Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1877/03.3TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
LITISPENDÊNCIA
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Data do Acordão: 03/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARAS MISTAS DO TRIBUNAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 498º E 690º-A, DO CPC
Sumário: I – No recurso da matéria de facto o recorrente deve indicar, nas respectivas conclusões, os concretos pontos de facto impugnados, porque delimitadoras do âmbito do recurso e constituírem o fundamento da alteração da decisão. Já a especificação dos meios probatórios pode ser feita na motivação, devendo, no entanto, o recorrente conexionar cada facto impugnado com os correspondentes elementos de prova.

II – A omissão desse ónus de especificação, imposto no art.690º-A, nº1, do CPC, implica a rejeição do recurso.

III - A litispendência é concebida como pressuposto processual negativo, ligado ao objecto do processo, actuando a se, com inteira autonomia dos restantes, com vista não só à protecção do demandado (ne bis in idem), mas também colimada ao interesse de ordem pública, pelo princípio da “tutela da coerência” e da segurança jurídica (prevenindo julgados contraditórios).

IV – Os elementos relativos à pendência do processo e à prioridade temporal dependem apenas de demonstração fáctica, sendo que os elementos da identidade contendem já com critérios estritamente jurídicos, definidos no art.498º do CPC.

V - A deserção da instância pode ser alegada e conhecida incidentalmente noutro processo, designadamente, em resposta à excepção de listispendência.

VI - Ainda que o tribunal ad quem possa conhecer de qualquer facto superveniente, à data da decisão da 1ª instância, para aferir dos pressupostos processuais, não assume essa categoria a mera junção de documento com as alegações de recurso para provar a deserção da instância, quando o recorrente já antes da decisão, que lhe fora desfavorável, tinha prévio conhecimento do estado desertivo do processo.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO

1.1. - As Autoras – A... e B... – instauraram, na Comarca de Coimbra, acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus:
1º) - C... e esposa D...;
2º) - E...;
3º) - F...;
4º) - G..., com sede na Praça 8 de Maio, Coimbra;
5º) - H..., com sede em S.Paulo de Frades, Coimbra.
Alegaram, em resumo:
A Autora A... é proprietária de um prédio urbano, composto por casa de habitação, sito no lugar de Lordemão, inscrito na matriz sob o art.859 da H..., e a Autora B... de um prédio urbano, composto de casa de habitação, inscrito na matriz sob o art.710, sito no mesmo local.
Os prédios das Autoras confrontam a nascente com um prédio urbano, inscrito na matriz sob o art.665, e um prédio rústico, inscrito na matriz sob o art.334, pertencente aos Réus E... e F... ( proprietárias de raiz ) e C...e esposa ( usufrutuários ).
Os prédios das Autoras e os dos Réus encontram-se demarcados há mais de 40 anos, em toda a sua extensão pelo dado nascente daqueles e poente destes, tendo sido erigido um muro.
Entre os prédios das Autoras existe uma faixa de terreno, que deles faz parte integrante, a qual se inicia junto à Rua do Progresso e se desenvolve, no sentido poente/nascente, primeiro entre os edifícios urbanos das demandadas e após o corpo principal destes edifícios inflecte, considerando aquele sentido, para a esquerda (para norte) alarga-se um pouco, constituindo um espaço mais largo.
Cada um das Autoras adquiriu a propriedade, por usucapião, de cada uma das partes da referida faixa de terreno.
Os Réus C... e esposa, E... e F... afirmam, falsamente, terem constituído a favor dos seus prédios uma servidão de passagem de pé e carro pela descrita faixa de terreno, e ainda que tivesse existido já se contra extinta.
Por outro lado, a Ré E..., com a colaboração dos Réus C...e mulher e F..., declararam ceder para o domínio público o Beco situado na Rua do Progresso, com área de 82,30 m2, o qual constitui propriedade das Autoras em consequência do que a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia passaram a alegar ser área do domínio público.
Porém, tal doação é nula, por vício de forma, e por se tratar de doação de bem alheio.
Pediram cumulativamente:
a) - Que seja declarado que a faixa de terreno identificada, com a área de 82,30 m2 declarada ceder pela Ré E... à Junta de Freguesia de S. Paulo de Frades faz parte integrante dos prédios das Autoras, devendo as mesmas ser declaradas suas únicas, legítimas e exclusivas proprietárias e possuidoras;
b) - Que seja declarado que a mesma faixa foi abusivamente cedida à Junta de H...;
c) – A condenação dos Réus a reconhecerem e a absterem-se de praticar quaisquer actos que ofendam o direito de propriedade das Autoras;
d) – A condenação dos Réus C..., D...; F... e E... a reconhecerem que os prédios das Autoras e a faixa de terreno deles integrante não estão onerados com qualquer servidão de passagem a favor do prédio dos Réus e, consequentemente, não terem direito de passagem desde os seus prédios para a Rua do Progresso e desta para aqueles;
e) – A condenação dos Réus C..., D...; F... e E... a reconhecerem que o limite poente dos seus prédios é definido pelo muro, parede e marcos descritos na p.i..
Contestaram os Réus C... , D..., E... e , defendendo-se por impugnação e em reconvenção alegaram que a faixa de terreno fazia parte integrante do prédio inscrito na matriz rústica sob o art.334, resultando a passagem para os demais prédios dos Réus da existência de uma servidão de passagem constituída por usucapião, tendo a Ré E... cedido essa faixa para domínio público.
Concluíram pela improcedência da acção e pediram em reconvenção cumulativamente:
a) - A condenação das Autoras a reconhecerem que os Réus C...e D... são legítimos possuidores e únicos usufrutuários dos prédios que indicam e as Rés E... e F... titulares da nua propriedade;
b) – A condenação das Autoras a reconhecer que a faixa de terreno em causa sempre fez parte integrante do prédio rústico inscrito na matriz sob o art.334º;
c) – A condenação das Autoras a reconhecer que a cedência dessa faixa de terreno para o domínio público é legal, válida e eficaz.
Se assim não se entender:
d) – A condenação das Autoras a reconhecer que os prédios em causa beneficiam de uma servidão de passagem de pé, carro, tractor e demais veículos automóveis, constituída por usucapião que incide sobre essa parcela;
e) - Que os actos de perturbação de passagem, colocação de portão, tapamento da abertura para o prédio dos Réus e mudança do piso são ilegais;
f) - A condenação das Autoras tal reconhecer, ordenando-se que as mesmas retirem, de imediato, o portão que colocaram à entrada da Rua do Progresso, procedam à demolição do muro que construíram a tapar a abertura de acesso para os prédios dos Réus, reponham a calçada que retiraram e substituíram no estado em que a mesma se encontrava e com o mesmo material.
Ainda se assim não se entender, caso se venha a reconhecer que a faixa de terreno é pertença das Autoras:
h) - Declarar-se que sobre a mesma está constituída uma servidão de passagem, de pé, carro, tractor e demais veículos automóveis;
i) - Condenar-se as Autoras a tal reconhecer;
j) - A condenação das Autoras a indemnizar os Réus de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que lhes causarem e lhe continuarão a causar enquanto não puserem termo à suas condutas ilícitas, cuja liquidação se relega para execução de sentença.
Contestaram o G... e a H..., defendendo-se por impugnação.
Replicaram as Autoras, mantendo a posição inicialmente assumida, e contraditaram a reconvenção, arguindo a excepção de litispendência, com base na acção nº223/1998, pendente no 3º Juízo Cível de Coimbra, e os Réus treplicaram.

