Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
200/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: SERVIDÃO DE ÁGUAS
SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DO PAI DE FAMÍLIA
EXTINÇÃO DE SERVIDÃO POR DESNECESSIDADE
Data do Acordão: 03/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ANADIA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 204º, 1386º, 1389º, 1390º, 1544º, 1549º E 1569º, TODOS DO C. CIV. .
Sumário: I – Um poço existente num prédio rústico é propriedade do dono do prédio, por ser parte componente deste, nos termos do artº 204º, nºs 1, al. a), e 2, do C. Civ. .
II – As águas que nascem nesse poço e as pluviais que nele caiem, enquanto dele não saírem são consideradas como particulares e também como partes componentes do prédio, nos termos dos artºs 1386º, nº 1, al. a), e 204º, nº 1, al. b), do C. Civ. .

III – O proprietário do prédio onde está localizado o poço pode servir-se dessas águas, de forma livre, salvo existindo alguma restrição quanto a esse uso, decorrente da lei, quanto ao seu uso a favor de terceiro – artºs 1305º, 1306º e 1389º do C. Civ.

IV – Sobre essas águas pode ser constituído um direito de servidão a favor de outro prédio rústico confinante com o prédio do poço, por se tratar de uma utilidade a favor de um prédio e resultante de outro, nos termos do artº 1544º do C. Civ. .

V - Quando o anterior proprietário desses dois prédios já utilizava a água proveniente do poço existente num deles, desde há mais de 40 anos, para rega de ambos, os quais, face ao óbito desse proprietário, foram partilhados entre os filhos, que, por sua vez, continuaram a usar a água do poço na rega de ambos os prédios, agora já pertencentes a diferentes proprietários, deve entender-se que está constituída uma servidão predial, por destinação de pai de família, a favor do prédio beneficiário da água e sobre o prédio onde existe o poço, relativamente ao aproveitamento das águas desse poço, nos termos dos artºs 1549º e 1390º, nº 3, do C. Civ. .

VI – Nestas situações não é necessária a existência de sinais reveladores dessa destinação, dado ter havido a referida partilha entre os filhos do anterior dono do prédio.

VII – Caso algum desses filhos venda o seu prédio a terceiro, ou mesmo no caso de venda de ambos os prédio, a referida servidão mantém-se e nos sobreditos termos .

VIII – Este tipo de servidão representa um encargo predial qualificável como servidão voluntária, que se constitui no preciso momento em que os prédios ou fracções de determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes, a qual não é passível de extinção por desnecessidade – artº 1569º do C. Civ. .

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Anadia, A... e B..., esta menor e representada por seus pais, os autores que se identificam a seguir; C... e D..., todos residentes na Rua de Santa Catarina, nº 25, Porto, instauraram contra E..., residente em Vila Nova de Monsarros, Anadia, a presente acção declarativa, com processo sumário, pedindo a condenação da R. a reconhecer que os 1º e 2º autores são donos e legítimos possuidores do prédio rústico descrito no artigo 1º da petição, do qual os 3ºs Autores são seus usufrutuários ; a reconhecer que no prédio descrito no artigo 12 da petição, propriedade da Ré, se situa uma mina de água, junto da qual se acha construída uma casa de apoio que é propriedade dos autores ; a reconhecer que o prédio dos autores sempre usou, utilizou e foi regado com a água proveniente dessa mina, isto é, sempre teve servidão dessa água ; e a abster-se de quaisquer condutas ou acções que impeçam, restrinjam ou prejudiquem o pleno exercício desse direito e a autorizar que os autores possam canalizar/encanar a referida água pela propriedade da Ré até ao prédio dos autores .
Para tanto e muito em resumo, alegaram que os 1º e 2º autores, por escritura pública de compra e venda lavrada em 2/07/1998, adquiriram a nua propriedade do prédio rústico sito no Capuz, freguesia da Moita, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 4365, descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº 00452/240287, sobre o qual foi constituído usufruto a favor dos 3ºs autores .
Que a Ré é dona e possuidora de dois outros prédios rústicos sitos nos referidos lugar e freguesia, prédios estes inscritos na matriz predial rústica respectiva sob os artigos nºs 4374 e 4378 .
Que quer o referido prédio dos autores, quer o segundo dos referidos prédios da Ré, foram inicialmente pertença do mesmo proprietário, F... e mulher G..., por morte dos quais foram herdados pelos filhos que, por sua vez, os venderam às partes na acção .
Que esses dois prédios sempre confinaram e confinam entre si, posicionando-se o imóvel dos autores a poente e norte do prédio da Ré e com uma confinância de mais de 140 metros .
Que no referido prédio agora da Ré sempre existiu uma mina de água, desde tempos imemoriais, água essa que era usada para rega desse prédio e do prédio dos autores supra identificado.
Que aquando da partilha dos bens por óbito de F... nada ficou consignado sobre a utilização da água dessa mina, pelo que se constituiu uma servidão relativamente a essa água, por destinação de pai de família, uma vez que desde essa altura cada um dos novos proprietários passou a regar e a usar, em benefício do seu prédio, a água da mina .
Que até foi construída uma pequena casa de apoio junto à mina, onde se colocavam os instrumentos para recolha e captação da água, nomeadamente os motores, as mangueiras e os baldes .
Que já os anteriores proprietários do prédio que hoje pertence aos autores vinham consumindo essa água, regando as plantações, a horta e as árvores desse seu prédio, nos dias estipulados para o efeito e com respeito pelos demais usuários, por meio de motores e de mangueiras, sempre á luz do dia e à vista de toda a gente, sem qualquer oposição e ao longo do tempo, por mais de 20, 30 ou 50 anos, agindo na convicção de terem direito a esse uso, pelo que até por usucapião adquiriram o direito de propriedade sobre essa água, o que invocam .
Que os autores pretendem proceder ao encanamento da água da referida mina até ao seu prédio, mediante a colocação de tubos no subsolo do prédio da Ré, numa distância de cerca de 15 metros, até se atingir o prédio dos autores, o que a Ré vem recusando e tendo até passado a impedir os autores de usarem a referida água, com o que os autores deixaram de poder regar as suas plantações nesse seu prédio .
Pelo que pretendem os autores ver reconhecido o seu direito à água da mina e a poderem-na passar através de canos pelo prédio da Ré .
II
Contestou a Ré alegando, muito em resumo, que não é verdade que exista constituída qualquer servidão sobre a água da referida mina a favor dos autores, já que o uso que sempre foi feito dessa água pelos anteriores donos dos prédios aconteceu por mero favor e dadas as relações familiares existentes entre antigos donos dos imóveis .
Que nunca houve qualquer evidência ou sinal de que essa água pudesse ser propriedade doutros interessados que não os donos da mina .
Que, por isso, não está a Ré obrigada a ceder essas águas aos autores .
Que os autores mandaram efectuar um furo de captação de águas no seu prédio, em 2001, com o qual têm irrigado as respectivas plantações e até do qual cedem água a prédios vizinhos .
Que, por isso, mesmo que existisse a pretendida servidão de águas sobre a mina do prédio da Ré, esta deverá ser julgada extinta, por desnecessidade .
Terminou a Ré pedindo a improcedência da acção ou que se julgue extinta a servidão de águas reclamada pelos autores .
III
Responderam os autores mantendo tudo quanto antes alegaram e concluindo pelo reconhecimento do direito de servidão de águas reclamado .
IV
Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, mandando prosseguir a acção e aí se fazendo a selecção da matéria de facto alegada e tida como relevante para efeitos de instrução e de discussão da causa .

Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, com uma inspecção judicial ao local da questão e com a gravação da prova testemunhal produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação .

Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção parcialmente procedente, com a condenação da Ré a reconhecer a qualidade de proprietários e de usufrutuários aos autores sobre o prédio por eles reivindicado e, ainda, a reconhecer estar constituída, por usucapião, sobre o prédio da Ré descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº 03942/28042003 da freguesia da Moita, e a favor do prédio dos autores, uma servidão de aproveitamento de águas, servidão esta, porém, declarada extinta, por desnecessidade .
V
Dessa sentença interpuseram recurso os autores, recurso esse admitido como apelação e com efeito devolutivo .

Nas alegações que os Apelantes apresentaram foram formuladas as seguintes conclusões :
1ª - Na presente acção os Recorrentes alegaram ter adquirido, por destinação de pai de família, o direito real à água .
2ª - Tendo a sentença recorrida reconhecido a constituição de servidão de água por usucapião e declarado que a mesma se extinguiu por desnecessidade .
3ª - A servidão de água constituiu-se isso sim por destinação de pai de família como se tem que concluir dos factos dados como assentes .
4ª - Em consequência não poderá declarar-se a extinção da servidão por desnecessidade, já que as servidões constituídas por destinação de pai de família não podem extinguir-se por aquela via/razão, por serem servidões voluntárias e não legais .
5ª - Considerou-se provada a verificação de todos os requisitos necessários àquela constituição .
6ª - Com efeito, provou-se que os prédios, dominante e serviente, pertenceram em tempos ao mesmo dono, como se constata do ponto 8 da matéria dada como provada.
7ª - Provou-se também que se verificou a separação dos domínios e que as partes nada convencionaram em contrário ,
8ª - Já que consta da matéria assente – pontos 8, 11, 12 e 23 – que o F... (que fora dono dos dois prédios) doou aos seus filhos a quota nos seus bens, incluindo os prédios referidos em A) e F) .
9ª - Provou-se que os irmãos usavam a água existente no prédio F), tendo inclusivamente ficado assente que existiam dias marcados para tal utilização .
10ª - Ou seja, o Tribunal a quo concluiu que os prédios foram de um só dono, que os doou (separando-os) aos seus filhos e que estes filhos (todos) usavam a água que existia num deles para regar ...
11ª - À data da separação dos domínios, a utilização da água pelos vários novos donos tornou-se efectiva. É este facto que dá autonomia ao título de aquisição por destinação de pai de família, sendo desnecessário – como se refere na sentença – que anteriormente a água ali existente regasse a totalidade dos prédios . O que verdadeiramente dá autonomia ao título de aquisição por destinação de pai de família é que à data da separação a utilização pelos vários donos se torne efectiva .
12ª - O artº 1390º, nº 3, do C. Civ. estabelece que na aquisição de servidões de água por destinação de pai de família não são exigíveis sinais visíveis e permanentes .
13ª - Ora, também aqui claudica a sentença recorrida .
14ª - Primeiro porque refere que a aquisição da servidão por destinação de pai de família não pode operar por falta daqueles sinais quando é a lei civil que prescinde deles (no caso destas servidões) .
15ª - Em segundo lugar porque, se por um lado se defende na sentença, e para efeitos de constituição da servidão por destinação de pai de família, que tais sinais não existem (e como vimos são até desnecessários),
16ª - por outro lado diz a sentença que a servidão foi adquirida por usucapião, quando esta sim não prescinde da existência de sinais visíveis e permanentes .
17ª - Referindo que estes se manifestam numa “reentrância lateral” .
18ª - Salvo o devido respeito, a sentença está ferida de nulidade, porquanto se verifica uma contradição insanável entre os factos dados como provados e não provados e entre estes e a fundamentação .
19ª - A sentença é, pois, nula e de nenhum efeito, como se estipula no artº 668º, nº 1, al. c), do CPC .
20ª - Laborou sempre em erro o M.mº Juiz quando para efeitos da aquisição por destinação de pai de família diz que inexistem sinais (que a lei nem sequer exige) e para efeitos de aquisição por usucapião diz que esses sinais existem .
21ª - Em face destas contradições não pode a sentença aceitar-se porque não convence nem pode convencer .
