Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ESTEVES MARQUES | ||
Descritores: | CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL ELEMENTOS DO TIPO RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 12/16/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE VISEU | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 30º Nº 2 CP E 105, NºS. 1, 2, 5 E 7 DO RGIT, 127º ,412º E 428º DO CPP | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1.Como é sabido, o recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas antes constitui um mero remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre tal matéria, o que, como já referimos, claramente não ocorre no caso vertente. 2.Incumbe ao recorrente, sempre que impugne a matéria de facto, o ónus de individualizar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e o conteúdo específico das provas que impõem decisão diversa da recorrida e, sempre que as provas tenham sido gravadas a concretização destas terá de ser feita por referência aos suportes técnicos, havendo então lugar à indicação em concreto das passagens em que se suporta a impugnação. 3. Ouvindo agora a prova produzida em audiência, facilmente se constata inexistirem razões que justifiquem alterar a matéria de facto colocada em causa pelo recorrente. 4.0 recorrente ao invocar apenas os referidos depoimentos faz tábua rasa de toda a restante documentação junta aos autos, o que não pode de modo algum aceitar-se. Compreendemos que se queira defender, agora não deve é desprezar a demais prova produzida, designadamente a documentação. 5.O recorrente não pode olvidar que na referida corrente tem uma posição de «intermediário” na cobrança do imposto, devendo entregá-lo, por inteiro, ao Estado, a não ser que demonstre que sobre este tem um contra-crédito resultante das transacções efectuadas no período correspondente, em que tenha suportado, por sua vez, o pagamento de IVA, sendo que neste caso e dentro do condicionalismo referido, pode proceder à sua dedução. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | 11 Rec. nº 81/01.OIDVIS.C1 Acordam, em conferência, na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:
RELATÓRIO Em processo comum singular do 1º Juízo Criminal de Tribunal Judicial de Viseu, por sentença de 09.05.08, foi, para além do mais e no que para a apreciação do presente recurso importa, decidido:
FUNDAMENTAÇÃO É a seguinte a matéria de facto dada como provada: * Ora conforme resulta da leitura das conclusões, a única questão suscitada consiste na impugnação da matéria de facto dada como provada, pois na perspectiva do recorrente não ficou provado que os arguidos tivessem efectivamente recebido e se tivessem apropriado do IVA liquidado e não entregue nos cofres do Estado.Antes porém há que verificar se, incidindo o recurso sobre a matéria de facto, o recorrente cumpriu cabalmente as exigências do artº 412º nºs 3 e 4 CPP. Pois bem estabelece-se no referido preceito que: “ 3 — Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4 — Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”. E compreende-se que assim seja, pois os recursos configuram-se no Código de Processo Penal como um remédio e não como um novo julgamento sobre o objecto do processo. Incumbe pois ao recorrente, sempre que impugne a matéria de facto, o ónus de individualizar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e o conteúdo específico das provas que impõem decisão diversa da recorrida e, sempre que as provas tenham sido gravadas a concretização destas terá de ser feita por referência aos suportes técnicos, havendo então lugar à indicação em concreto das passagens em que se suporta a impugnação. Lendo-se a motivação e as conclusões do recurso, não podemos deixar de reconhecer razão ao Ministério Público quanto à omissão do recurso, designadamente quanto ao ponto 4. Porém, atenta a simplicidade da questão, pensamos que tal não pode constituir óbice a que se entre na apreciação do recurso da matéria de facto. Assim na perspectiva do recorrente não foi feita qualquer prova de que tivesse recebido da sua cliente a quantia em causa e não a tivesse entregue ao Estado como lhe competia, nem que a tivesse utilizado em proveito próprio. Invoca os depoimentos das testemunhas R… J…, C… e V…. Pois bem a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, excepto quando a lei dispuser diferentemente (artº 127º CPP), sendo no julgamento que este princípio assume particular relevo. Por outro lado a decisão do juiz há-de ser sempre “ uma convicção pessoal - até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais” Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Vol. I, ed. 1974, pág. 204.. Mas há mais. Há que ter presente que a livre apreciação da prova é indissociável do princípio da oralidade. Como escrevia Alberto dos Reis CPC Anotado, Vol. IV, pág. 566 e ss. “ a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema da prova legal.” E concluía, citando Chiovenda que “ ao juiz que