Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
408-A-2001.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: ARRESTO
CADUCIDADE
LEGITIMIDADE
Data do Acordão: 09/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SÁTÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 619º DO CC E 406º Nº 1, 407º Nº 2 E 410º DO CPC
Sumário: 1. O exequente que obteve a penhora do mesmo bem objecto do arresto requerido por outrem não tem, porque terceiro, legitimidade para requerer a extinção do arresto com base inércia do arrestante na instauração da execução, na expectativa de com a caducidade ver o seu crédito graduado em 1º lugar.

2. O art. 410º do CPC não é aplicável ao caso de execução de sentença homologatória de uma transacção na qual se constituiu a obrigação exequenda a cumprir no prazo de seis meses.

Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE:

I- Relatório:

Requerentes do arresto (também autores na acção ordinária 25/02): A... e mulher;
Requerida no arresto e ré na dita acção: B...
Agravante: D.... , exequente na acção executiva nº 210-B/99.

a) Em relação à fracção autónoma “L” (1º andar esq.) descrita no registo predial de Sátão sob o nº 02808/070699- L encontra-se registado desde 20-12-2001 a favor dos requerentes o arresto efectuado em 20-12-2001 para segurança da quantia de 4.425.000$00 contra a requerida, abrangendo 15 fracções.
b) Na dita acção nº 25/02, aos 28-9-2004 foi celebrada e logo homologada a transacção, em cuja cláusula e) consta: «As partes, bem como C... mais afirmam que a transacção que antecede não prejudica o arresto dos imóveis decretado no processo cautelar apenso, o qual se manterá até efec­tivo cumprimento de todas as cláusulas antecedentes». Nas cláusulas anteriores, os AA. e a ré e C....convencionaram, em suma, a prestação por parte destes, a favor dos AA., de factos relativos à instalação eléctrica e à ins­talação do elevador, no prazo de seis meses, com a cláusula penal de € 7500,00, bem como a prestação de actos complementares de documentação, tudo aí melhor explicitado.
c) Aos 3-11-2005, os AA. instauraram acção executiva contra B.... e C....para pagamento da dita quantia de € 7500,00 e juros, nomeando à penhora uma quota social de António, a arrestada fracção autónoma “M” (2º andar esq.) do dito prédio descrito sob o nº 02808 e o prédio urbano descrito sob o nº 2589 de Sátão.
d) Aos 14-6-2006, os AA. instauraram acção executiva contra B.....e C....para prestação de facto, com base no não cumprimento pelos executados do acordado na transacção, (nomeando logo à penhora os mesmos bens referidos em c) para pagamento da quantia de € 18 851,80 como quantia em que avaliam a prestação por outrem).
e) Foi efectuada e registada aos 27-02-2006 a penhora da dita fracção “L” no âmbito da execução nº 210-B/99 instaurada pelo ora agravante D.... contra B....
f) Aos 25-5-2006, A.... e mulher reclamaram na exe­cução 210-B/99 o crédito de € 18 851,80 e juros contra a dita sociedade, como provindo da transacção incumprida e invocando a referida garantia de arresto sobre a mesma fracção penhorada “L”.
No dito cautelar de arresto, veio o ora agravante aos 19-10-2006, invocando que obteve a penhora da dita fracção “L” na execução nº 210-B/99 e que com a extinção do arresto verá o seu crédito ser graduado em 1º lugar, requerer a extin­ção do arresto por caducidade nos termos do art. 410º do CPC, porquanto as exe­cuções referidas em c) e d) foram instauradas mais de dois meses após o incum­primento pelos requeridos das obrigações da transacção homologada.
Os requerentes do arresto responderam, defendendo que o art. 410º do CPC não é aplicável ao caso, face à al. e) da transacção, ao disposto no art. 330º nº 1 do CC e a que os executados ainda não cumpriram as sua obrigações.
Foi proferido despacho indeferindo o requerimento de D...., por não se verificar a invocada causa de extinção.
Desta decisão recorre o dito requerente D...., apresentando a sua alega­ção as seguintes conclusões:

1) O art. 410º do C.P.C. prevê um caso especial de caducidade, a acres­cer aos já previstos no art. 389º do cit. Diploma Legal;
2) Nos termos daquela norma legal especial (o aludido art. 410º do C.P.C.), um arresto decretado fica sem efeito, além do mais (p. no art. 389º do C.P.C.), ainda no caso de, obtida, na acção de cumprimento, sentença, transitada, não ser promovida pelo credor insatisfeito (isto é, não pago ainda do seu crédito) execução, dentro de dois meses subse­quentes (àquele trânsito);
3) Este caso específico de caducidade está fora da disponibilidade das par­tes, visando, precisa e imperativamente, penalizar o arrestante – exequente, que não promove, dentro daquele prazo, a execução para cumprimento da sentença;
4) A estar na disponibilidade das partes, estava aberto caminho fácil à sub­versão da mens legis e legislatoris daquela norma especial, que foi impôr às partes aquele prazo máximo, podendo aqueles acordar outros ou até a possibilidade de “eternizar” a pendência e validade do arresto.
5) Daí que a caducidade da providência decretada (arresto), prevista na citada norma legal especial (art. 410º do C.P.C.), é de conhecimento oficioso;
6) E o arresto fica sem efeito, automaticamente, em face da verificação do decurso daquele prazo (de dois meses), após o trânsito da sentença, sem que o arrestante tenha promovido a execução para satisfação do seu crédito;
7) Devendo o tribunal, logo que verificada aquela caducidade, declarar o arresto sem efeito (extinto) e caduca a providência decretada;
8) De resto, destinando-se o Registo Predial, de ordem e utilidade públi­cas, a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em conta a segurança do comércio jurídico, imobiliário, não podem os arrestantes pretender sujeitar os terceiros à sua vontade de, querendo, manter a providência, indefinidamente (contra norma expressa para a sua cadu­cidade, repete-se).
9) Os ora recorridos A.... e mulher não promove­ram a execução dentro dos dois meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença (homologatória de transacção), proferida na acção principal;
10) Por isso, o arresto ficou sem feito e a providência decretada caducou;
11) Tal caducidade é de conhecimento oficioso, devendo o tribunal dela conhecer e declará-la, com a correspondente comunicação à Conser­vatória do Registo Predial de Sátão para que cancele a inscrição daquele ónus (arresto), a favor dos ora recorridos, sobre a fracção “L” do prédio aí descrito sob o n.º 02808/070699, tudo com as demais con­sequências legais;
12) O recorrente é parte legítima neste recurso (Cfr. n.º 2 do art. 680º do C.P.C.) por ter manifesto interesse na declaração daquela caducidade e cancelamento da inscrição respectiva sobre a aludida fracção, já que é credor, com garantia real (penhora), sobre a mesma, na execução comum n.º 210-B/1999, a correr termos pelo 2º Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Viseu, ónus (penhora) com preferência imediatamente a seguir ao arresto ora em causa e (na execução) os ora recorridos foram reclamar o seu crédito, por via desta.
13) O despacho recorrido, ao indeferir a pretensão da declaração de extin­ção da providência e da sua caducidade violou, frontalmente, por erro de aplicação e interpretação o disposto no art. 410º do C.P.C., na 2ª parte do n.º 1 do art. 330º e no art. 333º, n.º 1, ambos do C.C., e, ainda, o disposto nos arts. 1º, 10º e 11º, todos do C. R. Predial;
14) Deve, pois, dando provimento ao recurso, ser revogado e substituído por outro, que declare sem efeito o arresto em causa e a sua caduci­dade, ordenando-se a comunicação à Conservatória do Registo Predial competente o cancelamento daquele ónus (arresto), inscrito a favor dos ora recorridos, tudo com as demais consequências legais.

