Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
209/96. 0 TBSCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
CONTUMÁCIA
Data do Acordão: 01/23/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SANTA COMBA DÃO – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 117,1,B),119º,121º CP/82 118,1,B),120º, 121º CP 95
Sumário: 1. O instituto da contumácia surgiu com a revisão operada pelo DL n.º 78/87, de 17 Fev. ao Código de Processo Penal, dispondo então o n.º 1 do art. 336º que a declaração de contumácia implicava a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido.
2. Porém, só com a revisão do Código Penal levada a efeito pela Lei n.º 48/95, de 15 de Março a declaração de contumácia passou a constituir causa de suspensão e de interrupção do prazo prescricional (art. 120º, n.º 1, al. c) e art. 121º, n.º 1, al.c)).
3. No domínio do CP/82 a declaração de contumácia suspende o prazo de prescrição do procedimento criminal sendo essa a orientação do assento para fixação de jurisprudência do STJ, n.º 10/2000, de 19 Out (publicado no DR, I Série-A, de 10-11-2000).
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra



I - RELATÓRIO

O Ministério Público veio interpor recurso do acórdão que absolveu o arguido A... da prática, como cúmplice, de um crime de fraude na obtenção de subsídio p. e p. pelo artigo 36º, n.ºs 1, al. c), 2 e 5, al. a) do DL n.º 28/84, de 20.01 e art. 27º do CP, por que se encontrava acusado.

E, da respectiva motivação extraiu as seguintes conclusões:
1- 1. A decisão recorrida fez uma incorrecta valoração da prova produzida:
2. O que se detecta, flagrantemente, do facto de ter dado como provado que o arguido emitiu uma (única) factura, respeitante a um aluguer de um computador, no valor de Esc. 1.000.000$00, quando da mera análise dos documentos juntos a fls. 37-40 dos autos, facilmente se perceberia que foram emitidas quatro facturas, em nome de uma Firma do arguido;
3. Mas a incorrecta valoração da prova produzida resulta, sobretudo, de se terem olvidado as regras de normalidade e experiência comum;
4. Com efeito, tendo-se dado como provado que o arguido praticou vários factos que preenchem o tipo objectivo do ilícito pelo qual o arguido vinha acusado, facilitando "com a sua actuação a obtenção da 2a tranche e a justificação do recebimento da primeira", concluiu-se, contra todas as regras de normalidade e de experiência, que "Não resultou provado que o arguido A.... agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que contribuía para que o quadro fictício ganhasse foros de credibilidade";
5. Ora, a prática pelo arguido dos factos que o Tribunal a quo deu como provados é incompatível com uma actuação não dolosa, pois implica necessariamente que àquele fossem explicados vários passos do iter criminis, sob pena de à luz do homem médio, o arguido não ter razão válida para os praticar;
6. Assim, não foi avançada, nem pelo arguido, nem pela decisão recorrida, nenhuma explicação lógica para o facto do arguido ter emitido quatro facturas, de um suposto aluguer de um computador, pelo período de quatro meses, tendo a preocupação de que as facturas, emitidas, com datas de meses diferentes, tivessem nºs não sequenciais;
7. Também não foi avançada, nem pelo arguido, nem pela decisão recorrida, nenhuma explicação lógica, para o facto de, para além das referidas facturas, o arguido ter emitido, antes da prestação do serviço em causa um recibo no qual declarou ter recebido um montante, que não recebeu, pelo trabalho de formador, que não executou;
8. Do mesmo modo, não foi avançada, nem pelo arguido, nem pela decisão recorrida, nenhuma explicação lógica para o facto do arguido ter preenchido vários recibos dos formandos, que os mesmos vieram a assinar na sua presença, sem que tivessem tido qualquer ou quase nenhuma formação e sem que tivessem recebido as quantias constantes desses recibos;
9. Tudo levando, à conclusão, à luz das regras de normalidade e de experiência comum que, ao arguido, nunca foi alheio o iter criminis que o autor percorreu;
10. De resto, tal conclusão resulta inequívoca do depoimento da testemunha Paulo Miguel F. Martins que, ao contrário do arguido, não teve conhecimento sobre o conteúdo, objectivo e execução do curso de formação em causa e, com um mero contacto superficial (uma manhã), logo se apercebeu "que era tudo uma treta";
11. Assim:
- da ponderação dos factos praticados pelo arguido que o Tribunal a quo deu como provados;
- conjugados com as regras de experiência comuns;
- bem como com a análise dos documentos de fls. 37-40, 42 e 52-90;
- e ainda do depoimento da testemunha ……,
teria o Acórdão recorrido que dar como provado que o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que contribuía para que o quadro fictício ganhasse foros de credibilidade;
12. Condenando-o pela prática, sob a forma de cumplicidade, do crime de fraude na obtenção de subsídio, previsto e punido pelo artigo 36°, n.ºs 1, al. c), 2 e 5, alI. a) do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, conjugado com o artigo 27° do Código Penal;
13. Pelo que, ao assim não considerar, o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 127° do Código de Processo Penal.
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Respondeu o arguido concluindo que o acórdão recorrido não é nulo, não violou qualquer dispositivo do Código de Processo Penal nem da Constituição da República Portuguesa e, na pior das hipóteses, mesmo que crime tivesse havido, este já há tempo que teria prescrito.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Os autos tiveram os vistos legais.