1.2. - No saneador relegou-se para final o conhecimento da excepção de litispendência, afirmando-se quanto ao mais a validade e regularidade da instância.

1.3. - Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu:
a) - Julgar a acção improcedente e absolver os Réus dos pedidos.
b) - Julgar procedente a excepção de litispendência e absolver as Autoras/ reconvindas da instância quanto aos pedidos formulados nas alíneas a), b) c) d) e i) da reconvenção e não tomar conhecimento dos demais pedidos reconvencionais subsidiários.

1.4. - Inconformados, recorreram de apelação a Autora B... e os Réus reconvintes C... e esposa D....

1.4.1. - Recurso da Autorasíntese das conclusões:
1º) - O tribunal deu como provado a propriedade de cada um dos prédios das Autoras e Réus, com excepção da faixa de terreno existente entre as construções pertencentes às Autoras.
2º) - A propriedade de tal faixa de terreno, com área de 82,30 m2, constitui o objecto da presente lide.
3º) - O tribunal deu como provado, de acordo com o registo efectuado na Conservatória do Registo Predial de Coimbra, que o imóvel pertencente à Autora A... confronta a norte com “ serventia “ e que o imóvel da recorrente confronta a sul com herdeiros de José Santos.
4º) - Sendo os dois prédios vizinhos, facilmente se constata uma significativa desconformidade.
5º) - Em audiência de julgamento várias foram as testemunhas que declararam que a dita faixa de terreno pertencia exclusivamente aos dois imóveis das Autoras, cuja razão de ciência lhes advém de serrem pessoas nascidas e criadas em Lordemão.
6º) - No tocante á servidão, também não tem razão de ser, desde logo porque quando existiu sempre foi para acesso aos currais que se encontrariam actualmente nos prédios das Autoras não dos Réus.
7º) - Por outro lado, o prédio dos Réus não é nem nunca foi um prédio encravado, por dispor de comunicação para a via pública.
8º) - A cedência da faixa de terreno pela Ré E... ao G... é ilícita, por não deter poderes para tal, tratando-se uma cedência de coisa alheia, de conhecimento oficioso ( arts.285 e 956 do CC ).
9º) - A sentença é nula, por violação do art.8º do CC e art.668 d) do CPC.
Contra-alegaram os Réus C... e esposa, em resumo, suscitando a questão prévia da rejeição do recurso de facto da Autora, por omissão do ónus de especificação ( art.690-A nº1 do CPC ) e tanto a questão da propriedade da faixa de terreno, como a existência ou não de servidão sobre a mesma, foram decididas correctamente, devendo improceder o recurso.