Os recorridos contra-alegaram, concluindo:

1ª ) Na obstante o artigo 410º C.P.C. prever um caso especial de caduci­dade para o arresto, que acresce aos já previstos no artigo 389º do citado diploma legal, da sua leitura e interpretação nada nos permite concluir pela natureza impe­rativa alegada pelo ora recorrente;
2ª ) No caso vertente, as partes transigiram válida e legalmente, sobre maté­ria incluída na sua livre disponibilidade, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 330º C.C., não se colocando sequer a questão do conhecimento oficioso de acordo com o artigo 303º C.C., ex vi do artigo 333º, nº 2 do C.C.;
3ª ) A Transacção Judicial foi homologada pela Ex.ma Srª Drª Juíz a quo, que na respectiva Sentença Homologatória afirmou que: “ … por ser válida quer objectiva quer subjectivamente, ao estarem em causa direitos incluídos na livre disponibilidade das partes, sendo estas as titulares da relação material controver­tida, homologo por sentença a transacção constante dos autos ” ( sublinhado é nosso );
4ª ) Nesta perspectiva, sempre será merecedora de tutela jurídica a posição dos ora recorridos, que confiaram que o arresto decretado se manteria válido e eficaz nos termos em que foi estabelecido no âmbito da Transacção Judicial, homologada por Sentença da mesma data, há muito transitada em julgado;
5ª ) No Direito das Obrigações é amplamente reconhecido às partes a facul­dade de fixarem livremente o conteúdo dos contratos que realizem entre si, como concretização do princípio basilar do Direito das Obrigações, que é o princípio da liberdade contratual contido no art. 405º C.C;
6ª ) Sendo certo que uma Transacção, segundo a noção vertida no artigo 1248º C.C., não é mais do que um contrato pelo qual as partes terminam ou previ­nem um litígio, mediante recíprocas concessões, tem aqui plena aplicabilidade o mencionado princípio da liberdade contratual;
7ª ) Com efeito, se no âmbito do direito civil, e em especial no direito das obrigações, a regra é a liberdade contratual das partes, certamente se fosse inten­ção do legislador dotar o artigo 410º C.P.C. de imperatividade, certamente teria feito menção expressa na letra da lei nesse sentido;
8ª ) Por outro lado, como é dito por Carvalho Fernandes, in Enciclopédia Polis Verbo a págs. 666 e segts., no regime da caducidade, por regra, domina a mais ampla disponibilidade das partes, que podem, em geral, renunciar antecipa­damente à caducidade, modificar o seu regime ou prever casos de caducidade não contemplados na lei ( artigo 330º, nº 1 do C.C. );
9ª ) No entanto, sendo lícito às partes convencionar regimes de caducidade diferentes dos previstos na lei, sempre terão estas que respeitar os limites impos­tos pela ordem e moral públicas, bons costumes, segurança do comércio jurídico, certeza do direito e a protecção da parte mais fraca dentro de determinada relação contratual ( cfr. entre outros Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, Almedina, págs. 246 e segs );
10ª ) Ora, não conseguimos descortinar como neste caso em concreto a derrogação do regime contido no art. 410º C.P.C., por acordo entre ambas as par­tes directamente interessadas, pode ofender princípios tão caros ao nosso Orde­namento Jurídico;
11ª ) Acresce que, o artigo 12º, nº 1 do C. R. Predial refere que o registo do arresto só caduca volvidos 10 anos após inscrição do respectivo registo;
12ª ) Como tal, extinguindo-se os registos por força da lei ( artigo 10º e 11º do C. Registo Predial ), nunca poderá ser pretensão das partes a manutenção “ in aeternum ” do arresto, como é alegado pelo ora recorrente, pois as normas do registo predial é que são dotadas de natureza imperativa;
13ª ) Finalmente, e sem prescindir do exposto, sempre se dirá que perfilha­mos a tese defendida por Teixeira Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 253, segundo a qual, nos casos como o dos autos, a caducidade não opera automaticamente e nem sequer é de conhecimento oficioso, sendo que o levanta­mento da providência cautelar com fundamento na sua caducidade depende sem­pre da solicitação do requerido, que deve ser apreciada após audição do reque­rente;
14ª ) Ora, dado que no caso sub judice a requerida (B... ) não arguiu qualquer caducidade do procedimento cautelar, esta nem sequer deve ser apreciada pelo Tribunal;
15ª ) Face ao exposto, deve concluir-se que, de acordo com a mencionada Transacção e Sentença e ainda de acordo com o regime dos artigos 330º, nº 1, 303º, ex vi do artigo 333º, nº 2, 405º, nº 1 e 1248º todos do C.C. e ainda dos arti­gos 10º, 11º e 12º, todos do Código do Registo Predial, o arresto em causa conti­nua válido e em vigor, e em consequência deve ser negado provimento ao pre­sente recurso.