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II- FUNDAMENTAÇÃO

Da sentença recorrida consta o seguinte (por transcrição):
1. Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1) Englobado no Dossier agrupado nº 890533P1 (referência comunitária), apresentado e elaborado pela Associação Industrial da Região de Viseu (AIRV), o ex-co-arguido B..., agindo na qualidade de único sócio-gerente da “Bombetão – Betões Pré-Esforçados, Lda” e actuando em nome e no interesse desta, candidatou-se em 1989 à Formação Profissional, solicitando o respectivo subsídio para os cursos de:
- Operadores de máquinas de pré-esforço e
- Operadores de selecção de inertes.
2) Foi o ex-co-arguido B...que forneceu à AIRV as informações e demais elementos necessários à elaboração por aquela Associação da Proposta de candidatura à realização daquelas acções de formação.
3) As acções tinham como datas previstas para o seu início e termo, respectivamente, 1 de Agosto e 24 de Novembro de 1989, com 240 horas de aulas teóricas e outras tantas de práticas, para cada acção, correspondendo a uma duração média por formando de 16 semanas, cada uma com trinta horas.
4) Cada formando receberia a remuneração total de 143.360$00 – cerca de 35.800$00 por mês.
5) No dossier de apresentação das acções referia-se que estas se destinavam a 22 (11 para cada acção) jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos, cujas qualificações se apresentavam insuficientes e/ou inadaptados para o desempenho de funções que lhes ofereciam perspectivas reais de emprego e/ou para empregos que requeriam a aplicação de novas tecnologias. Referia-se também que nenhum dos formandos estava vinculado por contrato de trabalho.
6) Os elementos referidos em 3) a 5) foram confirmados pelo Pedido de Saldo ao FSE e Relatório de Avaliação Quantitativa e Qualitativa, este apresentado após o fim das acções de formação.
7) Como formadores das acções foram indicados o ex-co-arguido C... e o arguido A.... (operadores de máquinas de pré-esforço) e os também ex-co-arguidos D... e E... (operadores de selecção de inertes).
8) Os pedidos de subsídios vieram a ser aprovados nas competentes Instâncias Nacionais e Comunitárias, tendo sido fixado em Esc. 4.693.004$00 o montante concedido pelo Fundo Social Europeu (FSE) e em Esc. 3.838.731$00 o montante a financiar pelo Estado Português, através do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS).
9) Assim, o ex-co-arguido B…., na qualidade de sócio gerente da Bombetão, veio a receber do FSE e IGFSS, após ter efectuado o pedido do primeiro adiantamento e a título de 1ª tranche do subsídio concedido (cerca de 50% do total), veio a receber 2.490.955$00 em 20/11/89 e 1.685.816$00 em 02/01/90, respectivamente.
10) Tais quantias foram depositadas na conta da Bombetão – conta nº 4102665/000/001 sobre o B. F. Burnay, de S. C. Dão (fls. 171) e deveriam destinar-se a ser aplicadas no pagamento dos encargos decorrentes da acção de formação.
11) Um dos formandos – o Aires P. N. de Sousa, ao contrário do afirmado no dossier de apresentação era trabalhador da Bombetão aquando do programado início das Acções de Formação.
12) Eram também trabalhadores os formadores C..., D... e E..., razão pela qual as quantias que receberam foram, na sua maioria, a título de salário; sendo os recibos que cada um deles assinaram, em como receberam a quantia de 720.000$00 mais um elemento do “cenário”.
13) A assinatura dos recibos ocorreu logo nos primeiros dias da “formação”, o mesmo acontecendo com os recibos assinados pelos formandos, tendo o B...e os restantes formadores aproveitado os dias em que se realizaram os testes psicotécnicos para recolher as assinaturas dos formandos.
14) Mas estes, apesar das assinaturas apostas, vieram a receber, cada um, em média, quantia não superior a 15.000$00, isto para além de lhes ter sido pago um almoço.
15) A desconformidade entre o efectivamente realizado e o referido, nomeadamente no Relatório de Avaliação Quantitativa e Qualitativa, vai ainda mais longe:
16) Foi contabilizado como despesa das Acções de Formação o aluguer de um computador pelo montante de 1.000.000$00, computador esse propriedade do arguido A…, o qual emitiu uma factura do referido montante a pedido do ex-co-arguido B...para ser integrada no dossier, apesar de nunca ter recebido tal quantia.