22ª - Nenhuma das partes alegou a existência daquela reentrância, nem a respectiva existência está sustentada por qualquer meio de prova que haja sido produzido .
23ª - Pelo que, sustentando-se a decisão naquele facto viola-se o princípio do dispositivo .
24ª - Sendo, por isso, a sentença nula, por violação do artº 264º do CPC .
25ª - A constituição da servidão por destinação de pai de família resulta da vontade do antigo proprietário e opera-se no momento em que ocorre a separação dos prédios ou fracções do mesmo prédio .
26ª - Foi o que ocorreu no caso dos presentes autos .
27ª - Se se constituiu naquele momento não precisou para constituir-se do decurso de qualquer prazo .
28ª - Se já está constituída por destinação de pai de família não vai nem pode constituir-se por usucapião .
29ª - Provou-se que tal servidão foi constituída por destinação de pai de família .
30ª - Essa é a conclusão obrigatória em face dos factos dados como provados e afastada fica a possibilidade da servidão se constituir por usucapião .
31ª - Também não poderá extinguir-se por desnecessidade, porque é a lei que não o permite .
32ª - Concebendo-se que a servidão se tivesse constituído por usucapião não ficou de todo em todo provada a sua desnecessidade .
33ª - Em face dos factos dados como assentes não pode nunca concluir-se pela desnecessidade .
34ª - Todos os factos dados como provados e assentes respeitam a um outro prédio dos autores, mas que não é o prédio dominante .
35ª - O conceito de desnecessidade da servidão para efeitos da sua extinção, nos termos dos nºs 2 e 3 do artº 1569º do C. Civ. deve ser valorado na ponderação da superveniência de factos que, por si e objectivamente, tenham determinado uma mudança juridicamente relevante no prédio dominante de forma a concluir-se que a servidão deixou de ter para ele qualquer utilidade .
36ª - Esta superveniência não ficou provada .
37ª - O facto de existir um furo de captação de água noutro prédio dos autores e de estes usarem aquela água para regar o prédio dominante não basta para concluir por aquela desnecessidade .
38ª - Aliás, tal só passou a acontecer porque os autores foram privados de usar a água do prédio serviente, como se refere na resposta ao quesito 33 .
39ª - A desnecessidade da servidão tem que ser objectiva, típica e exclusiva, caracterizando-se por uma mudança na situação do prédio dominante, por virtude de certas alterações nestes sobrevindas .
40ª - Nenhuma mudança ocorreu no prédio dominante (em termos objectivos) e que possa levar à perda de utilidade da água para aquele prédio .
41ª - Os factos dados como provados são insuficientes para sustentar a conclusão de que a servidão é desnecessária .
42ª - Pelo que a sentença recorrida é nula por violação do disposto no artº 1569º do C. Civ. .
43ª - São, pois, diversas as contradições e aporias da sentença recorrida .
44ª - O decidido viola o disposto no artº 1390º, nº 3, do C. Civ. .
45ª - Sendo, por isso, a sentença nula e de nenhum efeito .
46ª - Viola também o disposto no artº 1569º do C. Civ., padecendo por isso de nulidade .
47ª - Violou-se, ainda, o princípio do dispositivo, previsto no artº 264º, nº 1, do CPC .
48ª - Sendo, por isso, a sentença recorrida nula e de nenhum efeito .
49ª - Verifica-se uma clara oposição entre a fundamentação e a decisão, pelo que nos termos do artº 668º, nº 1, al. c), do CPC, a sentença é nula e de nenhum efeito .
50ª - Deve revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que condene os R.R. a reconhecer a constituição da servidão por destinação de pai de família e a permitir a utilização da água pelos A.A. nos precisos termos do pedido formulado na petição inicial .
51ª - Ou caso se entenda que a servidão se constituiu por usucapião, deve revogar-se a decisão na parte que considera provada a desnecessidade .
VI
Contra-alegou a Ré, onde defende e pugna pela manutenção da sentença recorrida e nos seus precisos termos .
VII
Neste Tribunal da Relação foi aceite o recurso interposto e tal como foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, sem qualquer observação, pelo que nada obsta ao conhecimento do seu objecto .
Considerando as conclusões apresentadas pelos Apelantes, as quais delimitam o objecto do recurso, pode resumir-se esse objecto às seguintes questões :
A – Apreciação da arguida nulidade da sentença, ao abrigo do artº 668º, nº 1, al. c), do CPC .
B – Reapreciação do eventual reconhecimento ou não da existência de algum direito dos autores sobre a água da mina do prédio da Ré e qualificação desse dito direito, a existir .
C – Reapreciação da eventual extinção ou não desse mesmo direito, por desnecessidade .

