação formal), todos do CPC.
Na realidade, tendo presente estes princípios, não vemos como não haveria utilidade em receber para apensação a acção do 1.º Juízo Cível, pois que afastando-se o pedido de falência, através duma absolvição parcial da instância, dada a declaração de falência entretanto proferida na acção do 5.º Juízo, sempre seria de aproveitar o pedido de responsabilização solidária dos sócios gerentes da empresa requerida, formulado pela ora agravante, sendo que não se vislumbra qualquer impedimento de ordem processual ou legal que o não aconselhasse, bastando para tanto ver a forma autónoma como esse “incidente” é processado (art.º 126.º-B, n.ºs 3 a 6, do CPEREF).
Do que deixamos dito há pois que concluir que inexistia razão válida para o indicado indeferimento da apensação do processo do 1.º Juízo Cível à acção de falência do 5.º Juízo Cível, ambos do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, pois que a mesma não se revelava inconveniente, tendo-se assim dado errada interpretação ao disposto no art.º 275.º, n.º 1, do CPC, o que implicaria a revogação do despacho recorrido.
Sucede porém que entretanto, já após a interposição do presente recurso, “Por despacho de 22/06/2004, transitado em julgado, proferido pela Senhora juíza do 5.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, no âmbito do processo de falência que aí corria termos sob o n.º 3396/2003, foi declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, dado não se ter apurado a existência de bens da empresa falida (art.º 186.º do CPEREF)” – facto aditado ao probatório, nos termos do art.º 514.º,n.º 2 do CPC.
Tal facto, impossibilita que se determine a apensação, como decorreria da revogação do despacho recorrido, pois que logicamente só é admissível a apensação de processos pendentes e não duma acção pendente a um processo já findo.
Nesta conformidade, embora à agravante assistisse razão quanto aos fundamentos do recurso que intentou, o que é verdade é que por via da indicada extinção da instância do processo do 5.º Juízo o mesmo não terá provimento, pois que deixou de ter interesse para a agravante (vd. art.º 710.º, n.º 2 do CPC).

IV – DECISÃO

Assim, acordam em negar provimento ao recurso, dado que o seu provimento deixou de ter qualquer interesse para a agravante (art.º 710.º, n.º 2 do CPC).
Sem custas, dado que a agravante teria tido vencimento no recurso, não fora a circunstância de por facto alheio à sua vontade o mesmo se ter tornado sem interesse para si.

Coimbra,