17) Foi o A.... que preencheu pelo menos alguns dos recibos assinados pelos formandos e cujas cópias constam de fls. 52 a 90.
18) O A…, para além de formador, funcionou como angariador de formandos, pois a maioria destes foi através daquele que veio a ter conhecimento que a Bombetão iria dar cursos financiados pelo FSE.
19) O ex-co-arguido B...recebeu a 1ª tranche e só não recebeu a 2ª e última devido ao facto de as irregularidades acabadas de referir terem chegado ao conhecimento das Entidades Nacionais co-financiadoras da acção.
20) O ex-co-arguido B...ao apresentar as propostas de contribuição e os pedidos de pagamento de saldo ao DAFSE, dos quais fez constar informações e despesas inverídicas quanto à forma como ocorreram as acções de formação e os gastos e encargos provocados pela realização dos mesmos, tinha o propósito, em parte concretizado, de obter e justificar a utilização das verbas concedidas a título de subsídio pelo FSE e IGFSS, bem sabendo que nenhuma Acção de Formação iria promover.
21) O arguido A.... possui antecedentes criminais pela prática do crime de emissão de cheque sem provisão.
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2. Estes os factos apurados. Nenhum outro se provou, nomeadamente que o computador referido em 16) nunca esteve nas instalações da Bombetão.
Também não resultou provado que quanto a alguns dos recibos – os que constam de fls. 70 a 72 (formando Fernando Santos) e 73 a 75 (formando Jorge Faria) – as assinaturas que deles constam foram apostas falsamente pelo arguido.
De igual modo, também não se provou que o arguido A.... agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que contribuía para que o quadro fictício ganhasse foros de credibilidade.
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3. A convicção do tribunal baseou-se na análise global da prova produzida e particularmente nos elementos seguintes:
Nas declarações do arguido, o qual referiu que na altura em que sucederam os factos estava numa fase má da sua vida, desempregado, em que precisava de dinheiro. Nesse contexto, foi aliciado por B... que lhe falou nas Acções de Formação. O arguido disse que aceitou ser formador e que foi estudar para dar dita formação, acreditando que ela iria decorrer normalmente. Como conhecia muita gente, o arguido serviu de angariador. Explicava às pessoas as condições em que iriam decorrer as Acções de Formação e estava convencido que as mesmas eram úteis para os formandos. O arguido A…. reconheceu algumas das assinaturas que lhe foram exibidas como sendo suas e disse também que preencheu recibos referentes aos formandos, mas não sabe em que fase do processo; sabe apenas que quando foi convidado para formador o projecto já estava aprovado. No que respeita ao computador propriedade do arguido e a cujo aluguer se reportam as facturas juntas a fls. 37 a 40, esclareceu o mesmo arguido que, a pedido do ex-co-arguido Heitor, emitiu tais facturas de uma sua empresa, facturas essas todas elas fictícias – pois que, nunca recebeu como contrapartida do aluguer de qualquer computador qualquer quantia em dinheiro – convencido pelo mencionado ex-co-arguido que as mesmas se mostravam necessárias para instruir o dossier de candidatura e com vista ao curso de formação para que se preparou como formador, o qual sempre pensou vir a ter lugar até ao momento em que se sentiu a ser “ chutado “ pelo mencionado ex-co-arguido com expressões como “ só tenho aqui chulos “. Podendo, embora, discutir-se tal explicação do arguido, a verdade é que a mesma coaduna-se com a explicação dada pelas demais testemunhas inquiridas na audiência de julgamento que também figuravam como formadores do dito curso, no sentido por elas referido de que só mais tarde se aperceberam que tudo se tratava de uma “ batota “ engendrada pelo mencionado ex-co-arguido em conluio com outras pessoas.
Adiantou, ainda, o arguido que houve um almoço e algumas visitas à fábrica, mas apenas foram dadas algumas aulas. Explicou que nunca tinha tido qualquer ligação profissional ao dito B...e que recebeu apenas pequenas quantias, que nem sequer cobriam as suas despesas. Em relação aos formandos disse que não receberam dinheiro algum.