Considerando que pelos Recorrentes não foi deduzida qualquer impugnação relativamente à matéria de facto dada como assente e que também não se vêem razões para a sua alteração oficiosa, importa que se indique essa matéria, tal como também consta da sentença recorrida, a qual é constituída pelos seguinte pontos :

1 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº 00452/240287 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 4365, o prédio rústico sito no Capuz, freguesia da Moita, concelho de Anadia, composto de terra de cultura com 10 oliveiras e vinha.
2 – Pela cota “G-3” o referido prédio encontra-se inscrito com aquisição a favor de A... e de B..., por compra .
3 – Pela cota “F-1” encontra-se inscrito o usufruto do prédio referido no ponto 1 supra a favor de C... e de D..., por compra a H... e mulher I... .
4 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº 01100/300890 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 4374, o prédio rústico sito no Cafuz, freguesia da Moita, concelho de Anadia, composto de terra de vinha e de oliveiras .
5 – Pela cota “G-2” o prédio referido no ponto 4 supra encontra-se inscrito com aquisição a favor de L..., por compra .
6 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº 03942 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 4378, o prédio rústico sito no Cafuz, freguesia da Moita, concelho de Anadia, composto de terra de cultura com oliveiras .
7 – Pela cota “G-1” o prédio referido no ponto 6 supra encontra-se inscrito com aquisição a favor de E..., separada judicialmente de pessoas e de bens de L... (doc. de fls. 27 e 28) .
8 – Os prédios referidos nos pontos 1 e 6 pertenceram, ambos, no passado, a F... e sua mulher G... .
9 – F... doou aos seus filhos H..., J... e K..., a sua quota parte nos seus bens, incluindo os prédios referidos em 1 e 6 supra .
10 – Há mais de 50 anos que os prédios referidos nos pontos 1 e 6 supra confinam entre si e em cerca de 140 metros de extensão .
11 – Enquanto os prédios referidos nos pontos 1 e 6 supra não se encontraram totalmente delimitados e vedados, os irmãos H..., J... e K... usaram a água existente no prédio referido no ponto 6 supra .
12 – H..., J... e K... retiraram a água existente no prédio referido no ponto 6 supra em determinados dias da semana, para que todos pudessem regar .
13 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº 01401/180392 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 4364, o prédio rústico sito no Cafuz, freguesia da Moita, concelho de Anadia, composto de terreno de vinha .
14 – Pela apresentação 05/040997, o prédio referido no anterior ponto 13 passou a prédio urbano, sito na Póvoa do Pereiro, freguesia da Moita, concelho de Anadia, descrito na dita Conservatória sob o mesmo número e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 1378 .
15 – Pela cota “G-2”, encontra-se inscrita a aquisição do prédio referido nos pontos 13 e 14 supra a favor de A... e de B..., por compra .
16 – Pela cota “F-1” encontra-se inscrito o usufruto sobre o prédio referido nos pontos 13 e 14 supra a favor de C... e de D..., por compra a M... e mulher N... .
17 – O prédio referido nos pontos 13 e 14 supra confronta a sul com o prédio referido no ponto 1 supra .
18 – Os ante-proprietários do prédio referido referido no ponto 1 supra vinham cultivando esse prédio desde há pelo menos 41 anos .
19 – Os autores lavram e cultivam o terreno referido no ponto 1 supra, colhem os respectivos frutos, nele roçam o mato e plantam árvores de fruto .
20 – E fazem-no à vista de todos, sem oposição de ninguém e de forma contínua .
21 – No prédio referido no ponto 6 supra existe um poço desde há mais de 50 anos .
22 – Os anteriores proprietários do prédio referido no ponto 1 supra vinham utilizando a água proveniente desse poço desde há pelo menos 41 anos .
23 – Consumindo a água, regando as plantações, a horta e as árvores, e tudo o que mais fosse necessário, nos dias estipulados e com respeito pelos demais usuários, utilizando motores para puxar a água e mangueiras para conduzir essa mesma água .
24 – Tudo à vista de todos, sem oposição de ninguém e de forma contínua .
25 – Agindo em nome próprio e em proveito exclusivo, na convicção de ser legítimo esse uso .
26 – Em meados de 2000 os autores acordaram com a Ré o endireitamento das estremas, tendo cedido terreno mutuamente .
27 – Após tal acordo, os autores vedaram o seu terreno, com as delimitações entretanto acordadas .
28 – Após essa vedação do seu terreno, os autores pretenderam proceder à encanação da água do poço e até ao seu prédio .
29 – Tal aqueduto seria efectuado através da colocação de canos no subsolo do prédio da Ré, do lado poente da mina, os quais atravessariam em cerca de 15 metros o terreno da Ré, até atingirem o topo nascente do prédio dos autores .
30 – A Ré recusou-se a permitir esse encanamento e desde então tem impedido os autores de usarem a água do poço .
31 – Os autores nunca expressaram intenção de não continuar a usar a água do poço .
32 – A casa de arrumações que estava situada no prédio referido no ponto 1 supra ficou integrada na parcela de terreno cedida à Ré aquando do endireitamento da estrema entre os prédios referidos nos pontos 1 e 6 supra .