1.4.2. - Recurso dos Réus – síntese das conclusões:
1º) - O recurso tem por objecto a impugnação da sentença na parte em que julgou procedente a excepção de litispendência.
2º) - No momento em que foi proferida a sentença já não estava em curso a acção nº223/1998 do 2º Juízo Cível de Coimbra, por a instância haver ficado deserta a partir de 8/1/2001, conforme certidão que junta, pelo que não se verificava a litispendência.
3º) - É certo que no momento em que decidiu o M.mo Juiz não conhecia tal facto, mas tal não pode obstar a que o Tribunal da Relação, por razões de verdade, celeridade e economia processual se pronuncie sobre a questão, agora posta à apreciação.
4º) - A sentença violou os arts.497, 291 e 287 c) do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Os factos provados ( descritos na sentença ):
1) - A A A... é possuidora, por si e antepossuidores, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, com exclusão de outrém, na convicção de exercer um direito próprio, desde há mais de 30 anos, do prédio seguinte:
“urbano, sito no lugar de Lordemão, composto por casa de habitação de rés-do-chão e 1º andar, dependências, anexos e logradouros, confrontando, do sul com herdeiros de Alberto Duarte da Silva, do Nascente com os Réus, C...e mulher e E... e do Poente com Rua do Progresso, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Paulo de Frades, concelho de Coimbra sob o artigo n.º 859”
2) - Esse prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º. 371/870507; com inscrição de propriedade do mesmo a favor da A A....
3) - Tal prédio foi adquirido pela A. A... e o então marido aos RR. C... e esposa D..., que lho venderam por escritura de compra e venda celebrada no dia 26/10/1993 no 2º Cartório Notarial de Coimbra.
4) - A autora A... e ex-marido divorciaram-se e, por escritura de partilha lavrada no 2º Cartório Notarial de Coimbra, em 16/06/1996, foi o mesmo prédio adjudicado à ora autora.
5) - A A. B... é possuidora, por si e antepossuidores, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, com exclusão de outrém, na convicção de exercer um direito próprio, desde há 30 anos, do prédio seguinte:
“urbano composta por casa de habitação de rés-do-chão e 1º andar, dependência, anexos e logradouros sito no Lugar de Lordemão, confrontando do Norte com Júlio dos Santos, do Nascente com os Réus C...e mulher e E... e do Poente com Rua do Progresso inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Paulo de Frades do concelho de Coimbra sob o artigo matricial urbano n.º. 710.
6) - Esse prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º. 937 da freguesia de S. Paulo de Frades; com inscrição de propriedade do mesmo a favor da A A....
7) - Tal prédio veio à posse da A. B... por óbito do seu pai, José dos Santos, falecido em 08/10/84.
8) - Por partilha dos bens que constituíram o acervo da sua herança, veio a ser adjudicado à A. Domicila, por escritura de habilitação e partilha lavrado em 22/05/1991 no 4º Cartório Notarial de Coimbra.
9) - Os prédios identificados em 1 e 5, confrontam a Nascente com prédios de que os primeiros Réus, C... e esposa, são “usufrutuários” e as segundas RR, E... e F..., são “nuas proprietárias”, prédios estes a seguir identificados.
10) - Os 1º.s RR – C... e mulher D... – são legítimos possuidores do usufruto dos seguintes prédios, situados no lugar de Lordemão, freguesia de S. Paulo de Frades, do concelho de Coimbra:
a): Prédio rústico, a confrontar actualmente do Norte com E... e C..., do Sul com Herdeiros de Alberto Duarte da Silva, do nascente com José Marques Moreira e do poente com, pelo menos, a 1ª. Autora, inscrito na matriz respectiva sob o art. 333 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º. 366;
b): Casa de Habitação, de rés-do-chão, que confronta do Norte com José Augusto dos Santos, sul com C... e F..., nascente e poente com E..., inscrito actualmente na matriz respectiva sob o art.. 2542 (antigo 665) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.. 936;
c): Prédio rústico, a confrontar do Norte com José Augusto de Matos, do Sul com C... e F..., nascente Rua do Cancelão e poente com, pelo menos, a 2ª A. B..., inscrito na matriz respectiva sob o art.. 334 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 939;
11) - O prédio referido em 10. a) foi adquirido a José de Matos Santos e mulher Leontina Roxo de Albuquerque Ferreira e a António de Matos Santos e mulher Maria Otília Ferraz da Murta, por contrato de compra e venda titulado por escritura pública celebrada no dia 17 de Setembro de 1992, pelo Notário do 4º. Cartório Notarial de Coimbra, onde se encontra exarada de fls. 10 a fls. 11 v.º. do Livro nº 84-G.
12) - O prédio identificado em 10. b) foi adquirido a Elisa de Matos Santos Falcão por contrato de compra e venda titulado por escritura pública celebrada no dia 12 de Março de 1993, pelo Notário do 4º. Cartório Notarial de Coimbra, onde se encontra exarado a fls. 99 v.º. A fls. 100 v.º. Do Livro 29 – I.
13) - O prédio descrito 10.c) lugar foi adquirido a Elisa de Matos Santos Falcão e a Joaquim Matos Santos, por contrato de compra e venda titulado por escritura pública celebrada no dia 12 de Março de 1993, pelo Notário do 4º Cartório Notarial de Coimbra, onde se encontra exarada de fls. 2 a fls. 3 v.º. do Livro 29-I.
14) - Entretanto, por escritura pública celebrada no dia 6-11-96, pelo Notário do 1º. Cartório Notarial de Coimbra, exarada a fls. 39 a 40 v.º do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº. 1- A os RR C... e D... doaram o prédio descrito em 10.a) a sua filha F... – aqui 3ª Ré e os prédios referidos em 10.b) e 10.c) à sua filha E..., aqui 2ª. Ré.
15) - Posteriormente, no dia 27 de Novembro de 1996, também por escritura pública celebrada no 1º. Cartório Notarial de Coimbra, a fls. 102 a 103 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.. 4-A, foi rectificada aquela escritura de doação, reservando, agora, os doadores o usufruto sobre os supra identificados 3 prédios.
16) - Os respectivos direitos sobre tais prédios encontram-se inscritos a favor das titulares da nua propriedade (2ºs RR) e dos usufrutuários (1ºs RR) pelas respectivas inscrições na Conservatória do Registo Predial de Coimbra.
17) - Os RR. C... e D..., por si e antepossuidores, na qualidade de usufrutuários e de donos da nua propriedade, respectivamente, vêm, em relação aos 3 prédios identificados em 10, há mais de 30 anos, amanhando, semeando, plantando e colhendo os frutos, no que respeita aos rústicos; e dormindo, comendo, recebendo visitas, fazendo obras de edificação, conservação e restauro no urbano.
18) - (…) à vista de toda a gente; sem oposição de quem quer que seja; continuadamente; na convicção de a eles e só a eles pertencerem tais prédios.