Nas declarações de …., o qual na altura dos factos era Inspector de Finanças e que disse recordar-se que foram feitos questionários aos formandos, tendo-se concluído pela inexistência de qualquer acção de formação.
No depoimento de ……, Inspector da PJ, que fez a investigação respeitante aos factos em análise, tendo ouvido a generalidade dos formandos. A testemunha lembrava-se do recibo referente ao computador do arguido, mas disse não poder afirmar se este tinha ou não consciência do “cenário”. O Inspector afirmou que os formadores não tinham aptidão para dar formação e que alguns deles colaboraram com B... em outras acções de formação.
Nas declarações de …… o qual era à data trabalhador da Bombetão e que afirmou que os formandos foram às instalações da mesma pelo menos duas vezes e que foram almoçar todos juntos.
No depoimento de ……., o qual esteve inscrito no curso, dele tendo tido conhecimento através do arguido. Contudo, não recebeu qualquer formação, nem remuneração.
Nas declarações de ….., que foi contactado pelo arguido a fim de frequentar o curso. À data a testemunha estava de férias e decidiu inscrever-se para ocupar o seu tempo e ganhar algum dinheiro. Disse ainda que veio três ou quatro vezes à Bombetão e que se lembra de ter assinado um livro de ponto. Contudo, refere que não houve aulas propriamente ditas e diz que recebeu 15 ou 20 contos. Afirmou também ter havido um almoço.
No depoimento de …… que esteve inscrito no curso de formação, não tendo sido contactado pelo arguido. Diz que veio algumas vezes à Bombetão e que se lembra de preencher uns cadernos com matéria. A testemunha não soube dizer quanto recebeu.
Nas declarações de ……, que esteve também inscrito no curso como formando, o qual se lembra de vir um dia à cave da Bombetão e de ter lá estado toda a manhã. No final foram todos almoçar (formadores e formandos) e apercebeu-se que era tudo uma “treta”. Lembra-se de ter assinado uns recibos, mas diz nada ter recebido.
No depoimento de ……, que trabalhou na Bombetão entre finais de 1987 e finais de 1989 e que esteve inscrito no curso. Referiu que teve “aulas” duas vezes: na 1ª vez assinaram uns papéis e na 2ª não fizeram nada. Não soube precisar quem eram os formadores e disse não se lembrar de lá ter visto o arguido.
No depoimento de Maria de ……., a qual assinou a sua inscrição para o curso num café em Vale de Açores, tendo entregue o seu B.I. Referiu não saber sobre que era o Curso e disse não ter recebido qualquer formação ou dinheiro.
Nas declarações de ……, que foi contactado pelo arguido para frequentar o curso. Disse que só veio a Santa Comba Dão fazer a inscrição e uns testes psicotécnicos. Sabe que assinou alguns documentos em sua casa, a pedido do arguido, que lá lhos levou. Não recebeu qualquer dinheiro, nem frequentou dito curso.
No depoimento de ……, a qual foi contactada pelo arguido para frequentar o curso de formação. Inscreveu-se na Bombetão e fez um teste, mas depois desse dia não voltou à fábrica.
Nas declarações de ……, o qual se inscreveu no curso de formação, de que teve conhecimento através do arguido. Inscreveu-se e lembra-se de ter vindo uma ou duas vezes à Bombetão. Referiu que o curso não teve continuidade.
No depoimento de ……, que foi contactado pelo arguido para se inscrever no curso de formação. À data a testemunha trabalhava na construção civil e disse recordar-se que a formação era sobre máquinas de pré-esforço. Afirmou que o curso durou mais ou menos uma semana e que teve aulas teóricas e práticas na Bombetão. Disse que havia 10 ou 12 alunos e que o arguido era formador.
Nas declarações de ……, que trabalhou na Bombetão cerca de 3 anos, de 1988 a 1990. A testemunha referiu que ouviu falar na existência de cursos na Bombetão, mas que não frequentou nenhum. Afirmou que recebia apenas o seu salário e que só assinava recibos referentes a esse salário. Confrontado com o facto de existirem recibos com o seu nome referentes ao curso em questão, disse que na altura em que esses recibos foram assinados estava na tropa.