haja de julgar segundo mo princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirara”. E o que desde já se avançará dizendo é que face aos depoimentos invocados e ao teor dos documentos juntos aos autos, o recorrente não tem manifestamente qualquer razão na crítica que faz à decisão recorrida. Diga-se ainda que o recorrente ao invocar apenas os referidos depoimentos faz tábua rasa de toda a restante documentação junta aos autos, o que não pode de modo algum aceitar-se. Compreendemos que se queira defender, agora não deve é desprezar a demais prova produzida, designadamente a documentação. Há ainda a ter em conta que a simples facturação do IVA impõe a sua declaração aos serviços tributários e a sua liquidação e respectivo pagamento. O IVA é devido no momento em que os bens são postos à disposição do adquirente (artº 7º a) do CIVA) Estava pois o arguido e a sociedade obrigados a entregar ao fisco os valores de IVA recebidos. O recorrente não pode olvidar que na referida corrente tem uma posição de «intermediário” na cobrança do imposto, devendo entregá-lo, por inteiro, ao Estado, a não ser que demonstre que sobre este tem um contra-crédito resultante das transacções efectuadas no período correspondente, em que tenha suportado, por sua vez, o pagamento de IVA, sendo que neste caso e dentro do condicionalismo referido, pode proceder à sua dedução. Dito isto e ouvindo agora a prova produzida em audiência, facilmente se constata inexistirem razões que justifiquem alterar a matéria de facto colocada em causa pelo recorrente. De resto, e como é sabido, o recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas antes constitui um mero remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre tal matéria, o que, como já referimos, claramente não ocorre no caso vertente. Quanto à testemunha C…, técnica economista da Direcção Geral de que procedeu à inspecção à contabilidade da C… Ldª, esta, conforme se alcança da audição do seu depoimento, apresenta um discurso esclarecido e completo que aliado à restante prova documental, designadamente à informação constante de fls. 84 a 95, nos permite concluir ter a arguida recebido totalmente o IVA no montante aludido no anexo 1 referente às facturas 91 e 49. Não há pois qualquer dúvida, face à prova documental existente que a arguida recebeu o IVA em causa ! E tal convicção não é de modo algum abalada com os depoimentos das testemunhas R…, a favor de quem foi emitido o recibo de fls. 87 e J…, este ex-funcionário da arguida, que se esforçam no sentido de tentar convencer o tribunal de que não obstante a arguida ter emitido o recibo de fls. 87, este não foi liquidado, e que tal só aconteceu com o posterior reembolso do IVA. É que desde logo não corresponde à verdade que tenha sido com esse reembolso do IVA que ela procedeu ao pagamento, pois a testemunha V…, técnico da administração tributária, é muito clara e convincente, ao referir lapidarmente no seu depoimento e com o auxílio da prova documental junta que, dos três reembolsos que foram pagos à R…, apenas um foi pago através de cheque, e este foi emitido em Outubro de 1999 e pago em Novembro do mesmo anos, no montante de € 31.149,44, e os restantes foram pagos através de transferência bancária. Em suma a versão trazida aos autos quer pelo arguido quer pelas testemunhas R e L.. não mereceram por parte do tribunal recorrido, que beneficiou da vantagem do contacto, credibilidade, pelo que, pelas razões já referidas, nada a censurar neste segmento, pois o seu depoimento também a nós não nos convenceu da sua veracidade. Por outro lado ao receber nos termos legais dinheiro do IVA, não o tendo entregue ao credor tributário no prazo devido, o arguido a partir de então passou a ser um mero depositário de tais importâncias E, como se refere no AcSTJ 97.01.15 CJSTJ 1/97, pág. 194. “ a integração na esfera patrimonial da recorrente dos valores do IVA verificou-se no momento em que se deu a inversão do título de posse, passando a recorrente a dispor dos quantitativos para satisfazer os seus compromissos. Verificou-se, por isso, a apropriação de que a lei fala.”. É que, como se refere também no aludido acórdão, a consumação do crime verifica-se logo que o agente passa a agir “ animus domini” Intenção de ser dono. Concluindo, diremos que dos depoimentos das testemunhas em causa, conjugados com a demais prova documental produzida, não se detecta qualquer erro de julgamento, designadamente quanto à matéria de facto impugnada, e isto sem esquecer que o tribunal a quo usufruiu, em comparação com esta Relação, das vantagens da imediação e da oralidade. Por essa razão nenhuma censura merece a decisão proferida sobre a matéria de facto, a qual, na ausência de qualquer um dos vícios a que alude o artº 410º nº 2 CPP, se confirma integralmente. Improcede pois o recurso interposto. DECISÃO Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes desta Relação, em negar provimento ao recurso, confirmando-se integralmente a decisão recorrida. |