Foi proferido despacho a manter a decisão, sem explanação de ponderação dos argumentos do agravante.
Correram os vistos legais.
Nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso.

II- Fundamentos:

As conclusões da alegação do recorrente demarcam o âmbito do recurso (art. 684º nº 3 e 690º do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento ofi­cioso e de que jus novit curia.
As questões essenciais a apreciar no recurso resumem-se às seguintes:
1ª A de saber se D...., terceiro, tem legitimidade para requerer a declara­ção de extinção do arresto (vd. conclusões 12ª da alegação e 13ª e 14ª da contra-alegação);
2ª A de saber se ao caso é aplicável o disposto no art. 410º do CPC, de modo que a sua aplicação postergue o convencionado na transacção segundo a qual, sob a al. e), o arresto se manterá até efectivo cumprimento de todas as cláu­sulas antecedentes (restantes conclusões).
Para essa apreciação temos em conta como factos assentes, com base nos documentos juntos aos autos, os que se retiram das al. a), b), c), d), e) e f) do relatório, respectivamente incidentes sobre o arresto registado, a transacção, as execuções instauradas pelos requerentes do arresto, a penhora registada obtida pelo agravante e a reclamação de créditos.

1ª questão: Da legitimidade do terceiro para requerer a declaração de extin­ção do arresto:

O preceituado no art. 383º nº 1 do CPC na redacção vigente até à reforma de 95/96 impunha que o levantamento do cautelar fosse, em certos casos directa­mente previstos, pedido pelo requerido. Esta imposição desapareceu, mas tal não significa, não pode significar, sob pena de completa desordem, que qualquer ter­ceiro possa substituir-se ao requerido para pedir o levantamento do cautelar. Antes significa, a nosso ver, que o legislador terá atendido ao regime geral da caduci­dade para, no caso de direitos indisponíveis, permitir o conhecimento oficioso pelo juiz. Perante essa complicação escusada que o legislador erigiu apesar de preten­der simplificação e celeridade, olvidando que não se trata ali de matéria de prazos substantivos de propositura de acções (1 ), há que recorrermos aos princípios gerais e normas que se possam convocar.
Decorre do artigos 619º do CC e 406º nº 1 e 407º nº 2 do CPC que o arresto deve ser requerido pelo credor contra o devedor ou contra adquirente dos bens do devedor. São esses os titulares dos interesses em questão no arresto, os sujeitos da relação material controvertida.
Se D...., terceiro, não é devedor nem adquirente dos bens do devedor (e nada mostra que o seja), então não tem interesse directo no levantamento duma providência que não foi contra si decretada.
Um interesse indirecto poderia justificar a intervenção de terceiro numa acção judicial, mas para procedimento cautelar tal não está previsto na lei nem se coaduna com a sua natureza. Inexiste norma processual que lhe permita intervir nos autos de arresto.
Poderá ter interesse indirecto, como o alegou, pois que, sendo o registo do arresto mais antigo que o da penhora, extinto o arresto e cancelado o seu registo, faltaria tal garantia que pela antiguidade pudesse fazer com que o crédito dos arrestantes prevalecesse sobre o crédito do agravante garantido pela penhora. Só que esse interesse, que além de indirecto é eventual (ainda não se mostra efecti­vado), não lhe confere legitimidade segundo as normas gerais.
Mesmo para efeitos de recursos, em que o conceito de legitimidade é mais amplo, só um prejuízo directo e efectivo conferiria ao terceiro legitimidade para recorrer (art. 690º nº2 do CPC) ( 2).
E se é certo que inexiste uma norma processual que lhe permita intervir nos autos de arresto, também a lei substantiva não lho permite.
O caso é de matéria de direitos disponíveis, dado que o arresto é uma garantia de crédito por obrigação autónoma ( 3 ). Não se trata de matéria de direitos indisponíveis, como a relativa ao estado das pessoas ou a matéria de interesse e ordem pública, pedido de falência, registo de marcas. Segue-se que é aplicável o art. 303º por força do art. 333º nº 2, ambos do Código Civil: da caducidade do cautelar de arresto só se pode conhecer mediante invocação daquele a quem aproveita a caducidade. E aquele a quem aproveita a caducidade é o devedor, ou de quem sucedesse a este ou se lhe pudesse sub-rogar.
Não se mostra ter havido transmissão da dívida para o agravante. Nem o caso se pode acolher à sub-rogação prevista nos art. 606º ss do CC, pois que, pelo menos, não está demonstrado que a substituição é essencial (indispensável) à satisfação ou garantia do direito de crédito do agravante (art. 606º nº 2). Poderia ser condição suficiente (admita-se), mas não se mostra que tal substituição para obter o levantamento do arresto da fracção “L” seja condição necessária para o agravante obter a satisfação do seu crédito sobre a requerida.
O mesmo interesse directo que justifica a legitimidade das partes para dis­cutir o decretamento do arresto há-de ser o que justificará a legitimidade para dis­cutir o seu levantamento por inércia na instauração da acção definitiva. O credor tem interesse no arresto porque este garante provisoriamente o seu direito de cré­dito, enquanto o devedor tem interesse em manter libertos os seus bens: é o justo receio do credor na perda dessa garantia, pela dissipação ou ocultação ou onera­ção dos bens, que justifica o decretamento do arresto. Porém, havendo negligência do arrestante em intentar a acção definitiva (em ordem a fazer cessar a dita proviso­riedade e a incerteza do direito de crédito) ou em promover os seus termos, justi­fica-se que aquele seu interesse ceda perante o da parte contrária em libertar os seus bens ( 4 ).
Por essas razões, crê-se correcta a posição doutrinária de Teixeira Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 253, na qual se estribam os agrava­dos (ver conclusão 13ª).
Versando o arresto sobre matéria de direitos disponíveis, o levantamento ao abrigo do disposto no art. 410º do CPC não é questão de conhecimento oficioso e a legitimidade para o pedir é do requerido.
Assim, a falta de legitimidade (questão que não foi apreciada na 1ª instância mas é de conhecimento oficioso e vem suscitada pelos alegantes), é obstativa do conhecimento do pedido de levantamento do arresto pelo agravante.



2ª questão: Da aplicabilidade do art. 410º do CPC ao caso:
O artigo, epigrafado “caso especial de caducidade”, preceitua:
«O arresto fica sem efeito, não só nas situações previstas no art. 389º, mas também no caso de, obtida na acção de cumprimento sentença com trânsito em julgado, o credor insatisfeito não promover execução dentro dos dois meses sub­sequentes, ou se, promovida a execução, o processo ficar sem andamento durante mais de 30 dias, por negligência do exequente» (5 ).
O que foi posto à discussão é a parte do preceito segundo a qual o arresto fica sem efeito no caso de, obtida na acção de cumprimento sentença com trânsito em julgado, o credor insatisfeito não promover execução dentro dos dois meses subsequentes. Dois meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença.
Claramente, o preceito pressupõe tratar-se de decisão condenatória em obrigação pecuniária instantânea.
Tratando-se de sentença homologatória de transacção em que se erigiu a obrigação de prestação de facto e pagamento no prazo de seis meses, não é legalmente possível promover execução dentro do prazo de dois meses contado desde o trânsito da decisão, trânsito ocorrido dez dias depois da decisão (6 ) (7 ). Não é possível meter o Rossio na Betesga.
Logo, o art. 410º do CPC, na parte do preceito cuja aplicação está em causa, não se refere aos casos de obrigações com prazo.
E entendemos que o preceito nessa parte também não é extensível, com adaptações, ao caso de obrigações com prazo.
Na verdade, ao contrário da prescrição, para a caducidade tem de haver específica previsão do caso ( 8 ). E as regras de caducidade são de direito estrito, como emerge do art. 328º do CC ( 9 ).
Compreende-se que a regra seja a de aplicação estrita das normas que pre­vêem prazos de caducidade. Natural é a possibilidade de os direitos se conserva­rem e poderem exercer-se a todo o tempo: as limitações só surgem por força das regras de caducidade (ou de prescrição), legais ou convencionais (convencionais apenas quanto à caducidade e se se tratar de direitos disponíveis).
Como ao caso, que versa obrigação com prazo de seis meses, não é apli­cável a norma invocada sob a qual o agravante pretendia o levantamento do arresto, fica prejudicado o conhecimento da questão de saber se essa norma pre­valece ou não sobre o convencionado sob a cláusula e) da transacção.
Apenas se deixa claro que a caducidade cominada no art. 410º versa maté­ria de direitos disponíveis, sendo legítima a convencionada renúncia à caducidade ( 10 ), na medida em que esta convenção não defraude as regras legais da prescri­ção, nos termos do art. 330º nº 1 do CC (e por enquanto não se mostra haver tal fraude) ( 11).