19) - Os prédios referidos em 10.a) e 10.c) confrontam, a poente, com os prédios identificados em 1 e 5 das AA. A... e Domicilia.
20) - Entre as construções existentes nos 2 prédios identificados em 1 e 5 existe uma faixa de terreno livre, com a área de 82,30 m2, que se inicia junto à Rua do Progresso e se desenvolve, no sentido poente/nascente, entre tais construções, após o que inflecte para a esquerda (para Norte) e passa a constituir um espaço mais largo.
21) - Os prédios das AA e dos RR encontram-se delimitados por muros existentes a nascente dos prédios daquelas e a poente dos destes (art. 2.542º-antigo 665º urbano e 333º rústico da freguesia de S. Paulo de Frades).
22) - No muro delimitador dos prédios dos RR. e da A. B... ficou uma abertura com cerca de 4,5 metros, em que os 1º.s R. R. colocaram um portão, dentro do seu próprio prédio.
23) - Em 18 de Setembro de 1996, a A. B... enviou ao Réu C... a carta junta a fls. 128, em que comunica que vai colocar um portão na extremidade da faixa referida em 20., junto à Rua do Progresso; acrescentando que “logo que terminadas (as obras) e aplicado o portão, ser-lhe-á entregue uma chave do mesmo, para que possa continuar a utilizá-lo livremente”.
24) - No dia 12 de Março de 2002, durante a tarde, as AA colocaram um portão, na faixa de terreno id. em 20., junto à Rua do Progresso, (local assinalado com a letra “B” no doc. junto a fls. 94) fechando-o à chave, sem darem uma cópia aos RR. e impedindo-os, definitivamente, de passarem por aí a partir de então.
25) - No dia 7 de Setembro de 2002, as AA. levantaram um muro, em alvenaria de blocos de cimento, tapando a abertura referida em 22., fazendo encimar tal muro, por chapas.
26) - A partir do dia 17 de Setembro de 2002 as AA. arrancaram a calçada em pedra de Ançã, que substituíram por pedra utilizada vulgarmente em passeios.
27) - Os RR deram conhecimento de tais comportamentos das AA à Câmara Municipal de Coimbra, que deliberou mandar remover o portão e o muro.
28) - As AA interpuseram recurso contencioso da deliberação que as mandou remover o portão e que corre termos pelo TAC de Coimbra sob o n.º 479/2002.
29) - A Ré E..., em meados de 2001, declarou, por documento particular, ceder a faixa de terreno identificada em 20 para domínio público; cedência esta efectuada enquanto titular da nua propriedade e com o consentimento dos usufrutuários seus pais, oque foi aceite pela autarquia.
30) - De acordo com o registo efectuado na CRP de Coimbra, o imóvel referido em 1. confronta a norte com “serventia”.
31) - De acordo com o registo efectuado na CRP de Coimbra, o imóvel identificado em 5, confronta a sul com herdeiros de José dos Santos.
32) - Há cerca de 10 anos, pelo menos numa parte da faixa referida em 20 foi efectuada a sua cobertura com a colocação da massa de cimento.
33) - Desde 7 de Setembro de 2002, face à oposição das AA. e ao referido em 25 os RR. deixaram de passar pela faixa referida em 20.
34) - Na estrema nascente dos prédios identificados em 10., existe, junto e a dar directamente para a Rua do Cancelão, uma entrada de acesso a tais prédios.
35) - Entrada/passagem bem demarcada e calcada pela passagem de pessoas e veículos ao longo de 40 anos.
36) - A faixa de terreno referida em 20 fica entre as construções existentes nos prédios identificados em 1 e 5.
37) - A faixa de terreno referida em 20 sempre foi utilizada, desde tempos imemoriais, para acesso ao prédio inscrito sob o artº 334º e para a Rua do Progresso, sendo também através de tal faixa de terreno que sempre foi feito, desde há mais de 30 anos, o acesso de pé, carro de bois, tractor e outros veículos automóveis, aos demais prédios identificados em 10. (urbano 2542º -antigo 665º- e o rústico 333º).
38) - Por tal faixa, para além dos RR e seus e antepossuidores, para lavrarem e fresarem e para transportarem produtos de e para os prédios rústicos e para acederem à sua habitação, transportando bens e utensílios, também ali passavam os fornecedores de bens e de serviços, designadamente os carteiros dos CTT; os técnicos de electricidade, água e telefones.
39) - O acesso aos prédios 333º rústico e 2.542º urbano sempre foi feito, de e para a Rua do Progresso, pela faixa de terreno referida em 20. (representada a sombreado vermelho e com a localização e configuração constantes do “ levantamento topográfico” junto a fls. 94).
40) - Tal faixa de terreno sempre apresentou e apresenta sinais visíveis e permanentes de passagem, primeiramente por ser terra batida e calcada, contrastando com as zonas cultivadas das suas margens e devidamente demarcada das construções que a ladeavam; e, mais tarde, calcetada em pedra de Ançã.
41) - Enquanto titulares dos prédios 333º rústico e 2.542º urbano, quer os RR, quer os seus antepossuidores, sempre ali passaram convictos e na intenção de o fazerem no exercício de um direito próprio de passagem a favor dos prédios 2542º Urbano e 333º rústico (e imposto sobre aquele 334º rústico).
42) - Os RR. C..., D..., E... e F... até 7 de Setembro de 2002 sempre foram passando para os seus prédios pela faixa referida em 20.
43) - A Rua do Progresso é a rua principal de Lordemão; onde existem os principais estabelecimentos comerciais e a paragem dos transportes públicos.
44) - O acesso à Rua do Cancelão, a nascente dos prédios rústicos 333º e 334, feito em terra batida, com uma extensão de cerca de 300 m. (desde a casa) permite a passagem de pessoas, ainda que com o inconveniente de em dias de chuva poder criar lamas ou empoçamentos.
45) - Para passagem com veículos automóveis o piso é estreito, com perfil limitado, tornando incómodo o acesso à casa de habitação.
46) - A Rua do Cancelão é uma rua secundária, afastada do centro da povoação, onde não passam transportes públicos, nem existem os estabelecimentos onde possam ser efectuadas as aquisições de bens e serviços.
47) - A Rua do Cancelão conhece nesta altura um incremento urbanístico, caracterizado sobretudo pela construção de moradias unifamiliares.
48) - Para acederem à Rua do Progresso, no local por onde antes acediam, os RR C..., D..., E... e F... têm que percorrer o caminho referido em 44 e, depois, cerca de 800m em piso betuminoso ( parte da R. do Progresso e parte da R. do Cancelão ).
49) - (…) fazendo-os despender mais combustível e agravando os custos de manutenção, mpedindo e/ou dificultando o acesso de fornecedores de bens e serviços que, ou não os prestam ou os oneram por causa do mau acesso.
50) - Devido ao impedimento de acesso à casa de habitação os RR. C..., D..., E... e F... sofreram aborrecimentos, incómodos e estão intranquilos com a situação.