No depoimento de …… que esteve inscrito no curso, tendo, nessa altura, conhecido o arguido. Não se lembra se assinou alguns papéis, mas disse que não houve qualquer formação. Disse ainda que foi duas ou três vezes apenas à Bombetão, mas afirma ter recebido uma quantia em dinheiro. Confrontado com alguns recibos (fls. 73, 74 e 75) afirmou que as assinaturas não são dele.
Nas declarações de ……, que foi abordado pelo arguido para inscrever-se no curso. Foi fazer uns testes psicotécnicos, mas depois recebeu uma carta a dizer que tinha atingido o limite de idade e que estava excluído da formação. Sabe que assinou muitos papéis, mas não foi à Bombetão. Referiu que as assinaturas constantes de fls. 76, 77 e 78 não lhe parecem suas e que não recebeu qualquer dinheiro.
No depoimento de ……, que esteve inscrito no curso, de que teve conhecimento através de um amigo seu. Chegou a vir à Bombetão no carro do arguido. Fez alguns testes, visitou a fábrica e escreveu alguns apontamentos num caderno. Disse que não se lembrava de o arguido dar aulas. Quando vinha à fábrica recebia algum dinheiro (7/8 contos). Sabe que assinou alguma documentação, mas diz que o fez sem ler.
Nas declarações de ……, o qual esteve inscrito no curso, tendo então conhecido o arguido. Diz que foi à Bombetão algumas vezes, mas que não sabe se ficou com alguns apontamentos. Não se lembra do formador, mas sabe que assinou folhas de presença.
No depoimento de B... (ex-co-arguido), que referiu conhecer o arguido desde data anterior à da obtenção do subsídio. Disse que o arguido efectivamente arranjou alguns formandos para o curso. Afirmou que A….. iniciou o curso e que a ideia era avançar com o mesmo. Referiu que indicou o arguido como formador por sempre uma pessoa muito disponível. Os formadores entre si combinaram, segundo a testemunha, as áreas que cada um leccionaria. A testemunha referiu que pagou ao arguido e que, por isso, é que existem recibos; contudo, refere que nunca lhe deu 700 ou 1000 contos de uma vez, mas que foi dando dinheiro aos poucos. Disse também que o computador foi alugado ao arguido e que esteve na fábrica. A testemunha tentou explicar que o curso não decorreu normalmente por motivos alheios à sua vontade – apesar da condenação de que foi alvo como autor do crime de fraude na obtenção de subsídio (em 13/05/96). Referiu por fim que se alguns recibos foram passados no início da formação foi apenas para preparar a documentação respeitante à 2ª tranche.
No depoimento de ….. (ex-co-arguido) que já era funcionário da Bombetão quando ocorreram os factos (desde 1987). Referiu que a anterior testemunha (B...) o contactou para ser formador e para arranjar alunos, mas que não cedeu a tais pedidos. Tem conhecimento de que foi indicado como formador, mas refere que foi à sua revelia. Sabe também que o arguido foi contactado por B... para ver se arranjava pessoas, mas disse estar convicto de que o primeiro estava de boa fé e predisposto a que o curso “andasse”. A testemunha afirmou que B... tinha já uma estrutura montada e que os Srs. …… e ….. (também ex-co-arguidos) trataram de tudo. Disse não saber nada acerca de recibos preenchidos pelo arguido, bem como sobre o computador alugado pelo mesmo. Referiu que chegou a haver formação na Bombetão, durante uma ou duas semanas e afirmou que cometeu o erro de assinar recibos, sem ter recebido nada.
Nas declarações de C…. (ex-co-arguido), encarregado fabril da Bombetão, que referiu que o arguido foi coordenador do curso. A testemunha começou por dizer que houve pouca formação, para concluir que o curso não chegou a existir. Disse que não sabe se assinou recibos, mas que não recebeu qualquer dinheiro para além do seu salário mensal. Depois de confrontado com o recibo de fls. 43, voltou a referir que não recebeu tal quantia. A testemunha disse que não sabe quem preencheu os recibos dos formandos. Afirmou também que esteve um computador na Bombetão que o arguido disponibilizou, mas que não estava muito operacional. Por fim, referiu que se apercebeu de que o curso era uma “farsa” porque os alunos se começaram a desinteressar e a faltar. Disse que não sabe se houve atrasos na verba, nem sabe se nessa altura já tinham recebido a 1ª tranche.