33 – A vedação do prédio referido no ponto 1 supra levada a cabo pelos autores, com rede, impossibilita a rega desse terreno nos moldes em que anteriormente era efectuada ( com baldes, um motor e por vala ) .
34 – Os autores construíram uma casa de habitação junto à Avenida das Laranjeiras, que ocupa toda a frente dos prédios referidos nos pontos 1, 13 e 14 supra ( por lapso evidente, na resposta dada ao quesito 21º foi escrito que “essa construção ocupa a frente dos prédios referidos em A) , L) e M)”, quando se deveria ter escrito “essa construção ocupa a frente dos prédios referidos em A), N) e O)”, porquanto em L) e M) não são referidos propriamente prédios, o que acontece nas referidos alíneas N) e O) dos factos dados como assentes, precisamente um segundo prédio dos autores, sito a sul do prédio referido no ponto 1 supra – ver ponto 17 supra – nos quais pelos autores foi erguida uma construção, conforme, aliás, foi alegado no artigo 44 da contestação e resulta dos documentos de fls. 53 a 55, lapso que por ser notório aqui se deixa rectificado) .
35 – Só a parte final do prédio referido no ponto 1 supra, a poente do prédio da Ré, é composto de árvores de fruto, plantadas em 2001, e por pequenas plantas, plantadas quando o prédio foi adquirido .
36 – No prédio referido no ponto 13 supra existe um furo destinado a captação de águas, com cerca de 100 metros de profundidade e com capacidade de extracção de água de cerca de 2/3 polegadas .
37 – Esse furo já forneceu água ao prédio vizinho, que confronta a norte com o prédio referido no ponto 1 supra .
38 – Em 2003, os autores colocaram um sistema de rega no seu prédio, mediante a colocação de canos subterrâneos, que vão desde o furo até ao pomar, com mini aspersores .
39 – A distância a percorrer entre o furo e a estrema mais próxima do prédio referido no ponto 1 supra é de cerca de 100 metros .
40 – A distância a percorrer entre o poço existente no prédio referido no ponto 6 supra e a estrema mais próxima do prédio referido no ponto 1 supra é de cerca de 20 metros .
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Começando a nossa apreciação pela questão da arguida nulidade da sentença recorrida, importa dizer que tal vício, de natureza formal, apenas poderia ocorrer caso os fundamentos invocados na própria sentença revelassem uma clara oposição com a decisão proferida, no contexto dessa mesma sentença, isto é, se houvesse “um vício real no raciocínio do julgador, no qual a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente “ – veja-se o Prof. A. Varela in “Manual de Proc. Civil”, 2ª ed., pg. 690 ; o Prof. Alberto dos Reis in “C.P.C. anotado”, V volume, pg. 141 .
Por outras palavras, neste tipo de vício não está em causa uma incorrecta interpretação dos factos e/ou uma incorrecta interpretação e aplicação do direito aos mesmos, o que constituirá, eventualmente, razão ou motivo de recurso e de revogação da sentença, mas apenas a verificação de um manifesto lapso na forma como se apresenta a sentença, face à qual se constata que o julgador começou por indicar ou propender para uma determinada orientação, mencionada na fundamentação, e, sem razão aparente, apresenta uma conclusão que em nada condiz com essa orientação e com a qual até está em contradição, e sem fundamentação para o efeito .
Ora, convenhamos que a sentença recorrida não contém este tipo de vício, nem os Apelantes lho apontam, sequer, limitando-se a discordar da aplicação do direito aos factos dados como assentes, o que constitui fundamento para o seu recurso, mas em sede de apreciação da segunda questão enunciada, não como vício formal da sentença .
Donde que tenha de ser julgada improcedente a arguida nulidade formal, o que se decide .
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Passando à segunda das questões suscitadas pelo recurso interposto, dir-se-á que esta questão constitui o cerne do litígio que opõe as partes na acção .
Dos factos assentes resulta que na Conservatória do Registo Predial de Anadia se acha descrito um prédio rústico sito no Cafuz, freguesia da Moita, concelho de Anadia, composto de terra de cultura com oliveiras, sob o nº 03942, sobre o qual a Ré dispõe da inscrição do registo da respectiva aquisição a seu favor, conforme pontos 6 e 7 supra, pelo que, nos termos do artº 7º do C. Reg. Predial, se presume essa dita aquisição pela Ré, o que os autores, aliás, também afirmam .
Nesse prédio existe um poço desde há mais de 50 anos – facto supra nº 21 –, pelo que tal poço é propriedade da Ré, como parte componente que é do dito prédio, nos termos do artº 204º, nºs 1, al. a), e 2, do C. Civ., o que os autores também não contestam – veja-se, neste sentido, P. Lima e A. Varela, in “ C. Civ. anotado”, vol. 1º, pg. 131.