Pela solução dada às questões 1ª e 2ª se vê que, por qualquer um dos fun­damentos aí versados, a pretensão de D....nunca se poderia julgar procedente. Ou seja: porque o agravante D....não tem legitimidade para pedir o levanta­mento do arresto efectuado contra B.... ou porque, ainda que tivesse legitimidade, a norma destacada do art. 410º do CPC não é aplicável à propositura das acções executivas emergentes da mora no cumprimento de obri­gações com o convencionado prazo de seis meses.

III- Decisão:

Pelos fundamentos expostos, nega-se o provimento ao agravo e confirma-se a decisão impugnada.

Custas pelo agravante.
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(1) Trata-se de prazo judicial de propositura de acções (ut assento do STJ de 2-3-1994 no BMJ 435º p. 35 ss). E, porque prazo judicial, implica certas particularizações de regime em relação ao regime substantivo da caducidade. Simplificação seria manter norma semelhante à revogada. A complicação está ilustrada pelo caso presente.
(2) Isto não contende com a legitimidade do agravante para ter recorrido neste incidente, dado que foi vencido, aplicando-se o nº 1 e não o nº 2 do art. 690º do CPC. No texto, o que se questiona é a legitimidade para suscitar o próprio incidente, à luz de conceito de legitimidade mesmo mais lato.
(3) Indisponíveis são os direitos que se inserem em relações nas quais predomina o interesse público, enquanto disponíveis são os direitos que se inserem em relações nas quais predomina o interesse particular.
(4) Vd. cabal justificação em Alberto dos Reis, CPC Anot., I, p. 633.
(5) O preceito corresponde ao nº 2 do art. 382º do CPC na redacção vigente até à reforma encetada em 1995, que significativamente apenas alterou o prazo que encurtou de seis para dois meses.
(6) A própria decisão recorrida referiu que a sentença homologatória transitou em julgado. E as partes dispunham de 10 dias, pelo menos para eventual reclamação contra tal sentença.
(7) Concebe-se que houvesse vencimento antecipado, mas tal situação não vem caracterizada.
(8) Cf. Menezes Cordeiro, Tratado, I-IV, 2005, p. 229.
(9) Cf. Menezes Cordeiro, Tratado, I-IV, 2005, p. 230.
(10) Diversamente da prescrição, a caducidade só é renunciável antes de decorrido o prazo.
(11) A cláusula será inválida por fraude à lei quando por exemplo se mostre feita valer por um prazo superior ao de prescrição aplicável à obrigação. É que são imperativas as regras da prescrição. Também as regras do registo são imperativas e a cláusula não é oponível a 3ºs obtido o cancelamento volvidos 10 anos sobre a inscrição do arresto (12º nº 1 do CRP).