2.2. – Apelação da Autora:

2.2.1. – Questão prévia e delimitação do objecto do recurso:
Os apelados suscitaram a questão prévia da rejeição do recurso da Autora/apelante sobre a impugnação da matéria de facto, alegando que esta não cumpriu o ónus da especificação, nos termos do art.690-A nº1 do CPC.
A revisão do Código de Processo Civil, operada pelo DL 329-A/95 de 12/2, instituiu, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Porém, o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto. Desde logo, a possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos adrede estatuídos no art.690-A nº1 e 2 do CPC.
A razão de ser da exigência do ónus da especificação consta do preâmbulo do Dec.Lei nº39/95 de 15/2, visando afastar a possibilidade de o recorrente se limitar “a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância e manifestando genérica discordância com o decidido”, decorrendo ainda dos princípios estruturantes da cooperação, lealdade e boa fé processuais.
Dispõe o art.690-A nº1 do CPC – “Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
“a) - Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
“b) - Quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.”
Os concretos pontos de facto impugnados devem ser feitos nas respectivas conclusões, porque delimitadoras do âmbito do recurso e constituírem o fundamento da alteração da decisão. Já quanto à especificação dos meios probatórios, a lei não impõe que seja feita nas conclusões, podendo sê-lo no corpo da motivação ( cf., por ex., Ac do STJ de 20/11/2003, de 8/3/06, de 13/7/06, disponíveis em www dgsi.pt/jstj ), mas em todo o caso impõe-se a obrigatoriedade de conexionar cada facto censurado com os elementos probatórios correspondentes.
Sobre a sanção para o incumprimento do ónus da especificação, existem actualmente duas teses:
a) - Uma, no sentido da rejeição imediata do recurso, sem prévio convite:
Argumenta-se, para o efeito, não só com a letra da lei ( “ deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição” ), como com a interpretação sistemática, pois se fosse aplicável a regra do art.690 nº4 do CPC o legislador tê-lo-ia dito, e a própria teleologia, o duplo grau em matéria de facto converge com o ónus da especificação, já que, de outro modo, implicaria numa substituição pelo tribunal do ónus que impende sobre as partes de litigar diligentemente, contendendo com o direito da outra parte a fazer valer, segundo o princípio da igualdade, da forma como a contra-parte litiga ( arts.3 e 264 do CPC ) ( cf., neste sentido, por ex., Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., pág.157, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, pág.466, Ac STJ de 20/5/04, de 1/7/04, de 25/11/04, de 29/11/05, de 7/12/05, 25/5/06, de 14/9/06, disponíveis em www dgsi.pt/jstj ).
b) - Outra, que defende o convite ao aperfeiçoamento apenas quando estiver em causa uma mera deficiência do ónus de especificação, tanto por aplicação analógica do art.690 nº4, como da regra geral dos arts.265 nº2 e 266 nº2 do CPC.
Justifica-se, para tanto, que a sanção deve ser proporcional à gravidade do incumprimento, cominando a lei a rejeição imediata do recurso, à semelhança da imediata deserção no caso de falta (absoluta) de alegações (art.690 nº3 do CPC), mas já não quando ocorre uma simples deficiência ( cf., por ex., Ac do STJ de 20/3/03, 29/11/05, de 6/7/06, de 13/7/06, de 7/2/07, em www dgsi.pt/jstj ).
Analisando as alegações da Autora, constata-se não haver individualizado, nas respectivas conclusões, “os pontos de facto” que pretende impugnar, limitando-se a afirmar que a decisão “ (…) é um retrato distorcido da realidade reproduzida em sede de audiência de discussão e julgamento” e que “várias foram as testemunhas que declararam que a dita faixa de terreno pertencia única e exclusivamente aos imóveis, ora pertencentes às Autoras “, transcrevendo algumas frases avulsas dos depoimentos.
Por isso, verificando-se omissão sobre o ónus de especificação, por ausência de individualização da matéria questionada, tanto por referência à base instrutória ou à descrita na sentença, impõe-se a rejeição do recurso de facto.
Deste modo, o objecto da apelação circunscreve-se, portanto, à nulidade da sentença, à propriedade da faixa de terreno e à (in)validade da cedência do mesmo pela Ré E... ao G....