Foram ainda levados em conta os documentos que constam dos autos, bem como o CRC de fls. 553.
Relativamente aos factos não provados, alicerça-se a convicção do Tribunal na falta de consistência da prova sobre os mesmos produzida, designadamente, no que respeita ao elemento subjectivo do tipo legal imputado ao arguido na acusação, o qual não foi possível extrair com a segurança jurídica que se impõe dos elementos de prova testemunhal colhidos na audiência de julgamento e nos elementos de índole documental constantes dos autos, já atrás aduzidos, na medida em que feito o cotejo do conjunto dos mesmos e a respectiva análise crítica afiguram-se-nos estes insuficientes ainda que conjugados com as regras da experiência comum, tanto mais que, não é de todo improvável a tese trazida à audiência pelo arguido e demais testemunhas formadores a respeito do logro em que o ex-co-arguido B...os fez cair. Aduzindo-se, ainda, quanto à questão do computador propriedade do arguido não ter estado nas instalações da “ Bombetão “ o facto de não coincidirem as versões do arguido e de algumas testemunhas, no sentido de que tal computador nunca esteve na ditas instalações, segundo o primeiro, e de aí ter estado, segundo as últimas.
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APRECIANDO

Tendo em conta as conclusões da motivação e que estas limitam o seu objecto, considera o recorrente que a decisão impugnada fez uma incorrecta valoração da prova produzida, tendo violado o princípio da livre apreciação da prova.
Entende, assim, que tendo resultado provado o elemento subjectivo deve o arguido ser condenado pela prática do crime que lhe havia sido imputado.
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QUESTÃO PRÉVIA