Donde que as águas que nascem nesse poço e as pluviais que nele caiam, enquanto dele não saírem, sejam consideradas como particulares – artº 1386º, nº 1, al. a), do C. Civ. – e também como partes componentes do dito prédio, nos termos do artº 204º, nº 1, al. b), do C. Civ . – neste sentido veja-se, entre outros, Luís A. Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral”, 1983, 2º, pg. 132; P. Lima e A. Varela in “C. Civ. anotado”, vol. 1º, pg. 131 ; Guilherme Alves Moreira in “As Águas no Direito Civil Português”, vol. I, 2ª ed., pgs. 499 e 518; Ac. STJ de 3/3/2005, in C. J. STJ, ano XIII, tomo I, pg. 105 - , pelo que também são propriedade da Ré .
Ver, ainda, David Augusto Fernandes, in “Lições de Direito Civil (Direitos Reais), 3ª ed., pg. 214, 224 e 225, onde se escreve : “o princípio geral a respeito de todas as águas particulares é o de que o proprietário do prédio em que elas se encontrem pode delas utilizar-se e dispor como lhe aprouver, salvo os direitos que terceiro a elas tenha adquirido legitimamente, ... , sendo as águas subterrâneas, as das fontes e das nascentes um elemento componente ou acessório do terreno onde correm ou se acham estancadas “ .
Acontece que as águas provenientes desse poço vêm sendo utilizadas não só pelos anteriores e pela actual proprietários desse prédio e para rega do mesmo, mas também pelos anteriores proprietários de um outro prédio, o identificado no ponto 1 dos factos dados como provados – prédio rústico sito no Capuz (ou Cafuz), freguesia da Moita, descrito na C.R.P. de Anadia sob o nº 00452/240287, prédio este que hoje pertence aos autores, conforme resulta dos pontos 1 , 2 e 3 supra, por compra a H... e mulher - , e desde há mais de 41 anos (conforme pontos 11, 12 e 22 supra) , com ela regando as plantações, a horta e as árvores existentes neste outro prédio, em dias estipulados para o efeito, para o que utilizavam motores para puxar essa água e mangueiras para a conduzirem - conforme ponto 23 supra .
E isto porque esses ditos prédios confinam entre si, numa extensão de cerca de 140 metros – ponto 10 supra -, tendo ambos pertencido, em tempos, a um tal F... e mulher G..., que doaram ambos os ditos prédios a seus filhos, H... ( o vendedor do mesmo aos autores), J... e K... – pontos 8 e 9 supra .
Donde que enquanto esses prédios fizeram parte dessa dita família e não foram delimitados e vedados um do outro, esses anteriores donos dos mesmos usaram a água desse dito poço para rega desses dois prédios .
Acontece que na sequência da aquisição pela Ré do prédio onde se encontra o dito poço, entre ela e os agora autores (estes adquiriram, entretanto, o outro prédio supra referido, por escritura de 2/07/1998, conforme fls. 11 a 14) foi acordada uma rectificação da estrema comum entre ambos esses prédios – ponto 26 supra - , após o que os autores vedaram o seu terreno com rede, o que tornou impossível a rega desse dito terreno nos moldes em que anteriormente era efectuada, conforme resulta dos pontos 27 e 33 supra .
Donde que pretendam os autores, com a presente acção, proceder à encanação da água desse poço até ao seu prédio, mediante a colocação de canos no subsolo do prédio da Ré e numa extensão de cerca de 15/20 metros, ao que a Ré se opõe – pontos 28, 29, 30 e 40 supra .
Quid juris ?
Como já escrevemos, nos termos do artº 1386º, nº 1, al. a), do C. Civ., dúvidas não existem, nem as partes as colocam, de que estamos perante águas particulares e pertencentes à Ré, precisamente por nascerem ou caírem no referido prédio da Ré e estarem contidas no poço que existe no dito, poço e águas essas que também são, por isso, propriedade da Ré, enquanto partes componentes do dito prédio .
Donde que a Ré se possa servir dessas águas, de forma livre, salvo existindo alguma restrição quanto a esse uso, decorrente da lei, quanto ao seu uso a favor de terceiro, no caso a favor dos autores, como estes pretendem – artºs 1305º, 1306º e 1389º do C. Civ. .
Na sentença recorrida entendeu-se que, no presente caso, os anteriores proprietários do prédio que hoje é dos autores adquiriram uma servidão de águas do referido poço, por usucapião, servidão essa que foi transmitida aos agora autores e da qual são beneficiários, face à transmissão da propriedade e da posse sobre o prédio .
Os Recorrentes defendem que se deve considerar e confirmar tal aquisição, mas por “destinação de pai de família” .
Apreciando a referida divergência, tal como já se escreveu antes dúvidas não ocorrem sobre o exclusivo direito de propriedade da Ré quer ao poço quer às águas dele provenientes, pois só ela tem título de aquisição sobre o prédio onde se localiza o referido poço – artº 1390º, nº 1, do C. Civ. .
Importa, assim, apreciar a questão da existência ou inexistência do eventual direito de servidão constituído sobre essas águas e a favor do prédio dos autores .
Também não existem dúvidas sobre tal possibilidade, uma vez que se trata de uma utilidade a favor de um dos prédios e resultante do outro, nos termos do artº 1544º do C. Civ. , pelo que há que saber se se encontra ou não constituída tal servidão, por um dos referidos meios, uma vez que ambos estão previstos no artº 1547, nº 1, do C. Civ. .