2.2.2. - Nulidade da sentença:
A nulidade de omissão de pronúncia prevista no art.668 nº1 alínea d) do CPC traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no art.660 nº2 do CPC, que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras.
Porém, conforme entendimento jurisprudencial uniforme, a nulidade consiste apenas na falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar, sendo irrelevante o conhecimento das razões ou argumentos aduzidos pelas partes ( cf., por ex., Ac STJ de 11/11/87, BMJ 371, pág.374, de 7/7/94, BMJ 439, pág.526, de 25/2/97, BMJ 464, pág.464 ).
Para justificar a pretensa nulidade, a apelante socorre-se de eventual erro de julgamento, já que, na sua perspectiva, o tribunal deveria julgar a acção procedente, o que tanto basta para a sua improcedência, não tendo qualquer cabimento a apontada violação do art.8º do CC.


2.2.3. - A propriedade sobre a faixa de terreno:
A pretensão das Autoras reconduz-se, desde logo, ao reconhecimento do direito de propriedade sobre a faixa de terreno, com área de 82,30 m2, situada entre os seus prédios, descrita na alínea S) dos factos assentes.
Consubstanciando-se a causa de pedir nos factos de que emergem a titularidade do direito de propriedade, em regra é insuficiente a invocação de uma forma de aquisição derivada, por não ser constitutiva do direito de propriedade, mas apenas translativa desse direito, a menos que se comprove que o direito já existia no transmitente, o que nem sempre é fácil, e daí que alguns autores a designem por “ probatio diabolica “.
Ora, a prova do direito deve ser feita pelo autor, não bastando justificar a própria aquisição, sendo também necessário provar o “ dominium auctoris “ ou a usucapião, como forma de aquisição originária, competindo-lhe o ónus da prova ( art.342 nº1 do CC ) dos factos dos quais resulte a aquisição originária do domínio por parte delas ou de um transmitente anterior, e neste sentido se consolidou a doutrina, tanto na vigência do Código de Seabra, como no Código Civil de 1966.
Só assim não será quando o autor beneficie da presunção legal de propriedade, como a resultante do registo ( art.7º do CRP ), mas esta presunção “juris tantum” não abrange os elementos de descrição, sempre que exista uma desconformidade entre esta e a realidade material do imóvel, designadamente quanto aos limites, estremas, confrontações, área e precisa localização do prédio ( cf., por ex., Ac do STJ de 27/1/93, C.J. ano I, tomo I, pág.100, Ac RC de 2/2/93, C.J. ano XVIII, tomo I, pág.28 ).
Pois bem, conforme se justificou na sentença, as Autoras não lograram demonstrar os pressupostos da usucapião, face às respostas negativas aos quesitos 9º a 15º da base instrutória, logo não comprovaram (art.342 nº1 do CC) a titularidade do direito de propriedade sobre a disputada faixa de terreno, pressuposto dos demais pedidos, que assim ficaram prejudicados.
Improcede a apelação da Autora.