Foi imputado ao arguido A... a prática, como cúmplice, de um crime de fraude na obtenção de subsídio p. e p. pelo artigo 36º, n.ºs 1, al. c), 2 e 5, al. a) do DL n.º 28/84, de 20.01 e art. 27º do CP.
Tal crime é punível, em abstracto, com pena de prisão de limite máximo de 5 anos e 4 meses, sendo, portanto, de 10 anos o prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do que dispõe o art. 117º, n.º 1, al. b) do Código Penal de 1982 (diploma vigente à data dos factos), ou no art. 118º, n.º 1, al. b) após a revisão do Código Penal levada a efeito pelo DL n.º 48/95, de 15 de Março.
O curso da prescrição pode ser suspenso ou interrompido, nas situações previstas nos n.ºs 1 dos artigos 120º e 121º do CP (ou nos n.ºs 1 dos 119º e 120º do CP/82).
Há suspensão quando o tempo decorrido antes da verificação da causa de suspensão conta para a prescrição, juntando-se, portanto, com o tempo decorrido após a causa de suspensão ter desaparecido. Inversamente, verifica-se interrupção, quando o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, devendo portanto reiniciar-se o período, logo que desapareça a causa de interrupção ( - cfr. Simas Santos e Leal-Henriques em anotação ao art. 120º.).
É de 3 anos o prazo da suspensão (art. 120º, n.º 2). E, a fim de evitar que o processo se eternize, porquanto a interrupção implica o decurso de novo prazo, estabeleceu-se no n.º 3 do artigo 121º um prazo máximo a partir do qual o procedimento criminal já não pode prosseguir, nos termos do qual “A prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.” Ou seja, in casu, 10 anos + 5 ano + 3 anos.
Os factos imputados ao arguido remontam a 20/11/89 e 02/01/90.
Foi o arguido notificado da acusação e do despacho que designou dia para julgamento em 16-8-94 (fls. 378), data em que se suspendeu e interrompeu o prazo de prescrição (artigos 120º, n.º 1, al. b) e 121º, n.º 1, als. a) e b)).
E, foi declarado contumaz por despacho de 13-6-96 (fls. 334). A contumácia foi declarada cessada por despacho de 18-7-2003 (fls. 411).

Ora, a questão que teremos de apreciar é se no domínio da lei vigente na data da prática dos factos (CP/82) a declaração de contumácia suspende o prazo de prescrição do procedimento criminal sendo essa a orientação do assento para fixação de jurisprudência do STJ, n.º 10/2000, de 19 Out (publicado no DR, I Série-A, de 10-11-2000). Se fosse este o entendimento, nos presentes autos, por via da declaração de contumácia, o prazo de prescrição do procedimento criminal tinha estado suspenso durante 7 anos, 1 mês e 5 dias.

Os acórdãos para fixação de jurisprudência (assentos), nos termos do que dispõe o n.º 3 do art. 445º do CPP, não constituem jurisprudência obrigatória para os tribunais superiores, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão.
O instituto da contumácia surgiu com a revisão operada pelo DL n.º 78/87, de 17 Fev. ao Código de Processo Penal, dispondo então o n.º 1 do art. 336º que a declaração de contumácia implicava a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido.
Porém, só com a revisão do Código Penal levada a efeito pela Lei n.º 48/95, de 15 de Março a declaração de contumácia passou a constituir causa de suspensão e de interrupção do prazo prescricional (art. 120º, n.º 1, al. c) e art. 121º, n.º 1, al.c)).