Acontece que F..., anterior proprietário dos dois referidos prédios, já utilizava a água proveniente desse poço, desde há mais de 41 anos, para rega de ambos os referidos prédios, os quais por ele foram doados aos filhos (doação essa que teve como objecto a sua quota parte nos seus bens, incluindo os referidos prédios, conforme ponto 9 supra), tendo o prédio que hoje é dos autores ficado em partilha efectuada entre estes ao filho H.., que posteriormente o veio a vender aos autores, conforme pontos 1, 2 e 3 supra e doc.s de fls. 11 a 14, e 18 a 20 ; por sua vez o prédio que hoje é da Ré calhou, nas partilhas havidas entre os referidos irmãos, ao irmão J..., que, por sua vez, o vendeu à Ré, conforme bem resulta dos doc.s de fls. 23, 27 e 28 e ponto 6 e 7 supra, verificando-se que os irmãos H..., J... e K..., enquanto herdeiros e beneficiários desses prédios face à dita doação, sempre usaram a água do poço para regarem ambos os ditos prédios, como acontecia desde os tempos dos pais, tendo até sido acordado entre eles os dias em que cada um se deveria utilizar dessas águas para efeito de regarem ambos os prédios, e sempre à vista de toda a gente e de forma contínua, na convicção de ser legítima essa utilização – pontos supra 11, 12, 22, 23, 24 e 25 - , donde se retira a conclusão de que foi constituída uma servidão predial “por destinação de pai de família” a favor do prédio que hoje é dos autores e sobre o prédio onde existe o poço, relativamente ao aproveitamento das águas desse poço, nos termos dos artºs 1549º, do C. Civ., conjugado com o disposto no artº 1390º, nº 3, do mesmo código, uma vez que, no presente caso, não é necessária a existência de sinais reveladores dessa destinação, dado ter havido a referida doação e uma partilha entre os anteriores donos dos prédios (sem a intervenção de terceiros).
No entanto, tendo ficado também provado que a utilização dessas águas pelos referidos irmãos e a favor de ambos os ditos prédios, para regas, era efectuada com o recurso a motores e a mangueiras e por vala – pontos 11, 12, 22, 23 e 33 -, também daí resulta, no entanto, a constatação de que existiam sinais visíveis e permanentes, postos em ambos os prédios, a revelarem a serventia de um para outro, o que por si só constitui prova da dita servidão, nos termos do artº 1549º do C. Civ. .
No sentido, porém, da desnecessidade da existência de sinais reveladores da destinação do antigo proprietário, em caso de divisão ou partilha de prédio sem intervenção de terceiro, como é o caso que se nos apresenta, podem ver-se, entre outros, o Ac. R. Po. de 9/12/80, in C. J. 80, tomo V, pg. 146; o Ac. R. Po. de 7/4/81, in C.J. 1981, tomo II, pg. 111, onde se defende que “para que haja aquisição da servidão por destinação do pai de família, não basta que o anterior proprietário, comum aos dois prédios, tenha manifestado a vontade de utilizar a água de um prédio no outro, sendo preciso que, à data da separação dos domínios, a utilização se tenha tornado efectiva, sendo os sinais dessa utilização dispensáveis, mas, existindo, revelam tal ocorrência e não podem deixar de definir o âmbito da servidão”; veja-se, também, José Cândido de Pinho, in “As Águas no Código Civil – Comentário, Doutrina e Jurisprudência”, pgs. 75 a 90, onde se faz uma exposição detalhada da evolução histórica da lei sobre esta questão, assim como dos trabalhos preparatórios do actual artº 1390º do C. Civ., e onde se escreve : “este preceito teve por fonte o artº 121º da Lei das Águas , ... , o qual não impunha a existência de sinais visíveis e permanentes anteriores à divisão e partilha à semelhança do que, também agora, ocorre com a redacção do nº 3 do artº 1390º, ... , (pois) a simples divisão do prédio, sem intervenção de estranhos, não cria a favor destes quaisquer direitos cuja tutela mereça especial protecção, pois se a água de um prédio era utilizada num outro prédio do, e pelo, mesmo dono, não seria compreensível que a partilha dos prédios por pessoas exclusivamente a eles ligadas (do ponto de vista real, afectivo, etc.) eliminasse a possibilidade, agora transformada em direito, de se continuar a fazer aquele uso, tal como até aí se fazia, e nem a circunstância de inexistência de sinais reveladores daquela destinação impõe diferente solução. Impede-o a circunstância de a partilha ser efectuada entre pessoas conhecedoras da real e concreta situação existente antes da divisão ( é o caso de partilha de prédios entre os herdeiros do proprietário). Esta filosofia aplica-se às virtualidades de ambos os prédios – nem o dominante precisa daqueles sinais para que, em caso de partilha, o direito permaneça, nem, em idênticas condições de divisão ou partilha, o prédio serviente (dominado) carece da revelação dos mesmos sinais, para se manter a vida daquele direito” .
Também os Prof. Pires de Lima e A. Varela, in “C. Civil anotado”, vol. III, pg. 279, opinam no mesmo sentido .
No sentido de que a servidão por destinação de pai de família representa um encargo predial qualificável como servidão voluntária, que se constitui no preciso momento em que os prédios ou fracções de determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes e cujo acto constitutivo da servidão por “destinação de pai de família” é o da separação jurídica de dois prédios do mesmo proprietário ou da separação jurídica de duas fracções do mesmo prédio, constituição essa resultante da lei ( ope legis), pode ver-se o Ac. STJ de 15/03/2005, in C. J. STJ, ano XIII, tomo I, pg. 146 .