2.3. - Apelação dos Réus:
A sentença julgou procedente a excepção dilatória da litispendência entre a reconvenção e a acção nº223/1998, pendente no 3º Juízo Cível de Coimbra (fls.158 a 170), deduzida pelas Autoras/reconvindas, e absolveu-as da instância quanto aos pedidos formulados nas alíneas a), b), c), d) e i), considerando prejudicados os demais.
Os Réus apelantes não põem em causa a tripla identidade de sujeitos, causa de pedir e pedidos ( art.498 do CPC ), mas apenas e tão só a pendência da respectiva acção, sendo esta a única questão submetida a recurso ( art. 660 nº2 do CPC ).
Para tanto, alegam que no momento em que foi proferida a sentença ( 16/6/2006 ) já não estava em curso a acção nº223/1998 do 3º Juízo Cível de Coimbra, por a instância haver ficado deserta a partir de 8/1/2006, pelo que não se verifica a litispendência, juntando com as alegações o documento de fls.538 ( certidão emitida em 8/9/2006, comprovativa de que a instância foi julgada interrompida ao abrigo do disposto no art.285 do CPC, por despacho proferido em 11/12/2003, notificado às partes na mesma data, sem que desde então tenha sido impulsionada ).
Muito embora reconheçam tratar-se de questão nova, não colocada até ao momento da prolação da sentença, e assumam até tal responsabilidade, asseveram, no entanto, que a Relação dela deverá conhecer, por razões de verdade, economia e celeridade processuais.
A litispendência pressupõe a repetição de uma causa, “estando a anterior ainda em curso” ( art.497 nº1 do CPC ), e esta expressão só pode significar que a instância da acção anterior ainda não se encontra extinta.
Com efeito, por definição, uma acção está em curso ou pendente enquanto não findar, ou seja, sem estar extinta a instância, por qualquer das causas previstas no art.287 do CPC.
E não se vê que possa ser outra a interpretação, considerando a eficácia excludente da excepção, enquanto pressuposto processual negativo, sendo inviável uma interpretação restritiva no sentido de que a instância deva manter-se pendente, mas numa situação de dinâmica processual, isto é, que não se encontre parada por inércia das partes.
Concebida a litispendência como pressuposto processual negativo, ligado ao objecto do processo, actuando a se, com inteira autonomia dos restantes ( cf., por ex., Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol.II, pág.16 e 242 ), com vista não só à protecção do demandado ( ne bis in idem ), mas também colimada ao interesse de ordem pública, pelo princípio da “tutela da coerência” e da segurança jurídica ( prevenindo julgados contraditórios ), constitui fundamento de excepção dilatória de conhecimento oficioso ( arts.493 nº2, 494 i) e 495 do CPC ).
Na situação de litispendência, os únicos pontos de natureza fáctica, e cuja apreciação depende de prova, são os relativos à pendência do processo e à prioridade temporal deste, pois os elementos da identidade contendem já com critérios estritamente jurídicos, definidos no art.498 do CPC.
Daí que, carecendo a pendência do processo de uma comprovada demonstração fáctica, não releva, sem mais, a interrupção da instância, na acepção do art.285 do CPC, por não configurar uma causa de extinção da instância.
Na verdade, a instância extingue-se por deserção ( art.287 c) do CPC ), e considera-se deserta a instância, independentemente de decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos ( art.291 nº1 do CPC ).
Por conseguinte, a deserção da instância pressupõe a paralisação do processo, em consequência da inactividade das partes, durante dois anos, operando agora “ope legis “.
Contudo, por força do nº4 do art.291 do CPC, a deserção é julgada no tribunal onde se verifica a falta, por despacho do juiz, significando que, decorrido o prazo legal da deserção, se alguma das partes requerer qualquer acto processual, então o juiz profere decisão a julgar deserta a instância, assumindo a pronúncia natureza declarativa ( cf., por ex., Ac do STJ de 12/1/99, BMJ 483, pág.167, de 16/10/03, www dgsi.pt/jstj ).
Sobre o regime da deserção no âmbito do CPC/1939 ( art.296 ), não era uniforme o entendimento quanto ao carácter automático, pois enquanto uns defendiam a natureza constitutiva da decisão judicial, com efeitos para o futuro ( por ex., Alberto dos Reis, RLJ ano 83, pág.300 e Comentário ao Código de Processo Civil, vol.III, pág.439, Ac do STJ de 25/4/61, BMJ 106, pág.431 ), outros sustentavam a natureza declarativa da decisão, dada a eficácia automática da deserção ( por ex., Manuel de Andrade, Lições de Processo Civil, pág.498, Ac do STJ de 14/3/1950, BMJ 18, pág.252 ).
O Código de Processo Civil de 1961 ( art.291 ) veio clarificar legislativamente que a deserção dá-se “ independentemente de qualquer decisão judicial “, conforme justificação constante no respectivo Projecto ( BMJ 122, pág.93 ), e a reforma de 1995 apenas encurtou o período temporal, positivando-se, assim, a eficácia automática.
Coloca-se a questão de saber se, apesar disso, a deserção pode ser alegada e conhecida incidentalmente noutro processo, designadamente em resposta à excepção de litispendência.
No âmbito do CPC/1939, Alberto dos Reis ( loc.cit ), contra a opinião da doutrina italiana ( Chiovenda e Betti ), rejeitava tal solução, com o argumento de que a deserção não funcionava ope legis, mas antes ope judicis, assumindo a decisão natureza constitutiva.