Decidiu o STJ no Assento n.º 10/2000 que «no domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal».
Na sua fundamentação foi considerado o facto de no corpo do n.º 1 do art. 119º do CP/82 se admitir a existência de causas de suspensão da prescrição do procedimento criminal para além das enumeradas nas alíneas a), b) e c), entendendo-se que “os casos especialmente previstos na lei” seriam não só os que existiam quando o CP/82 entrou em vigor, mas também outros que posteriormente venham a ser estabelecidos. Considerou-se ainda que o facto de o art. 336º do CPP estabelecer que a declaração de contumácia implica a suspensão dos ulteriores termos do processo até à apresentação do arguido, só poderá ter tido em vista aquela suspensão relacionada com a prescrição do procedimento criminal, dado que o efeito visado coincide com o previsto no n.º 3 do art. 119º do CP/82 – a prescrição não corre desde a declaração de contumácia até àquele em que caduca.

Está assim, em causa uma situação de sucessão de leis no tempo, havendo que aplicar o regime que, em concreto, se mostrar mais favorável ao arguido – art. 2º, n.º 4 do CP.

Mais recentemente o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 110/2007, de 15.02, «Julgou inconstitucional, por violação do art. 29º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República, a norma extraída das disposições conjugadas do artigo 119º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e do artigo 336º, n.º 1 do Código de Processo Penal, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia».
Como se salienta na fundamentação do acórdão: “«a suspensão dos termos processuais ulteriores» não prejudicava, «nem “a realização de actos urgentes” ([actual] artigo 335º, n.º 3) nem, tampouco, as diligências processuais que tivessem em vista a apresentação ou a detenção do arguido em ordem, exactamente, à caducidade da declaração de contumácia e à activação dos “termos ulteriores do processo”. Por outro lado, as expressões “suspensão do processo” e “suspensão da prescrição” do procedimento não são sinónimas, nem sequer existe entre si qualquer relação de implicação: não existe norma, ou qualquer princípio geral, no sentido de que qualquer suspensão da instância (suspensão do processo) conduz a uma suspensão da prescrição (e, por definição, esta começa mesmo a correr antes do início do procedimento criminal, «desde o dia em que o facto se consumou» - artigo 118º, n.º 1, do Código Penal, na redacção de 1982), e há também casos da suspensão da prescrição que se não ligam a qualquer suspensão do processo”.
Destaca-se ainda da fundamentação do acórdão o seguinte: “Não podia, pois, entender-se que a previsão de «suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido», como efeito da declaração de contumácia, incluía, como seu sentido comum e literal, a suspensão da prescrição do procedimento criminal, a qual começava a correr antes do processo e podia não ser afectada por uma sua suspensão. Tal interpretação, implicando uma «interpretação “criadora”, que no caso foi tornada indispensável pela falta de adequada previsão legal inequívoca» (expressão do citado Acórdão n.º 285/99), é, nesta medida, incompatível com a Constituição, pois viola o princípio da legalidade a que está também sujeita a definição das causas de suspensão da prescrição do procedimento criminal.”.

Ora, atendendo à fundamentação do Acórdão do TC, decidimos não aplicar o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 10/2000, com fundamento na sua inconstitucionalidade.
E, mostrando-se a lei vigente à data da prática dos factos (CP/82), em concreto, mais favorável ao arguido, porquanto não constituía a declaração de contumácia causa de suspensão ou interrupção do prazo prescricional, considerando ainda os prazos máximos da suspensão e da interrupção da prescrição (no caso, 18 anos), concluímos que o procedimento criminal relativamente aos factos imputados ao arguido prescreveu no passado dia 2 do corrente.
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Mostrando-se verificada a excepção da prescrição, está prejudicado o conhecimento das questões suscitadas no recurso interposto pelo MP.

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III- DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- Declarar extinto, por prescrição, o procedimento criminal relativo à infracção imputada ao arguido, determinando-se o arquivamento dos autos.
Sem custas.