Donde que se afigure legítima a pretensão dos autores em quererem continuar a servir-se das águas do poço, nos moldes que antes se fazia, já que apesar de terem vedado o seu prédio com rede, e apesar de ter desaparecido a antiga vala de condução das águas desde o poço até ao prédio dos autores, na sequência da venda do prédio aos autores e sua consequente vedação – ponto 33 supra - , nada impede essa utilização, como desde antes sucedia, uma vez que nunca expressaram a intenção de não continuarem a usar da água e até pretenderam, na ocasião dessa dita vedação, proceder logo à encanação das águas desde o poço até ao seu prédio, o que só não teve lugar porque a Ré a tal se opôs – pontos 27, 28, 29, 30 e 31 supra .
Apenas acontece que não podem recorrer ao sistema de baldes e de vala ou mangueiras, como antes sucedia – factos 23 e 33 supra - , afigurando-se necessário proceder à colocação de canos subterrâneos para o efeito, no prédio da Ré, desde o poço até à estrema comum dos prédios, embora com o recurso a motor, este a ser colocado no prédio dos autores, onde o motor trabalhará, como é óbvio, conforme resulta do disposto no artº 1561º, nº 1, do C. Civ. – servidão legal de aqueduto para proveito da agricultura, uma vez que o prédio dos autores é agricultado e nele têm árvores de fruto (ver o ponto 19 supra) .
Donde resulta que se tenha de reconhecer fundamento ao recurso interposto pelos autores, no sentido de que importa reconhecer que se acha constituída uma servidão de uso de águas provenientes do poço do prédio da Ré e a favor do prédio dos autores, nos moldes em que já acontecia entre os anteriores donos dos prédios – ponto 12 e 23 supra - , servidão essa constituída por “destinação de pai de família” e não por usucapião .
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Resta, pois, apreciar a terceira das questões que enunciámos, ou seja a eventual extinção dessa dita servidão .
Ora, os casos de extinção das servidões são os previstos no artº 1569º, nº 1, do C. Civ., e nenhum desses casos ocorre na presente situação, não havendo lugar à apreciação da eventual desnecessidade da dita servidão, por esta figura jurídica apenas ser aplicável às servidões constituídas por usucapião e legais, o que não é o caso que se nos apresenta – artº 1569º, nºs 2 e 3, do C. Civ. .
No sentido de que as servidões constituídas por destinação de pai de família, pelo facto de se tratar de servidões voluntárias, não são passíveis de extinção por desnecessidade, podem ver-se, entre outros, o Ac. Rel. Lx. de 7/7/197, in BMJ 209, pg. 191; o Ac. Rel. Po. de 10/01/1980, in C. J. 1980, tomo 1º, pg. 8; os Ac.s Rel. Co de 30/11/1982 e de 17/5/1983, in, respectivamente BMJ 324, pg. 632, e BMJ 328, pg. 647; o Ac. Rel. Év. de 20/01/2005, in C. J. ano XXX, tomo I. pg. 246 ; o Prof. Mota Pinto, in RDES, 21º, pg. 149 , e in “Direitos Reais, 1970/71, pg. 343 ; os Prof. Pires de Lima e A. Varela, in “C. Civ. anotado”, vol. III, pg. 621 .
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Donde que importe derrogar a sentença recorrida, na parte em que condenou a é a reconhecer estar constituída uma servidão de aproveitamento de águas sobre o seu prédio e favor do prédio dos autores, constituída por usucapião, servidão esta declarada extinta, por desnecessidade, substituindo-se tais dispositivos, pela seguinte decisão :
“Mais se condena a Ré a reconhecer que se acha constituída uma servidão de uso de águas provenientes do poço do prédio da Ré e a favor do prédio dos autores, prédios esses supra identificados, nos moldes em que já acontecia entre os anteriores donos dos prédios – conforme pontos 12 e 23 supra - , servidão essa constituída por destinação de pai de família “ .
“ Também se julga improcedente a reconvenção deduzida pela Ré “.

No mais é mantida a decisão recorrida, com o que há que julgar procedente a apelação interposta .

VIII

Decisão :
Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação deduzida, face ao que se decide derrogar a sentença recorrida, na parte em que condenou a é a reconhecer estar constituída uma servidão de aproveitamento de águas sobre o seu prédio e favor do prédio dos autores, constituída por usucapião, servidão esta declarada extinta, por desnecessidade, substituindo-se tais dispositivos, pela seguinte decisão :
“Mais se condena a Ré a reconhecer que se acha constituída uma servidão de uso de águas provenientes do poço do prédio da Ré e a favor do prédio dos autores, prédios esses supra identificados, nos moldes em que já acontecia entre os anteriores donos dos prédios – conforme pontos 12 e 23 supra - , servidão essa constituída por destinação de pai de família, para cujo exercício é necessário proceder à colocação de canos subterrâneos para o efeito, no prédio da Ré, desde o poço até à estrema comum dos prédios – servidão legal de aqueduto para proveito da agricultura “ .
“ Também se julga improcedente a reconvenção deduzida pela Ré “.

Custas da acção e da apelação pela Ré / Recorrida .
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Tribunal da Relação de Coimbra, em / /