Sucede actualmente que a deserção opera de direito, e como tal, ela pode ser alegada por via incidental noutro processo.
Os Réus alegaram no art.10º da tréplica, como facto extintivo da excepção de litispendência arguida pelas Autoras, não a deserção, mas a interrupção, sem que tivessem concretizado a respectiva data, remetendo para a certidão junta ( fls.158 ), mas da qual não consta menção sobre a mesma.
Vieram a fazê-lo em sede de recurso, com a junção de certidão, na qual se exarou encontrar-se o processo parado durante mais de dois anos após o despacho de interrupção, logo, pelo menos, em 12/12/2005 já se havia consumada a deserção.
Cumpre indagar, em primeiro lugar, da tempestividade da junção do documento.
A junção de documentos, na fase de recurso, reveste natureza excepcional, só devendo ser admitida nos casos especiais previsto na lei.
Da conjugação do disposto nos artigos 706 nº1 e 524 nº1 e 2 do CPC, resulta que as partes só podem juntar documentos com as alegações nas seguintes situações: (1) se a apresentação não tiver sido possível até esse momento; (2) se os documentos se destinarem a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior; (3) e se a junção só se tornar necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância.
Ora, nenhuma destas hipóteses se verifica no caso concreto.
Desde logo, porque invocada a excepção na réplica, os Réus treplicaram em 22/1/04, e como o despacho interruptivo data de 11/12/03, implica que já então a poderiam ter junto, não configurando uma superveniência objectiva, e muito menos subjectiva, dado que os Réus já tinham conhecimento desse facto.
Por outro lado, a decisão da 1ª instância não se baseou em meio probatório não oferecido pelas partes, e nem a sentença se fundou em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes justificadamente não contassem ( cf. Antunes Varela, RLJ ano 115, pág.95 ).
Mesmo admitindo-se um conceito mais amplo de necessidade, no sentido de que a junção de documentos na fase de recurso, nos termos do art.706 nº1 do CPC, tem razão de ser quando a fundamentação da sentença ou o objecto da decisão (de direito ou de facto) fazem surgir a necessidade de provar factos (ou infirmá-los) com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes dela, mas não quando a parte, já sabedora da necessidade de produzir prova (ou contraprova) sobre certos factos, obtém decisão que lhe é desfavorável e pretende, mais tarde, infirmar o juízo proferido (cf., por ex., Ac do STJ de 13/3/2003, www dgsi.pt/jstj ), a verdade é que, relegando-se para final a excepção de litispendência, os Réus já então tinham conhecimento do estado desertivo do processo nº223/1998, muito antes do encerramento da audiência.
Por isso, as certidões juntas com as alegações, de decisões proferidas noutros processos, não são documentos supervenientes só por serem apresentados após o julgamento da 1ª instância, visto que para o serem teriam de dizer respeito a factos supervenientes e não aos que já eram conhecidos à data do julgamento da acção ( cf., neste sentido, Ac da RP de 2/3/2000, em www dgsi.pt/trp).
Nesta perspectiva, tal alegação configura um facto objectivamente superveniente extintivo da excepção, mas a atendibilidade de factos supervenientes, nos termos do art.663 do CPC, pressupõe que as partes os tragam ao processo, através de articulados supervenientes ( a menos que sejam notórios ), em conformidade com o disposto nos arts.506 e 507 do CPC, o que os Réus não fizeram, sabido que a audiência de julgamento se iniciou em 7/4/2006 (fls.481 ), encerrando-se em 4/5/2006 ( fls.484 ).
Tratando-se de facto novo, não submetido à apreciação do tribunal da 1ª instância, também por esta via está vedado à Relação dela conhecer.
É certo que a excepção dilatória da litispendência é de conhecimento oficioso ( arts.494 i) e 495 do CPC ), mas isto apenas significa uma concepção não privatista do instituto, impondo-se que o tribunal dela conheça, sem impulso da parte, devendo diligenciar pela sua comprovação ( art.265 nº2 do CPC ), mas uma vez arguida e havendo o tribunal da 1ª instância emitido pronúncia, o recurso não deixa de ser de reponderação ou de revisão.
Por outro lado, sabido que os pressupostos processuais devem ser preenchidos no momento do julgamento do recurso, o tribunal ad quem pode conhecer de qualquer facto superveniente, à data da decisão em 1ª instância, para aferição dos mesmos ( cf. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág.458 ), mas como já se anotou não assume esta categoria, precisamente por configurar um facto novo, não oportunamente alegado.
Em resumo, é de rejeitar a junção do documento, improcedendo a apelação dos Réus.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar procedente a questão prévia e rejeitar o recurso da Autora/apelante sobre a impugnação da matéria de facto.
2)
Rejeitar a junção do documento com as alegações dos Réus.
3)
Condenar os Réus nas custas do incidente, fixando a taxa de justiça em 1 Uc ( art.16 do CCJ ), sem prejuízo do apoio judiciário.
4)
Julgar improcedentes as apelações e confirmar a sentença recorrida.
5)
Condenar cada um dos recorrentes nas custas do recurso, sem prejuízo do apoio judiciário concedido aos Réus recorrentes.